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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.16 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2011

 

 

Tratamento da síndrome de apneia-hipopneia obstrutiva do sono por meio de placa protrusiva mandibular

 

Apnea obstructive sleep syndrome treatment using protrusive mandibular appliance

 

 

Laís Gomes de Araujo*; Patrícia Rocha Coelho**; Josemar Parreira Guimarães***

* Acadêmica de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, membro da equipe do Serviço de ATM da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil.
** Cirurgiã-dentista, aluna do PPG - mestrado em Clínica Odontológica pela Universidade Federal de Juiz de Fora, professora do Serviço de ATM da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil.
*** Doutor em Ortodontia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Serviço de ATM da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Relatar o caso de uma paciente portadora de SAHOS moderada. Relato do caso: O presente caso clínico trata-se de uma paciente leucoderma, de 64 anos de idade, portadora de síndrome de apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) moderada, que se apresentou ao Serviço de ATM – Serviço de Diagnóstico e Orientação a Pacientes com Desordens Temporomandibulares da Faculdade de Odontologia/UFJF – com os seguintes sintomas: sonolência e cansaço diurno, ronco, sono noturno conturbado, cefaleia matinal e cervicalgia. A modalidade de tratamento utilizada foi o aparelho intrabucal reposicionador mandibular. Considerações finais: O tratamento realizado foi eficaz na melhora da sintomatologia dolorosa, desobstruindo a passagem do ar, permitindo melhor ventilação do paciente e controlando os efeitos colaterais e secundários da SAHOS nas estruturas bucofaciais.

Palavras-chave: Apneia. Síndromes da apneia do sono. Qualidade de vida. Ronco.


 

ABSTRACT

Objective: To report the case of a patient with moderate OSAHS. Case relate: The present case concerns patient, 64 years old, with moderate carrier apnea syndrome and obstructive sleep hypopnea syndrome (OSAHS), presented to the ATM Service – Service of Diagnosis and Orientation for patients with temporomandibular disorders in the Faculty of Dentistry/UFJF with the following symptoms: sleepiness and daytime tiredness, snoring, insufficient night's sleep, waking up several times at night, morning headaches and neck pain, which treatment modality was the intraoral mandibular locator appliance. Final considerations: The treatment was effective in improving pain symptoms, clearing the air passage, allowing better ventilation of the patient and controlling the side effects and secondary OSAHS in bucofaciais structures.

Keywords: Apnea. Sleep apnea syndromes. Quality of life. Snoring.


 

 

Introdução

Desde 1985, a medicina e a odontologia têm aumentado seu foco nas desordens respiratórias do sono. Embora exista um grande número de desordens que podem ser incluídas nessa categoria, têm merecido destaque a apneia obstrutiva do sono e as alternativas de possíveis tratamentos intrabucais para essa enfermidade1.

A síndrome de apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) é definida pelo índice de apneias mais hipopneias por hora de sono (IAH), com ocorrência de, no mínimo, cinco apneias mais hipopneias por hora de sono, somadas a sintomas clínicos, dos quais os mais importantes são ronco alto e sonolência diurna excessiva2,3.

A SAHOS é uma doença prevalente com expressão clínica variável, em que fatores anatômicos, funcionais, neurais e genéticos interagem em sua gênese4. Muitas evidências sugerem associação a doenças cardiovasculares, hipotireoidismo, diabetes mellitus, obesidade, sedentarismo, ingesta de álcool, tabagismo, história familiar, entre outras5,6.

Uma vez levantada a suspeita, deve-se optar pela realização da polissonografia noturna, considerada o exame de escolha para diagnóstico. A polissonografia consiste na monitorização do sono do paciente em ambiente calmo e apropriado, analisando seus diferentes estágios, as paradas respiratórias, a monitoração dos batimentos cardíacos, os movimentos das pernas e o grau de oxigenação do sangue7.

A terapêutica da SAHOS tem caráter multidisciplinar e engloba desde medidas clínicas (redução do peso, uso de antidepressivos, estimulação elétrica) até cirúrgicas, fazendo-se necessária a participação do cirurgião-dentista em ambas as esferas, por meio do emprego de aparelhos intrabucais ou da realização de cirurgias bucomaxilares8,9.

