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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2015

 

 

Percepção dos cirurgiões bucomaxilofaciais do estado do Rio Grande do Sul sobre a técnica da coronectomia

 

Perception of oral maxillofacial surgeons from Rio Grande do Sul on coronectomy

 

 

Luize Severo MartinsI; Bruna SartoriII; Caroline Comis GiongoIII; Carlos Eduardo BaraldiIV

 

I Cirurgiã-Dentista graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestranda em Radiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs – Porto Alegre - RS – Brasil
II Cirurgiã-Dentista graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs – Porto Alegre - RS – Brasil
III Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Universidade Federal de Pelotas e mestranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs – Porto Alegre - RS – Brasil
IV Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia e Ortopedia – Faculdade de Odontologia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs – Porto Alegre - RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Introdução: a coronectomia é um procedimento no qual se remove a coroa de um terceiro molar inferior impactado, mantendo as raízes, com o objetivo principal de evitar a lesão do nervo alveolar inferior. Objetivo: verificar o conhecimento sobre a coronectomia por parte dos especialistas em cirurgia bucomaxilofacial registrados no Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul. Métodos: a pesquisa foi realizada por meio de um questionário enviado por correio eletrônico com seis questões sobre coronectomia. Resultados: de 376 profissionais com endereço eletrônico válido, 39 (10,37%) responderam o questionário. Desses, 41,02% eram especialistas há mais de 5 e menos de 10 anos, 38,46% indicavam eventualmente a técnica da coronectomia e 64,10% referiram que a maior vantagem da técnica é o menor risco de lesão ao nervo alveolar inferior. Para verificar se houve relação entre o tempo de especialização e o conhecimento da técnica foi utilizado o teste exato de Fisher, não tendo sido observada associação (p=0.6662). Também não se evidenciou relação entre o tempo de especialização e o fato do profissional indicar eventualmente ou não indicar a técnica (p=0.5842). Conclusão: segundo os resultados obtidos, ainda que se trate de uma técnica conhecida pelos profissionais, sua indicação não foi frequente, bem como a rejeição total a essa (33,33%), mesmo que dados da literatura mostrem resultados positivos com indicações e execução específica.

Palavras-chave: Dente serotino. Parestesia. Nervo mandibular. Cirurgia bucal.


 

ABSTRACT

Introduction: coronectomy is a procedure that removes the crown of an impacted lower third molar, keeping the roots, in order to avoid inferior alveolar nerve injury. Objective: to verify the knowledge about coronectomy by oral maxillofacial surgeons registered at the Council of Regional Dentistry of Rio Grande do Sul – Brazil. Materials and method: the research was conducted through a questionnaire sent by e-mail, with 6 questions about coronectomy. Results: from the 376 professionals with a valid e-mail address, 39 (10.37%) answered the questionnaire. From these, 41.02% were specialists for more than 5 and less than 10 years, 38.46% eventually recommended coronectomy, and 64.10% said that the greatest advantage of the technique is the lower risk of inferior alveolar nerve injury. To verify whether there was relation between the time since specialization and the knowledge of the technique, Fisher's exact test was used and found no association (p=0.6662). There was also no relation between the time since specialization and the professional eventually recommending the technique or not (p=0.5842). Conclusion: according to the results obtained, despite being a known technique among professionals, it was either not frequently recommended or completely rejected (33.33%), even though literature shows positive results with specific recommendation and execution.

Keywords: Molar. Paresthesia. Mandibular nerve. Oral surgery.


 

 

Introdução

Coronectomia é um procedimento alternativo à remoção completa do terceiro molar inferior, no qual apenas a coroa é removida, preservando as raízes1. Visa evitar a lesão do nervo alvelar inferior, ao não remover suas raízes próximas do canal mandibular2. A indicação dessa técnica é justificada pelos riscos em potencial que uma extração pode gerar, tais como lesão ao nervo, infecção, dor e alveolite1,3-5. Na literatura científica, há uma grande disparidade de valores em relação à frequência da lesão do nervo alveolar inferior após a extração do terceiro molar inferior, variando desde 3,6% para lesões permanentes até 8% para lesões temporárias3,6,7.

