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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.1 Passo Fundo Jan./Abr. 2015

 

 

Amelogênese imperfeita: relato de caso clínico

 

Amelogenesis imperfecta: clinical case report

 

 

Cibele Batista de Siqueira BeraldoI; Brisa Janine Alves e SilvaII; Claudia Scigliano ValerioIII; Enio Tonani MazzieiroIV; Flávio Ricardo ManziV; Cláudia Assunção e Alves CardosoVI

 

I Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
II Graduanda em Odontologia pela PUC, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
III Professora do CEO – IPSEMG e Doutoranda em Clínicas Odontológicas pela PUC, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
IV Professor do CEO – IPSEMG e Doutor em Ortodontia pela USP – Bauru
V Professor adjunto da PUC Minas e CEO IPSEMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
VI Professora do CEO – IPSEMG e Mestre em Clínicas Odontológicas, ênfase em Radiologia Odontológica, pela PUC, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

RESUMO

Objetivos: ilustrar as alterações da Amelogênese Imperfeita no esmalte dentário e suas possíveis causas, com base na história clínica apresentada; determinar um diagnóstico preciso, segundo o exame clínico e radiográfico, assim como um plano de tratamento adequado para o caso. Relato de caso: paciente com 10 anos de idade apresentando alteração de cor (amarelo acastanhado) e superfície rugosa em todos os dentes, além de mordida aberta anterior. Na radiografia panorâmica, foram observadas coroas mais quadrangulares nos incisivos e cúspides de molares e pré-molares baixas, não bem-definidas, além de imagem radiolúcida nas coroas de todos os dentes permanentes, inclusive os que estão em formação, compatível com amelogênese imperfeita do tipo hipocalcificada. Considerações finais: alterações durante a amelogênese podem acarretar distúrbios no desenvolvimento do esmalte dentário, promovendo quantidade e qualidade deficiente. Clinicamente, podemos ter tanto um comprometimento estético (alteração de cor e superfícies rugosas dos dentes) como funcional (mordida aberta, alteração da dimensão vertical, etc.), além da possibilidade de sensibilidade aumentada. O diagnóstico precoce da Amelogênese Imperfeita é de suma importância para um tratamento mais conservador e com enfoque na prevenção dos efeitos dessa patologia.

Palavras-chave: Amelogênese Imperfeita. Esmalte Dentário. Diagnóstico. Radiografia Panorâmica.


 

ABSTRACT

Objective: to demonstrate the alterations of Amelogenesis Imperfecta on dental enamel and their possible causes, based on the present clinical history; to determine an accurate diagnosis according to clinical and radiographic analysis, as well as an appropriate treatment for the case. Case report: ten-year-old patient presenting color change (brownish yellow) and rough surface in every teeth, and anterior open bite. The panoramic radiograph showed squared-shaped crowns on incisors and low undefined cusps of molars and premolars, and a radiolucent image on crowns of all permanent teeth, including those in formation, compatible with hypocalcified amelogenesis imperfecta. Final considerations: changes during amelogenesis may cause disorders in dental enamel development, affecting enamel's quality and quantity. Clinically, there may be presented both an aesthetic impairment (change in color and rough surfaces of teeth) and functional impairment (open bite,

change of vertical dimension, etc.), besides the possibility of increased sensitivity. Early diagnosis of Amelogenesis Imperfecta is imperative to a more conservative treatment focused on preventing the effects of this pathology.

Keywords: Amelogenesis Imperfecta, Dental Enamel, Diagnosis, Panoramic Radiography.


 

 

Introdução

A amelogênese imperfeita (AI) é uma má formação do esmalte dental e pode afetar tanto a dentição decídua quanto a permanente1. O defeito estrutural do dente está limitado ao esmalte, sendo que a dentina apresenta-se normal, assim como a câmara pulpar e a morfologia radicular. A AI é considerada um defeito hereditário2 e ocorre durante a odontogênese3.

Na odontogênese temos duas fases na formação do esmalte: formação ou aposição da matriz do esmalte e mineralização. A produção de matriz do esmalte inicia-se a nível de cúspides ou das bordas incisais e progride em direção cervical. Os distúrbios na formação da matriz do esmalte poderão causar hipoplasia. A mineralização do esmalte faz-se em duas etapas. Logo que a matriz orgânica é depositada, ocorre uma mineralização parcial imediata, pela deposição de cristais de hidroxiapatita. A segunda etapa é denominada maturação e corresponde à mineralização gradual e completa do esmalte. Se ocorrer alguma deficiência nessa fase, teremos um esmalte hipocalcificado ou hipomaturado3.

