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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2015

 

 

Osteorradionecrose em pacientes submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço: relato de caso

 

Osteorradionecrose em pacientes submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço: relato de caso

 

Renato dos Santos I; Alessandra Kuhn Dall'Magro II;Janaíne Giacobbo III; Jonathan Rodrigo Lauxen IV; Eduardo Dall'MagroV

 

I Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil
II Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Santa Casa, Porto Alegre, mestre em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, professora, Pós-Graduação em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, e Instituto Odontológico das Américas,Balneário Camboriú,-Santa Catarina,membro do corpo clínico, Hospital São Vicente de Paulo, e Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Passo Fundo, - Rio Grande do Sul, Brasil
III Cirurgiã-dentista, Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio grande do Sul, Brasil

IV Especializando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Centro de Estudos Odontológicos Meridional, Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil
V Especialista em Prótese Dentária, Universidade de São Paulo, mestre em Laser em Odontologia, Universidade de Saõ Paulo, mestre e doutor em Materiais Dentários, Universidade Estadual de Campinas, professor titular III, Faculdade de Odontologia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Objetivo: a osteorradionecrose (ORN) é conceituada como necrose asséptica de tecido ósseo, desenvolvida após radioterapia em pacientes com tumores de cabeça e pescoço. A mandibula apresenta alto risco de desenvolver ORN quando comparada à maxila, devido à sua pobre vascularização. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão de literatura e reportar um caso clínico de ORN. Relato de caso: este trabalho reporta um caso de ORN em mandibula tratado com debridamento cirúrgico e aplicação de laserterapia de baixa intensidade (LILT) em uma paciente do sexo feminino, com 57 anos de idade. Considerações finais: pacientes submetidos à radioterapia necessitam do acompanhamento de um profissional capacitado a diagnosticar precocemente patologias dentárias e maxilofaciais decorrentes da radioterapia bem como conduzir o tratamento adequado para suas eventuais sequelas, durante e após a radioterapia.

Palavras-chave: Tumores. Osteorradionecrose. Radioterapia.

 

Abstract

Objective: Osteoradionecrosis (ORN) is an aseptic necrosis of the bone tissue, which develops after radiotherapy, in patients with head and neck tumors. The mandible presents high risk for developing ORN, when compared to the maxilla, because of its poor vascularization. This study aims to perform a literature review and report a clinical case of ORN. Case Report: This work reports a case of ORN located in the jaw, and treated with surgical debridement and low intensity laser therapy (LILT), in a 57-year-old woman. Final Considerations: Patients undergoing radiotherapy require the follow-up of a professional capable of providing an early diagnosis of dental- and maxillofacial-related pathologies resulting from radiotherapy. This professional should also conduct proper treatment for occasional consequences before, during, and after radiotherapy.

Keywords: Osteoradionecrosis. Radiotherapy.

 


 

Introdução

No Brasil, havia a estimativa para o ano de 2005 que o câncer de boca seria o oitavo tipo de câncer mais frequente entre os homens e o nono entre as mulheres. Os métodos de tratamento oncológico para essa doença são: cirurgia, radioterapia (RT) e quimioterapia (QT). O tratamento é estabelecido de acordo com a localização, o grau de malignidade, o estadiamento clínico do tumor e a condição de saúde bucal e geral do paciente. Observa-se que em lesões neoplásicas iniciais ou intermediárias, geralmente, cirurgias com margens de segurança e/ ou RT em neoplasias proporcionam um prognóstico favorável1.

Em casos de lesões mais avançadas, o mais indicado é a associação de terapias. Em se tratando de câncer de boca, a cirurgia para remoção do tumor é o tratamento de escolha, associada ou não à RT, dependendo do caso. A RT pode ser também indicada no pós-operatório ou pré-operatório, pretendendo-se a diminuição do volume do tumor ou a melhora dos sintomas do paciente2.

A RT, sendo um tratamento local, é muito eficaz contra o câncer bucal, porém, causa alterações visíveis nos tecidos adjacentes às áreas irradiadas, sendo necessários, previamente à RT, alguns cuidados preventivos para minimizar esses efeitos. A radiação destrói grande quantidade de células neoplásicas e, infelizmente, as células sadias adjacentes também são afetadas, porque ocorrem danos ao material nuclear celular essencial à reprodução e manutenção da estabilidade da célula3-5.

