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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.20 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2015

 

 

Saúde bucal: a voz da gestante

 

Oral health: the voice of pregnant women

 

Bruna Naiara de Carvalho Mattos I; Rosane Silvia Davoglio II

 

I Cirurgiã-dentista, residente em Saúde da Família, Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE, Brasil
II Doutora em Odontologia, professora adjunta, Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, PE, Brasil




Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

Objetivo: verificar o conhecimento, as atitudes e as percepções das gestantes sobre sua saúde bucal por meio de uma revisão sistemática de literatura. Métodos: este trabalho é resultado de uma pesquisa nas bases de dados Scielo, Biblioteca Brasileira de Odontologia (BBO) e Lilacs, incluindo artigos científicos, dissertações e teses publicadas entre 2004 e 2014. Um único revisor avaliou os resumos e selecionou as publicações que seguiram os critérios de elegibilidade, totalizando doze trabalhos, que foram agrupados de acordo com seu objetivo: estudos sobre conhecimento (dois), percepção (cinco), autopercepção (dois) e representação social (três) das gestantes sobre saúde bucal. Resultados: os resultados evidenciaram a existência de informações deturpadas, baixa procura pelo dentista e falta de encaminhamento do obstetra para avaliação odontológica. Foi possível verificar que as gestantes associam saúde bucal com questões de higiene e aparência estética e que o medo do procedimento odontológico ainda é uma barreira à assistência; a maioria das gestantes tem autopercepção positiva de saúde bucal, embora não seja condizente com a condição clínica; a maioria das representações sociais aponta para mitos e crenças sobre saúde bucal. Considerações finais: investigações quantitativas e qualitativas a respeito dos conhecimentos e percepções das gestantes sobre a própria saúde bucal constituem importantes ferramentas na construção de abordagens de proteção e promoção da saúde.

Palavras-chave: Gestantes. Saúde bucal. Percepção.

 

Abstract

Objective: To verify knowledge, attitudes, and perceptions of pregnant women on their oral health through a systematic literature review. Materials and method: The search was performed in SCIELO, BBO, and LILACS databases, including scientific articles, dissertations, and theses published between 2004 and 2014. One single reviewer assessed the abstracts and selected publications that met the eligibility criteria, amounting to twelve. These were grouped according to their purpose: studies on knowledge (2), perception (5), self-perception (2), and social representation (3) of pregnant women on oral health. Results: The results showed the existence of misinformation, low demand for dentists, and lack of referral from obstetricians to dental assessment. Pregnant women associate oral health with hygiene and esthetic appearance issues, and fear of the dental procedure is still an obstacle for service. Most pregnant women have a positive oral health self-perception, although this is not consistent with the clinical condition, and most of social representations indicate myths and beliefs about oral health. Final considerations: Quantitative and qualitative investigations regarding knowledge and perceptions of pregnant women on their own oral health are important tools in building protection approaches and health promotion.

Keywords: Pregnant women. Oral health. Perception.

 


 

Introdução

As ações de promoção da saúde no período gestacional são importantes porque a mulher mostra-se mais propensa a receber informações e melhorar suas atitudes, estando mais susceptível a adoção de novos hábitos e comportamentos de saúde que tendem a ser reproduzidos por toda a família, tornando-se, assim, multiplicadora de comportamentos saudáveis1,2.

Segundo Silva et al.1 (2006), o comportamento dos indivíduos em relação a cuidados com saúde bucal depende da forma como é percebida sua condição bucal. Compreender o que pensam as gestantes na sua ótica de vida, torna-se importante, visto que se age melhor quando se entende melhor determinado assunto2. Sob essa perspectiva, pesquisas são conduzidas no intuito de procurar compreender o que pensam, acreditam e fazem as mulheres grávidas em relação à sua saúde bucal.

Muitas mulheres acreditam que o tratamento odontológico é prejudicial à gravidez3. Abordagens que visem quebrar mitos como esse, mediante um levantamento prévio dos conhecimentos e percepções das gestantes sobre saúde bucal, tornam-se uma importante ferramenta para o sucesso do pré-natal odontológico, repercutindo na melhora da adesão, confiança e motivação das pacientes4.

