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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2015

 

 

Percepções, conhecimentos e representações de saúde bucal em adolescentes de escolas públicas e privadas do município de Atibaia,SP

 

Perceptions, knowledge and representations of oral health among adolescents in public and private schools in the city of Atibaia-SP

 

Giovana Leão Paleari Zamboni I; Ramonike Lopes Lima II; Danilo Antônio Duarte III; Giselle Rodrigues de Sant´Anna IV

 

I Especialista em Odontopediatria, Mestre em Ciências da Saúde Departamento de Odontopediatria Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil
II Especialista em Odontopediatria, Mestre em Ciências da Saúde, Doutoranda em Odontopediatria - Departamento de Odontopediatria Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil
III Especialista, mestre e doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – FOUSP, professor titular do curso de Odontopediatria Associação Paulista dos Cirurgiões - Dentistas, São Paulo, SP, Brasil

IV Especialista e mestre em Odontopediatria pela Universidade de São Paulo-FOUSP, doutora em engenharia biomédica Universidade do Vale do Paraíba- UNIVAP, professora adjunta do curso de Odontopediatria da Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Estudos sobre autopercepção da saúde bucal na adolescência são raros, reforçando o mito de que na adolescência existem poucos agravos à saúde de forma geral. Objetivo: conhecer os adolescentes quanto ao perfil socioeconômico e de doenças bucais, assim como o impacto delas no cotidiano e os fatores etiológicos implicados. Sujeitos e método: foram analisados e avaliados por inquérito adolescentes (n=183) de escolas de ensino fundamental pública (EPU) e privada (EPR), de Atibaia, SP. A análise foi realizada por frequência, teste exato de Fisher e Kruskall Wallis, com IC 95%. Resultados: da amostra, 48,6% sujeitos estudam em EPR, 54,6% pertencem ao sexo feminino, 77% tem entre 12 e 15 anos e 33% entre 16 e 18 anos. Não houve diferença de ingestão diária de carboidrato entre os alunos da EPR e da EPU, mas, sim, quanto ao conhecimento da relação de tal ingestão com a cárie, sendo que os alunos da EPR os que mais correlacionam (P<0,0001) e os da EPU os que menos conhecem prevenção (p<0,0001). Quanto à correlação entre doença periodontal (DP), formas de prevenção e sinais e sintomas, houve diferença entre EPU e EPR. A não associação entre sangramento espontâneo ao escovar e mau hálito com DP foi maior para EPR, embora tenha havido maior frequência de conhecimento sobre prevenção. No tema renda, os alunos da EPR enquadraram-se na faixa entre quatro e seis, ou acima de seis, salários-mínimos, e os da EPU, de um a três, e de quatro a seis salários salários-mínimos. Conclusão: os adolescentes oriundos de famílias de menor renda demostraram menor conhecimento em relação à etiologia das doenças, prevenção e manutenção da saúde bucal; as meninas apresentaram maior preocupação e maior informação, evidenciando autopercepção mais forte para saúde bucal.

Palavras-chave: Adolescente. Saúde bucal. Educação em saúde.

 

Abstract

Studies on self-perceived oral health in adolescence are rare, reinforcing the myth that, generally, there are few health problems in this period of life. Objective: To learn the socioeconomic and oral diseases profile of adolescents, as well as their impact on daily life and etiological factors involved. Subjects and method: Adolescents (n=183) from public (PUS) and private (PRS) elementary schools of Atibaia, SP, Brazil were analyzed and surveyed. Statistics were performed by frequency, Fisher's exact test, and Kruskal-Wallis test, with 95% CI. Results: 48.6% of the sample are PRS students, 54.6% are female, 77% are 12-15 years old, and 33% are 16- 18 years old. There was no difference in daily intake of carbohydrate between PRS and PUS, but there was difference regarding the knowledge on the relation of such intake with dental caries; PRS students presented higher correlation (P<0.0001) and PUS students know less about prevention (p<0.0001). There were differences between PUS and PRS regarding the correlation among periodontal disease (PD), prevention, and signs and symptoms. The lack of association between spontaneous bleeding and bleeding when brushing, and bad breath and PD was higher for PRS although the frequency of knowledge on prevention was higher. The income of PRS students fit in the category of 4-6 and 6+ wages, whereas for PUS students is 1-3 and 4-6 wages. Conclusion: Lower-income adolescents showed less knowledge regarding etiology of diseases, prevention, and oral health maintenance, and girls were more concerned and had more information, expressing stronger self-awareness on oral health.

