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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.16 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2011

 

 

Diagnóstico radiográfico diferencial das reabsorções radiculares internas e externas entre especialistas em endodontia e clínicos gerais

 

Differential radiographic diagnosis of internal and external root resorptions between endodontic specialists and general practitioners

 

 

Mônica Martins Macieira*; Aline Martins Justo**; Marcus Vinícius Reis Só***; Regis Burmeister dos Santos****; Miriam Lago Magro*****; Milton Carlos Kuga******

* Especialista em Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
** Professora Substituta de Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
*** Professor Adjunto de Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
**** Professor Titular de Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
***** Professora Adjunta de Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
****** Professor Adjunto de Endodontia, Faculdade de Odontologia de Araraquara, Unesp, Araraquara, SP, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar a capacidade dos especialistas em endodontia e dos clínicos gerais em diagnosticar as reabsorções radiculares internas e externas por meio de imagens radiográficas periapicais digitalizadas. Métodos: Trinta imagens radiográficas periapicais de reabsorções externas e internas foram selecionadas. Os avaliadores foram compostos por 15 endodontistas e 29 clínicos gerais, que responderam a um questionário contendo a seguinte pergunta: "Que tipo de reabsorção dentária você diagnostica nas seguintes radiografias?" (1) Reabsorção radicular inflamatória externa. (2) Reabsorção radicular interna. A análise estatística foi realizada a partir do teste de Mann-Whitney, com nível de significância de 5%. Resultados: Não houve diferença estatisticamente significante nos percentuais de acerto entre especialistas em endodontia e clínicos gerais. Conclusões: Os dois grupos demonstraram satisfatória habilidade na interpretação radiográfica das reabsorções internas e externas. O percentual de acertos foi maior no diagnóstico das reabsorções internas do que das externas para ambos os grupos de avaliadores.

Palavras-chave: Endodontia. Diagnóstico por imagem. Reabsorção da raiz.


 

ABSTRACT

Objectives: The objective of this study was to evaluate the ability of endodontists and general practioners to perform the differential radiographic diagnosis between internal and external root resorptions, using digitized periapical radiographs. Methods: Thirty periapical radiographic images of external and internal resorption were selected. The evaluators were comprised of 15 endodontists and 29 general practitioners who answered a questionnaire with the following question: "What type of resorption in the following radiographics do you diagnose?" (1) Inflammatory external root resorption. (2) Internal root resorption. Statistical analysis was performed based on the Mann-Whitney test, with significance level of 5%. Results: There was no statistically significant difference in the percentage of correct answers from specialists in endodontics and general practitioners. Conclusions: Both groups demonstrated satisfactory skill in the radiographic interpretation of internal and external resorption and there was a higher percentage of correct diagnosis of internal resorption than the external.

Keywords: Endodontics. Diagnostic imaging. Root resorption.


 

 

Introdução

O processo de reabsorção envolve a perda de estruturas dentárias, como dentina e cemento e também do osso alveolar, sendo resultante da atividade de células clásticas e causado por fatores fisiológicos, patológicos ou idiopáticos1. A raiz dental normalmente é resistente aos estímulos que levam à reabsorção o que se deve à proteção de tecidos não mineralizados, como a pré-dentina e a camada odontoblástica internamente e do pré-cemento externamente. Esses tecidos desempenham importante papel na resistência dos dentes às reabsorções, pois impedem a ação clástica à dentina mineralizada2.

Para iniciar o processo de reabsorção radi cular é necessário que ocorra uma injúria aos tecidos não mineralizados que cobrem a superfície externa da raiz, como o pré-cemento, e a superfície interna do canal radicular, como a pré-dentina e a camada odontoblástica. Os fatores relacionados com a etiologia das reabsorções são traumatismo, reimplantes, transplantes, procedimentos cirúrgicos e restauradores, fratura dentária, tratamento ortodôntico, pressão excessiva de dentes impactados ou tumores, agentes clareadores, inflamação pulpar e periodontal3. A manutenção do processo de reabsorção depende de fatores de estimulação das células osteoclásticas, como infecção1,4 ou pressão. A ausência de tais estímulos promove a cessação do processo reabsortivo3.