São citadas como contraindicações locais dessa técnica: terceiros molares não vitais, terceiros molares associados com patologia apical, cística ou lesões neoplásicas. Já as contraindicações de ordem sistêmicas são diabetes descompensada, imunossupressão, incluindo pacientes HIV positivos e que realizaram quimioterapia, radioterapia na região de cabeça e do pescoço previamente, osteoesclerose ou osteopretose, pacientes com infecções sistêmicas, desordens neuromusculares – todas essas contraindicações para qualquer cirurgia bucal, além de pacientes que pretendem fazer cirurgias ortognáticas1,3.

A técnica da coronectomia consiste em realizar uma secção horizontal no terceiro molar inferior, com broca tronco cônica a um ângulo de 45 graus, iniciando-se na face vestibular, 1-2 mm abaixo da junção amelocementária, com uma profundidade de três quartos da coroa para evitar a perfuração da cortical lingual, eliminando o risco de lesão ao nervo lingual. Completa-se a secção da coroa com alavanca apical com o cuidado para não aplicar força excessiva no dente para que não ocorra a luxação das raízes. Salienta-se a importância de que, caso as raízes por algum motivo forem luxadas, devem ser removidas e a técnica da coronectomia abortada. Após a remoção da parte coronária, uma broca carbide esférica deve ser utilizada para rebaixar o nível das raízes alguns milímetros abaixo do nível da crista óssea alveolar. Evidências sugerem que 3 mm de desgaste da raiz, abaixo da crista óssea, é suficiente para criar condições de cicatrização e deposição óssea8.

O objetivo dessa pesquisa foi avaliar as percepções dos profissionais especialistas em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, do estado do Rio Grande do Sul, sobre coronectomia, bem como o grau de conhecimento da técnica e sua utilização.

 

Métodos

A amostra deste estudo foi formada por especialistas em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais registrados no Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul (CRO-RS) e que tinham endereço eletrônico cadastrado em maio de 2014. A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pela Plataforma Brasil (CAAE nº 33864914.4.0000.5347).

Inicialmente, foi enviado o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e o questionário inicial, em páginas separadas, em um documento do Google Docs (o link para o acesso ao TCLE e o questionário era enviado por e-mail, não sendo necessário fazer download de nenhum anexo) sendo que o especialista só teve acesso ao questionário inicial após dar o consentimento na página do TCLE. O limite para envio das respostas foi de um mês, a partir da data de envio do questionário. O questionário continha seis perguntas objetivas acerca do conhecimento, da utilização e da indicação da técnica de coronectomia de terceiros molares retidos (Figura 1). Uma vez que o questionário foi realizado no Google Docs, as respostas dos participantes eram agrupadas automaticamente em uma tabela, que estava disponível para os pesquisadores.

Não foi realizado cálculo amostral, pois esta pesquisa foi baseada em um trabalho prévio, do mesmo departamento, com metodologia semelhante9. Nessa pesquisa prévia, foram enviados questionários a todos os cirurgiões bucomaxilofaciais e implantodontistas do RS cadastrados no CRO-RS e foi obtido um percentual de respostas de 22,4%. Uma vez que esse percentual foi baixo, optamos por não limitar a amostra e utilizar todos os profissionais que tinham endereço eletrônico cadastrados no CRO-RS.

 

 

 

Resultados

O total de especialistas com endereço eletrônico cadastrado foi de 441 profissionais. Desses, 65 não tinham e-mail válido, gerando um total de 376 profissionais. Justifica-se o uso de endereço eletrônico pela praticidade, rapidez e facilidade para responder o questionário. Entre os 376 questionários enviados, obtivemos resposta de somente 39 especialistas (10,37%). O baixo número de respostas sugere baixo interesse pela técnica por parte dos especialistas.

 

 

 

A primeira pergunta consistiu em questionar os profissionais quanto ao tempo de especialidade em CTBMF. Verificou-se que a categoria mais frequente foi a "entre 5 a 10 anos", na qual dezesseis profissionais (41,02%) responderam que eram especialistas dentro desse período. Além disso, doze eram especialistas há menos de 5 anos e, o restante, onze profissionais, há mais de 10 anos.

A próxima pergunta, a respeito do grau de conhecimento da técnica de coronectomia (Tabela 1) demonstrou que a maioria dos participantes conhece e indica eventualmente (38,46%) e conhece, mas não indica a técnica (33,33%).