Keywords: Adolescent. Oral health. Health education.

 


 

Introdução

A educação é uma das formas de promoção de saúde cuja função é aumentar o aporte em conhecimento sobre saúde, levando à melhora das habilidades do sujeito em resolver seus problemas com competência e à ampliação de sua participação no processo. Pode ser desenvolvida em espaços variados, como em escolas, com fortalecimento da saúde por meio do coletivo e da participação na comunidade escolar1.

A adolescência é uma fase do desenvolvimento humano caracterizada por intensas transformações físicas e psíquicas, em que jovens experimentam uma série de conflitos, como a autoaceitação de sua aparência física, incluindo emoções geradas pelas alterações hormonais, crises de identidade, pela busca de independência, sexualidade ou escolha de uma carreira, havendo muitas outras pressões que a perspectiva de proximidade com o mundo adulto lhes impõe2,3.

Contudo, para que a promoção de saúde do adolescente seja eficaz, o profissional deverá dispensar uma atenção especial ao conhecimento do perfil comportamental do jovem, de forma a obter sua cooperação e participação por meio de uma abordagem psicológica direcionada4.

No período da adolescência, estão sendo formados comportamentos e estilos de vida, como hábitos alimentares e de higiene, de prática de atividade física, de consumo de tabaco, de bebidas alcoólicas ou drogas, que poderão influenciar o padrão de morbidade na idade adulta5.

Entretanto, a adolescência é um período no qual o jovem pode ampliar o aprendizado relacionado a atitudes e comportamentos positivos que, edificados de forma contundente, repercutem para a promoção da saúde bucal6.

O Ministério da Saúde7 considera que a escola representa um ambiente educacional e social propício para se trabalhar conhecimentos e mudanças de comportamento. A Organização Mundial da Saúde preconiza a formação de adolescentes multiplicadores, visando promover a qualidade de vida e a saúde integral. Em relação ao desenvolvimento psicossocial, uma das características dos adolescentes é a busca de identidade, ou seja, ele começa a determinar-se diante dos papéis sociais disponíveis, buscando modelos8. Essa fase é percebida pelo dentista por meio de manifestações de descuido com a higiene bucal, irreverência frente às recomendações para uma dieta mais equilibrada e menos cariogênica, falta às consultas e desinteresse generalizado pelo atendimento odontológico, salvo quando envolve uma proposta de melhora estética9,10.

Embora muitos estudos já tenham investigado sobre as percepções da saúde oral em adolescentes, pouco se conhece sobre os fatores responsáveis pelas mudanças do comportamento da saúde oral durante o desenvolvimento dos jovens11-13. O uso de indicadores subjetivos, relacionados a percepções e limitações na qualidade de vida, pode contribuir para a avaliação e para a educação em saúde, na medida em que favorecem consequentemente o planejamento direcionado do processo de capacitação da comunidade e do próprio sujeito14.

Como forma de conhecer as percepções desse grupo, este estudo inquiriu e avaliou os adolescentes quanto a conhecimentos, percepções, hábitos, comportamentos e representações da saúde bucal, bem como a seu perfil socioeconômico e quanto às doenças bucais, assim como o impacto dessas no cotidiano, buscando identificar fatores etiológicos implicados.

 

Sujeitos e método

O estudo foi realizado por meio de abordagem quantitativa, em duas escolas do município de Atibaia- SP, uma pública e uma privada. Atibaia é um município do estado de São Paulo, com IDH 0.765 e população estimada em 135.895 habitantes, dados de 2014, com 63 escolas de ensino fundamental, contando com 19.886 alunos matriculados15.

A coleta de dados foi feita com 183 adolescentes, de 12 a 18 anos de idade, variando entre as turmas de 6º ano do ensino fundamental a 2º ano do ensino médio. Os que apresentaram o termo de consentimento livre esclarecido assinado por um responsável foram incluídos, sendo o presente estudo aprovado pelo Comitê de Ética de pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul, sob o número 049/2015.

A escolha das escolas e da faixa etária foi intencional, pois foi levado em consideração o número total de alunos matriculados no ensino fundamental do município, o número amostral representou cerca de 10% dessa população de conveniência pela disponibilidade dos gestores e dos alunos que se apresentaram voluntariamente para participar da pesquisa.