De forma isolada e pouco uniforme, alguns profissionais que atuam na Estratégia Saúde da Família já adotam o pré-natal odontológico. Na essência da criação dessa abordagem, o objetivo era oferecer ações de prevenção e de promoção da saúde bucal às gestantes sem, entretanto, deixar de realizar práticas curativas. Contudo, em muitas realidades, as práticas promotoras de saúde e preventivas são geralmente esquecidas, já que o atendimento às gestantes ocorre por demanda de urgências5.

O cirurgião-dentista tem por orientação ministerial a competência de trabalhar na Equipe de Saúde da Família de forma a "Realizar a atenção integral em saúde [...] a grupos específicos, de acordo com planejamento local, com resolubilidade"6. Não só o cirurgião-dentista mas toda sua equipe auxiliar, técnicos de saúde bucal e auxiliares de saúde bucal estão envolvidos nessa estratégia. É competência do profissional auxiliar em saúde bucal "Realizar ações de promoção e prevenção em saúde bucal [...] mediante planejamento local e protocolos de atenção à saúde"6.

Assim, se a atuação das equipes de saúde bucal não incorporar essa concepção e continuar voltada para a abordagem curativa, privilegiando práticas mutiladoras que contrariam as orientações da Estratégia Saúde da Família, será difícil obter melhoras significativas nos indicadores de saúde bucal do país.

Outro ponto importante em relação à saúde bucal das gestantes é o fato de que esse período na vida da mulher causa alterações fisiológicas sistêmicas que afetam o sistema estomatognático, e alterações patológicas na cavidade oral podem influenciar a saúde sistêmica não só da gestante como também do bebê7. Por isso é tão importante a atenção odontológica durante a gravidez, e esse fato deve ser reconhecido pelo cirurgião-dentista e pela gestante, que deve ser estimulada a fazer acompanhamento no pré-natal odontológico.

A gestação pode ocasionar alterações fisiológicas singulares, como aumento da pressão arterial, maior consumo de oxigênio, hipoglicemia, ganho de peso, incontinência urinária, náuseas, enjoos e vômitos8. No que tange à região estomatognática, a grande transformação ocorre com o aumento dos hormônios femininos circulantes, que têm ação vasodilatadora, o que exacerba a reação inflamatória da gengiva9. Existem outros fatores, como deficiência nutricional e estado transitório de imunodepressão, que também tendem a modificar o periodonto10. Esses fatores, no entanto, não provocam por si só doenças bucais em mulheres grávidas, desde que mantenham uma higiene bucal adequada.

Assim, hábitos e comportamentos relacionados à saúde bucal devem ser reforçados ou modificados, beneficiando a mulher e o bebê durante e após o período gestacional11. É nisso que os pré-natais odontológicos devem pautar-se, em mostrar à futura mãe que as alterações fisiológicas que ocorrem em seu organismo não podem ser responsáveis pela perpetuação de mitos, como o de que a cada gestação a mulher perderia um dente.

Para que a mulher entenda e aceite esse processo, é importante que os profissionais que irão tratá-la compreendam os costumes e a cultura que permeiam sua vida, para que as informações realmente sejam consideradas em seu cotidiano e nas ações diárias de maneira efetiva.

Visto que investigações quantitativas e qualitativas a respeito dos conhecimentos e percepções desse grupo populacional sobre a própria saúde bucal constituem importantes ferramentas na construção de abordagens de proteção e promoção da saúde, este trabalho tem como objetivo verificar o conhecimento, as atitudes e as percepções das gestantes sobre sua saúde bucal por meio de uma revisão sistemática de literatura, visando agregar conhecimento para a definição e adoção de condutas na atenção odontológica às gestantes.

 

Metodologia

Foi realizada uma revisão sistemática de literatura por meio da busca de publicações nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo), Biblioteca Brasileira de Odontologia (BBO), Literatura Latino-Americana de Ciências da Saúde (Lilacs). Os descritores utilizados foram divididos em três grupos. O primeiro grupo com os termos gestantes e mulheres grávidas; o segundo com autoavaliação, autoimagem, percepção e autopercepção; e o terceiro com saúde bucal e assistência odontológica.

Foram adotados como critérios de inclusão: livre acesso ao público, ser artigos científicos, dissertações ou teses, ter ao menos um descritor de cada grupo simultaneamente, ter sido publicado entre janeiro de 2004 e janeiro de 2014. Foram excluídas publicações sobre mulheres grávidas de outros países que não o Brasil e artigos de revisões de literatura, para evitar ambiguidade na análise, visto que as publicações analisadas poderiam também estar sendo utilizadas neste estudo, ocasionando uma duplicidade de avaliação.

