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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.18 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2013

 

 

O impacto da saúde bucal nas atividades diárias de indivíduos de 50 a 74 anos em três distritos sanitários de Porto Alegre/RS

 

Oral health impacts on daily activities of individuals aged 50-74 in three health districts of Porto Alegre/RS

 

 

Vanessa BittencourtI; Claides AbeggII; Victor Nascimento FontaniveIII

I Mestra em Saúde Bucal Coletiva, Departamento de Odontologia Preventiva e Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
II Doutora em Epidemiologia, professora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
III Mestre em Saúde Bucal Coletiva – Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Objetivo: investigar a prevalência de problemas bucais e seu impacto nas atividades diárias, bem como sua relação com variáveis sociais e demográficas. Métodos: estudo transversal de base populacional avaliando indivíduos entre 50 e 74 anos (n= 720) residentes em três distritos sanitários de Porto Alegre/RS. Utilizou-se uma amostragem por múltiplos estágios. Os dados foram coletados nos domicílios, utilizando-se um questionário contendo aspectos sociais (educação, renda), demográficos (idade, sexo) e o indicador sociodental Oral Impact on Daily Performances (OIDP). Utilizou-se estatística descritiva. Para a análise bivariada entre as variáveis sociodemográficas e o impacto odontológico, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. Resultados: mais da metade dos sujeitos (57,8%) relataram pelo menos uma atividade diária afetada por problemas bucais. Comer (36,8%), sorrir (30,7%) e falar claramente (19,6%) foram as atividades diárias com maior frequência de impacto. Não se observou associação significativa entre o impacto e as variáveis sociodemográficas (p > 0,05). Os principais problemas bucais causadores de impactos foram: dentadura mal ajustada e perda de dentes. Conclusão: a alta prevalência de impacto encontrada demonstra a influência dos problemas bucais nas atividades diárias dos indivíduos.

Palavras-chave: Qualidade de vida. Saúde bucal. Prevalência. Idoso.


 

Abstract

Objective: to investigate the prevalence of oral problems and its impact on daily activities, as well as its relationship with social and demographic variables Methods: cross-sectional population-based study evaluating individuals aged 50 to 74 years old (n = 720) from 3 Health Districts in Porto Alegre/RS. A multi-stage sample was used. Data were collected in people's homes, using a questionnaire containing social (education, income) and demographic aspects (age, gender), and the socio-dental indicator Oral Impact on Daily Performances (OIDP). Descriptive analysis was used. For the bivariate analysis among sociodemographic variables and dental care impact, the chi-square and Pearson's tests were used. Results: more than half of the subjects (57.8%) reported at least one daily activity affected by oral health problems. Eating (36.8%), smiling (30.7%), and speaking clearly (19.6%) were the daily activities with more impact frequency. There was no statistical association between oral impact and sociodemographic variables (p > 0.05). The main oral problems causing impacts were: ill-fitting dentures and tooth loss. Conclusion: the high prevalence of oral impact demonstrates the influence of oral problems in the performance of daily activities of the individuals.

Keywords: Quality of life. Oral health. Prevalence. Elderly.


 

 

Introdução

O aumento da expectativa de vida ocorrido nos países desenvolvidos e em alguns países em desenvolvimento como o Brasil teve, entre suas consequências, a mudança do perfil de morbidade, levando à elevação da prevalência das doenças crônicas, incluindo os problemas bucais1. Essa mudança implica a reorganização das políticas de atenção à saúde com o intuito de desenvolver ações que favoreçam o bem-estar dos indivíduos considerados de meia-idade (entre 40 e 60 anos) e idosos (60 anos ou mais)1.

Portanto, consciente de seu papel fundamental em busca da promoção de saúde é que, recentemente, a comunidade científica na área odontológica tem dedicado maior interesse a questionamentos sobre como os problemas bucais afetam a qualidade de vida dos indivíduos2.