As reabsorções são classificadas, conforme sua causa, localização e complexidade, em reabsorções externas e internas5. Podem se localizar em diferentes pontos da raiz (terço cervical, médio ou apical) e, conforme sua extensão, tornam-se comunicantes, ligando a cavidade pulpar ao periodonto2.

A reabsorção radicular externa inflamatória progressiva representa o tipo mais comum de reabsorção e pode ter seu início em qualquer ponto da superfície radicular nos dentes completamente irrompidos2. Seus fatores etiológicos mais frequentes estão intimamente relacionados ao endodonto, quer seja pelos subprodutos da necrose, quer seja por contaminação, quando esses micro-organismos se instalam no sistema de canais radiculares6. A sua progressão pode causar danos irreversíveis à estrutura dentária e requer tratamento e monitoramento7. Se a reabsorção permanecer progredindo sem ser diagnosticada, o prognóstico torna-se sombrio3.

Lesões recentes mostram-se radiograficamente como uma nebulosa radiolucência na raiz, com bordos pouco definidos. As paredes do canal são visíveis e aparecem através do defeito radiolúcido, indicando que a lesão está na superfície externa da raiz2,8,9; sua expansão é predominantemente lateral, gerando áreas afetadas amplas e extensas na superfície radicular, porém rasas principalmente nas fases iniciais2.

A reabsorção interna é uma condição inflamatória que resulta na destruição progressiva da dentina intrarradicular, podendo se localizar na porção coronária ou nos terços cervical, médio ou apical das paredes do canal. Os espaços reabsorvidos são preenchidos somente por tecido de granulação ou em combinação com tecidos mineralizados, como osso e cemento10. O traumatismo é considerado o fator predisponente mais comum da reabsorção interna, presente em 45% dos casos11. A reabsorção radicular interna pode ser transitória ou progressiva. A transitória é autolimitante, ao passo que a progressiva depende de estímulos bacterianos12.

Independentemente do fator etiológico, há concordância de que a progressão da reabsorção interna depende de dois fatores: o tecido pulpar na área reabsorvida deve estar vital e a polpa coronária à reabsorção deve estar parcial ou completamente necrótica, permitindo a invasão bacteriana e a entrada de antígenos microbianos no canal radicular13. A partir do momento em que o sistema de canais radiculares estiver totalmente infectado, a reabsorção radicular interna paralisa e ocorre o desenvolvimento de uma periodontite apical10. As características clínicas da reabsorção radicular interna dependem do desenvolvimento e localização da lesão. Muitos dentes não apresentam sintomatologia e as lesões são descobertas em exames radiográficos de rotina13. Radiograficamente, apresenta-se como uma área radiolúcida, simétrica, com margens nítidas, regulares e bem definidas, de formato arrredondado ou oval, variando no tamanho e na localização11. Na área da reabsorção o canal radicular perde seu contorno original14; podem ser encontradas formas ovais e assimétricas.

O diagnóstico das reabsorções durante a prática clínica é comumente realizado por meio das radiografias intraorais. Um correto diagnóstico diferencial entre a reabsorção interna e a externa é essencial, pois representam processos patológicos diferentes e, consequentemente, exigem protocolos de tratamento distintos. O diagnóstico diferencial entre as reabsorções radiculares internas e externas por meio da imagem radiográfica apresenta nuanças muitas vezes de difícil identificação. Em princípio, são tanto maiores essas dificuldades quanto menor é o treinamento do profissional para esse mister. O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade dos especialistas em endodontia e clínicos gerais para diagnosticar as reabsorções radiculares internas e externas por meio de imagens radiográficas periapicais digitalizadas.

