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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.16 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2011

 

 

Cisto periodontal lateral – relato de caso e revisão de literatura

 

Lateral periodontal cyst – case report and literature review

 

 

Betine Pinto Moehlecke*; Felipe Rossi*; Ricardo Losekann Paiva**; Sabrina Pozatti Moure**; Pantelis Varvaki Rados***; Maria Cristina Munerato****

* Cirurgiões-dentistas.
** Mestres em Patologia Bucal pela UFRGS.
*** Doutor em Patologia Bucal pela USP Bauru, professor do curso de graduação e pós-graduação da Faculdade de Odontologia da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil.
**** Doutora em Estomatologia pela PUCRS, professora do curso de graduação da Faculdade de Odontologia da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Introdução: O cisto periodontal lateral é um tipo de cisto odontogênico, de etiologia desconhecida, cuja prevalência na população não é frequente. Essa lesão ocorre geralmente na região de pré-molares inferiores, é assintomática e, em alguns casos, ocasiona expansão da cortical óssea. Radiograficamente, apresenta radiolucidez unilocular bem definida. Objetivo e relato de caso: Este estudo tem por objetivo relatar o caso de um paciente do gênero masculino, 44 anos de idade, que procurou atendimento com queixa de aumento de volume associado a desconforto na região do segundo pré-molar inferior direito. Após criterioso processo de diagnóstico, procedeu-se à excisão cirúrgica e o exame microscópico revelou se tratar de cisto periodontal lateral, conforme a hipótese de diagnóstico clínico prévia. Considerações finais: Esse relato de caso clínico discute a importância da utilização de um protocolo de diagnóstico diferencial para estabelecer a conduta terapêutica adequada ao paciente.

Palavras-chave: Cisto periodontal. Diagnóstico. Diagnóstico diferencial.


 

ABSTRACT

The lateral periodontal cyst is a rare type of odontogênico cyst of unknown etiology. It usually occurs in the premolars, it is generally asymptomatic and in some cases leads to expansion of cortical bone. When seen in the radiographic appearance, has well-defined unilocular radiolucency. Aim: This study aims to report the case of a 44 years old male who came to us complaining of swelling associated with discomfort in the second inferior right premolar. After a thorough diagnostic evaluation, surgical excision was performed and microscopic examination proved to be a lateral periodontal cyst, as previously hypothesized after clinical examination. This case report also discusses the importance of following an appropriate protocol to establish differential diagnosis and accordingly treatment.

Keywords: Periodontal cyst. Diagnosis. Differential diagnosis.


 

 

Introdução

O cisto periodontal lateral (CPL) é um cisto odontogênico raro1,2, de etiologia controversa e que representa cerca de 0.8% a 1,5% dos casos de cistos que acometem os maxilares3. É definido como um cisto odontogênico de desenvolvimento não ceratinizado e não inflamatório. Sua prevalência é maior em adultos, acometendo-os mais frequentemente na quinta e na sexta décadas de vida3-9. Alguns autores afirmam haver uma ligeira predileção pelo sexo masculino, ao passo que outros não encontraram essa relação por gênero ou etnia4-6,8-11. Uma diferença estatisticamente significante na média de idade por gênero, com uma média de 40.5 anos para as mulheres e 58.2 anos nos homens, foi observada por Carter et al.7 (1996), sugerindo uma contribuição do fator hormonal para a ocorrência desses cistos.

Aproximadamente 80% dos CPL são detectados na mandíbula, com um maior acometimento da região de incisivo lateral, canino e pré-molar2-9,11. Também há relatos de casos de CPL na região de terceiros molares inferiores12 e superiores7, e um estudo retrospectivo de 11 casos relata a prevalência nos ossos gnáticos, em uma relação de oito casos em maxila para três em mandíbula13.