Nos últimos anos, foram desenvolvidos vários instrumentos com o objetivo de analisar os impactos sociais, psicológicos, culturais e econômicos provocados pelos problemas bucais. Além disso, esses indicadores possibilitam avaliar a percepção subjetiva dos indivíduos sobre sua saúde e suas necessidades em saúde2.

Esses instrumentos têm sido, genericamente, denominados de indicadores sociodentais, sócio-odontológicos ou indicadores de qualidade de vida relacionados à saúde bucal e contribuem para que se estabeleça um diagnóstico mais amplo das necessidades em saúde a partir da percepção dos sujeitos. As avaliações de necessidade em saúde baseadas exclusivamente em critérios clínicos refletem somente um aspecto da condição de saúde bucal e podem ter pouca relação com a percepção subjetiva dos indivíduos sobre a saúde bucal. Desse modo, não permitem a determinação do real impacto dos problemas bucais na vida diária dos indivíduos3.

Os indicadores sociodentais podem ser usados como um complemento da avaliação das informações clínicas e possibilitam identificar pessoas ou populações que necessitam de ações curativas, preventivas ou educativas, contribuindo, assim, para o planejamento de políticas e serviços voltados às reais necessidades da população4.

Entre os indicadores sociodentais, o Oral Impact of Daily Performances, (OIDP), desenvolvido por Adulyanon e Sheiham2 (1997), é considerado um dos mais completos, por quantificar o impacto odontológico nas atividades diárias dos indivíduos, por meio da frequência e severidade. Esse indicador também procura mensurar a percepção do indivíduo sobre esse impacto, bem como avaliar suas causas, podendo ser usado no planejamento e na avaliação de programas de saúde².

Considerando o caráter recente do desenvolvimento de instrumentos de avaliação das repercussões dos problemas bucais na vida diária dos indivíduos, bem como a escassez de pesquisas sobre o tema em indivíduos de meia-idade e idosos no Brasil4,5, justifica-se a realização de estudos que avaliem com maior profundidade esse tema. Assim, o objetivo principal deste estudo foi investigar a prevalência do impacto da condição de saúde bucal nas atividades da vida diária e sua relação com variáveis sociodemográficas de indivíduos com 50 a 74 anos residentes em Porto Alegre/RS.

 

Métodos

Este é um estudo transversal de base populacional realizado em Porto Alegre/RS entre maio de 2008 e março de 2009. A cidade de Porto Alegre é constituída por 82 bairros, agrupados em 16 distritos sanitários. Foram selecionados, aleatoriamente, três distritos: Partenon, Glória e Leste. A população alvo foi composta por indivíduos entre 50 e 74 anos. Desenvolveu-se um estudo piloto, antes da pesquisa principal, envolvendo 40 usuários do Centro de Saúde – Escola Murialdo em Porto Alegre, com o objetivo de avaliar a adequação dos instrumentos da pesquisa e definir aspectos operacionais do estudo.

O cálculo amostral foi realizado projetando-se uma prevalência para o impacto odontológico de 50%, um intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e margem de erro bilateral de 4 pontos. Obteve-se uma amostra de 601 sujeitos. Considerando-se a possibilidade de perdas, calculou-se um acréscimo de cerca de 10%, chegando-se a 661 indivíduos. Por tratar-se de amostragem por múltiplos estágios, foi considerado um efeito de delineamento de 1.2, obtendo- se um n final correspondente a 793 sujeitos.

Utilizou-se amostragem aleatória proporcional de múltiplos estágios. No primeiro estágio, foram sorteados, de forma aleatória simples, três distritos sanitários. No segundo, foram sorteados, aleatoriamente, os setores censitários com base em listagens e mapas obtidos na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre. No terceiro estágio, foram sorteados os quarteirões. A seguir, sorteou-se a esquina e o domicílio correspondentes ao ponto de início da coleta de dados. O número de indivíduos em cada distrito sanitário foi alocado proporcionalmente ao total de pessoas na faixa etária de 50 a 74 anos, residentes nos respectivos distritos. Em cada domicílio, foi realizada somente uma entrevista. Foram excluídas pessoas visitantes não residentes no domicílio, domicílios desabitados, asilos e casas comerciais.

