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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.19 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2014

 

 

Análise da superfície de implantes odontológicos submetidos a ensaio de torção

 

Surface analysis of dental implants tested in torsion

 

 

Gabriela Benedini Strini Portinari BejaI;Mariana Lima da Costa ValenteII; Ana Beatriz Vilela TeixeiraI; Jonas Guilherme Gomes WizelIII;Andréa Candido dos ReisIV

I Graduados em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto/USP, São Paulo, SP, Brasil.
II Mestranda na Área de Reabilitação Oral da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto/USP, São Paulo, SP, Brasil.
IIIGraduado pela Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Engenharia de Produção, São Carlos, SP, Brasil.
IVProfessora Doutora do Departamento de Materiais Dentários e Prótese da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto FORP-USP, São Paulo, SP, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar o comportamento mecânico de implantes odontológicos submetidos à torção manual, a fim de analisar o ponto de ruptura e determinar a região mais frágil e susceptível à deformação, por meio de microscopia eletrônica de varredura, antes e após a realização do ensaio de torção. Materiais e método: Foram selecionados quatro modelos de implantes da marca Conexão ® (n=5): Master Screw, Porous, Conect AR e Conect Cônico. Foi utilizado um torquímetro digital para a aplicação de torque e com um microscópio eletrônico de varredura avaliou-se a superfície dos implantes antes e após o ensaio de torção. Resultados: Os resultados foram obtidos pela análise estatística ANOVA (P < 0,05), seguido do teste de Tukey (P < 0,05). Após a torção verificou-se que as quatro amostras de implantes apresentaram diferentes médias para a variável força máxima, porém, sem diferença estatística significante para os implantes Master Screw, Porous e Conect AR (p > 0,05), sendo apenas o implante Conect Cônico estatisticamente diferente (p < 0,05). Quanto às imagens obtidas a partir da análise ao MEV observou-se fratura do montador dos implantes Master Screw e Porous, ruptura dos implantes Conect AR, e espanamento das roscas internas dos Cônicos. Conclusão: Os modelos de implantes testados apresentaram diferentes comportamentos mecânicos quando submetidos à aplicação de forças, com os Cônicos apresentando menor resistência ao ensaio de torção.

Palavras-chave: Torção mecânica. Microscopia eletrônica de varredura. Implantes dentários.


 

ABSTRACT

Objective: To evaluate the mechanical behavior of dental implants subjected to manual torsion in order to analyze the breaking point and determine the region more fragile and susceptible to deformation by means of scanning electron microscopy before and after completion of the torsion test. Materiais and method: It was selected four models of the brand Connection® implants (n = 5): Master Screw, Porous, Conect AR and Conect Conical. We used a digital torque wrench for applying torque and with a scanning electron microscope evaluated the implant surface before and after the torsion test. Results: The results were obtained by statistical analysis ANOVA (P < 0.05), followed by Tukey test (P < 0.05). After the twist was found that the four samples showed different implants averages for maximum strength, however, no statistically significant difference for the Master Screw, Porous and Conect AR implants (P > 0,05), only the implant Conect Conical statistically different (P < 0,05). As for the images obtained from the SEM analysis it was observed assembler fracture implants Master Screw e Porous, rupture of implants Conect AR and dusted the internal threads of the Connect Conical. Conclusion: The models of implants tested showed different behaviors when subjected to mechanical force application, with tapered presenting less resistance to the torsion test.

Keywords: Torsion mechanical. Scanning electron microscopy. Dental implants.


 

 

Introdução

O uso de implantes é reconhecido como um tratamento previsível e bem sucedido para restaurar a função total ou parcial de um paciente desdentado1 e o seu sucesso a curto ou longo prazo está relacionado a diversos fatores como geometria, composição, tamanho e morfologia superficial, os quais associados a uma técnica cirúrgica adequada interferem na estabilidade primária e, consequentemente, na osseointegração, um dos pré-requisitos para o sucesso clínico das reabilitações orais com implantes2,3.

A morfologia superficial dos implantes modula sua ancoragem e resposta óssea4, por isso, alterações, como a criação de micro rugosidades na superfície dos implantes têm sido realizadas, a fim de acelerar o processo de cicatrização do osso e aumentar a aposição óssea ao redor dos parafusos de implantes5,6 .

