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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.16 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2011

 

Editorial

 

O cenário atual dos periódicos brasileiros de odontologia

 

Dentro do contexto da evolução da pós-graduação brasileira, um dos aspectos que merece uma análise reflexiva por sua importância na divulgação do conhecimento produzido é o atual papel dos periódicos científicos editados no Brasil. A odontologia apresenta atualmente o segundo maior índice de crescimento da produção bibliográfica dos programas de pós-graduação no país, somente abaixo da área de medicina. Em decorrência da consolidação da produção científica brasileira e de sua qualificação internacional, uma significativa parcela da publicação em odontologia tem sido realizada em periódicos indexados em bases internacionais de alto impacto, publicadas no exterior por editoras profissionais, tais como Elsevier, Blackwell e Springer. Além disso, esses periódicos de alto impacto são em geral editados por associações de classe ou de especialidade odontológica ou ainda por sociedades científicas nacionais e internacionais. Aqui reside uma das principais diferenças entre os perfis dos periódicos brasileiros e os periódicos editados no exterior, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.

Muitos periódicos científicos brasileiros, não somente da área de Odontologia, são editados por faculdades ou departamentos dentro de universidades públicas ou privadas, sendo que as equipes editoriais científicas e executivas são voluntárias e compostas por docentes, pesquisadores, funcionários da universidade e alunos de pós-graduação. Muitas vezes, os periódicos são publicados por editoras universitárias ou empresas terceirizadas de pequeno ou médio porte, cujo pessoal técnico dificilmente tem formação especializada na produção de periódicos segundo padrões internacionais de editoração eletrônica. Um reflexo desses pontos críticos é a relativa falta de profissionalização do processo editorial. Por exemplo, no Brasil é ainda bastante restrita a adoção de vários recursos editoriais e de publicação on-line que são comuns em periódicos de primeira linha, tais como utilização de d.o.i. (digital object identifier) e publicação de “early view” e “press release” de artigos, bem como o uso de softwares para detecção de plágio e para gerenciamento de todo o processo editorial de submissão, revisão por pares e edição final do manuscrito. Embora muitas dessas ferramentas sejam disponibilizadas em alguns periódicos publicados no Brasil através da coleção SciELO ou do Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas via IBICT, o nível de profissionalização do processo editorial ainda está muito distante dos pares internacionais.

A necessidade de maior profissionalização editorial esbarra em questões de sustentabilidade financeira dos periódicos brasileiros e de sua capacidade competitiva para divulgar os melhores artigos científicos da área em nível mundial. Segundo a BVS Odontologia Brasil, as estatísticas de periódicos científicos de odontologia indexados e ativos em bases de dados nacionais e internacionais são bastante diversas (informação da equipe da BVS Odontologia Brasil em fevereiro de 2012): 59 títulos brasileiros na BBO, 49 títulos na Lilacs, 5 títulos correntes na coleção SciELO Brasil, 863 títulos no Medline (3 títulos brasileiros correntes), 131 títulos na Scopus (7 títulos brasileiros correntes) e 77 títulos no ISI (JCR) (1 título brasileiro corrente). Embora não seja possível comparar diretamente esses números devido aos diferentes critérios de indexação de títulos nas bases, algumas observações são óbvias. Em primeiro lugar, existem muitos periódicos brasileiros de odontologia não indexados em bases internacionais de maior prestígio. Em segundo lugar, embora a produção bibliográfica dos programas de pós-graduação em odontologia do Brasil tenha avançado significativamente nos últimos anos, paralelamente não houve qualificação dos periódicos brasileiros em termos de indexação internacional de impacto. Em decorrência dessa situação, que perdura por vários anos, os periódicos brasileiros sofrem de falta de visibilidade internacional e têm dificuldades para atrair artigos de potencial alto impacto, mesmo de autores brasileiros.

Uma questão crucial é como inserir de forma mais incisiva internacionalmente os periódicos brasileiros de odontologia que já estão indexados nas bases de dados de maior prestígio internacional. Nesse aspecto, torna-se relevante um planejamento estratégico do periódico que considere aspectos políticos e operacionais, tais como a profissionalização editorial, a maior participação do corpo editorial em organismos internacionais e a adesão a recomendações internacionais de editoração e de ética em publicação. Por outro lado, o reconhecimento da comunidade científica odontológica e seu envolvimento ativo na promoção dos periódicos brasileiros é também fundamental. Talvez seja necessária uma maior movimentação nacional em prol dos periódicos brasileiros e sua valorização quando da citação de artigos publicados nos trabalhos submetidos a todos os periódicos especializados em odontologia. Isso não significa promover uma cultura de citação per se, mas de valorizar autores e periódicos brasileiros cujos trabalhos são similares ou melhores que os publicados por pares em outras revistas. Esta é uma tarefa que necessita da conscientização e do esforço conjunto de toda a comunidade odontológica enquanto leitores, autores, revisores, editores, professores, orientadores e discentes de pós-graduação.

Por outro lado, o que fazer com a grande maioria dos periódicos especializados em odontologia que ainda não estão indexados nas grandes bases internacionais? A massificação de todos os periódicos brasileiros não parece ser uma saída plausível, pois não há espaço internacional para tantas revistas com perfil e escopo similar. A pulverização de publicação dos melhores artigos científicos em inúmeros periódicos brasileiros não vai promover a editoração brasileira. Esta é uma questão delicada que merece um olhar mais aprofundado sobre o papel dos periódicos de odontologia editados no Brasil. Qual sua missão? Qual seu escopo? Qual seu público-alvo? Quais seus objetivos e suas metas em curto, médio e longo prazo? Talvez cada periódico individualmente precise fazer uma autoanálise e nossa comunidade odontológica precise enxergar com maior clareza a distinção entre os modelos de periódicos mais voltados para a academia ou para a comunidade clínica. Conhecer a si mesmo pode ser um bom ponto de partida. Somente periódicos científicos brasileiros de alto impacto, em língua inglesa, não vão fazer toda a diferença para melhorar a atenção à saúde bucal da população brasileira quer no serviço público quer em consultório privado. Se quisermos ter uma classe odontológica educada, capaz de compreender e utilizar a melhores evidências científicas na prática clínica diária, precisamos fornecer as ferramentas adequadas: boas revistas clínicas, com conteúdo atualizado e baseado em evidências científicas, em língua portuguesa, com a divulgação da ciência diretamente para a prática clínica em larga escala. Esta é uma face dos periódicos especializados em odontologia em que citações e indexação contam menos, mas a qualidade da informação científica e clínica é fundamental. O impacto direto nas práticas clínicas também deve ser maior do que nas revistas estritamente científicas, mas tal medição é muito difícil de ser realizada. Talvez seja hora de repensarmos nossos periódicos brasileiros de odontologia e sua avaliação na produção da pós-graduação considerando estas perspectivas.

 

Rosemary Shinkai