Para verificar se houve associação entre o tempo de especialização e o conhecimento da técnica de coronectomia, foi utilizado o teste exato de Fisher. Ao nível de 5% de significância, a amostra não evidenciou que o tempo de especialização estivesse associado ao fato de conhecê-la ou não (p=0.6662). Uma das justificativas é de que o número de observações foi, de fato, pequeno.

Para examinar se houve associação entre o tempo de especialização com a indicação ou não da técnica, utilizou-se na análise apenas os participantes que conheciam a técnica e se posicionaram quanto à sua utilização. Assim, os especialistas que nunca ouviram falar ou conheciam vagamente foram excluídos dessa etapa.

Mais da metade dos profissionais entrevistados que conheciam a técnica costumavam indicá-la, mesmo que eventualmente. Para testar a hipótese de que a proporção de especialistas há menos de 5 anos que a indicavam a técnica era semelhante à proporção de especialistas entre 5 e 10 anos e entre a proporção de especialistas há mais de 10 anos, foi também utilizado o teste Exato de Fisher. Ao nível de 5% de significância, a amostra não evidenciou que o tempo de especialização estivesse associado à indicação eventual ou a não indicação da técnica (p=0.5842).

Em relação à importância atribuída pelos participantes sobre as vantagens da técnica, observou-se que o menor risco de parestesia consistiu em uma vantagem muito importante (64,10%) e que o risco aceitável de complicações (35,89%) e o menor trauma cirúrgico (35,89%) foram considerados importantes.

Já em relação às desvantagens da técnica, a necessidade de reintervenção (66,66%) e a não aceitação da remoção parcial pelo paciente (48,71%) foram as mais citadas (Tabela 2).

 

 

 

Entre as características radiográficas que o participante indicaria a coronectomia, a ausência de cortical óssea entre o terceiro molar, o canal mandibular (48,71%) e a presença de raízes do terceiro molar tocando ou abraçando a cortical superior docanal mandibular (43,58%) foram as mais citadas (Tabela 3).

 

 

 

Discussão

Sugere-se que o maior percentual de respostas dos profissionais com 5 e 10 anos de especialidade ocorreu devido ao crescente número de cursos de especialização e residências em CTBMF nos últimos 10 anos. Além disso, há muitos especialistas recém-formados que ainda não cadastraram seu e-mail no Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul, fato que justifica um percentual não tão elevado nos últimos 5 anos.

A vantagem mais importante atribuída pelos participantes sobre a técnica foi o menor risco de parestesia. De acordo com Long et al.10 (2012), esse risco foi demonstrado e, independentemente do subtipo de lesão do nervo, coronectomia é superior na proteção do nervo alveolar inferior quando comparado com a remoção total do terceiro molar, em casos de alto risco de lesão.

Com relação ao risco aceitável de complicações, o estudo de Long et al. 10 (2012) aponta que os principais efeitos adversos são: falha da coronectomia, reintervenção, migração radicular e exposição radicular. As taxas de falha da coronectomia diferiram entre os estudos incluídos em revisão sistemática da literatura: 38,4%3, 9,4%1, 4,7%4 e 2,3%5, mostrando uma heterogeneidade entre os estudos que pode ser atribuída a diferentes frequências de impactação vertical e estreitamento das raízes.

Não encontramos, na literatura, evidências sobre a relação entre menor trauma cirúrgico entre coronectomia e remoção total de terceiros molares inferiores. No estudo de Long et al.10(2012), os autores sugeriram que coronectomia, em comparação à remoção total, reduziu a dor em uma semana após a cirurgia entre os pacientes sem cobertura de antibióticos.

O índice de 33,33% de participantes que conhece, mas não indica foi devido, principalmente, à necessidade de reintervenção, à infecção e à não aceitação pelo paciente. No entanto, Renton et al.3 (2005) obtiveram, por meio de seu estudo clínico randomizado, resultados com semelhante incidência de alveolite (10-12%). Nos grupos que realizaram exodontia convencional, coronectomia com sucesso e coronectomia sem sucesso. Em relação a não aceitação do paciente, esse fator depende muito do poder de convencimento do profissional, esclarecendo para o paciente as vantagens e as desvantagens da técnica.