A descoberta do CPL geralmente se dá por meio de exames radiográficos, apresentando-se como uma área radiolúcida bem circunscrita, localizada lateralmente à raiz de um dente vital, com ausência de sintomatologia dolorosa relatada na anamnese e/ou observada no exame físico intrabucal. A expansão da cortical óssea vestibular ou lingual pode ser clinicamente observada, apresentando-se arredondada, firme e recoberta por mucosa normal4,12. Além disso, podem ser observados edema gengival assintomático, isquemia pela distensão dos tecidos e coloração azulada3-5. Em geral os cistos têm menos de 1 cm de diâmetro, podendo lesões maiores causar divergência das raízes9.

Este artigo apresenta um relato de caso abordando as características clínicas, radiográficas, histopatológicas do CPL, discutindo a importância do diagnóstico diferencial, o que determina a escolha pelo tratamento.

 

Relato de caso

Paciente do gênero masculino, branco , 44 anos, sem histórico de doenças sistêmicas e uso crônico de medicamentos, compareceu em julho de 2004 no ambulatório de Urgência da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FO-UFRGS), queixando-se de desconforto na região do segundo pré-molar inferior direito.

Ao exame clínico, constatou-se aumento de volume, circular, localizado por vestibular na região distal do dente 45 (terço médio da raiz), medindo aproximadamente 1 cm de diâmetro e recoberto por mucosa normal (Fig. 1). Os testes de sensibilidade pulpar ao frio e de digitação apical nesse dente foram positivos.

 

 

 

Os exames radiográficos de incidência periapical e panorâmica revelaram uma área radiolúcida, unilocular, bem delimitada com bordas escleróticas, de aproximadamente 0,6 cm de diâmetro, relacionada à raiz do dente 45 (Fig. 2 e 3).

 

 

 

 

 

A punção aspirativa da lesão intraóssea resultou na obtenção de líquido citrino. A partir disso, realizou-se o procedimento cirúrgico, que consistiu de incisão de Newman com divertículo na mesial do dente 44 e descolamento mucoperiósteo, não havendo necessidade de osteotomia, pois a lesão se encontrava subperióstea. Após a enucleação, o retalho foi reposicionado com sutura a pontos isolados. Macroscopicamente, a lesão era arredondada, de consistência fibrosa, coloração parda, medindo 0,8 cm de diâmetro.

A peça cirúrgica foi fixada em formalina neutra tamponada a 10% e, ao ser seccionada, na macroscopia observou-se uma cavidade. Em seguida, realizou-se o processamento pela técnica de hematoxilina e eosina (HE). Ao exame histopatológico, observou-se uma cavidade revestida por tecido epitelial de revestimento delgado, composto por células cuboidais, com espessamento em algumas áreas, circundado por cápsula de tecido conjuntivo fibroso. Observou-se, ainda, ruptura do epitélio de revestimento e da cápsula fibrosa (Fig. 4 e 5). Associando as características clínicas, radiográficas e histopatológicas, confirmou-se o diagnóstico de CPL.

 

 

 

 

 

O paciente retornou aproximadamente um ano após a cirurgia para controle. Clinicamente, não se observou aumento de volume ou relato de sintomatologia dolorosa. Houve redução da área radiolúcida (Fig. 6), observada radiograficamente. O paciente permanece em controle clínico e radiográfico periódico.

 

 

 

Discussão

O conhecimento das características clínicas e radiográficas do CPL, apesar de ser pouco prevalente1, é importante para minimizar a possibilidade de erro no diagnóstico, o que pode resultar no tratamento inadequado dessa patologia4,5,7.

Durante o processo diagnóstico, é fundamental descartar uma origem inflamatória, inerente aos cistos radiculares de origem periodontal ou endodôntica13. Um cisto periodontal é de origem inflamatória quando originado de um canal radicular lateral acessório infectado ou por uma infecção através do sulco gengival. Na presença de resposta negativa para o teste de sensibilidade pulpar, indicativo de necrose pulpar, faz-se o diagnóstico diferencial, tendo- se como diagnóstico final cisto radicular lateral de origem inflamatória5,11,14,15.

