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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.19 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2014

 

 

Análise de programas escolares de saúde bucal no Brasil

 

Analysis of oral health programs in Brazil

 

 

Débora Santos SityáI ; Giuliano Omizzolo GiacominiII ; Luis Antônio SangioniIII ; Carla da Rocha Sartori SendtkoIV ; Beatriz UnferV

 

I Acadêmica do curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Monitora Bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Santa Maria, RS, Brasil
II Acadêmico curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Monitor Bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Santa Maria, RS, Brasil
III Professor Doutor associado do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); tutor do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Santa Maria, RS, Brasil
IV Cirurgiã-dentista; Especialista em Saúde Coletiva pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra), Prefeitura Municipal de Santa Maria, Secretaria Municipal da Saúde, Superintendência de Vigilância em Saúde; preceptora do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Santa Maria, RS, Brasil
V Professora Doutora associada no Departamento de Estomatologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); tutora do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), Santa Maria, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Os programas de saúde bucal com ações preventivas, educativas e/ou cirúrgico-restauradoras contribuem para aumentar a qualidade de vida da população. No meio escolar, o ambiente e a faixa etária dos escolares favorecem o aprendizado e a motivação. Objetivo: analisar as atividades de saúde bucal realizadas em escolas brasileiras durante o período de 2002 a 2012. Revisão de literatura: os artigos foram pesquisados na base de dados da Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO) com a utilização das expressões: "saúde bucal escolar", "programa escolar", "assistência odontológica escolar", "educação em saúde bucal escolar", "higiene bucal escolar", "promoção de saúde bucal escolar" e "escovação dentária escolar". Os resultados mostram variação nas modalidades de ações empregadas, com predominância dos componentes educativo e preventivo, e utilização de recursos audiovisuais, demonstrações práticas de escovação e escovação supervisionada. Considerações finais: conclui-se que os programas escolares implantados no Brasil são tradicionais, sem a introdução de estratégias inovadoras nas abordagens educativas e que deveriam utilizar instrumentos de avaliação mais efetivos para monitorar os efeitos das ações de saúde dirigidas à comunidade escolar.

Palavras-chave: Saúde bucal. Saúde escolar. Avaliação de programa.


 

ABSTRACT

Oral health programs with preventive, educational, and/or surgical-restorative actions contribute to increase the quality of life of the population. In school, the environment and the age group of students promote learning and motivation. Objective: to analyze oral health activities performed in Brazilian schools from 2002 to 2012. Literature review: articles were obtained from the BBO (Brazilian Bibliography of Dentistry) database, with the use of expressions: "school oral health", "school program", "school dentistry services", "school oral health education", "school oral hygiene", "school oral health promotion", and "school teeth brushing". Results show variation in methods of actions applied with the predominance of educational and preventive components, and the use of audiovisual resources, practical presentation of brushing, and supervised brushing. Final considerations: it is concluded that the school programs implemented in Brazil are traditional with no introduction of innovative strategies in educational approaches, also they should use more effective assessment instruments in order to monitor the effects of health actions aimed at the school community.

Keywords: Oral health. School health. Program evaluation.


 

 

Introdução

A saúde bucal deve ser vista como parte integrante e indissociável da saúde geral do indivíduo. Os programas de saúde bucal com ações preventivas, educativas e/ou cirúrgico-restauradoras são fundamentais, não apenas para melhorar as condições da saúde bucal, mas também para aumentar a qualidade de vida da população.

A idade escolar é um período adequado para o desenvolvimento de programas de saúde. Os escolares apresentam maior facilidade de aprendizagem, melhor coordenação motora e maior motivação para incorporar hábitos saudáveis1,2. Com base nisso, programas escolares de saúde bucal poderão gerar maior responsabilidade e preocupação com a higiene oral, reduzindo a necessidade de tratamentos invasivos ao longo da vida e, consequentemente, desenvolvendo hábitos de vida mais saudáveis.