Quanto à necessidade de reintervenção, Long et al.10 (2012) encontraram na sua revisão sistemática de literatura, taxas entre 0% e 4,9%, e quando alguma reintervenção era necessária, esse procedimento foi menos complexo, devido à migração das raízes em direção contrária ao nervo alveolar inferior. Dados desse mesmo estudo referem uma alta taxa de migração radicular, com a distância de migração radicular acumulada de 3 mm, em média, ao fim de 2 anos. Dolanmaz et al.6 (2009) encontraram 4 mm após 2 anos no sentido oposto ao do nervo alveolar inferior. Assim, mesmo que ocorram migrações de raiz e exposições, as extrações das raízes expostas seriam muito simplificadas e minimizariam o risco potencial de lesão do nervo. Portanto, as migrações de raiz e exposições seriam benéficas para a proteção do nervo.

A ausência de cortical óssea entre o terceiro molar e o canal mandibular e a presença de raízes do terceiro molar tocando ou abraçando a cortical superior do canal mandibular foram as características radiográficas mais citadas para que o participante indicasse a coronectomia. Resultado esse que vai ao encontro do estudo de Leung e Cheung11 (2011) que demonstrou que a maioria dos pacientes que tiveram algum dano funcional no nervo alveolar inferior apresentava 2 ou 3 sinais radiográficos de proximidade das raízes dos terceiros molares com o nervo alveolar inferior.

 

Conclusão

Mais de 75% dos especialistas em CTBMF conheciam a técnica da coronectomia, no entanto, sua indicação é infrequente e um terço dos profissionais respondentes rejeitam.

Não houve associação entre o tempo de especialização e o conhecimento e indicação da técnica, todavia estudos com amostras maiores são necessários para avaliar essas relações.

 

Referências

1. Leung YY, Cheung LK. Safety of coronectomy versus excision as wisdom teeth: a randomized controlled trial. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2009;108(6):821-7.         [ Links ]

2. Knutsson K, Lysell L, Rohlin M. Postoperative status after partial removal of the mandibular third molar. Swed Dent J 1989;13(1-2):15-22.

3. Renton T, Hankins M, Sproate C, McGurk M. A randomized controlled clinical trial to compare the incidence of injury to the inferior alveolar nerve as a result of coronectomy and removal of mandibular third molars. Br J Oral Maxillofac Surg 2005;43(1):7-12.

4. Hatano Y, Kurita K, Kuroiwa Y, Yuasa H, Ariji E. Clinical evaluations of coronectomy (intentional partial odontectomy) for mandibular third molars using computed tomography: a case control study. J Oral Maxillofac Surg 2009;67(9):1806-14.

5. Cilasun U, Yildirim T, Guzeldemir E, Pektas ZO. Coronectomy in patients with high risk of inferior alveolar nerve injury diagnosed by computed tomography. J Oral Maxillofac Surg 2011;69(6):1557-61.

6. Dolanmaz D, Yildirim G, Isik K, Kucuk K, Ozturk A. A preferable technique for protecting the inferior alveolar nerve: coronectomy. J Oral Maxillofac Surg 2009;67(6):1234-8.

7. Freedman GL. Intentional partial odontectomy: review of cases. J Oral Maxillofac Surg 1997;55(5):524-6.

8. Gleeson CF, Patel V, Kwok J, Sproat C. Coronectomy practice. Paper 1.Technique and trouble-shooting. Br J Oral Maxillofac Surg 2012;50(8):739-44.

9. Lima MB. Métodos de assepsia de tubetes anestésicos utilizados em cirurgia bucal [Trabalho de Conclusão de Curso]. Porto Alegre: Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014.

10. Long H, Zhou Y, Liao L, Pyakurel U, Wang Y, Lai W. Coronectomy vs. total removal for third molar extraction: a systematic review. J Dent Res 2012;91(7):659-65.

11. Leung YY, Cheung LK. Correlation of radiographic signs, inferior dental nerve exposure, and deficit in third molar surgery. J Oral Maxillofac Surg 2011;69(7):1873-9.

 

Endereço para correspondência:
Luize Severo Martins
Rua Ramiro Barcelos, 2492,
Santana 90035-003 Porto Alegre - RS

e-mail:
luize.severomartins@gmail.com

 

Recebido: 03/02/2015
Aceito: 15/03/2015