Os dados foram coletados por intermédio de um questionário composto pelo OIDP e questões relacionadas a dados sociais e demográficos. Essas questões foram adaptadas do estudo SB Brasil6.

Utilizou-se a versão modificada do OIDP proposta por Sheiham et al.7 (2001); Tsakos et al.8 (2001). Esse instrumento é composto por 11 performances ou atividades cotidianas, envolvendo as dimensões física, psicológica e social: comer; falar claramente; limpar seus dentes; realizar atividades físicas leves; sair; dormir; sorrir, dar risada e mostrar os dentes sem ficar envergonhado; estado emocional; trabalhar; aproveitar o convívio das pessoas e descansar.

O sistema de classificação para o OIDP quantifica o impacto através da multiplicação da frequência (distribuída em uma escala que varia de 1 a 5) pela severidade (distribuída em uma escala com variação de 0 a 5) para cada uma das 11 atividades diárias. Já o índice individual resulta da soma dos valores dessas 11 atividades diárias. A relação causal dos impactos é estabelecida mediante perguntas feitas aos entrevistados sobre os sintomas percebidos e os prejuízos de todos os impactos sobre suas atividades diárias. Por meio desses questionamentos, estabelece- se maior robustez ao OIDP na avaliação das necessidades de tratamentos específicos. Em etapa anterior, foi realizada a adaptação transcultural do instrumento, incluindo a validação face a face, de conteúdo e de critérios, em uma amostra de conveniência de 200 sujeitos. A confiabilidade interna do OIDP foi de 0,69 (alpha de Cronbach). No teste-reteste, a confiabilidade medida pelo coeficiente intraclasse (ICC) ficou em 0,69.

Os dados foram coletados por quatro entrevistadores e quatro anotadores treinados previamente. A confiabilidade dos dados foi realizada por intermédio da re-entrevista de 5% da amostra após um intervalo de uma semana. O coeficiente intraclasse foi de 0,85 para o questionário e de 0,80 para o OIDP.

A variável do escore individual do OIDP foi categorizada em indivíduos sem impacto e indivíduos com impacto. A partir das distribuições das frequências, os escores do OIDP foram divididos em tercis. Os indivíduos que apresentaram impacto nas atividades diárias foram classificados em OIDP baixo, OIDP médio ou OIDP alto. As categorias envolvidas no estudo foram: sem impacto, OIDP = 0: código 0; OIDP baixo – de 0,1 a 3,63: código 1; OIDP médio – de 3,64 a 14,54: código 2; OIDP alto – de 14,55 a 83,64: código 3.

As variáveis demográficas e sociais foram: sexo, idade (50 a 59 anos, 60 a 74 anos), escolaridade (≤ 5 anos ou ≥ 6 anos), renda pessoal (≤ 1 salário mínimo e > 1 salário mínimo). Os dados coletados foram digitados em um banco de dados criado no programa Epi-info 6 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Georgia, USA) e analisados com base no programa Stata, versão 9.0 (Stata Corp.®, College Station, Texas, USA).

A análise estatística compreendeu a análise descritiva das características gerais da amostra mediante apresentação das frequências. Seguiu-se com análises bivariadas entre as variáveis sociodemográficas e o impacto odontológico, utilizando, para tal, o teste qui-quadrado de Pearson. Os resultados foram considerados estatisticamente significantes quando p < 0,05 e os intervalos de confiança foram de 95%.

Os indivíduos participantes do estudo tiveram, antes do início da entrevista, uma explicação sobre o objetivo da pesquisa, por meio da leitura do termo de consentimento livre e esclarecido, que foi assinado em duas vias, de igual teor, ficando uma em poder da pessoa entrevistada e outra em poder do pesquisador.

