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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.19 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2014

 

 

Resistência ao deslocamento de quatro materiais retrobturadores à dentina bovina e humana

 

Bond strength of four root-end filling materials to bovine and human root dentin

 

 

Karen Andressa HeidenI;Raíssa Duso VenturaI; Manuela Favarin SantiniII; Ricardo Abreu Da RosaIII; Jefferson Ricardo PereiraIV; Francisco MontagnerV; Marcus Vinicius Reis SóV

I Acadêmica de Odontologia - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
II DDS, MDS, Aluna do Curso de Doutorado em Clínica Odontológica/ Endodontia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
IIIDDS, MDS, Aluno do Curso de Doutorado em Clínica Odontológica/ Endodontia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
IVDDS, MDS, PhD, Professor de Clínica Odontológica, Departamento de Prótese Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil
VDDS, MDS, PhD, Professor Adjunto Endodontia, Departamento de Odontologia Conservadora Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo desse trabalho foi comparar a resistência ao deslocamento de quatro cimentos endodônticos utilizados para o selamento de retrocavidades (Portland, MTA, Super EBA® e Sealapex®) em dentina bovina e humana. Materiais e método: Quarenta raízes bovinas e quarenta raízes distais de molares inferiores humanos foram apicetomizadas e cavidades retrógradas foram preparadas. As raízes foram divididas aleatoriamente em quatro grupos e preenchidas com os materiais retrobturadores testados. Após uma semana, as raízes foram seccionadas transversalmente e os slices foram submetidos ao teste de push-out. Os padrões de falha foram analisados em microscopia óptica (10×) e classificados como: adesiva, coesiva do cimento, coesiva da dentina e mista. Os dados foram analisados utilizando o teste de Kruskal-Wallis, Mann-Whitney e Dunn. Resultados: Os maiores valores de resistência ao deslocamento foram obtidos em dentina bovina (P < 0,05). O cimento Portland e MTA apresentaram os maiores valores de resistência ao deslocamento quando comparados com Super EBA® e Sealapex®. Falha coesiva de cimento foi predominante independentemente do cimento e do substrato. Conclusão: Pode-se concluir que a resistência ao deslocamento dos materiais retrobturadores é dependente do tipo de cimento utilizado e substrato analisado.

Palavras-chave: Endodontia. Apicectomia. Dentina.


 

ABSTRACT

Objective: This study aimed to compare the bond strength of four endodontic cements used for the sealing of retrocavities (Portland, MTA, Super EBA™, and Sealapex ™) in bovine and human root dentin. Materials and method: Forty bovine roots and forty distal roots from mandibular molars were apicoectomized, and retrograde cavities were prepared. Roots were randomly divided into four groups, and filled with the retrofilling materials tested. After one week, all roots were transversally sectioned, and the slices were submitted to push-out test. Failure patterns were assessed by light microscopy (10×) and classified as: adhesive, cement cohesive, dentin cohesive, and mixed. Data were analyzed using Kruskal-Wallis, Mann-Whitney, and Dunn tests. Results: The highest bond strength values were obtained in bovine dentin (P < 0.05). Portland and MTA cements presented higher bond strength values than Super EBA™ and Sealapex ™. Cement cohesive failures were predominant regardless of cement and substrate. Conclusion: It may be concluded that bond strength of retrofilling materials is dependent on the type of cement used and substrate analyzed.

Keywords: Endodontics. Apicoectomy. Dentin.


 

 

Introdução

A cirurgia parendodôntica é uma alternativa à extração dentária quando o retratamento endodôntico não logrou sucesso ou quando esta técnica se torna inviável devido à dificuldade de acesso por via coronária1. Dentro das modalidades cirúrgicas, a mais realizada é a apicectomia seguida de obturação retrógrada, por meio da qual se realiza o seccionamento da porção apical radicular, seguido pela confecção de uma cavidade apical e pelo preenchimento com um material selador ou retrobturador1.