Como instrumento de avaliação, utilizou-se um questionário com 46 perguntas fechadas. A aplicação do questionário foi realizada por professores do ensino fundamental de disciplinas que abordam o tema saúde, que orientaram os adolescentes a realizar o preenchimento com seriedade e de acordo com seus conhecimentos. Pretendeu-se responder especificamente algumas indagações norteadoras como: a) a dor pode levar à diminuição de qualidade de vida com repercussões em decorrência da dificuldade de acesso; b) a dor serve de mola propulsora para a procura por serviços de saúde; c) se é do conhecimento dos adolescentes a correlação entre carboidrato e cárie; d) se eles conheciam a correlação entre doença periodontal, formas de prevenção e sinais e sintomas da doença; e) se eles correlacionavam dor e sangramento com falta de saúde; f) se a visita regular ao dentista estava diretamente associada à ausência de doenças bucais.

Outras indagações pertinentes: se apresentaram melhor classificação de sua saúde aqueles que conheciam prevenção e praticavam hábitos de higiene; se a estética era uma preocupação e se estava satisfeito com a sua estética; se os fumantes se preocupavam mais, e se isto os levava a consumir produtos clareadores. Outro ponto de interesse no questionário foi se o status dental correlacionava-se com o status econômico; se existia relação entre o status econômico e o acesso a compra de produtos de saúde oral e, finalmente, qual a relação entre as marcas identitárias como expressão socioeconômica e conceito geral de bem-estar.

Após organização e tabulação dos dados foi realizada análise por frequência, teste exato de Fisher e Kruskall Wallis, com intervalo de confiança de 95%.

 

Resultados

A amostra de 183 alunos foi constituída de adolescentes na faixa etária de 12 a 18 anos (média de 14,2 anos), sendo cem do sexo feminino e 83 do masculino. Do total, 94 eram de escola pública e 89 da escola privada.

Em relação à dor, foi observado um percentual bem maior de absenteísmo nos que tiveram dor (p<0,0001), assim como os que relataram ter ido ao dentista (p<0,0001). Entretanto, a visita regular ao dentista apresentou um percentual relativamente menor nos que tiveram dor (p= 0,0014). Quando relacionado ao sexo, não houve diferença (p=0,8508), e em relação à escola, houve um percentual bem maior em EPU (p=0,0001) nos que apresentaram dor. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, somente para o sexo.

Quanto à correlação entre carboidrato e cárie, os sujeitos da EPU apresentaram menor percentual de conhecimento sobre prevenção para a doença (53,2%), quando comparados com os da EPR (91%), contudo, a maioria dos sujeitos da escola privada (91%) relatou maior ingestão diária de açúcar em relação aos entrevistados da escola pública (83%) (Figura 1). Em relação ao sexo, não houve diferença estatisticamente significativa quando comparados adolescentes femininos e masculinos em relação à ingestão diária de açúcar (p=0,66), conhecimento sobre prevenção (p=1,0) e conhecimento da relação açúcar e cárie (p=0,58).

 

 

 

Em relação aos sintomas de doenças periodontais, os adolescentes da EPU apresentaram maiores percentuais para sangramento espontâneo (21,3%), sangramento ao escovar os dentes (42,6%) e presença de mau hálito (53,2%), quando comparado com os da EPR. Ademais, em EPU verificou-se menor conhecimento sobre prevenção (53,2%) (Figura 2).

 

 

 

Verificou-se que os percentuais eram os mesmos ou não entre os sexos (Figura 3), houve diferença significativa (p=0,0013) somente em sangramento ao escovar os dentes, com os adolescentes masculinos com maior frequência.

 

 

 

Na autopercepção dos adolescentes quanto à classificação de saúde bucal, não houve diferença entre EPU e EPR (p=0,15). Em âmbito geral, 46,4% classificam como boa sua saúde bucal, e 5,5% classificam como ruim (Figura 4). Quando relacionados os sexos, 19% das meninas classificaram como boa sua própria saúde bucal, enquanto que o percentual dos meninos foi de 13,3% (Figura 5).

 

 

 

 

 

Quanto aos hábitos de higiene (Figura 6), embora todos tenham declarado usar escova e dentifrícios, houve diferença significativa para fio dental (p=0,0142), mas não para enxaguante bucal (p=0,7682). Quanto ao sexo, não houve diferença significante em relação ao uso do fio dental (p=0,2200) e de enxaguante bucal (p=0,6560).