 

Materiais e métodos

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade de Passo Fundo, recebendo parecer favorável (CEP 209/2007).

Foram utilizadas trinta imagens radiográficas periapicais pertencentes ao acervo de um especialista em endodontia. A coleção foi composta por 11 casos de reabsorção radicular interna e 19 casos de reabsorção radicular externa. As radiografias foram fotografadas com máquina digital, Nikon Colpix L3, 5.1 megapixels, e transferidas para um arquivo do programa Power Point 2003 (Microsoft Corp., EUA), onde foram numeradas sequencialmente de 1 a 30 (cada estampa continha uma imagem radiográfica do caso clínico). Após a digitalização, as imagens foram gravadas em 10 Compact Disc (Verbatim-CDR, São Paulo, SP, Brasil). O diagnóstico padrão foi baseado na avaliação clínica e nas diversas incidências radiográficas dos casos clínicos selecionados, que haviam sido diagnosticados e tratados pelo especialista que cedeu as imagens.

Foi elaborado um questionário com a seguinte pergunta: "Que tipo de reabsorção dentária você diagnostica nas seguintes radiografias?" A resposta deveria corresponder a somente um dos seguintes diagnósticos: 1) Reabsorção radicular inflamatória externa; 2) Reabsorção radicular interna.

Os avaliadores foram 44 cirurgiões-dentistas da cidade de Santa Maria - RS, sendo 15 especialistas em endodontia e 29 clínicos gerais. Os avaliadores não foram identificados. Cada profissional recebeu um CD com as imagens selecionadas, juntamente com uma ficha. Nessa ficha constavam o ano de formatura, se especialista em endodontia ou não, o número do profissional dentro da investigação e a listagem de 1 a 30 com os espaços correspondentes para a identificação do tipo de reabsorção observada em cada estampa. A numeração das imagens no CD foi a mesma do questionário impresso. Cada um dispunha de 45 minutos para a análise e optava apenas por um diagnóstico para cada imagem.

Para a participação neste estudo cada profissional recebeu um termo de consentimento livre e esclarecido, que foi lido e assinado, concordando com a sua participação no estudo. Os profissionais selecionados receberam todas as informações pertinentes ao trabalho através do CD.

Para comparar os dados obtidos pelos dois grupos de profissionais foi empregado o teste de Mann- Whitney em nível de significância de 5%.

 

Resultados

A análise estatística consistiu na comparação do percentual de diagnósticos corretos entre os especialistas em endodontia e os clínicos gerais das duas condições sob investigação: reabsorção radicular interna e reabsorção inflamatória externa. Considerando- se as trinta imagens apresentadas, não houve diferença significante estatisticamente entre os percentuais de acerto de especialistas e clínicos gerais (p = 0,080). Da mesma forma, não foi detectada diferença significante entre os percen tuais de acerto dos especialistas em endodontia e dos clínicos gerais quando os dois tipos de reabsorções foram analisados isoladamente (p = 0,054 – reabsorções externas e p = 0,974 – reabsorções internas) (Tab. 1).

 

 

 

Discussão

Neste estudo foi avaliada a possibilidade de estabelecer o diagnóstico diferencial entre reabsorções radiculares externas e internas através de imagens radiográficas. Pressupõe-se que especialistas em endodontia teriam melhor preparo e discernimento do que clínicos gerais para o cumprimento desta tarefa. Cumpre destacar que todos os profissionais envolvidos na pesquisa dedicam-se ao tratamento de canais radiculares.

As radiografias selecionadas pertenciam ao acervo de um especialista cujos casos foram por ele tratados. A segurança no correto diagnóstico prende- se ao fato de que desse acervo todos os dentes envolvidos foram documentados com várias imagens radiográficas, com diversas angulações. Dessa maneira, o número de acertos entre os avaliadores deste trabalho, apesar de expressivo, justifica, na prática clínica, a exigência de várias incidências radiográficas, principalmente para o diagnóstico e tratamento das reabsorções radiculares externas.