O principal objetivo de um material retrobturador é proporcionar bom selamento apical para prevenir o movimento de bactérias ou a difusão de produtos bacterianos do sistema de canais radiculares para os tecidos periapicais1. Este deve apresentar propriedades físico-químicas e biológicas satisfatórias. Dentre as propriedades físico-químicas, inclui-se adesividade às paredes do canal. Adesão é definida como um processo em que duas superfícies de diferentes composições moleculares são unidas química, física ou mecanicamente2.

A adesão por retenção mecânica ocorre quando um material aloja-se no interior de outro ou de cavidades naturais ou não. O fenômeno chamado embricamento mecânico ocorre quando o material resiste ao deslocamento devido ao contato entre ele e as irregularidades da superfície do preparo. A adesão química é caracterizada por ligações primárias, enquanto a união física depende de ligações secundárias, como forças de Van der Walls e pontes de hidrogênio. A composição química do material retrobturador pode afetar significativamente a adesão do material às paredes da retrocavidade e sua a capacidade seladora3,4.

Dessa forma, é grande a busca por materiais que apresentem boas propriedades mecânicas, químicas e biológicas. Por isso, diversos estudos vêm sendo realizados avaliando os tipos de cimentos, suas composições e aplicações clínicas. Entre os mais relatados na literatura, cujas finalidades incluem tanto o preenchimento de cavidades retrógradas, como o selamento de perfurações radiculares, pode ser citado o Sealapex® (Kerr-Sybron, Orange, CA, EUA), o Super EBA® (Harry J. Bosworth Co., Skokie, IL, EUA) e o MTA (Angelus Indústria de Produtos Odontológicos S/A, Paraná, PR, Brasil).

O Sealapex® é um cimento à base de hidróxido de cálcio, com boa biocompatibilidade e selamento marginal apical5,6. Além dessas, também possui outras propriedades físicas como plasticidade, viscosidade e escoamento bastante satisfatórias. Contudo, este cimento não possui baixa radiopacidade, por isso, normalmente é associado ao óxido de zinco ou iodofórmio, para aumentar sua radiopacidade, bem como permitir consistência adequada à manipulação deste cimento e condensação do material na cavidade7.

A constituição do pó do cimento Super EBA® é dada por 60% de óxido de zinco, 34% de óxido de alumínio e 6% de resina natural. Já o líquido é composto por eugenol e ácido etoxibenzóico. A presença deste último se dá com a finalidade de reduzir a quantidade de eugenol, tornando o material menos irritante aos tecidos. O Super EBA possui pH neutro, solubilidade baixa, alta resistência mecânica e boa radiopacidade8.

O MTA (agregado trióxido mineral), na forma de pó é composto por silicato tricálcico, silicato dicálcico, aluminato tricálcico, ferroaluminato tetracálcico, óxido de bismuto, sulfato de cálcio dihidratado, com pequena quantidade de resíduos insolúveis livres. O MTA é indicado como material retrobturador ideal por apresentar o maior número de propriedades desejáveis a um material retrobturador. Este cimento apresenta propriedades físico-biológicas adequadas, oferecendo boa adaptação marginal e baixo grau de infiltração9-11. Estudos que avaliaram o MTA como material retrobturador têm demonstrado menor inflamação periapical, presença de uma cápsula fibrosa e formação de novo cemento em contato com a superfície do material em muitos casos10,12.

O cimento de Portland, desde o século passado foi referenciado como um material de composição química e propriedades semelhantes ao agregado trióxido mineral (MTA), exceto pela presença de óxido de bismuto13,14. O Portland desencadeia reações teciduais similares, quando estudado em modelos animais, porém com custo bastante inferior15.

Os tratamentos reabilitadores modernos fazem com que a obtenção de dentes humanos torne-se extremamente difícil apesar do aumento na demanda para pesquisas in vitro. A dificuldade de se obter dentes extraídos humanos, tanto para pesquisas odontológicas quanto para estudos de alunos de graduação, faz com que seja necessário se obter um substituto com as mesmas características físicas16. Os bovinos são morfológica e histologicamente semelhantes aos dentes humanos17,18. Dentes bovinos são de fácil aquisição e não são dispendiosos, por estes motivos os incisivos bovinos são os preferidos dentre os mamíferos para pesquisas de materiais odontológicos.