Este trabalho tem a finalidade de relatar o caso de uma paciente leucoderma, de 64 anos de idade, diagnosticada previamente como portadora de SAHOS moderada, por meio da placa protrusiva mandibular. Decidiu-se escrever o presente relato de caso para exaltar o papel do cirurgião-dentista especialista em dor orofacial e disfunção temporomandibular (DTM) perante tal enfermidade.

 

Relato de caso

Paciente leucoderma, do sexo feminino, com 64 anos de idade, 1,58 m de altura e 66 kg de massa corporal (índice de massa corpórea igual a 26,10 kg/m2), apresentou-se ao Serviço de ATM da Faculdade de Odontologia/UFJF com os seguintes sintomas: sonolência e cansaço diurno, sono noturno conturbado acordando várias vezes à noite, cefaleia matinal e cervicalgia (Fig. 1 e 2).

 

 

 

 

 

Durante a anamnese, a paciente revelou ser portadora de diabetes, hipotireoidismo e hipertensão arterial sistêmica, sob tratamento e controle por meio de medicamentos. No exame extrabucal, apresentava face vertical harmônica; no intrabucal, foi observada presença de prótese fixa (11 a 15, 21 e 22), padrão esquelético de classe II e mordida cruzada posterior bilateral. Não foi constatada sintomatologia dolorosa e/ou articular relacionada à articulação temporomandibular (ATM). Ao exame radiográfico evidenciou-se discreta hipermobilidade condilar bilateral (Fig. 3 e 4).

 

 

 

 

 

A paciente apresentava a SAHOS, diagnosticada previamente por uma polissonografia, por meio da qual foi classificada como apneia moderada. Consultou o otorrinolaringologista e foi-lhe indicado um tratamento conservador utilizando uma placa intrabucal protruindo a mandíbula e aumentando a dimensão vertical. Também utilizou dilatador nasal externo para auxiliar na respiração.

Os procedimentos utilizados para a confecção do aparelho intrabucal tiveram base na literatura8,10,11. Primeiramente, registrou-se a moldagem dos arcos dentários com material hidrocoloide irreversível (Algintato Ezact Kromm®, Vigodent, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) e obtenção dos modelos, que foram vazados com gesso especial (Gesso Dent-Mix Tipo 4®, Asfer, São Caetano do Sul, SP, Brasil). Posteriormente, foi feito o registro da posição intermaxilar habitual do paciente com cera 7 plastificada e encaminhado ao protético para confecção da placa em cera.

Na consulta seguinte, foram realizados os registros da medida de protrusão máxima e da posição intermaxilar do paciente com cera 7 plastificada em protrusiva, utilizando-se uma avanço mandibular de dois terços do valor da protrusão máxima na placa em cera, tendo sido realizados os devidos ajustes (Fig. 5). A placa em cera foi encaminhada ao protético para confecção da placa em resina acrílica autopolimerizável. Na sessão seguinte realizou-se a instalação da placa de apneia provida com retentivo para manter a mandíbula em posição anterior durante o sono e procedeu-se à realização dos devidos ajustes (Fig. 6 a 8).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Após a primeira semana de tratamento, a paciente sentiu-se confortável utilizando o aparelho intrabucal, sem, contudo, relatar melhora significativa do quadro clínico. A partir da segunda semana de uso do aparelho, relatou remissão total da cefaleia matutina e da cervicalgia; na semana seguinte, relatou melhora do ronco, com consequente melhora na qualidade do sono; na quarta semana, recebeu alta do tratamento.

 

Discussão

As graves repercussões sistêmicas decorrentes da SAHOS e sua elevada mortalidade requerem a atenção das diversas especialidades da área de saúde9. É provável que impactos mórbidos cumulativos da SAHOS sejam cada vez mais aparentes. Todos os agentes de saúde devem ser cobrados nas esferas da prevenção e controle dessa síndrome10.

O diagnóstico da SAHOS é normalmente simples quando os pacientes são obesos, possuem ronco habitual e/ou sonolência diurna excessiva. No entanto, os pacientes com SAHOS podem, por vezes, apresentar sintomas agudos e atípicos, resultando em atraso no diagnóstico e em graves consequências, com risco de morte12. A paciente relatada no caso clínico em questão, apesar de não apresentar índice de massa corpórea (IMC) correspondente a obesidade ( 30 kg/m2) e apresentar sintomas tipicamente característicos da SAHOS, como sonolência diurna e ronco alto, foi encaminhada para avaliação da qualidade do sono por meio da polissonografia, considerada o exame de escolha para o diagnóstico.