Não foi revelada diferença significativa no percentual de acerto entre especialistas (83,1%) e clínicos gerais (71,7%), quando analisado o diagnóstico diferencial entre os dois tipos de reabsorções. Analisando isoladamente os casos de reabsorção externa, o percentual de acerto dos especialistas foi de 77,8%, ao passo que o dos clínicos gerais foi de 61,8%. Nos casos de reabsorção interna o percentual de acerto foi maior tanto entre os especialistas (92,1%) quanto entre os clínicos gerais (90,9%). Os erros de diagnóstico radiográfico ocorridos nos dois grupos de avaliadores também podem ser explicados pela dificuldade que a radiografia periapical, mesmo de boa qualidade, apresenta para a identificação, com segurança, das reabsorções externas e internas. Imagens tridimensionais oferecidas pela tomografia computadorizada podem ser consideradas como um recurso a ser utilizado quando o exame clínico e o radiográfico não conseguem definir com precisão o diagnóstico dessas patologias. Um estudo recente mostrou o percentual de acerto significativamente maior no diagnóstico das reabsorções externas em relação às internas. Esse resultado foi atribuído a imagem tridimensional obtida com a tomografia computadorizada15. Se compararmos os resultados deste estudo com o que aqui se discute, podemos deduzir que o índice de acerto nos diagnósticos das reabsorções externas poderia ter sido maior caso a tomografia computadorizada tivesse sido utilizada.

O diagnóstico das reabsorções radiculares através de radiografias intraorais é influenciado por um grande número de variáveis, incluindo tempo de exposição, sensibilidade do receptor, mudança de angulação, condições de processamento e visualização. Além disso, a superposição de estruturas anatômicas pode camuflar defeitos em muitos casos15. A constatação de que essas variáveis interferem na avaliação provavelmente tem maior razão de ser no caso das reabsorções externas. Nas reabsorções internas a visualização nas radiografias intraorais é facilitada pela alteração da forma do canal radicular e pela delimitação proporcionada pelas paredes radiculares.

A identificação das reabsorções internas, pelas razões expostas, não apresenta maior dificuldade tanto para especialistas quanto para clínicos gerais, pois que os aspectos radiográficos são bastante claros. No que tange às reabsorções radiculares inflamatórias externas, as complicações interpostas para o qualificado diagnóstico radiográfico devemse à imagem difusa, pouco nítida, provocada pela destruição tecidual em paredes variadas da raiz. Essa condição exige, como mostrou Kamburoglu et al15. (2011), imagens tridimensionais obtidas com tomografia computadorizada.

Explicam-se, assim, pela limitação técnica das imagens disponibilizadas os resultados praticamente iguais entre a acurácia diagnóstica dos especialistas em endodontia e dos clínicos gerais. Os especialistas encontraram restrição na possibilidade de identificação das lesões não por deficiência no seu treinamento específico e, sim, pela "padronização" das condições de avaliação, calcadas numa "pobre" tecnologia para os padrões atuais.

 

Conclusão

Com base na metodologia utilizada e nos resultados obtidos, é lícito concluir que:

1 - especialistas em endodontia e clínicos gerais demonstraram habilidade semelhante na interpretação de radiografias intraorais para o diagnóstico das reabsorções radiculares externas e internas (média 83,11 e 71,70% respectivamente);

2 - especialistas em endodontia e clínicos gerais tiveram um maior percentual de acertos no diagnóstico através das imagens radiográficas das reabsorções radiculares internas do que das reabsorções radiculares externas.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Marcus Vinicius Reis Só
Rua Souza Lobo, 62, casa 03
91320-320 Porto Alegre - RS

e-mail:
endo-so@hotmail.com

Recebido: 10.06.2011
Aceito: 22.11.2011