Visto que escassos são os trabalhos investigando a resistência adesiva de materiais retrobturadores e inexistentes são os trabalhos que buscam alguma correlação entre resistência ao deslocamento de materiais retrobturadores em dentina bovina e humana, o objetivo deste trabalho é comparar os valores de resistência ao deslocamento de quatro cimentos endodônticos utilizados para o selamento de retrocavidades em dentina bovina e humana.

 

Materiais e método

Seleção dos dentes, preparo das raízes e retrobturação

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e aprovado sob o número 474.256. Foram utilizados quarenta incisivos inferiores bovinos e quarenta raízes distais de molares inferiores humanos obtidos a partir do Banco de Dentes da UFRGS. Os dentes foram armazenados em solução salina 0,9% a 4 °C.

As raízes bovinas foram seccionadas transversalmente a 15mm do ápice radicular. Os molares inferiores humanos foram seccionados, horizontalmente, ao nível da junção cemento-esmalte, e verticalmente na região de furca, a fim de separar as raízes distais das raízes mesiais.

As 80 raízes foram submetidas à apicectomia, usando uma broca Endo-Z® (Dentsply Indústria e Comércio Ltda Petrópolis, RJ, Brasil) em alta rotação. A apicectomia foi realizada perpendicular ao longo eixo radicular, 3mm aquém do ápice.

Cavidades retrógradas de 3mm de profundidade, foram preparadas nas raízes bovinas, utilizando a broca CP Drill (Helse Indústria e Comércio Ltda,Santa Rosa, SP, Brasil) e, nas raízes humanas, utilizando a ponta diamantada 1064 (KG Sorensen, Cotia, SP, Brasil) (diâmetro de ponta = 1,4 mm) com contínua irrigação com água destilada.

Cones de guta percha (Tanari Indústria Ltda., Manacapuru, AM, Brasil) compatíveis com o diâmetro de cada canal foram adaptados e seccionados com lâminas de bisturi número 15 (Paramount Surgimed Ltd, Chicago, IL, EUA) ao nível apical. Em seguida foram retirados do canal e seccionados novamente a 3mm da medida anterior de forma que, quando reintroduzidos no canal, formassem um anteparo para o preenchimento das cavidades retrógradas.

As raízes bovinas e as raízes humanas foram divididas aleatoriamente em 4 grupos experimentais de acordo com o material utilizado para retrobturação: MTA – Angelus (Angelus, Londrina PR, Brasil); Super EBA® (Bosworth Company, Illinois, EUA); Cimento Portland (Votorantim Cimentos, Cubatão, SP, Brazil) e Sealapex (SybronEndo, Orange, CA, EUA). O cimento à base de óxido de zinco e eugenol (OZE-Super EBA) foi manipulado na proporção pó/ líquido 1g/0,2 mL, conforme preconizado por Bernabé et al (2005)12. O MTA foi manipulado de acordo com as instruções do fabricante, sendo o cimento Portland manipulado como descrito para o MTA. Finalmente, o cimento Sealapex foi manipulado em proporções iguais pasta/pasta acrescido de 1g de óxido de zinco.

Para avaliar a formação de 3mm de retrobturação e ausência de espaços vazios foram realizadas radiografias periapicais. Raízes que apresentassem espaços vazios na massa retrobturadora eram substituídas por outras e todo o procedimento de preparo das amostras era realizado novamente. As raízes permaneceram em ambiente úmido por 7 dias (± 37 °C) até que os materiais retrobturadores tomassem presa.

Teste de resistência de união

As raízes foram fixadas em uma base metálica da máquina de corte (LabCut 1010, Extec Corp, Enfield, CT, EUA) e um slice (espessura: 1,5 mm + 0,3 mm) foi produzido por cada raiz (10 por grupo).

Cada slice foi posicionado em um dispositivo metálico com uma abertura central de 3 mm de diâmetro, ou seja, maior que o diâmetro do canal. A porção coronária do slice foi posicionada em contato com o dispositivo metálico. Dessa maneira, o cilindro metálico (Ø = 0,8mm) induziu uma carga no sentido ápico-cervical sobre o material retrobturador.