Tendo em vista a importância dos programas escolares de saúde bucal como forma de atuação na área educativa, preventiva e de recuperação da saúde, realizou-se uma revisão de literatura com o objetivo de avaliar os programas de saúde bucal executados no Brasil durante o período de 2002 a 2012.Buscou-se verificar a modalidade desses programas e os tipos de atividades desenvolvidas nas escolas.

 

Materiais e método

Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre programas escolares de saúde bucal, desenvolvidos no Brasil, no período de 2002 a 2012, em periódicos nacionais. Os artigos foram levantados na base de dados da Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO), com a utilização das expressões: "saúde bucal escolar", "programa escolar", "assistência odontológica escolar", "educação em saúde bucal escolar", "higiene bucal escolar", "promoção de saúde bucal escolar" e "escovação dentária escolar". Do total de 686 referências encontradas, foram excluídos artigos que não abordavam como tema principal os programas escolares, os artigos de revisão, os levantamentos exclusivamente epidemiológicos e aqueles que não puderam ser recuperados com o texto completo.

 

Resultados e discussão

A seleção dos artigos resultou em 17 trabalhos para análise neste estudo3-19. Os dados obtidos foram organizados em tabelas, de acordo com a modalidade, com o tipo de atividade e com os resultados apresentados pelos programas escolares.

Verificou-se que os programas apresentaram variedade de composição nas modalidades empregadas para a atuação em escolas, com predominância dos componentes educativos e preventivos, presentes em 82% e 76% das atividades, respectivamente. Apenas quatro programas tinham o componente clínico como atividade (Tabela 1).

 

 

 

Embora se deva considerar a capacidade técnica para a execução de cada programa implementado, é preciso chamar a atenção para o fato de que atividade de saúde isolada do contexto da integralidade da atenção em saúde tem a probabilidade de gerar pouco ou nenhum impacto na população alvo. O uso da terminologia promoção de saúde bucal, frequentemente encontrada nos artigos pesquisados, remete somente a atividades educativas e preventivas de saúde bucal como, por exemplo, atividades audiovisuais, escovação supervisionada e aplicação de flúor. Todavia, o termo tem um conceito mais amplo, com origem na promoção de saúde discutida no contexto nacional e internacional. Conforme a Carta de Ottawa (1986), documento chave das discussões sobre o tema para promover saúde, é necessário haver paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema estável, justiça social e equidade20. Para tanto, é necessário capacitar a comunidade para atuar e controlar a melhoria de sua qualidade de vida e saúde. Nesse contexto, a promoção da saúde bucal deveria estar inserida em um conceito amplo de saúde que transcende a dimensão meramente técnica e específica do setor odontológico, integrando a saúde bucal às demais práticas de saúde coletiva20. Essas premissas que deveriam nortear as ações de saúde bucal não são colocadas em discussão nos artigos analisados.

A descrição das atividades realizadas de acordo com a modalidade empregada nos programas analisados (Tabela 2) mostra que a utilização de recursos audiovisuais, a escovação supervisionada, a verificação de índices periodontais e o uso do tratamento restaurador traumático foram mais frequentes.

 

 

 

Chama a atenção que as formas de aprendizagem ativa, como atividades práticas e lúdicas ainda competem em desvantagem com metodologias nas quaiso sujeito é passivo em relação ao seu aprendizado. A utilização de recursos de educação colocados, de forma abstrata, às pessoas torna difícil sua contextualização na realidade cotidiana21. As estratégias tradicionais e de ênfase na determinação do comportamento ideal não possibilitam o diálogo nem a participação das pessoas envolvidas. A construção do conhecimento, com os envolvidos, possibilitaria maior autonomia na decisão de cuidados de saúde bucal21. Embora a educação em saúde, realizada no ambiente escolar, favoreça o envolvimento da criança para construir novos conhecimentos, neste estudo, constatou-se que poucos programas incluíram os professores e os pais nas atividades desenvolvidas. Os professores, por disporem de conhecimentos pedagógicos e psicológicos, facilitariam a mudança de atitudes, hábitos e cuidados. E a participação dos pais ou responsáveis conduziria para que os ensinamentos repassados às crianças fossem incorporados a suas rotinas e reforçados ao longo do tempo, em casa, em uma motivação continuada2. A construção do conhecimento por todas as pessoas envolvidas no processo possibilitaria maior autonomia na tomada de decisão para os cuidados de saúde bucal20, 21.