Inicialmente, a osteorradionecrose foi designada osteíte de radiação, por Ewing, em 1926. Além dessa nomenclatura, outros termos como necrose óssea avascular e necrose por irradiação também eram usados para denominar a ORN6.

A ORN é o resultado de uma soma de fatores: hipóxia, hipovascularização, hipocelularização tecidual e altas doses de radiação. Muitos autores consideram a remoção de dentes condenados à extração, especialmente no período pós-radiação, o fator de risco principal no desenvolvimento da doença, que pode causar grande sofrimento e comprometer a qualidade de vida do paciente.

A ORN na mandíbula é mais frequente que na maxila por vários fatores, mas o mais comum é devido ao fato de haver menor vascularização e tecido ósseo mais compacto na área mandibular, o que ocasiona aumento da dispersão eletrônica e, consequentemente, aumenta a dose de radiação absorvida na região. Os tratamentos clássicos para a ORN são a terapia hiperbárica, o debridamento do tecido necrótico e a excisão cirúrgica (mandibulectomia)5.

Este estudo tem como objetivo conduzir uma revisão de literatura e relatar um caso clínico de ORN tratado com debridamento cirúrgico e laserterapia de baixa intensidade.

 

Revisão de literatura

A radiação reduz o potencial de vascularização dos tecidos. As consequentes condições hipovascular e de hipóxia colocam em risco a atividade celular, a formação de colágeno e a capacidade curativa de ferida ou cicatrização de uma exodontia. Com os vasos alterados, o fluxo sanguíneo diminui, assim como os nutrientes e as células de defesa. A ORN é uma das sequelas mais preocupantes da RT, por sua complexidade de tratamento e possíveis complicações, geralmente, ela é associada com sinais e sintomas, como fístulas intra ou extrabucais, trismo, dificuldades mastigatórias, dor, fratura patológica, infecção local e drenagem de secreção purulenta. Sinais radiográficos incluem diminuição da densidade óssea com fraturas, destruição da cortical e perda do trabeculado na porção esponjosa1,2.

Histologicamente, a ORN é caracterizada por destruição de osteócitos e ausência de osteoblastos de osso marginal. Há, também, endoarterites, hiperemia, hialinização, perda celular, hipovascularização, trombose e fibrose. Por ser a mandíbula mais densa que a maxila, há alguns pré-requisitos que fazem com que haja maior índice de fratura mandibular do que maxilar, sendo assim, a ORN acomete regiões em que há menos vascularização e mais densidade óssea, por isso, a mandíbula é uma região mais adequada para o seu desenvolvimento após extrações dentárias, traumatismos por próteses e cáries extensas4.

Em estudos realizados por Cheng et al.6 (2006) foi obtido como critério para extração dental prévia à RT a presença de cáries extensas com envolvimento pulpar, doença periodontal moderada a severa, especialmente com envolvimento de furca, presença de lesão periapical, dentes retidos e semirretidos, aumentando a chance de ocorrer ORN. Em vista disso, é indicada pelo médico oncologista a suspensão de tratamentos odontológicos invasivos durante a radioterapia, como exodontia e endodontias, pois nesses tratamentos há contato com o periodonto e, subsequentemente, o osso alveolar, onde há o risco de ocorrer a ORN, devido à falta de facilitadores para uma cicatrização adequada, como os osteócitos e a vascularização do local6.

A ORN pode apresentar diferentes comportamentos clínicos que variam de pequenas exposições de tecido ósseo, que não geram sintomas e desconforto ao paciente, a processos agressivos e agudos que progridem rapidamente para fraturas patológicas do osso afetado. O diagnóstico é baseado na história médica do paciente associada com os aspectos clínicos e radiográficos, porém, às vezes, torna-se complicado diagnosticá-la, pois nenhum desses sinais e sintomas são patognomônicos, sendo necessária a diferenciação principalmente de recorrências tumorais e processos infecciosos7.