O teste de push-out foi realizado na máquina de ensaios universal (EMIC, São José dos Pinhais, SP, Brasil), em velocidade de 0,5 mm/min. Para obter os valores de resistência de união, em MPa, foi utilizada a seguinte fórmula: σ = F/A, em que F = carga necessária para ruptura do espécime (N) e A = área adesiva (mm2). Para determinar a área de interface adesiva, uma fórmula para calcular a área lateral de um cone circular com bases paralelas foi usada. A fórmula é definida como: A= 2πg(R1 + R2), onde π=3.14, g= geratriz, R1= menor raio da base, R2= maior raio da base. Para determinar a geratriz, o seguinte cálculo foi feito: g2 = (h2 + [R2- R1]2), em que h = altura da área seccionada, R1 e R2 foram obtidos através da medição dos diâmetros menor e maior da base, respectivamente, que correspondem, por sua vez, ao diâmetro interno entre as paredes radiculares do conduto. Estes valores foram obtidos utilizando paquímetro digital.

Coleta dos dados e análise dos padrões de falha

Todos os espécimes foram analisados em microscópio óptico (Olympus BX60M; Olympus, Tóquio, Japão), com aumento de 40× para observar o padrão de falha. Com relação aos padrões de falha, os dados foram classificados como: A: adesiva entre material retrobturador e dentina e C1: coesiva do material retrobturador, C2: coesiva da dentina e M: mista.

Imagens representativas de cada grupo foram analisadas em microscopia eletrônica de varredura. Para isso, alguns espécimes foram montados em stubs específicos para microscópio JEOL 6060 (JEOL, Tóquio, Japão) e metalizados com cobertura de paládio na metalizadora (MED 010, Balzers Union, Balzers, Liechtenstein, Alemanha).

Análise Estatística

Inicialmente foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar se os dados obtidos obedeciam aos padrões de normalidade. Em seguida, foi realizado o teste de Kruskal-Wallis para a análise dos valores de resistência adesiva para cada um dos materiais retrobturadores, separadamente, na dentina humana e bovina. Quando observada diferença entre os grupos o teste de Dunn foi aplicado para apontar onde estavam tais diferenças. Cada material retrobturador foi comparado com ele mesmo nos dois substratos dentinários (dentina humana e bovina) pelo teste de Mann-Whitney. Para todos os testes estatísticos o nível de significância foi estabelecido em 5%.

 

Resultados

O teste de Shapiro-Wilk indicou que os dados não obedeciam à curva normal. O teste de Kruskal-Wallis apontou diferenças entre os valores de resistência ao deslocamento apresentado pelos materiais retrobturadores, tanto em dentina humana quanto em dentina bovina (p < 0,05). Em dentina humana, os maiores valores de resistência ao deslocamento foram apresentados pelo cimento Portland (4,7 MPa), seguido pelo MTA (2,3 MPa). Por outro lado, o Super EBA e Sealapex apresentaram os menores valores de resistência ao deslocamento (1,2 Mpa e 1,7 Mpa, respectivamente). Em dentina bovina, o cimento Portland (13,2 Mpa) e o MTA (11,9 MPa) apresentaram os maiores valores de resistência ao deslocamento, ao passo que o Super EBA e o Sealapex apresentaram o valores mais baixos (5,9 Mpa e 3,5 Mpa, respectivamente). O teste de Mann-Whitney indicou maiores valores de resistência ao deslocamento em dentina bovina em comparação com dentina humana para todos os materiais retrobturadores (p < 0.05). A Tabela 1 indica a mediana e os valores máximo e mínimo para cada uma das situações experimentais.

A Tabela 2 apresenta os padrões de falha após o teste de push out em dentina humana. Tanto o cimento Portland quanto o MTA apresentaram o total de sete falhas coesivas do cimento ou da dentina em dez espécimes. Destas, ocorreram cinco falhas coesivas do cimento no grupo Portland e seis no grupo MTA. O Sealapex® apresentou predomínio de falha do tipo mista (sete espécimes) e, finalmente, o Super EBA® foi o único que apresentou falha do tipo adesiva (um espécime).