O presente estudo fez parte de uma pesquisa intitulada "Avaliação do impacto odontológico no desempenho diário dos indivíduos de 50 a 74 anos em Porto Alegre/RS", que obteve financiamento do Edital SUS/ Fapergs/CNPq 08-04, aprovada pelo Comitê de Pesquisa e Ética da Faculdade de Odontologia da UFRGS no dia 24/01/2006, ata 01/06, processo 46/05.

 

Resultados

Ao total, 720 indivíduos, entre 50 e 74 anos, participaram do estudo, perfazendo uma taxa de resposta de 91%. Em relação ao sexo, 304 (42,2%) eram do sexo masculino e 416 (57,8%), do sexo feminino. A distribuição por sexo foi a seguinte: na faixa de 50 a 59 anos, 167 (43,7%) eram do sexo masculino e 215 (56,3%), do sexo feminino. Na faixa de 60 a 74 anos, 137 (40,5%) eram homens e 201 (59,5%) eram mulheres.

Dos indivíduos entrevistados, 31,9% declararam receber entre nenhum tipo de renda e um salário mínimo, e 68,1% disseram receber renda pessoal superior a 1 salário mínimo. Do total da amostra, a média de anos de estudo foi de 7,95 (DP = 4,61). A maioria dos participantes, 447 (62,1%), apresentou 6 anos ou mais de estudo.

Do total de entrevistados, 416 (57,8%) relataram pelo menos uma atividade diária afetada por problemas bucais nos últimos seis meses. As atividades diárias que apresentaram maior impacto foram comer (36,8%); sorrir, dar risada e mostrar os dentes sem ficar envergonhado (30,7%) e falar claramente (19,6%). A prevalência de problemas bucais e o impacto nas atividades diárias da amostra podem ser observados na Tabela 1.

A maioria dos impactos odontológicos apresentou alta frequência e alta severidade. A prevalência das atividades afetadas e os escores médios das frequências e severidades dos impactos estão descritos na Tabela 1.

 

 

 

Os indivíduos que apresentaram pelo menos uma atividade diária afetada relataram nas entrevistas o principal problema odontológico relacionado à atividade diária afetada. Observou-se que os principais problemas odontológicos mencionados foram: dentadura mal ajustada e perda de dentes.

Não foi observada associação estatística significativa entre as variáveis sociais e demográficas com as atividades diárias afetadas (p > 0,05). A variável idade foi a única que apresentou associação estatisticamente significativa com limpar seus dentes ou dentaduras (p = 0,012), constatando-se que os indivíduos com idade entre 50 e 59 anos apresentaram maior impacto para essa atividade. Os resultados estão apresentados na Tabela 2.

 

 

 

Entre os 720 indivíduos entrevistados, a variação do escore individual do OIDP foi de 0 (Escore mínimo) a 83,64 (escore máximo). Também, observou- se que 47,6% dos indivíduos entrevistados apresentaram OIDP=0; 16,1%, OIDP baixo; 17,0%, OIDP médio e 19,4%, OIDP alto.

A distribuição dos valores de OIDP e sua relação com idade, sexo, escolaridade e renda pessoal, bem como os valores de p estão apresentados na Tabela 3. Não foi encontrada associação significativa (p > 0,05) entre o OIDP e as variáveis sociodemográficas.

 

 

 

Discussão

Este é o primeiro estudo de base populacional investigando o impacto odontológico nas atividades diárias de indivíduos com idade entre 50 e 74 anos em Porto Alegre/RS. Observou-se que mais da metade dos participantes da pesquisa tiveram impacto em suas atividades diárias devido a problemas relacionados com a boca, dentes ou próteses. Tal resultado é semelhante ao encontrado em outros estudos nacionais e internacionais em indivíduos com faixa etária semelhante9-11. A prevalência do impacto tende a ser maior em populações mais jovens, possivelmente devido à influência de sintomas como dor dental/bucal causada por cárie e doença periodontal12,13. Autores como Netuveli e Blane14 (2008) também discutem o paradoxo do envelhecimento, em que, quanto mais elevada a idade, mais os idosos vão considerando que a vida deve ser desfrutada, sem supervalorizar as perdas e limitações relacionadas com o envelhecimento.