A evolução da ORN, podendo ser tardia, dá-se por inúmeros fatores. No início da RT, há uma inflamação da mucosa oral, agravada pela xerostomia, que facilita a proliferação de Lactobacillus sp e Streptococcus mutans. A dificuldade de produção de saliva leva o indivíduo a uma mudança de hábito alimentar, que passa a ter uma dieta mais pastosa e rica em carboidratos, que proporcionam um meio ideal para o desenvolvimento de cárie e doença periodontal, predispondo à ORN. Com uma higiene oral deficiente, devido à intensa dor, o paciente agrava sua condição. E com a perda do paladar, ele não consegue ingerir adequadamente os alimentos e não tem vontade de se alimentar, ficando cada vez mais debilitado8.

Os fatores predisponentes, comumente relacionados à ORN da mandíbula, incluem higiene bucal pobre, doença periodontal, abcesso dentoalveolar, cáries extensas, localização anatômica do tumor, doses altas de radiação e cirurgia dentoalveolar, durante a RT ou no período pós-operatório. Hábitos que irritam a mucosa bucal, tais como uso de álcool e tabaco, também podem aumentar o risco de ORN, há também esse risco se houver estimulação traumática como extração dentária ou irritação por prótese resultando em exposição óssea9.

O tratamento da ORN não é um protocolo fixo que possa ser usado em todos os casos, cada situação deve ser avaliada individualmente, e deve-se estar ciente da sua patogênese para definir o melhor tratamento. Até meados da década de 1980, o tratamento da ORN, na época chamada de osteorradiomielite, consistia basicamente na tentativa de identificar e eliminar os agentes infecciosos presentes nas feridas que surgiam de uma infecção do tecido ósseo irradiado exposto ao meio bucal contaminado. Nesse período, o tratamento caracterizava-se por limpeza e debridamento da ferida, com soluções antimicrobianas e instrumentos cortantes, respectivamente. A utilização de antibióticos por longos períodos e em altas dosagens era frequentemente empregada. Os procedimentos cirúrgicos utilizados eram de pequeno porte, e somente eram empregados nos casos em que se identificava a formação de sequestros ósseos10,11.

A partir do melhor conhecimento da patogênese da ORN e com o advento da oxigenação hiperbárica (HBO), o tratamento tem visado principalmente melhorar as condições de hipóxia local por meio da revascularização dos tecidos irradiados e sua associação com intervenções cirúrgicas. Atualmente, parece consenso que a ORN deve ser manipulada inicialmente de maneira conservadora, com debridamento e limpeza da ferida cirúrgica com soluções antimicrobianas, antibioticoterapia e cirurgias de pequeno porte (sequestrectomia). Em casos refratários ao tratamento conservador, deve-se indicar a terapia de oxigenação hiperbárica associada com cirurgia. O tratamento de HBO consiste em trinta sessões diárias de oxigênio a 100%, a 2 pressões atmosféricas, com 90 minutos cada sessão, quando realizada de maneira exclusiva. Esse protocolo pode ser intercalado por procedimento cirúrgico, realizando- se vinte sessões pré-operatórias e dez sessões pós-operatórias12.

Porém, o tratamento inicial mais utilizado é de maneira conservadora, por intermédio de limpeza da ferida cirúrgica com soluções antimicrobianas, para o qual são prescritos bochechos de solução aquosa de gluconato de clorexidina a 0,12% de substantividade, de 12 horas, três vezes ao dia, por período indefinido, associados com higiene oral rigorosa e remoção de possíveis irritantes locais. O acompanhamento clínico deve ser realizado semanalmente até que as primeiras melhoras sejam observadas, depois esse acompanhamento passa a ser mensal. Em casos em que o tratamento conservador não surtir efeito, deve-se indicar a HBO, empregando oxigênio sob alta pressão atmosférica, que promove o aumento de tensão de oxigênio na área comprometida, aumentando o número de células e a atividade celular, além de ser bactericida e bacteriostático, há também neoformação vascular, associada ou não à cirurgia. Somente se não houver melhora é indicada, então, a sequestrectomia com antibioticoterapia profilática, buscando após a cirurgia o recobrimento total do defeito ósseo por mucosa11.