A Tabela 3 apresenta os padrões de falha após o teste de push out em dentina bovina. As cavidades retrobturadas com cimento de Portland e MTA apresentaram padrão de falha predominantemente do tipo coesiva do cimento. Este padrão inverteu-se para os cimentos Sealapex® e Super EBA® que apresentaram padrão de falha do tipo mista em seis e sete espécimes, respectivamente. Finalmente, não foram observadas falhas do tipo coesiva da dentina e adesiva. A Figura 1 apresenta imagens representativas dos padrões de falhas ocorridos nos grupos experimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

Dentre as propriedades desejáveis a serem apresentadas pelos materiais retrobturadores, a adesividade à dentina destaca-se como uma das principais propriedades físicas deste material. A adesão de materiais retrobturadores assume importância tanto em situações estáticas quanto em situações dinâmicas. Na primeira, o objetivo de uma adequada adesão consiste em eliminar qualquer espaço vazio que possa permitir a percolação de fluidos entre o material retrobturador e as paredes dentinárias, possibilitando contaminação ou recontaminação do canal radicular19. Por outro lado, em situações dinâmicas, o material deve resistir ao deslocamento após sua inserção na retrocavidade20. Considerando esses aspectos, este trabalho buscou analisar a resistência ao deslocamento de diferentes materiais utilizados como retrobturadores em dentina humana e bovina através do teste de push-out.

A vantagem do teste de push-out sobre outros testes para resistência ao deslocamento, é o fato deste ser menos sensível a pequenas variações entre os espécimes e a variações na distribuição do estresse durante a aplicação da carga21. Por fim, o push-out tem se mostrado efetivo, reproduzível e permite que os cimentos sejam avaliados mesmo que a força de adesão seja baixa21.

Os valores de resistência ao deslocamento obtidos em dentina bovina foram superiores àqueles obtidos em dentina humana para os quatro materiais testados (p < 0,05). Para os cimentos Portland e Sealapex, a mediana dos valores de resistência ao deslocamento foi cerca de duas vezes maior em dentina bovina quando comparada com a dentina humana. Já para os cimentos MTA e Super EBA estes valores foram cerca de cinco vezes superiores àqueles encontrados em dentina humana. Tais resultados podem ser justificados devido à maior quantidade de túbulos dentinários presentes na dentina bovina22. Dessa maneira, esse fator pode favorecer a retenção micromecânica destes cimentos a este substrato. Além disso, a exemplo da humana, a dentina bovina apresenta maior quantidade de túbulos no terço cervical radicular que diminui à medida que se aproxima do terço apical22. É importante salientar a similaridade no ranqueamento dos materiais retrobturadores testados nos diferentes substratos. Tanto na dentina humana quanto na dentina bovina os maiores valores de resistência ao deslocamento foram para o cimento Portland seguido pelo MTA. Os cimentos Super EBA e Sealapex apresentaram valores alternados para cada substrato, porém sem diferença entre ambos (p > 0,05).

Diversas pesquisas têm comparado os valores de resistência de união de materiais restauradores e cimentos endodônticos em dentina humana e bovina, com resultados variados22,23. Entretanto, nenhum trabalho comparou a resistência ao deslocamento de materiais retrobturadores.

O uso de dentes bovinos justifica-se pela facilidade de aquisição. Além disso, pelos animais serem abatidos aproximadamente com a mesma idade pode-se então controlar a faixa etária dos dentes e seu tempo de armazenamento. Dessa maneira, tem-se número e diâmetro dos túbulos dentinários mais uniforme nas amostras bovinas. Em dentes humanos, tal padronização fica comprometida, uma vez que, mesmo sendo oriundos de doadores com mesma faixa etária, podem apresentar padrão microscópico tubular variado em função das agressões que tais dentes possam ter sofrido durante sua função. Tal variação do padrão tubular pode ser determinante em estudos microscópicos de hibridização dos tecidos dentinários por sistemas adesivos, por exemplo.