A escolha da técnica de aplicação de flúor deve ocorrer depois de constatada a necessidade em função do risco de cárie e da avaliação dos custos e aspectos operacionais, o que não foi especificado nos artigos estudados. É sabido que o flúor pode ser utilizado, de forma coletiva ou individual, para a prevenção de cárie dentária. Contudo, a associação de método sistêmico (flúor na água de abastecimento público) com métodos tópicos deveria ter justificativa epidemiológica. Além disso, o uso de um método tópico de aplicação de flúor, associado ao uso de dentifrício fluoretado, é recomendado quando há ausência de água fluoretada, considerando-se os aspectos operacionais e de custos desses métodos22. Para cuidados bucais efetivos há a necessidade da construção de políticas públicas saudáveis e o desenvolvimento de estratégias direcionadas a todas as pessoas, garantindo o acesso à água tratada e fluoretada a todos, a universalização do uso de dentifrício fluoretado e escova dental e a disponibilidade de cuidados odontológicos apropriados22.

Sobre os resultados alcançados pelos programas, verificou-se que esses trouxeram mudanças de conhecimentos e consciência e de atitudes (alteração de índices, melhora na higiene oral, redução da cárie dental) (Tabela 3). Chama a atenção o fato de que sete programas escolares não provocaram as mudanças desejadas durante o período em que foram implantados.

 

 

 

A avaliação da eficiência dos programas escolares foi realizada somente ao final dos programas, mas reconhece-se o fato de que deveria ser realizada durante o processo, ponderando-se os impactos dos resultados finais23. Portanto, as mudanças detectadas em curto prazo e somente ao final são insuficientes para garantir que as transformações pretendidas tenham surtido efeito e permaneçam na população beneficiada pelos programas. Nesse sentido, torna-se também essencial o levantamento epidemiológico como uma ferramenta para gerar dados para o conhecimento das necessidades de saúde, para o planejamento de ações e, em médio e longo prazo, para mostrar a eficácia dos programas com a diminuição das doenças bucais2,21.

Como as limitações do estudo, salienta-se a publicação restrita de estudos sobre programas escolares, embora seja sabido que essas atividades ocorrem frequentemente na maioria dos municípios brasileiros. Uma explicação pode ser justamente o que foi encontrado como resultado neste estudo: muitas das atividades de saúde bucal são dirigidas a escolares como uma tarefa rotineira para professores e estudantes de Odontologia em programas de extensão que não visam a realização de uma pesquisa científica. Outra razão é que os profissionais de saúde bucal, inseridos principalmente na Estratégia de Saúde da Família, não tem como rotina a divulgação científica de sua prática em serviços de saúde.

A opção por utilizar a base de dados da Bibliografia Brasileira de Odontologia foi porque nessa base de dados encontra-se a maioria das publicações brasileiras com a abordagem do tema e no período proposto por este estudo.

 

Considerações finais

A partir da análise dos artigos, conclui-se que os programas escolares implantados no Brasil são tradicionais, sem introdução de estratégias inovadoras nas abordagens educativas, os quais deveriam utilizar instrumentos de avaliação efetivos para monitorar os efeitos das ações de saúde dirigidas à comunidade escolar.

 

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Endereço para correspondência:
Giuliano Omizzolo Giacomoni
BR 158 - km 323,6/1555 - Bairro Cerrito
97060-090 Santa Maria-RS

e-mail:
giulianoog@gmail.com

 

Recebido: 22/04/2014
Aceito: 02/11/2014