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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.18 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2013

 

Editorial

 

Estudos do câncer bucal: HPV positivo x HPV negativo

 

Cristiane H. SquarizeI
Rogerio M. CastilhoI

I Laboratory of Epithelial Biology, Department of Periodontics and Oral Medicine, School of Dentistry, University of Michigan, Ann Arbor, MI 48109-1078, USA

Corresponding author

 

 

O carcinoma epidermoide bucal consiste na neoplasia maligna mais comumente encontrada na região de cabeça e pescoço e é caracterizada pelo crescimento rápido e devastador. A sobrevida de pacientes diagnosticados com esse câncer é limitada: cerca de 50% deles vão a óbito nos primeiros cinco anos após o diagnóstico inicial. Somente 20% dos pacientes tratados sobrevivem após dez anos do diagnóstico. Mas atenção! O diagnóstico precoce e a etiologia do câncer fazem toda a diferenca quando consideramos a sobrevida do nosso paciente. Cabe a nós cirurgiões-dentistas estabelecermos como rotina em nossos consultórios e serviços públicos o exame preventivo do câncer bucal e o diagnóstico precoce desse câncer, também conhecido como carcinoma de cabeça e pescoço.

Estudos recentes demonstram que o cirurgião-dentista nem sempre está seguro para examinar e realizar a biópsia das lesões de boca. Nós trabalhamos constantemente na cavidade bucal. O exame rotineiro e sistemático da cavidade bucal pode resultar na identificação de lesões pré-malignas ou de estágio inicial do câncer que muitas vezes se apresentam assintomáticos. Não ignore as alterações de tecidos moles, como, por exemplo, as lesões eritematosas (lesões vermelhas) ou leucoplasias (lesões brancas), úlceras e as que apresentam bordas elevadas. Se necessário, encaminhe o paciente a um setor de diagnóstico. Esta simples atitude pode significar a diferença entre a vida e a morte, especialmente devido ao fato de que pacientes diagnosticados precocemente têm um significativo aumento na sobrevida, ou, mesmo, na completa cura.

O carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço é um problema de saúde mundial cujos fatores de risco variam drasticamente entre diversos países e hábitos locais. Por exemplo, nos países como Brasil, Estados Unidos e os europeus, os efeitos do tabaco e fumo, potencializados pelo consumo de álcool, são considerados os principais fatores de risco ligados à alta frequência de transformações malignas. Em países do Oriente, como a Índia, o uso de noz de bétele é um dos principais fatores ligados ao desenvolvimento de câncer de cabeça e pescoço. A prevenção é tão importante quanto a mudança de hábito, como o de fumar. Pesquisas recentes indicam que a descontinuação do uso do tabaco, seja por meio do fumo ou da mastigação, resulta em uma reversão nos riscos de desenvolver câncer a níveis equivalentes aos riscos de não fumantes1. Fica, então, mais claro que o paciente pode realmente usufruir dos benefícios de parar de fumar e o quanto essa atitude pode ser importante na prevenção desse câncer.

Além do fumo, estudos epidemiológicos recentes associaram a infecção oral do HPV ao desenvolvimento do câncer de cabeça e pescoço2. Diferentemente do carcinoma epidermoide associado ao uso de tabaco, no qual os pacientes são, em sua maioria, homens com idade média de 60 anos, o carcinoma associado ao HPV é comumente encontrado em adultos jovens, especialmente na região de orofaringe. O interessante é que o câncer associado ao HPV caracteriza-se por um comportamento menos agressivo com melhor resposta à quimioterapia e aumento direto na sobrevida. Esses achados clínicos têm impactado diretamente a maneira pela qual os cânceres HPV positivos são tratados, em que a melhor resposta se dá com uma quimioterapia menos agressiva. Essas novas descobertas indicam que setores de diagnóstico ou de tratamento devem implementar a investigação da presença de HPV em pacientes com câncer de cabeça e pescoço.

Apesar de sabermos que os carcinomas epidermoides de cabeça e pescoço, HPV positivos e HPV negativos, respondem diferentemente à terapia, muitos estudos ainda são necessários para que possamos entender melhor o comportamento desse câncer. Então, ficam as perguntas: em que o câncer associado ao HPV diferencia-se do câncer associado ao uso de tabaco (HPV negativo)? Por que eles respondem diferentemente à quimioterapia? Será que a administração de vacinas contra o HPV pode impactar o desenvovimento do câncer bucal? Quais são as diferenças biológicas e genéticas, no padrão de expressão proteica, entre o câncer HPV positivo e o câncer HPV negativo?