O cimento Portland e o MTA apresentaram os maiores valores de resistência ao deslocamento tanto em dentina humana quanto em dentina bovina. Recentemente, El-Ma'aita et al.24 (2013) observaram aumento da resistência ao deslocamento de diferentes cimentos de silicato de cálcio (ProRoot MTA, Biodentine e Harvard MTA), quando utilizados sem a remoção prévia de smear layer. De acordo com os autores, a smear layer parece exercer um importante papel na formação de uma camada interfacial e possivelmente está envolvida na interação mineral entre cimentos de silicato de cálcio e dentina24. Como no presente estudo foi realizada apenas a irrigação com solução salina após o preparo das retrocavidades, sem utilização de EDTA, a interação entre o cimento de Portland e MTA com a smear layer pode ter contribuído para a obtenção de maiores valores de resistência ao deslocamento. Além disso, em ambientes úmidos, espera-se que tanto o MTA quanto o cimento Portland apresentem ligeira expansão linear25. Isso ocorre devido ao aumento do volume dos cristais que compõem esses cimentos e, possivelmente, contribuiem para uma melhor adaptação às paredes das retrocavidades, fazendo com que os valores de resistência ao deslocamento fossem maiores em comparação ao Super EBA e Sealapex.

Muitos estudos têm avaliado a capacidade seladora dos materiais retrobturadores11,26 e poucos avaliaram a resistência ao deslocamento destes materiais27. Entretanto, uma correlação positiva entre resistência ao deslocamento e capacidade seladora não foi confirmada28,29. Maltezos et al.26 (2006) observaram melhor capacidade seladora do MTA em comparação com o Super EBA em um modelo de infiltração por bactérias. Utilizando outra metodologia, a infiltração com nitrato de prata, Chittoni et al.11 (2012) também observaram maior infiltração dos espécimes retrobturados com Super EBA em comparação com o cimento Portland e o MTA. Esses resultados vão ao encontro dos valores de resistência ao deslocamento obtidos no presente estudo, nos quais o Super EBA apresentou o pior desempenho em dentina humana quando comparado aos demais cimentos (p < 0.05). Por outro lado, Estrela et al.15 (2000) não observaram infiltração bacteriana após 60 dias em dentes retrobturados com Sealapex e óxido de zinco. Já os dentes retrobturados com MTA e cimento Portland infiltraram em 15 e 45 dias, respectivamente. Esses resultados comprovam a possível ausência de correlação entre capacidade seladora e resistência adesiva.

Em relação ao padrão de falhas, tanto para a dentina bovina quanto para a dentina humana, os padrões foram similares (Fig. 1). Houve predomínio de falhas do tipo coesiva nas cavidades retrobturadas com MTA e cimento de Portland. Já nas retro cavidades preenchidas com Sealapex e Super EBA, houve predomínio de falhas do tipo mista. Esse último padrão de falha consiste na combinação entre falha adesiva, em que há ausência de cimento aderido às paredes do canal, e falha coesiva, na qual a estrutura acaba fraturando, seja ela dentina (coesiva da dentina) ou cimento (coesiva do cimento). Dessa maneira, para todos os materiais testados, independentemente do substrato, a prevalência de fratura do cimento (falha coesiva ou mista) variou entre 80% (Portland em dentina humana) e 100% (demais casos). Provavelmente este predomínio de falhas coesivas e mistas tenha ocorrido pela boa adaptação desses materiais às paredes da retrocavidade e pela friabilidade desses materiais. Dessa maneira, quando da aplicação da carga, os cimentos acabaram por fraturar.

 

Conclusão

Dentro das limitações do presente estudo, pode-se concluir que a resistência ao deslocamento dos materiais retrobturadores foi dependente do substrato analisado. Os maiores valores de resistência ao deslocamento foram observados em dentina bovina. Dentre os materiais testados, o MTA e o cimento Portland apresentaram maior resistência ao deslocamento que os cimentos Super EBA e Sealapex. Falhas do tipo coesivas predominaram para todos os cimentos testados independentemente do substrato.

 

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Endereço para correspondência:
Ricardo Abreu da Rosa
Rua General Gomes Carneiro, 408, Bairro Dores
97050-470 Santa Maria, RS

e-mail:
rabreudarosa@yahoo.com.br

 

Recebido: 06/11/2013
Aceito: 29/04/2014