Em pesquisa realizada em 2010, o tratamento tópico com gluconato de clorexidina a 0,12%, em solução aquosa, para controle e tratamento de ORN da mandíbula, mostrou-se eficaz, com remissão completa da lesão, sem efeitos indesejáveis. O tempo total de tratamento foi de seis meses, com mais seis meses de acompanhamento e monitorização do paciente. A instituição da terapêutica conservadora evitou o encaminhamento da paciente para câmara hiperbárica e/ou para ressecção cirúrgica em bloco (mandibulectomia)13.

 

Relato de caso

Uma paciente do gênero feminino, de 57 anos de idade, deu entrada no Serviço Ambulatorial de Especialidades do Sistema Único de Saúde no Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, vítima de ORN mandibular, causada por lesão pós-radioterapia.

No exame clínico extraoral, ela não apresentava sinais clínicos de anormalidades, mas pelo exame de palpação, notou-se a redução óssea mandibular e o relato de algia à compressão. Então, ao exame clínico intraoral, a paciente apresentou edentulismo, dificuldade nos movimentos de abertura e fechamento bucal, mucosa alveolar inferior hipercorada, exposição óssea, edema, odor fétido, ausência de sangramento e parestesia na região indicada. A paciente mostrou-se orientada, cooperativa e sem sinais de déficit neurológico durante todo o tempo dos exames (Figura 1 e 2).

 

 

 

 

 

Foram solicitados exames laboratoriais pré-operatórios de rotina: hemograma completo, TP (tempo de protrombina), KTTP (tempo de tromboplastina parcial ativada), glicose em jejum, creatinina, fosfatase alcalina e contagem de plaquetas, exame radiográfico, além de avaliação clínica, risco cirúrgico e pré-anestésico. A radiografia panorâmica mostrou perda óssea vertical e horizontal, quadro de lesão na região mandibular anterior compatível com necrose óssea (Figura 3)

 

 

 

No planejamento cirúrgico, foi realizada intervenção sob anestesia local com mepivacaína a 2% com vasoconstritor (1/100.000), acesso cirúrgico intraoral sobre o rebordo alveolar inferior e descolamento mucoperiósteo, expondo a lesão. Realizou-se debridamento do tecido ósseo necrosado com cinzel cirúrgico e curetagem da lesão até ocorrer sangramento ósseo medular, indicando vitalidade óssea na região. Evitou-se uso de broca devido ao aquecimento ósseo decorrente (Figura 4 e 5)

 

 

 

Foi realizado o fechamento do retalho por meio de sutura contínua festonada, com fio nylon 5-0 (Figura 6).

 

 

 

Para o pós-operatório, foram prescritos antibiótico (cefalosporina de primeira geração), analgesia periférica, antisséptico bucal e laserterapia (laser de baixa intensidade vermelho e infravermelho), sendo uma aplicação diária com dose de 4 J/cm2, comprimento de onda de 680 e 835 nm vermelho e infravermelho respectivamente, durante 45 dias, além de orientações quanto aos cuidados pós-cirúrgicos.

A paciente relatou melhoras gradativas na condição funcional do sistema estomatognático, ausência de odor fétido e melhoras da qualidade de vida e de relação social após quatro dias (Figura 7, 8 e 9).

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

A RT é uma sequela originária do tratamento cirúrgico-radioterápico de cabeça e pescoço, desencadeada principalmente de maneira traumática, como extrações dentárias ou uso de próteses inadequadas, que pode ser passível de prevenção e/ou minimização. Portanto, uma criteriosa avaliação odontológica prévia à RT deve ser realizada, de maneira ampla e complexa quanto às condições dentárias, socioeconômicas e culturais do paciente, com prognóstico e planejamento do caso, e estrutura física de atendimento para se determinar em cada caso a conduta odontológica adequada.

Pacientes que apresentarem alto risco de cárie de radiação (sequela da RT caracterizada pela destruição completa da coroa dentária, devido a alterações em saliva, dente e dieta desses pacientes) devem ser orientados e submetidos à exodontia previamente à RT. Nos casos de baixo risco, os pacientes são orientados e motivados a manter os dentes com medidas preventivas, que incluem orientação de higiene bucal, utilização de flúor tópico em domicílio, visitas regulares ao dentista para detecção e tratamento de cáries e problemas periodontais incipientes15.