 

 

 

Na frequência de escovação e de uso do fio dental, houve diferença entre EPU e EPR, com p< 0,001 para escovação e para uso do fio dental. A média de escovação para EPU foi 2,85, e para EPR foi 3,45. Para uso de fio dental, a média para EPU foi 0,98, e EPR foi 1,71.

A distribuição dos sujeitos quanto ao sexo e média de escovação foi 3,06 para o feminino, e 3,24 para o masculino. Para o uso de fio dental, a média para feminino foi 1,46, e para masculino foi 1,18. Não houve diferença entre os grupos nos dois casos, escovação (0,0226) e fio dental (0,098). Neste estudo, todos os adolescentes relataram escovar os dentes. Quando a estética foi avaliada, 100% de EPR relataram não fumar, ao passo que 95,7% de EPU afirmaram não fumar (Figura 7).

 

 

 

Quanto à renda dos respondentes em relação a escolas, EPU apresentou 65% com renda familiar entre um e três salários mínimos, e em EPR 50% com renda familiar de mais de seis salários mínimos. Foi verificado que em EPR, 97,8% dos alunos não têm ocupação, enquanto que 13,8% de EPU possuem ocupação profissional.

Referente ao tema marcas identitárias (Figura 8), muito comum como marcas de expressão nesse público, não houve diferença significativa. Para aparelho ortodôntico, o valor ficou próximo ao de corte (p=0,054), havendo mais intervenções ortodônticas nos alunos de EPR.

 

 

 

Discussão

No estado de São Paulo, houve uma melhora da situação de prevalência de cárie dentária de alta para baixa em crianças com 12 anos de idade. Em 1986, o levantamento epidemiológico realizado pelo Ministério da Saúd16 projetou, para essa faixa etária, o valor de 6,65 para o CPO-D. Em 2002, demostrou-se que o índice foi igual a 2,52, havendo redução de 62% de cárie em crianças. O Saúde Bucal – 201016 apresentou CPO-D de 1,41 para a faixa etária de 12 anos, sendo que os indivíduos entre 15 e 19 anos demostraram CPO-D de 4,21. Essa melhora CPO-D deve-se a métodos de prevenção como água fluoretada de abastecimento, uso de dentifrício fluoretado, e promoção de ações preventivas realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), entretanto, na segunda fase da adolescência, este índice encontra-se ainda muito elevado.

No município de Atibaia, em 2004, foi realizado levantamento epidemiológico em saúde bucal, e aos 18 anos de idade o valor do CPO-D foi 4,08, semelhante ao SB-2010.

Na adolescência, o indivíduo se vê surpreendido por inúmeras mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais. Assinalar objetos motivacionais dos adolescentes é o primeiro passo para o sucesso da educação em saúde bucal17. Conhecer as necessidades e a estrutura psicossocial da comunidade em que esses adolescentes estão inseridos é essencial, incorporando-as no programa de educação e, dessa forma, permitindo que novas ideias e ações se ajustem, surjam e cresçam nessa realidade. A resposta do processo educacional depende da motivação do indivíduo, que deve ser trabalhada nas escolas com base no conhecimento da realidade dos alunos, assim como sua linguagem e cultura, por isso a opção desse espaço para a realização do presente estudo18.

A educação em saúde ainda é um desafio19, e a maioria dos programas prioriza tratamentos preventivos interceptadores e curativos, dependendo do grau de educação. Há necessidade de substituição de modelos ancorados em práticas de comunicação unidirecional e autoritária com foco na transmissão de informação.

Fatores sociodemográficos e psicossociais, assim como o estilo de vida adotado pelo indivíduo, podem influenciar seus hábitos e comportamentos de saúde em todas as etapas da vida, não é diferente na adolescência. Na sociedade, é consenso a importância da boa aparência física, sendo assim, a perda de um ou mais dentes implica em grandes alterações emocionais, principalmente entre os jovens, dos quais apenas 38,2% afirmaram não se incomodar com a aparência dentária.