A relação entre a condição de saúde bucal e o bem-estar diário dos indivíduos está bem estabelecida na literatura15,16. Da mesma forma, sabe-se que a saúde bucal está associada à saúde geral e que ambas apresentam fatores de risco comuns às doenças crônicas17,18.

Os resultados deste estudo indicam que a atividade diária mais afetada por problemas odontológicos foi comer (36,8%). Há evidências de que a habilidade de mastigação afeta a escolha dos alimentos da dieta diária dos indivíduos. As perdas dentárias e o uso de próteses mal-adaptadas podem levar à adoção de uma dieta pobre em nutrientes, privilegiando a ingestão de alimentos menos fibrosos e de consistência mais pastosa, provocando modificações nos hábitos dietéticos e, consequentemente, desequilíbrios nutricionais, bem como problemas de saúde geral18-20.

Além de comer, as atividades diárias sorrir e mostrar seus dentes sem ficar envergonhado (30,7%) e falar claramente (19,6%) foram as que mais impactaram a qualidade de vida relacionada à saúde bucal dos indivíduos. Uma saúde bucal precária pode levar à insatisfação com a aparência e a diminuição da autoestima, trazendo prejuízo nos relacionamentos social, familiar, amoroso e profissional e, em situações extremas, levar ao isolamento e à depressão19.

Os principais problemas causadores de impacto encontrados neste estudo foram dentadura mal ajustada e perda dentária, corroborando resultados encontrados em outros estudos13,20. Tal achado pode estar relacionado à falta de atenção à saúde bucal a que os indivíduos foram submetidos ao longo de toda a vida, possivelmente devido à ausência ou dificuldade de acesso a serviços odontológicos. Essa condição de saúde bucal ainda pode ser considerada uma grave consequência do modelo de atenção em saúde bucal do passado, quando predominava um modelo de Odontologia mutiladora21,22.

Outra realidade que pode contribuir para tal situação é a carência de serviços de atenção secundária que possam minimizar as sequelas dessa população. Segundo a SMS de Porto Alegre, hoje o município conta com apenas quatro Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), sendo que destes apenas um conta com serviço de reabilitação protética. Além de haver uma demanda expressiva, esse serviço não atende aos distritos que foram avaliados.

Uma alta frequência e severidade de impacto foi observada na população estudada para todas as atividades diárias avaliadas, tendo a frequência mais relatada sido todos os dias ou quase todos os dias, mostrando o quanto a saúde bucal interfere na qualidade de vida. Diferentes frequências e severidades foram encontradas por outros autores3,12,23.

Adulyanon et al.12 (1996), em estudo com uma população tailandesa na faixa de 35 a 44 anos, encontrou um efeito paradoxal em relação à frequência e à severidade dos impactos das diferentes atividades analisadas, ou seja, algumas atividades apresentaram alta frequência e baixa severidade, e vice-versa. Contudo, em um estudo realizado no Brasil, em que a população estudada apresentava a mesma faixa etária, de 35 a 44 anos, foram encontradas alta frequência e alta severidade para quase todas as atividades13. É provável que a faixa etária não seja fator predominante na percepção subjetiva dos impactos por parte dos indivíduos, visto que, em uma mesma faixa etária, diferentes frequências e severidades foram encontradas. Assim, mais estudos são necessários para estabelecer a relação do fator idade na frequência e severidade dos impactos. De acordo com a literatura, as diferenças de frequência e severidade do impacto na qualidade de vida relacionadas à saúde bucal podem, em parte, ser atribuídas a aspectos culturais em relação à percepção e manifestação de dor e desconforto16.