No presente caso, o diagnóstico diferencial com lesões de origem periodontal ou endodôntica foi alcançado pela observação do protocolo para o diagnóstico preconizado na FO-UFRGS, que consiste nos seguintes passos: a) sondagem periodontal; b) teste de sensibilidade pulpar por meio do uso de gás refrigerante sob isolamento relativo dos dentes da região; c) pressão e percussão vertical e horizontal; d) digitação apical; e) radiografia periapical da região. Desse modo, o diagnóstico clínico final foi de CPL, posteriormente confirmado por meio do exame histopatológico.

O CPL é um cisto odontogênico de desenvolvimento incomum, com localização intraóssea e que em torno de 80% dos casos ocorre na região de incisivo lateral, canino e pré-molar, especialmente na mandíbula3-9. No presente caso, o paciente encontrava- se na faixa etária de maior prevalência do CPL e o motivo da procura por atendimento foi o desconforto associado ao aumento de volume em razão da expansão da cortical óssea que pode ocasionalmente ser encontrada, como descrito por alguns autores4,7,12.

A imagem radiográfica observada caracterizouse por uma área radiolúcida bem definida localizada ao longo da superfície lateral da raiz, entre a crista alveolar e o ápice radicular, não ultrapassando 1 cm de diâmetro, de forma circular, ovoide, com bordas escleróticas (Fig. 2 e 3), cujas características radiográficas são descritas na literatura3-6.

Após estabelecer o diagnóstico clínico, com base nas características clínicas e radiográficas, procedeu- se à punção aspirativa da lesão intraóssea previamente à abordagem cirúrgica da lesão. A punção aspirativa é uma manobra que auxilia no diagnóstico, uma vez que evidencia o conteúdo da lesão, que pode ser sólido ou líquido (este último pode ser constituído por sangue, pus ou líquido citrino). No presente caso, o material foi líquido citrino, o que auxiliou no direcionamento da conduta para a enucleação cirúrgica da lesão e encaminhamento do material para exame histopatológico para confirmação diagnóstica3,5,7,8. No exame histopatológico, os cortes examinados mostraram tecido epitelial de revestimento delgado não ceratinizado, constituído por células cuboidais, com áreas de espessamentos nodulares e circundado por uma cápsula fibrosa. Havia ruptura entre a cápsula e o epitélio de revestimento.

Assim como o observado nesse caso, Neville et al.9 (2004) descrevem como características microscópicas do CPL a presença de tecido epitelial de revestimento composto por uma a três camadas de células em sua espessura, que, em alguns casos, mostram espessamentos nodulares no limitante epitelial, compostos principalmente por células claras. Além disso, autores afirmam que a cápsula fibrosa dessas lesões geralmente não se encontra inflamada9,16. Tais características distinguem o CPL de um cisto inflamatório em posição lateral à raiz dentária, principalmente pela estruturação do tecido epitelial, que muitas vezes é hiperplásico, e pela cápsula fibrosa usualmente inflamada.

O acompanhamento do paciente é fundamental, uma vez que tem o propósito de observar a remodelação óssea na área de enucleação do cisto ou detectar alguma evidência de recorrência3,6,7,12. Nesse caso, aproximadamente um ano após o procedimento cirúrgico, pôde-se verificar a redução da área radiolúcida (Fig. 6).

O presente relato de caso clínico mostra a importância do conhecimento do cirurgião-dentista no que se refere à distinção de etiologias de um cisto em localização lateral a uma raiz dentária, devendo excluir, primeiramente, as lesões de origem inflamatória. No início do processo de diagnóstico, a diferenciação entre causa inflamatória ou de desenvolvimento – associando dados do exame físico e de exames complementares, com os imaginológicos – demonstra a relevância clínica do seguimento de um protocolo de diagnóstico diferencial. Essa etapa do processo de diagnóstico é primordial, pois reflete na escolha pela conduta terapêutica adequada, elevando as chances de sucesso no tratamento. Ressalta- se ainda a importância de um controle periódico para avaliação desses casos em longo prazo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Cristina Munerato
Rua Ramiro Barcelos, 2492
90035-003 Porto Alegre - RS

e-mail:
mcmunerato@gmail.com

Recebido: 16.04.2010
Aceito: 09.09.201