A busca foi feita por um único revisor que avaliou os resumos e selecionou os artigos que seguiam os critérios de elegibilidade, obtendo-os na íntegra, totalizando doze. Foi procedida a leitura das publicações organizando-as em quatro grupos, de acordo com o objetivo: estudos que tratavam de conhecimento (dois), percepção (cinco), autopercepção (dois) e representação social (três) das gestantes sobre saúde bucal (Quadro 1).

 

 

 

Resultados e discussão

As avaliações subjetivas retratam a percepção dos sujeitos e são importantes indicadores, pois, a partir do conhecimento de como os indivíduos e grupos pensam ou se comportam diante de determinadas situações, pode-se viabilizar estratégias de ação que levem em conta a realidade vivenciada e valorizem suas experiências, utilizando-as como instrumentos de motivação para mudança de hábito e atitudes.

Quando os comportamentos de saúde bucal adotados pelos sujeitos vão de encontro ao preconizado surge um conflito, que deve ser contornado com atividades que evidenciem a melhora na condição de saúde/bem-estar, que pode advir de uma mudança comportamental, estimulando a adoção de novos hábitos3,8.

É nessa direção que os estudos analisados apontam. Os objetivos primordiais encontrados foram constatar o entendimento das gestantes, com o intuito de assinalar falhas nos procedimentos adotados atualmente para abordá-las, e, a partir dessas falhas, buscar soluções para seu enfrentamento, a fim de promover melhoras na condição de saúde bucal desse importante grupo populacional.

Sabe-se que a mulher, como multiplicadora de atitudes e promotora de hábitos dentro do cerne familiar, deve ser sensibilizada com atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças7,13-15. Além disso, o estado gravídico pode provocar alterações psicológicas, possibilitando que a mulher esteja mais propícia a receber e a adotar hábitos positivos de saúde16.

Na última década, alguns estudos subjetivos sobre saúde bucal foram feitos com mulheres grávidas. Percebeu-se que não existiu entre eles uma singularidade na questão conceitual. Os conceitos representação social, percepção, autopercepção e conhecimento não são sinônimos, mas todos servem para avaliar questões subjetivas a respeito dos sujeitos estudados1,2-5,13. Foram então utilizados na presente pesquisa como aporte para alcançar seu objetivo, retratando a produção científica da última década em relação ao que as gestantes pensam e fazem a respeito da saúde bucal durante a gestação.

Estudos sobre o conhecimento das gestantes acerca de saúde bucal

Saber o que está certo ou errado depende da bagagem de conhecimento que é carregada a respeito de determinado assunto. Não basta simplesmente recomendar que as gestantes adotem determinadas rotinas de cuidado sem que sejam orientadas sobre como executá-las e tomem conhecimento de seus benefícios. O ponto de partida de qualquer processo de intervenção é constituído na relação entre o ser humano e o conhecimento19.

Nos estudos cujo objetivo foi avaliar o conhecimento das mulheres grávidas sobre saúde bucal, Vieira e Zocrato12, utilizando metodologia quantitativa, observaram que, em um grupo de 76 gestantes mineiras, 57% achavam que gravidez causava cárie. Os autores não encontraram associação entre essa crença com a classe social nem com a condição de serem primigestas ou multigestas. Os autores descreveram que 38% delas aumentaram o consumo de açúcar sem, no entanto, intensificar os hábitos de higiene oral, buscar atendimento odontológico ou receber informações de saúde bucal, situações relatadas por 70%, 55% e 48%, respectivamente.

Similarmente, Bastiani et al.13 (2010), também em pesquisa quantitativa, constataram que, em um grupo de oitenta mulheres paranaenses, a falta de informação permeou as entrevistas. Apenas 30% das entrevistadas receberam orientações de saúde bucal durante a gestação, a maioria dos médicos não examinou a cavidade oral, e somente 15% deles fizeram encaminhamento ao dentista. Grande parte das gestantes (48,75%) acreditava ser normal desenvolver cárie durante a gravidez, aliando este fato a uma possível perda mineral do dente da mãe, passando para o filho, argumentação fruto de um senso popular. O descaso com a saúde bucal durante a gravidez também foi observado nesse estudo. Apenas 20% da amostra faziam pré-natal odontológico, e somente 40% procurou o dentista, de modo que as que não procuraram alegaram falta de dinheiro e medo do procedimento como motivos. No entanto, apesar desses argumentos, a maioria (90%) achava importante ir ao dentista e que não via problemas em fazer procedimentos odontológicos durante a gravidez.