Novas informações provenientes de estudos clínicos e laboratoriais têm identificado diferenças importantes entre os carcinomas epidermoides derivados de fatores etiológicos distintos, tais como a identificação de moléculas que influenciam e ditinguem o comportamento do carcinoma bucal HPV positivo do mesmo HPV negativo. Por exemplo, o sequenciamento de múltiplos carcinomas epidermóides provenientes da região de cabeça e pescoco mostraram que várias diferenças genômicas existem entre o carcinoma associado ao consumo de tabaco e a infecção pelo vírus HPV3.

Carcinomas epidemoides positivos para HPV têm aproximadamente metade do número de mutações encontradas no carcinoma de boca, se comparados aos que são HPV negativos. Dessa forma, esses resultados sugerem que os oncogenes, ou genes responsáveis pela formação e progressão do câncer, derivados da infecção do HPV compensam a necessidade de um maior número de mutações necessárias para o desenvolvimento dos carcinomas HPV negativos, que são extremamente diversificados, possuindo múltiplas mutações. Metade deles apresentam mutações no gene p53, 30% envolvem genes mutados pertencentes à cascata de sinalização PI3K/PTEN/mTOR e 22% possuem NOTCH 1, 2 e 3 mutados3. O modo como esses genes influenciam a biologia do câncer bucal ainda não é completamente compreendido. Estudos recentes, envolvendo modelos animais geneticamente definidos, demonstram que a perda de função do gene supressor de tumor PTEN é um dos fatores decisivos no desenvolvimento e na progressão do carcinoma epidermoide bucal4. Agora estamos explorando a forma como esse gene modula a resposta à quimioterapia.

Estudos em andamento também revelam que o câncer de boca HPV positivo possui diferentes quantidades de células-tronco cancerígenas, conhecidas como cancer stem cells, quando comparado com o carcinoma HPV negativo, podendo essa diferença ser modulada pela cascata de sinalização do PI3K.

A combinação de diversas estratégias para o estudo do carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço – incluindo modelos celulares em que podemos modular a expressão de qualquer gene in vitro, modelos animais em que podemos manipular a expressão de genes em diversos compartimentos teciduais do organismo como a pele e mucosas in vivo – além, do desenvolvimento da nova geração de sequenciamento, têm contribuído para o entendimento da biologia e do comportamento desse carcinoma. Esses avanços tecnológicos vêm influenciando diretamente as decisões de tratamento e, consequentemente, impactando a sobrevida dos pacientes, especialmente os HPV positivos.

No entanto, esse é só o começo. O carcinoma de boca continua sendo um câncer agressivo e devastador. Pesquisas nas áreas de prevenção, lesões pré-malignas, diagnóstico e tratamento ainda são extremamente importantes para que possamos melhorar a qualidade de vida de nossos pacientes, tendo como objetivo a prevenção ou a erradicação do câncer bucal.

 

Referências

1. Marron M.; Boffetta P.; Zhang Z. Zaridze D. Wünsch - Filho V.; Winn D. M. et al. Cessation of alcohol drinking, tobacco smoking and the reversal of head and neck cancer risk. Int J Epidemiol 2010; 39(1):182- 96.

2. D'Souza, G.; Kreimer A.; Viscidi R.; Pawlita M.; Fakhry C.; Koch W. et al. Case-control study of human papillomavirus and oropharyngeal cancer. The New England Journal of Medicine 2007; 356(19):1944- 1956.

3. Stransky N.; Egloff A. M.; Tward A. D.; Kostic A. D.; Cibriskis K.; Sivachenko A. et al. The mutational landscape of head and neck squamous cell carcinoma. Science. 2011; 333(6046):1157-60.

4. Squarize C. H.; Castilho R. M.; Molinolo A.; Lingen M. W.; Gutkind J. S. PTEN deficiency contributes to the development and progression of head and neck cancer. Neoplasia 2013 May; 15(5):461-71.

 

 

Corresponding author:
Cristiane H. Squarize
Laboratory of Epithelial Biology
Department of Periodontics and Oral Medicine
University of Michigan 1011 N University Ave, Room 3210
Ann Arbor, Michigan 48109-1078