A AI pode ser dividida em três tipos: hipoplásica, hipocalcificada e hipomaturada. Na AI hipoplásica a matriz do esmalte parece ser imperfeitamente formada, com falhas na fase de aposição. Embora a calcificação da matriz ocorra posteriormente e o esmalte seja duro, é deficiente em quantidade2 e sua espessura é reduzida ou irregular. Apresenta superfície áspera, com fossetas e sulcos generalizados, ainda que possa apresentar-se liso e polido. Sua coloração vai de amarelo a pardo, de acordo com a intensidade da lesão. As coroas dos dentes podem não ter um contorno normal de esmalte e geralmente apresentam formas mais quadradas. Devido à diminuição na quantidade de esmalte (com consequente diminuição do tamanho do dente), pode ocorrer falta de contato interproximal. As superfícies dos dentes posteriores são relativamente planas com cúspides baixas4,5. Radiopacidade igual ao do esmalte normal4.

Já na AI hipocalcificada a formação da matriz parece ter espessura normal, porém, a calcificação é inadequada e o esmalte é mole2. As coroas dos dentes têm tamanho e forma normais quando erupcionam, mas ao início de sua função na boca sofrem rapidamente abrasão4, resultando em desgastes grosseiros, principalmente nas incisais e oclusais. Desse modo, as coroas dos dentes anteriores tendem a ficar mais quadrangulares, enquanto que os posteriores apresentam cúspides mais baixas e não bem definidas. O esmalte hipocalcificado tem permeabilidade aumentada e se torna manchado e escurecido, apesar de cáries serem incomuns nesses dentes4. A radiopacidade do esmalte é menor do que a da dentina4, com aspecto de "roídos de traça".

Na AI hipomaturada temos um esmalte fino e duro, que não parece exageradamente suscetível à abrasão e à cárie2. As coroas têm forma normal, mas apresentam manchas de descoloração branca-marrom- amarela opaca (aspecto mosqueado). O esmalte é mais macio que o normal e tende a lascar a partir da dentina subjacente5. Radiopacidade do esmalte assemelha-se à da dentina, com aspecto de "neve"4. .

O presente estudo relata um caso clínico com o objetivo de elucidar e ilustrar as alterações em um paciente com AI.

 

Caso clínico

Paciente com 10 anos de idade, sexo masculino, procurou atendimento odontológico na clínica de ortodontia do CEO-IPSEMG. Na anamnese não foi registrada história pregressa de AI na família. Ao exame clínico observou-se que todos os dentes apresentavam alteração de cor (amarelo acastanhado) e superfície rugosa, principalmente nas incisais e pontas de cúspides, além de mordida aberta anterior. Após a realização da documentação ortodôntica inicial, pôde-se observar, na radiografia panorâmica, coroas mais quadrangulares nos incisivos e cúspides de molares e pré-molares baixas, não bem-definidas, além de imagem radiolúcida nas coroas de todos os dentes permanentes, inclusive os que estão em formação, compatível com amelogênese imperfeita do tipo hipocalcificada (Figura 1). Nas fotografias intraorais, os achados clínicos foram evidenciados (Figuras 2 e 3). O plano de tratamento proposto foi ortodontia associada a tratamento estético restaurador. O paciente encontra-se em tratamento ortodôntico.

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

AI envolve um grupo de condições, genéticas em sua origem, que afetam a estrutura e a aparência do esmalte de todos os dentes, sem referência à cronologia, e que pode estar associada a alterações morfológicas ou bioquímicas em outras partes do corpo6. Sua prevalência varia de região para região. Nos Estados Unidos, temos 1:12.000 a 14.0006,7. Na Suécia, 1:7006,7,8. Já na Argentina a prevalência é de 1:1.000, em Israel 1:8.000, e na Turquia 1:232, resultando em uma média de prevalência global menor que 0,5%8.

No caso clínico em questão, o paciente não relatou nenhum outro caso de AI na família, acreditando- se que esse é um tipo de caso isolado. Entretanto, no presente trabalho, encontrou-se artigos na literatura que citam que esta condição pode ser uma herança autossômica dominante1,6,8,9, autossômica recessiva, ligada ao cromossomo X1,6,8, ou com padrões esporádicos de herança (casos isolados)6,8.

Vários achados estão associados com AI. Os mais evidentes são as alterações na composição do esmalte dental, tanto em quantidade e qualidade (áreas hipoplásicas nas superfícies oclusais são o defeito mais frequentemente encontrado. A superfície oclusal apresenta maior degradação pós-eruptiva, enquanto que a porção incisal das superfícies vestibulares mostra maior opacidade difusa10). Também foram observados casos de mordida aberta7,11, taurodontismo7,8, de hipersensibilidade7 e de alteração na dimensão vertical11. Apesar de em um estudo em que cinco gerações de uma família terem sido analisadas, não houve nenhuma relação com outros achados9. Observações clínicas semelhantes foram encontradas no caso descrito, o que o caracteriza como um caso de AI.