Destaca-se nos estudos sobre conhecimento das gestantes a existência de informações deturpadas, baixa procura ao dentista bem como a falta de encaminhamento do obstetra à avaliação odontológica. Percebe-se que há necessidade de empoderar a gestante pela apropriação de conhecimentos sobre saúde bucal, que em geral são permeados pelo senso comum, sendo a conduta profissional um fator importante na difusão de informação.

Estudos sobre a percepção das gestantes acerca de saúde bucal

A percepção de saúde consiste em avaliar globalmente a condição de saúde, baseando-se em aspectos objetivos e subjetivos individuais20. Diferenças entre gênero, faixa etária e nível de instrução afetam a percepção de saúde dos indivíduos20. Os conceitos de percepção e autopercepção são parecidos, mas não iguais. Na presente pesquisa, optou-se por separá-los porque se observou que os estudos que objetivaram avaliar apenas a percepção são mais abrangentes e trazem mais informações.

Moimaz et al.14 (2009) avaliaram quantitativamente a percepção de mulheres atendidas no programa de atenção às gestantes da Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista (FOAUnesp). Esse programa trabalha pautado em requisitos como simplicidade, efetividade, baixo custo e resultados abrangentes e duradouros. Além de oferecer práticas curativas e preventivas, oferece oficinas pedagógicas no intuito de empoderar as mulheres com informações reais sobre a saúde bucal na gestação. Talvez seja por isso que os resultados obtidos nessa pesquisa foram excelentes. A maioria das gestantes relatou não sentir medo durante o tratamento odontológico, que é, de maneira geral, uma das dificuldades de acesso à consulta odontológica para esse grupo. Quase todas sentiram segurança no atendimento, e todas o recomendariam para outras pessoas. No entanto, um fato negativo constatado foi de que a busca por atendimento ainda se deu por conta de dor, e não como forma de prevenção de danos à saúde.

Em um estudo quantitativo, com aplicação de questionário, Praetzel et al.15 (2011) investigaram uma amostra de 75 gestantes no estado do Rio Grande do Sul. Os autores avaliaram a percepção das pacientes em relação à saúde bucal e fonoaudiológica durante e após o período gravídico. Em relação aos achados de saúde bucal, os autores constataram que apenas 43% consultaram o dentista durante a gestação, fato extremamente negativo, visto que existe a orientação do Ministério da Saúde para que as gestantes passem pelo pré-natal odontológico, tanto por motivos preventivos quanto curativos6. Todas as grávidas reconheciam que sua alimentação poderia influenciar a saúde do bebê, e apenas 63% reportaram controlar o consumo de açúcar, apesar da necessidade de haver o controle da ingestão de açúcar por todas as gestantes, não só para prevenir doenças bucais, mas também outros agravos, como o diabetes.

Em relação a medos e mitos, o estudo qualitativo conduzido por Codato et al.3 (2011) constatou que eles estariam sendo fortalecidos pelos próprios profissionais por meio de seus discursos. As gestantes acreditavam que qualquer intervenção odontológica só deveria ser feita com a permissão do médico. Moimaz et al.14, em seu estudo, encontraram que mulheres grávidas de uma cidade do Estado do Paraná tinham medo do dentista e dos procedimentos. Por isso, os autores consideram necessário haver programas para esclarecer a população sobre saúde bucal, no intuito de desmitificar conhecimentos e práticas.

Com o objetivo de descrever a percepção de gestantes catarinenses sobre a relação entre saúde bucal e parto prematuro, Correia e Silveira7 realizaram um estudo qualitativo em que a minoria das entrevistadas reconhecia a relação entre saúde bucal e saúde sistêmica. Constataram que, além da falta de conhecimento dessa relação, vários mitos eram cultuados. A maioria das gestantes via a saúde bucal como uma questão estética, relacionando-a com a imagem pessoal, ligando-a à aparência. Assim, o dentista só precisaria ser procurado caso houvesse uma afecção autopercebida, senão, a consulta deveria ser evitada durante a gravidez para não prejudicar a criança. Os autores observaram que a gravidez não promoveu mudança nos hábitos de higiene bucal e concluíram que existe pouca motivação para a adoção de hábitos saudáveis de higiene bucal no cotidiano das gestantes.