Após iniciado o tratamento irradiante, o paciente deve ser acompanhado semanalmente durante toda a terapia, visando minimizar os efeitos imediatos da radiação, como, por exemplo, a mucosite e a xerostomia, com soluções específicas como laserterapia e saliva artificial16-19.

A ORN é um processo que pode ocorrer espontaneamente ou ser desencadeada a partir de um trauma. Em geral, as lesões espontâneas estão relacionadas com a quantidade de dose total e/ou diária recebida pelos tecidos irradiados, sendo raramente observadas em casos irradiados com doses totais inferiores a 50 Gy, e mais frequentemente identificadas em casos em que as doses superam 65 Gy. Nesses casos, a osteorradionecrose inicia no interior do tecido ósseo com o posterior rompimento da mucosa da boca, sendo que o sinal mais inicial é a identificação de imagens radiolúcidas e pouco definidas nos exames radiográficos14.

Os tumores inferiores a T4 não influenciaram no aparecimento de ORN, porém, em neoplasias que invadiram o tecido ósseo subjacente, houve um aumento acentuado do risco de desencadeamento do processo. As razões identificadas para esse risco maior foram situações de tumores irressecáveis submetidos à RT, evoluindo com necrose tumoral, e cirurgias agressivas sem tempo suficiente de cicatrização da ferida cirúrgica previamente ao início da RT. Outro ponto foi o risco aumentado de desenvolvimento de ORN em pacientes com melhores taxas de cura e sobrevida e, por isso, mais suscetíveis a desenvolver essa patologia ao longo dos anos, devido à exposição aos fatores de risco de origem buco-dentárias.

Existe muita discussão em relação ao risco de desenvolver ORN e o tempo decorrido do fim da radioterapia. Os efeitos provocados pela radiação aos tecidos parecem ser progressivos ao longo dos anos, e de intensidade cada vez mais severa como reportado por Marx2.

Pesquisas estudam os possíveis picos de maior incidência da ORN, sendo o primeiro observado durante o primeiro ano, e o segundo pico entre o segundo e quinto ano após a RT. As cirurgias de resgate após a RT são responsáveis por 50% dos fatores desencadeantes de ORN no primeiro pico, devido à necessidade de intervenções cirúrgicas para controle de recorrências tumorais. No entanto, após o crítico período de possibilidades de recidivas tumorais, os fatores mais comuns de desencadeamento de ORN são de origem bucodentárias, e representam 60% dos casos durante o segundo pico de incidência.

Por esses motivos, aconselha-se que os profissionais envolvidos na reabilitação desses pacientes prestem muita atenção a quaisquer novos sinais clínicos, e, principalmente se o paciente tiver condições orais favoráveis, deve-se aguardar certo tempo, após a RT em cabeça e pescoço, para que o paciente seja submetido a procedimentos cirúrgicos como exodontias, pois no local não há vascularização, o que dificulta a cicatrização da cirurgia, podendo causar assim ORN2,13,17-19.

 

Considerações finais

A ORN é um dos piores efeitos colaterais secundários da RT na região de cabeça e pescoço, devendo o cirurgião-dentista estar atento à prevenção dessa condição. No que diz respeito às sequelas secundárias ao tratamento contra o câncer, a prevenção ainda é a melhor conduta. As medidas preventivas podem ser tomadas antes, durante e depois da RT, e ao cirurgião-dentista, como membro da equipe oncológica, cabe preparar o paciente para a RT com a adequação do meio bucal e o acompanhamento durante o tratamento antineoplásico, além de auxiliar na melhora das condições de higiene bucal do indivíduo após a RT.

 

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Endereço para correspondência:
Alessandra Kuhn Dall'Magro
Rua Teixeira Soares, 777 sala 02, Centro
99010-080 Passo Fundo - RS

e-mail:
alessandrakuhn@hotmail.com

 

Recebido: 02/02/2015
Aceito: 22/03/2015