Somente 38% dos adolescentes do sexo feminino afirmaram estar satisfeitos com a aparência de seus dentes, enquanto que, entre os indivíduos do sexo masculino, esse número passa a ser de 54,2%. Devido ao fator sociocultural, as mulheres sentem necessidade de ser atraentes fisicamente, assim nota-se maior insatisfação das meninas quanto à condição estética. Tendo a autoimagem prejudicada, o adolescente pode ter sua autoestima fragilizada, bem como sua autoeficiência, interferindo em seus relacionamentos pessoais, além de, eventualmente, produzir sentimentos de inferioridade.

Para Tomita et al.20 (2001), é necessário que os métodos educacionais sejam entendidos como instrumentos que possibilitem às pessoas construir um maior aporte de conhecimentos sobre a saúde bucal e que se traduzam em mudanças efetivas quanto ao autocuidado, com consequentes resultados sobre os níveis de saúde bucal. Nesse sentido, a autopercepção frente à questão relacionada à saúde bucal é fundamental.

Dos alunos pertencentes ao grupo EPR, 28,1% classificaram como regular sua saúde oral, enquanto do grupo EPU, o resultado foi 35,1%. Em EPR, 51,7% classificaram como boa a própria saúde oral, não havendo diferença estatisticamente significante em relação à EPU, em que 41,5% se autoavaliaram com saúde oral boa.

Woofolk et al.21 (1989) avaliaram crianças e adolescentes em Michigan, e observaram haver pouco conhecimento dos participantes sobre agentes preventivos, sendo sua principal fonte de informação sobre saúde bucal os pais e a família.

No presente estudo, 53,2% dos entrevistados da EPU relataram o não conhecimento sobre prevenção da saúde bucal, enquanto que em EPR, 91% afirmaram ter conhecimentos sobre prevenção. Entre os jovens da EPU, 42,6% afirmaram escovar os dentes três vezes ao dia, e 44,7% disseram não usar o fio dental. Apenas 25,5% faz uso do fio dental pelo menos duas vezes ao dia. Em EPR, verificou-se que 48,3% dos jovens escovam os dentes três vezes ao dia e 27% não faz uso do fio dental, sendo ainda relativamente maior o índice quando comparado ao estudo sobre conhecimentos, atitudes e comportamento de adolescentes no norte da Jordânia, no qual autores22 observaram que 83% realizam escovação e somente 2% usam o fio dental como coadjuvante da higiene oral.

A baixa frequência do uso do fio dental pode estar associada ao baixo consumo de produtos de higiene pelo grupo EPU, que demonstrou ter menor renda, assim como demostrado no estudo de Freire et al.23 (2007).

Silva et al.24 (1997) e MacGregor et al.25 (1991), em estudos sobre saúde bucal, reportaram os anseios dos entrevistados em querer evitar o mau hálito e manter uma boa aparência a fim de facilitar a sociabilização. Neste estudo, 53,2% dos entrevistados do grupo EPU relataram sentir mau hálito, enquanto apenas 11,2% em EPR.

Os dados apresentados neste estudo revelam desigualdade quando se analisa a renda familiar. Entre os alunos de EPR, 50% revelaram ter renda acima de seis salários-mínimos, porém, apenas 2,2% têm ocupação, enquanto que em EPU não houve nenhum episódio de renda maior de seis salários- mínimos, ainda que 13,8% trabalhem. Isso demonstra que na escola em que há maior renda (EPR), os alunos mostraram-se mais preocupados com a saúde gengival, indicando maior propensão à halitose nos alunos de menor renda (EPU).

Rodrigues (2009)26, em estudo sobre halitose e suas variáveis fisiopatológicas, afirma que hábitos como fumar e ingerir bebidas alcoólicas podem piorar a halitose. O fumo agride a mucosa, favorecendo a sua descamação e a redução do fluxo salivar, propiciando a formação do biofilme lingual. Em EPU, apenas 4,3% do grupo afirmou fumar, enquanto que em EPR, 100% dos entrevistados afirmaram não fumar, podendo justificar também a maior preocupação com a propensão à halitose em EPU.

O adolescente, na busca de ser inserido ou destacado em um grupo, muitas vezes associa o uso de piercing corporal às características sociais, personalidade e comportamento sexual, considerando a perfuração do corpo uma expressão de si próprio12. O uso de piercing na língua, assim como em outros sítios bucais, leva a complicações bucais imediatas ou posteriores, com reações como trauma no tecido gengival, hipersalivação, fraturas dentais e halitose. Constatou-se que 8,5% dos entrevistados de EPU relataram fazer uso de piercing, em EPR, apenas 2,2%. Embora 53,2% dos sujeitos de EPU tenham relatado sentir mau hálito, e em EPR 11,2%, nota-se que a halitose como complicação de marcas identitárias não foi mencionada pelos grupos estudados, sendo apenas associada à falta de higiene oral.