O tratamento da AI depende do tipo e da gravidade da desordem, de fatores como idade e nível socioeconômico e da saúde bucal do paciente no momento do planejamento. É importante saber diagnosticar e classificar corretamente essa anomalia para realizar um trabalho adequado5. Algumas alterações da amelogênese devem receber acompanhamento profissional com intervalos pequenos devido ao risco da perda de esmalte pós-eruptiva ou ao desgaste do esmalte. Procedimentos preventivos e interceptativos, como a correta limpeza dos dentes, a aplicação tópica de verniz fluoretado e selantes ionoméricos, também são indicados12. Casos mais complexos podem requerer múltiplas extrações dentárias, restaurações estéticas, placas para restabelecimento de dimensão vertical e controle da sensibilidade dentinária5. Por isso, é importante existir uma inter-relação de disciplinas: uma abordagem multiprofissional é um fator fundamental para o sucesso do tratamento.

 

Conclusão

O conhecimento dos diferentes tipos da AI pelo profissional é de extrema importância para um correto diagnóstico. A associação do exame clínico e radiográfico permite uma visão mais ampla do caso e é essencial para definir o plano de tratamento. Contudo, a decisão final de como e quando será tal tratamento sempre será do paciente e dependerá de suas prioridades (condição socioeconômica e necessidade estética, por exemplo).

 

Referências

1. Pinheiro SFL, Cunha MJS, Amorim FCA, Lopes MF, Pinheiro IVA. Amelogênese imperfeita em paciente nefropata: relato de uma reabilitação oral conservadora. Rev Gaúcha Odontol 2010;58(4):527-31.         [ Links ]

2. McDonald RE, Avery DR. Odontopediatria. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.

3. Toledo OA. Odontopediatria Fundamentos para a prática clínica. 2. ed. São Paulo: Premier; 1996.

4. White SC, Pharoah MJ. Radiologia Oral Fundamentos e Interpretação. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007.

5. Castagnoli TFB, Koubik ACGA. A importância dos aspectos clínicos e radiográficos da amelogênese imperfeita no auxílio do diagnóstico. TCC on-line [periódico online] 2013 [acesso em 21 fev. 2013]; 9(8):[9 telas]. Disponível em URL: http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2013/02/A-IMPORTANCIA- DOS-ASPECTOS-CLINICOS.pdf.

6. Ng FK, Messer LB. Dental management of amelogenesis imperfecta patients: a primer on genotype-phenotype correlations. Pediatr Dent 2009;31(1):20-30.

7. Poulsen S, Gjorup H, Haubek D, Haukali G, Hintze H, Lovschall H, et al. Amelogenesis imperfect – a systematic literature review of associated dental and oro-facial abnormalities and their impact on patients. Acta Odontol Scand 2008;66:193-99

8. Gadhia K, McDonald S, Arkutu N, Malik K. Amelogenesis imperfecta: an introduction. British Dental Journal 2012;212(8):377-9.

9. Gjorup H, Haubek D, Hintze H, Haukali G, Lovschall H, Hertz JM, et al. Hypocalcified type of amelogenesis imperfect in a large family: clinical, radiographic, and histological findings, associated dento-facial anomalies, and resulting treatment load. Acta Odontol Scand 2009;67:240-47.

10. Smith RN, Elcock C, Abdellatif A, Backman B, Russel JM, Brook AH. Enamel defects in extracted and exfoliated teeth from patients with amelogenesis imperfect, measured using the extended enamel defects index and images analysis. Archives of Oral Biology 2009;54S:S86-S92.

11. Pavlic A, Battelino T, Podkrajsek KT, Ovsenik M. Craniofacial characteristics and genotypes of amelogenesis imperfecta patients. European Journal of Orthodontics 2011;33:325- 31.

12. Marsillac MWS, Batista AMR, Oliveira J, Rocha MJC. Alterações na Amelogênese e suas implicações clínicas: relatos de casos. Rev Fac Odontol, Porto Alegre 2009;50(1):9-15.

 

Endereço para correspondência:
Cláudia Assunção
Rua Bernardo Guimarães, 2056
Bairro de Lourdes 30140-082
Belo Horizonte - MG
e-mail:
claudiassuncao@yahoo.com.br

 

Recebido: 24/11/2014
Aceito: 02/03/2015