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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.17 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2012

 

Editorial

 

Mudança de paradigma: inserção da engenharia tecidual no ensino da Odontologia

 

 

A ciência vem se desenvolvendo e produzindo conhecimento em uma velocidade que cresce exponencialmente. Apesar de todos os avanços alcançados no desenvolvimento e das melhorias dos materiais dentários, ainda dispomos, na sua grande maioria, de materiais inertes que não são capazes de suprir a função biológica desempenhada pelos tecidos dentais e estruturas de suporte. Idealmente, o melhor material de substituição, seja do tecido dentinário, pulpar, periodontal, ósseo ou de um dente como um todo, seria feito a partir do tecido do próprio paciente e cultivado no local do reparo. Merece destaque, nesse contexto, o fato de que, em um passado não muito distante, realizar essa obra de bioengenharia tratava-se de mera ambição.

Os crescentes avanços no âmbito da biologia molecular, da proteomica, da embriologia e dos biomateriais têm permitido agregar diferentes áreas do conhecimento em um esforço único para o desenvolvimento de tecnologias destinadas à regeneração de tecidos e até mesmo de órgãos completos. Tais avanços possibilitaram o surgimento de um novo campo da ciência: a engenharia tecidual, a qual se utiliza de células com capacidade de resposta (células-tronco) a diferentes estímulos (fatores de crescimento) ancorados em uma estrutura que mimetize a matriz extracelular (scaffold).

Atualmente, a odontologia é o campo com maior potencial para aplicação das técnicas de engenharia tecidual em curto prazo. Em meados dos anos 2000 a comunidade científica teorizou que o dente seria o primeiro órgão a ser regenerado utilizando os princípios desse campo do conhecimento. Tal conjectura se efetivou, uma vez que o dente não é um órgão vital. Além disso, é possível acompanhar o seu desenvolvimento sem intervenções cirúrgicas ou exames mais complexos. Atualmente, a polpa de dentes decíduos e permanentes compreende uma das principais fontes de células-tronco em função da disponibilidade de dentes extraídos por motivos ortodônticos, de perdas periodontais, de cáries e de exfoliação natural de dentes decíduos. Trabalhos expressivos vêm sendo realizados e demonstraram já ser possível reconstruir um dente a partir da combinação de células epiteliais e mesenquimais dissociadas de um germe dental de rato e reimplantado no alvéolo. Dessa forma, foi engendrado um dente com todos os seus componentes teciduais, capaz de eruptar e responder à movimentação ortodôntica. Ainda, pesquisadores demonstraram a possibilidade de regenerar tecido pulpar, dentina, ligamento periodontal e tecido ósseo, similares ao tecido normal.

Visto o desenvolvimento já existente na área de engenharia tecidual envolvendo odontologia, questiona- se: Como a engenharia tecidual e seus princípios básicos vêm sendo explorados e/ou disponibilizados para o aluno de graduação e pós-graduação? Ainda, se num futuro próximo houver a transição dessas tecnologias para a clínica, como os profissionais formados na academia irão se adaptar às novas terapias desenvolvidas?

Devido à natureza, ainda, essencialmente clínica da odontologia, as grades curriculares das instituições de ensino direcionam seus esforços para o aprimoramento de áreas clássicas, realizando com êxito a formação técnica de profissionais qualificados para a realidade clínica atual. Entretanto, a inserção de disciplinas que abrangem áreas de fronteiras do conhecimento, nos cursos de graduação e pós-graduação, como a engenharia tecidual, é praticamente inexistente. Essa dificuldade de inserção talvez reflita em parte um pensamento da odontologia clássica, baseada muito mais no material e técnica do que nos aspectos biológicos inerentes ao corpo humano, conduzindo a um pensamento simplista que leva ao comodismo e ao senso comum. Em contrapartida, percebe-se um crescente investimento em iniciativa de cunho político e científico para inserir o Brasil no grupo de países responsáveis pela exploração de áreas de fronteira do conhecimento, como a engenharia tecidual.

Para promover essa mudança de paradigma, faz-se necessária a formação de indivíduos críticos, capazes de transcender os princípios básicos da engenharia tecidual para o desenvolvimento de potenciais terapias e novos materiais destinados à clínica odontológica. Com essa finalidade, os passos iniciais podem ser dados no âmbito da pós-graduação por meio da criação de disciplinas e grupos de discussão abrangendo a engenharia tecidual e seus potenciais aspectos clínicos. Sendo a pós-graduação um ambiente destinado a discussões aprofundadas de pontos específicos, bem como à formação e à ampliação do quadro docente no país, constituiria um ambiente adequado para o início dessa mudança de paradigma na odontologia.

 

Fernanda Nedel, Marcus C. M. Conde e Flávio F. Demarco
Universidade Federal de Pelotas - UFPel