Para avaliar os diferentes tipos de implantes disponíveis no mercado, os ensaios mecânicos são fundamentais, pois, por meio deles, é possível analisar o desempenho do material testado, quando submetido a diferentes tensões e esforços, em diferentes tipos de substratos7. Esses ensaios permitem predizer a durabilidade do parafuso, quantificar o torque de inserção e o nível de adaptação prótese/ implante, através da análise da plataforma protética desses8, já que, segundo a literatura, os maiores problemas no sucesso de uma reabilitação oral com próteses implantossuportadas estão relacionados aos diferentes formatos, às plataformas protéticas e aos tratamentos de superfície9.

Um resultado clínico satisfatório também depende da capacidade do implante de suportar as cargas oriundas da cavidade bucal, importante para a manutenção do parafuso no leito ósseo a longo prazo. Para uma distribuição correta de forças no tecido ósseo é importante que haja estabilidade entre a prótese e o implante, por meio da plataforma protética, para que o excesso de tensões não provoque a falha do implante e consequentemente o insucesso da reabilitação oral10,12.

Assim, a proposta do estudo foi avaliar a superfície de implantes de diferentes formatos e tratamentos de superfícies antes e após realização de ensaio de torção, por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV), de modo a verificar alterações na morfologia dos implantes que possam levar ao prejuízo da osseointegração e ao insucesso do tratamento reabilitador.

 

Materiais e método

Foram utilizados vinte implantes da marca Conexão® (Arujá, São Paulo, Brasil) (n=5): Master Screw, cilíndrico de superfície usinada (Ø 3,75 mm x 11,5 mm), Porous, cilíndrico com duplo tratamento de superfície Porous (Ø 3,75 mm x 11,5 mm), Conect AR, cilíndrico com tratamento de superfície Porous (Ø 3,75 mm x 11,5 mm), Conect Cônico, cônico com tratamento de superfície Porous (Ø 3,5 mm x 11,5 mm). Todos os implantes foram submetidos à análise microscópica, por meio de microscopia eletrônica de varredura e ao ensaio de torção manual.

Ensaio de torção manual:

O ensaio de torção manual foi realizado com um torquímetro digital Mackena® (São Paulo – SP, Brasil), modelo MK-20XX, com capacidade de 10 N.m e precisão de 0,01 N.m, para a quantificação do torque imposto ao parafuso a cada angulação. Os parafusos foram posicionados em uma morsa, mantendo seu recesso hexagonal voltado para cima, também foram deixados cinco fios de rosca livres, como exige a NBR ISO 6475:199713.

Com a peça de encaixe hexagonal do torquímetro acoplada ao sextavado da cabeça do parafuso, seguindo os padrões especificados da NBR ISO 8319-1:199814, mantendo um ângulo de 90° entre o braço do torquímetro e o eixo longitudinal do parafuso, iniciou-se movimento circular, em sentindo horário, com velocidade dentro dos valores exigidos (1 a 5 rotações/minutos), até o momento de torção do implante, com ou sem ruptura.

Os quatro grupos de implantes foram submetidos ao ensaio de torção, com a finalidade de analisar a força máxima suportada pelo implante.

Microscopia Eletrônica de Varredura:

Para uma análise detalhada da superfície dos implantes, foi usado o equipamento microscópio eletrônico de varredura JSM- 5200 (JEOL Ltd, Tóquio, Japão), com aumento de 35 vezes. As fotomicrografias foram feitas com um filme fotográfico preto e branco, 120 mm (Kodak®, Tmáx 100, Rochester, New York, Estados Unidos). Os implantes foram posicionados no tubo de incisão de feixes de elétrons do microscópio na posição horizontal, mantendo exposta a sua superfície superior. A varredura da superfície foi projetada em um monitor com a imagem ampliada da superfície do implante, permitindo analisar a rosca do implante e suas demais estruturas15.

 

Resultados

Para a análise estatística foi utilizado o software Minitab versão 15.1.1.0. Verificada a normalidade do estudo utilizou-se ANOVA, para análise de variância, seguido do teste de Tukey, com 5 % de nível de significância, para comparação das médias.

De acordo com o teste ANOVA, os quatro implantes apresentaram diferentes médias de força máxima de torção p = 0,00. Quando comparados entre si verificou-se semelhança estatística entre os implantes Master Screw, Master Porous e Conect AR (p > 0,05), e diferença estatística do implante Conect Cônico com os demais implantes testados (p < 0,05) (Tab. 1).