No único artigo encontrado, cuja investigação foi feita na região nordeste do país, Cabral et al.16 (2013) objetivaram compreender a percepção de gestantes de Sergipe em relação a problemas bucais e ao tratamento odontológico por meio de uma pesquisa quali-quantitativa. Do grupo de 41 mulheres pesquisadas, com idades entre 17 e 37 anos, 68% não recebeu orientações em relação à saúde bucal durante a gestação, e 63% acreditava existir relação entre gravidez e problemas bucais. Segundo os autores, alguns depoimentos evidenciaram indiferença e desvalorização a respeito da saúde bucal. Algumas gestantes também referiram dificuldades para adesão ao tratamento odontológico, e a maioria delas tinha a crença de que há contraindicação para o tratamento durante a gravidez.

Os estudos sobre percepção mostraram que o medo do procedimento odontológico ainda é uma barreira na assistência à gestante. Além disso, ao associar os cuidados com a saúde bucal durante a gestação apenas com hábitos de higiene e aparência estética, as gestantes reproduzem representações sociais existentes e evidenciam que desconhecem a importância da atenção odontológica durante o período gestacional tanto para prevenção quanto para tratamento de doenças maternas e de suas repercussões para o feto.

Estudos sobre a autopercepção das gestantes

A autopercepção é um conceito cada vez mais utilizado. Ele retrata a avaliação que o indivíduo faz de si mesmo de maneira não circunstancial. É uma medida utilizada principalmente em comparações com indicadores clínicos de morbidade e mortalidade20.

Foram identificados dois artigos que analisaram a autopercepção de saúde bucal de gestantes. Silva et al.1 (2006), em estudo quantitativo realizado em São Paulo, utilizando uma amostra de 56 gestantes, observaram predomínio de autopercepção positiva de saúde bucal, já que as atribuições excelente, boa e regular somaram 88% das participantes e somente 12% fizeram avaliação ruim. Não foi encontrada relação entre estrato social, idade e escolaridade e a autopercepção. Como não houve avaliação clínica nesse estudo, os autores alertaram que nem sempre a autopercepção reflete a real situação clínica do sujeito, pois muitos indivíduos fazem uma avaliação positiva, mas apresentam patologias bucais menos perceptíveis que, se verificadas, diminuiriam o conceito positivo por eles atribuído. Assim, recomendaram que estudos de autopercepção aliem sua metodologia à avaliação clínica, com o intuito de fazer o comparativo entre a situação real e a autorreferida.

Suprindo essa necessidade metodológica, Jeremias et al.17 (2010) estudaram a autopercepção e compararam com os resultados do exame clínico, em um grupo de cinquenta gestantes paulistas. Os pesquisadores observaram que 52% das gestantes atribuíram conceito bom ou regular para os dentes, 80% avaliaram como boa ou regular a saúde da gengiva, e para o estado geral da boca o conceito bom ou regular atingiu 70%. Quando submetidas a uma avaliação clínica, os pesquisadores encontraram que, apesar do conceito positivo, todas precisavam de tratamento periodontal e de orientações de higiene oral. Além disso, 40% necessitavam utilizar prótese, e o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) encontrado para o grupo foi de 13,5, valor considerado alto. Foi constatada diferença estatisticamente significativa entre a avaliação subjetiva e a avaliação normativa de saúde bucal, no que tange ao índice de CPOD e à necessidade de prótese, ao contrário do que ocorreu em relação à doença periodontal.

A autopercepção da saúde bucal positiva pelas gestantes foi consenso entre os estudos analisados nesta revisão da literatura, embora não refletisse a real condição bucal quando investigados os dados clínicos. Observou-se que apenas um estudo fez esse tipo de análise comparativa, por isso, dada sua importância, a necessidade de outros estudos nessa perspectiva.

Estudos sobre representação social das gestantes

A teoria das representações sociais interessa-se por saber como um conhecimento é apropriado por diferentes grupos sociais, pertencendo a uma tradição que estuda a popularização de fenômenos sociais que se tornaram motivo de preocupação pública, focando em como o ser humano procura compreender o mundo21.