Diferentemente de outros estudos internacionais16,24 e nacionais15,25, não foi encontrada, neste estudo, associação estatisticamente significante entre as variáveis sociais de escolaridade e renda pessoal e prevalência do impacto e os escores do OIDP. Uma possível explicação é a homogeneidade na distribuição das variáveis na população estudada, em que não se observou grandes diferenças em relação à renda pessoal e à escolaridade.

Os resultados da associação entre o sexo e o impacto da saúde bucal nas atividades diárias dos indivíduos não são consistentes na literatura. No presente estudo, não se encontrou diferença significativa na distribuição do impacto nas atividades diárias entre os sexos, corroborando os achados de Pereira et al.9 (2009) e de Gonçalves et al.26 (2004). No entanto, outros estudos encontraram associação entre a variável sexo e o impacto nas atividades diárias13,27. As diferenças na percepção do impacto entre os sexos têm sido atribuídas a fatores sociais e normas culturais, incluindo padrões estéticos, em que as mulheres percebem e manifestam mais do que os homens suas necessidades em saúde28. Além disso, argumenta-se que condições hormonais e a maior prevalência de doenças sistêmicas podem influenciar a saúde bucal das mulheres, aumentando, assim, a percepção de seu impacto.

Também não se encontrou associação entre sexo, escolaridade, renda e as três atividades diárias mais afetadas, comer (36,8%); sorrir, dar risadas e mostrar os dentes sem ficar envergonhado (30,7%) e falar claramente (19,6%). Em contrapartida, relação estatisticamente significante foi observada entre a variável idade e a atividade diária limpar seus dentes e dentaduras. Os indivíduos da faixa etária entre 50 e 59 anos foram os que apresentaram impacto nessa atividade. Quando se analisou as causas do impacto nas duas faixas etárias estudadas, observou- se que, para os indivíduos mais jovens, a principal causa do impacto para limpar os dentes foi a dor de dente, o que pode explicar a diferença encontrada.

O delineamento adequado, a capacitação dos entrevistadores, o controle de qualidade por intermédio da dupla digitação, o teste-reteste das entrevistas foram estratégias utilizadas para assegurar a validade do estudo, a confiabilidade e a reprodutibilidade dos dados. Entretanto, uma das possíveis limitações do presente estudo é o predomínio de mulheres na amostra. Ao mesmo tempo, não foi encontrada associação estatisticamente significante entre a variável de sexo e a prevalência de impacto nas atividades diárias. Outra limitação do estudo é que seus resultados não podem ser extrapolados para toda a população de Porto Alegre na faixa etária investigada. Mesmo assim, seus principais resultados, mostrando o impacto da condição de saúde bucal na qualidade de vida, são semelhantes aos de outros estudos que incluem adultos e idosos.

A alta prevalência, a severidade e a frequência de impacto relatadas neste estudo sugerem que as políticas de atenção à saúde bucal, no que tange à população dos três distritos sanitários estudados, não têm sido capazes de solucionar problemas que interferem nas atividades diárias de sua população, tais como a perda dentária e o uso de próteses mal- -adaptadas. Esses dados salientam a necessidade de serviços odontológicos ofertados a esse grupo populacional objetivando o aumento da sua qualidade de vida relacionada à saúde bucal.

 

Conclusões

Tendo como base os resultados obtidos neste estudo, é possível concluir que a prevalência do impacto odontológico nas atividades diárias é alto na população pesquisada, não apresentando, entretanto, associação estatística significativa com as variáveis sociodemográficas incluídas na amostra.

 

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Endereço para correspondência:
Claides Abegg
Faculdade de Odontologia da UFRGS
Ramiro Barcelos, 2492 Bairro Santana
90035-000 Porto Alegre - RS

e-mail:
claides.abegg@gmail.com

Recebido: 10/01/2013
Aceito: 03/05/2013