A opção por uma entre as diversas estratégias de tratamento para a SAHOS dependerá do diagnóstico diferencial de um médico especialista em medicina do sono, associado ao laudo do exame de polissonografia para se estabelecer um plano de tratamento adequado ao paciente13.

A paciente em questão não apresentou sinais e/ou sintomas de DTM; por isso, optou-se pela terapêutica específica para SAHOS. Nesse sentido, segundo a literatura, pacientes que apresentam DTM devem receber placa para apneia quando não possuírem sintomas de DTM14.

Diferentes aparelhos estão disponíveis no mercado e têm como objetivo aumentar o espaço posterior das vias aéreas superiores (VAS) por meio da retenção da língua, levantamento do palato ou avanço da mandíbula (melhores resultados). Aparelhos reposicionadores da mandíbula são indicados para pacientes dentados com quantidade de elementos dentários suficientes para ancoragem e retenção do dispositivo11. No caso clínico em questão pôde-se utilizar esse tipo de aparelho, pois a paciente apresenta quantidade de dentes suficiente para ancoragem e retenção do dispositivo.

Aparelhos de avanço mandibular (AAM) podem ser aparelhos fixos, os quais realizam o avanço imediato em passo único (fixam a mandíbula nos sentidos horizontal e vertical; ex.: monobloco, NAPA); aparelhos ajustáveis, que executam o avanço gradativo e permitem movimentos mandibulares com restrição (ex.: Herbst Modificado, Klearway); aparelhos dinâmicos, que efetuam avanço fisiológico com liberdade mandibular (ex.: dispositivo aperfeiçoado do aparelho antirronco). No caso clínico descrito foi utilizado aparelho fixo do tipo monobloco13.

Para fabricar o aparelho com avanço mandibular é necessário o uso de 50 a 75% da máxima protrusiva do paciente, com o objetivo de permitir que o paciente mantenha esse avanço mandibular durante o sono sem que ocorram problemas na articulação temporomandibular8,13,15. Neste relato a paciente apresentou protrusão total de 7 mm e o aparelho foi ajustado com protrusão de 4,5 mm.

O uso da placa protrusiva mandibular pode melhorar eficazmente a qualidade de vida dos pacientes com SAHOS leve a moderada. O aparelho apresenta indicação para os casos de ronco primário e SAHOS de leve intensidade e, excepcionalmente, nos casos de não adaptação ao CPAP (aparelhos de pressão positiva contínua nas vias aéreas). A paciente do presente caso clínico já havia sido orientada a respeito do CPAP, mas optou por não utilizar essa modalidade terapêutica11,16.

Com base na natureza e finalidade dos tratamentos disponíveis para SAHOS, estudos clínicos comparativos entre CPAP e a placa protrusiva mandibular são necessários, cujos resultados não apenas incidem sobre o índice de apneia do sono, mas também sobre a qualidade de vida dos pacientes com SAHOS16. Os aparelhos intrabucais de avanço mandibular podem ser considerados tratamento de primeira escolha para pacientes com SAHOS média e moderada, por proporcionar melhora significativa do quadro e uma maior aceitabilidade por parte dos pacientes quando comparados ao CPAP1.

 

Considerações finais

Baseados em estudos a respeito da placa protusiva em pacientes avaliados pela polissonografia, podem-se prever efeitos positivos em pacientes que possuem SAHOS moderada diagnosticada previamente. O uso do aparelho reposicionador mandibular intrabucal foi eficaz na melhora da sintomatologia dolorosa e no aumento da amplitude mandibular após duas semanas. O papel do cirurgiãodentista especialista em dor orofacial e disfunção temporomandibular nesses casos é de construir um aparelho intrabucal de uso noturno, capaz de desobstruir a passagem do ar, permitindo melhor ventilação do paciente, e realizar o controle dos efeitos colaterais e secundários da SAHOS nas estruturas bucofaciais.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Laís Gomes de Araujo
Rua Dr. Gil Horta, 163, apto. 201
36016-400 Juiz de Fora - MG

e-mail:
laisaraujojf@yahoo.com.br

Recebido: 15.03.2010
Aceito: 16.06.2010