Nos estudos sobre representações sociais das gestantes em relação à saúde bucal, os resultados demonstraram a sua necessidade de esclarecimento. A maioria das representações aponta no sentido contrário ao que é recomendável para a saúde bucal. Finkler et al.2 (2004), em investigação realizada em Santa Catarina, constataram que as gestantes achavam desaconselhável ir ao dentista durante a gestação, que a gravidez é prejudicial para os dentes e que a visita ao dentista tem caráter meramente curativo. Mesmo assim, elas concordaram que precisam cuidar dos seus próprios dentes para, depois, cuidar dos dentes dos seus filhos, e que os cuidados de saúde bucal no bebê devem ser realizados precocemente pelas mães, além de reconhecerem a necessidade de restrição parcial de alimentos cardiogênicos como método de prevenção de problemas de saúde para o bebê. As gestantes relataram, ainda, ter muitas dúvidas sobre o cuidado com a boca e sentir necessidade de orientação profissional quanto à saúde bucal durante a gestação.

O mesmo relato foi registrado por Codato5 (2005) em pesquisa qualitativa realizada com usuárias do SUS e de convênios, também em Santa Catarina, na qual foram identificadas seis categorias de análise: autocuidado durante o período gestacional, atenção odontológica durante a gestação, visão/pesquisa sobre gravidez e suas consequências na saúde bucal, como gestantes resolvem seus problemas de saúde bucal, a mãe na promoção de saúde bucal, os profissionais de saúde. Dentro dessas categorias, foram encontradas 26 representações. Uma das diferenças entre os grupos foi o fato de que as gestantes assistidas pelo SUS procuravam mais o serviços de saúde bucal do que as de convênio, possivelmente pela facilidade de acesso nesse período. O autor destacou que, para ambos os grupos, as representações sociais demonstraram existir muitos mitos e crenças arraigados à visão sobre atenção odontológica à gestante que acabam por prejudicar esse processo. Essas dificuldades poderiam ser esclarecidas pelos profissionais que prestam assistência a esse grupo populacional com a tomada de medidas de prevenção e promoção da saúde.

Figueira18 (2007) conduziu um estudo com o mesmo objetivo com gestantes de Minas Gerais. As representações sociais sobre saúde bucal referiram-se a um estado de bem-estar relacionado à estética e à adoção de cuidados de higiene bucal. A maioria das gestantes relatou não mudar o comportamento em relação aos hábitos de saúde bucal durante o período gravídico. O estudo constatou a baixa procura por assistência odontológica, a falta de informações sobre a influência da saúde bucal da mãe na saúde do bebê e a crença de que o tratamento odontológico é prejudicial ao bebê.

Os estudos das representações sociais apontaram informações que contrariam as orientações de saúde bucal durante a gravidez pautadas na evidência científica. Ficou em evidência a escassez de conhecimentos das gestantes sobre cuidados com a saúde bucal durante a gestação e a existência de conhecimentos equivocados sobre assistência odontológica à gestante, além da baixa procura pelo cirurgião-dentista2,5,18.

 

Considerações finais

A concepção da gestante sobre saúde bucal configura um quadro de falta de informação em relação a cuidados durante a gravidez, à procura por assistência odontológica e a alterações fisiológicas ou patológicas relacionadas à saúde bucal durante a gestação. Constatou-se que é muito frequente a aceitação de informações deturpadas por crenças e mitos. Esses fatos pareceram influenciar negativamente negativamente suas atitudes em relação à saúde bucal durante a gestação.

No período estudado, poucas pesquisas foram realizadas com o intuito de entender a concepção da gestante sobre saúde bucal durante a gravidez. Com isso, verifica-se a necessidade da realização de mais estudos com esse enfoque, que utilizem diferentes metodologias e abarquem todas as regiões brasileiras, uma vez que as investigações encontradas concentraram-se nas Regiões Sul e Sudeste do país, com uma única exceção, o que acaba por não retratar as diferentes características sociais e culturais que podem influenciar essa questão.

 

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Endereço para correspondência:
Rosane Silvia Davoglio
Universidade Federal do Vale do São Francisco
Av. José de Sá Maniçoba, s/n – Centro
56.304-205 Petrolina, PE
e-mail:
rosanedavoglio@gmail.com

 

Recebido: 27/03/15
Aceito: 26/06/15