17 1 
Home Page  

    Compartir


    RFO UPF

      ISSN 1413-4012

    RFO UPF vol.17 no.1 Passo Fundo ene./abr. 2012

     

    Editorial

     

    Por um perfil profissional ético

     

     

    Aristóteles, na origem do pensamento filosófico ocidental, definiu o ser humano como um animal portador de racionalidade e, assim, inscreveu o homo sapiens na qualidade de alguém que constrói seu meio guiado pelo critério do pensamento rigorosamente orientado. Desse modo, toda compreensão e explicação exige o entendimento das causas que envolvem os fenômenos. Causas essas que são internas aos fatos, desfazendo a compreensão mitológica de que para tudo existe uma força alheia à vontade humana ouà sua natureza. Estamos diante da inauguração da base clássica para a teoria que, no século XX, tornaria a responsabilidade o núcleo das reflexões sobre ética. E isso devido ao fato de exigir do ser humano um olhar para os acontecimentos como sendo, também, consequência de seus atos, escolhas, deliberações.

    Quando direcionamos nosso olhar, hoje, para o que é viver bem, ou para o rumo que o desenvolvimento técnico-científico vem assumindo, devemos ter presente essa dimensão racional que nos caracteriza e nos torna capazes de percebermos quais são os aspectos fundamentais da existência humana, os quais merecem nossa atenção teórica e prática. Destacam-se, entre tantos outros, os referentes à efetividade da justiça e, também, ao fato de sermos os únicos capazes de nos sentirmos responsáveis por todos os outros seres vivos. Considerando tais aspectos, nos deparamos com o problema da vulnerabilidade da vida, aspecto decisivo que deveria nortear toda produção científica e toda ação profissional ligada à área da saúde. Pelo fato de nos depararmos constantemente com a vida em seu limite, em sua fragilidade, algo essencial nosé exigido: que nossas ações não sejam motivos de agravamento daquilo que, por natureza, nos limita.

    Conforme muito bem apontado por Martha Nussbaum, no livro A fragilidade da bondade, se, por um lado, por natureza somos vulneráveis e sentimos dor, o problema ético ocorre quando nossos atos venham a intensificar a dor do outro; por natureza somos vulneráveis à morte a doenças, mas não se pode admitir que o ser humano, mediante seus atos racionalmente conduzidos, seja o provocador de tais eventos. Esse é o ponto de encontro entre responsabilidade e ética e, no que se refere à pesquisa científica, todo avanço deve pressupor a garantia da vida digna a todos, com a minimização de suas vulnerabilidades. Do contrário, continuaremos fortificando um mundo no qual o desenvolvimento da humanidade não coincide com o desenvolvimento científico-tecnológico.

    Esse problema ocorre, normalmente, por não termos claros os limites entre o secundário e o essencial. Na ânsia pelo sucesso dentro da economia de mercado, acabamos por confundir as finalidades: colocamos a rentabilidade como fim último das nossas ações e, por outro lado, a vida como um mero meio para atingirmos aquele fim. Dessa falta de clareza resultam grande parte dos problemas éticos, pois o ser humano passa a ser um objeto que somente tem sentido se contribui para a projeção econômica e social. É indispensável a permanente autocrítica sobre nós mesmos, e esse é o melhor antídoto contra as ações danosas, quando nossas capacidades não ponham em risco a permanência qualificada da vida.

    Com essas discussões é que abrimos este número da Revista da Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo, e que a leitura dos textos aqui publicados sirva de incentivo a uma prática mais lúcida, tanto em termos técnicos quanto em termos éticos.

     

    Mauricio João Farinon
    Mestre em Filosofia e Doutor em Educação pela PUCRS,
    Professor da Faculdade de Odontologia da UPF