Em relação ao aspecto estético, em EPU 50% relataram estar satisfeitos com a aparência de seus dentes, enquanto em EPR 65% afirmaram estarem satisfeitos. Os fatores que mais interessam aos adolescentes em assuntos relacionados com saúde são: a aparência, a sexualidade, o emprego e, por fim, a saúde propriamente dita. Conhecendo esses fatores motivacionais, é possível planejar formas de educação em saúde que despertem o seu interesse, deixando-os mais envolvidos, permitindo assim que a aprendizagem se relacione com o universo dos jovens.

Watt et al.27 (2001) afirmam que programas de educação em saúde bucal, mesmo quando melhoram o nível de conhecimento dos participantes, têm pouco impacto sobre a prevalência da cárie dentária, porque essa é uma doença multifatorial, condicionada por outros determinantes socioeconômicos do processo saúde-doença. Acrescido a isso, sem a inserção de ações educativas nas atividades desenvolvidas pelo profissional, o paciente, acostumado com a imagem negativa do dentista que só exercia tratamentos curativos, via-se desmotivado a cuidar, pois não era reiterada a instrução sobre prevenção, retornando ao consultório com novos episódios de lesões de cárie. Neste estudo, 71,5% dos alunos de EPR informaram que vão ao dentista regularmente, enquanto que 40,8% dos alunos de EPU procuram o cirurgião-dentista somente quando sentem dor.

Segundo os dados de MacGregor et al.25 (1991), a frequência da escovação e do uso do fio dental está associada à frequência das visitas ao dentista, pois ele motiva e reforça os ensinamentos de como e porque usar o fio dental. Esses dados correspondem ao presente estudo, pois os alunos da escola pública revelaram ter média de escovação de 2,85, e de uso do fio dental de 0,98, realizando a higiene oral com menor frequência quando comparados aos alunos da escola privada, que obteve média de escovação de 3,45, e de uso de fio dental de 1,71. Os alunos da EPR comparecem mais ao dentista mesmo sem a causa dor, apenas para prevenção, por possuírem, possivelmente, mais acesso e maior renda.

Kawamura et al.28 (2001) estudaram o conhecimento dos adolescentes frente às questões relacionadas à saúde oral, indicaram que a saúde bucal em meninas é melhor do que nos meninos. No presente estudo, apesar de o estado bucal não ter sido avaliado, observou-se uma maior preocupação dos entrevistados do sexo feminino, que relataram melhores hábitos de higiene oral, (68% usa fio dental e 50% usa enxaguantes bucais), embora 100% dos entrevistados assinalaram escovar os dentes todos os dias, mesmo com pouca frequência diária.

A adolescência, independente da condição socioeconômica, da faixa etária e do sexo, é uma fase de alta exposição a fatores de risco. Desse modo, iniciativas devem ser direcionadas para que haja eficiente ação educativa, preventiva e assistencial, garantindo a promoção da saúde bucal. Como a saúde é um estado percebido subjetivamente pelo sujeito, indicadores de autopercepção podem ser importantes por estarem correlacionados às necessidades de atenção de determinada população29. Embora com limitações, chama-se atenção à saúde do adolescente, que deve ser instigada por novas pesquisas em que este seja ator de promoção de saúde e de coesão social.

 

Conclusões

Os adolescentes que relataram ter menor renda, demostraram menor conhecimento em relação à prevenção e manutenção da saúde bucal, assim como os hábitos de higiene foram mais insatisfatórios. As meninas apresentaram maior preocupação e maior informação sobre os cuidados e formas de prevenção de doenças bucais. Os entrevistados da escola com público de nível de renda maior evidenciaram maior conhecimento sobre prevenção e conhecimento da relação açúcar e cárie, embora os grupos consumam açúcar com frequência semelhante.

 

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Endereço para correspondência:
Giovana Leão Paleari Zamboni
Rua Jaci, 50 cj 10
12942-791 Atibaia
São Paulo, Brasil

e-mail:
giovanaslp@hotmail.com

 

Recebido: 10/02/2015
Aceito: 11/09/2015