 

 

 

Quando analisados no MEV, os implantes de um mesmo grupo apresentaram superfície nítida e sem modificações prévias ao ensaio de torção. Após a aplicação da força máxima, observaram-se alterações morfológicas nos parafusos ensaiados, que variaram de acordo com o modelo de implante testado. Os implantes Master Screw e Porous apresentaram fratura do montador (Fig. 1 e 2), os Conect AR fratura do implante (Fig. 3) e os Conect Cônico deformação das roscas internas (Fig. 4).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

Devido a grande taxa de sucesso das reabilitações orais com próteses implantossuportadas, cada vez mais os implantes vem sendo utilizados como alternativa de tratamento para pacientes desdentados totais e parciais. Entretanto, inadequações mecânicas podem ocorrer, como desadaptações protéticas na interface osso/implante, deformações da plataforma protética, excesso de tensões transmitidas ao tecido ósseo e a fratura do próprio implante16-17.

Os diferentes formatos de implantes e tipos de plataformas protéticas reagem de maneira diferente à aplicação de tensões. Segundo a literatura18, implantes de hexágono externo instalados com a utilização de montadores, que aplicam carga diretamente na conexão, estão sujeitos a deformações na região do hexágono quando o torque for superior a 55 N.cm e sujeitos ao completo espanamento desse, com torques próximos a 70 N.cm. Por outro lado, implantes com dispositivos de instalação interna, viabilizam a aplicação de torques próximos a 80 N.cm, sem provocar deformações na plataforma protética e sem demonstrar indício clínico ou radiográfico de necrose óssea decorrente da aplicação do torque19.

No estudo, a aplicação de forças durante o ensaio de torção provocou diferentes alterações na estrutura dos implantes. No modelo Master Screw ocorreu a ruptura do montador com aplicação de força de 125,4 N.cm, já no implante Porous, a ruptura se deu com 129,8 N.cm. O implante Conect AR fraturou na região de corte com aplicação de torque de 149,8 N.cm e o Cônico teve suas roscas internas espanadas com um torque de 54,4 N.cm. Os implantes Conect AR apresentaram os maiores valores de força máxima de torção, possivelmente devido à plataforma protética do tipo hexágono interno longo que direciona a transferência da força de tração para o longo eixo do parafuso.

Por outro lado, os implantes Conect Cônico apresentaram os menores valores de torção, 54 N.cm, com o espaçamento das roscas, provavelmente devido a sua configuração interna, com uma rosca muito estreita, o que facilita a deformação dessas e impede a adequada dissipação de tensões ao longo eixo do parafuso.

A fratura do componente protético, tão comum nos casos de insucesso de reabilitações orais com implantes20-21, ocorre principalmente devido ao afrouxamento não detectado do componente, somado aos movimentos não axiais durante o carregamento protético, podendo ocorrer ao nível da porção superior hexagonal, como observado nos implantes Porous e Master Screw, que apresentaram a ruptura do componente (montador), na porção interna do implante, como observado nos implantes Conect Cônico e Conect AR.

O elevado estresse mecânico gerado nos componentes pode provocar a desadaptação da prótese e até a fratura do implante22, como no caso do Conect AR, que não suportou a carga aplicada sobre o montador, o que levou a ruptura do parafuso. Já o implante Conect Cônico teve suas roscas internas espanadas, ou seja, em uma situação clínica isso iria gerar uma folga e consequente desadaptação na interface protética23.

O presente estudo mostrou que diferentes tipos de implantes reagem distintamente à aplicação de forças e, também, que as características morfológicas como geometria, tamanho plataforma protética influenciam diretamente na distribuição de forças ao longo do parafuso. Por isso, diante da diversidade de implantes disponíveis no mercado odontológico, é fundamental que o cirurgião dentista tome conhecimento prévio do material que irá utilizar em uma reabilitação oral com próteses implantossuportadas.

 

Conclusão

Os implantes testados apresentaram diferentes comportamentos mecânicos após aplicação da força máxima de torção. No estudo, os implantes cônicos, quando comparados aos cilíndricos apresentaram menor resistência ao ensaio de torção.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Andréa Candido dos Reis
Av. do Café, s/nº
14040-904 Ribeirão Preto/SP
e-mail: andreare@forp.usp.br

 

Recebido: 10/11/2013
Aceito: 27/03/2014.