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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.21 no.2 Passo Fundo Mai./Ago. 2016

 

 

Influência da vestimenta do cirurgião-dentista e do ambiente do consultório odontológico na ansiedade de crianças pré-escolares durante consulta odontológica: resultados de um estudo piloto

 

Influence of dental surgeon attire and dental office environment on anxiety of preschool children during dental care: results of a pilot study

 

Milena Goveia Mathies Hass I; Luísa Jardim Corrêa de Oliveira II; Marina Sousa Azevedo III

 

I Cirurgiã-dentista. Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde – Atenção à Saúde da Criança, Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
II Cirurgiã-dentista. Doutoranda em Odontopediatria, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
III Cirurgiã-dentista. Doutora em Odontopediatria. Professora adjunta, Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

Resumo

O medo e a ansiedade em odontopediatria podem ser uma barreira para a realização do tratamento odontológico. Objetivo: avaliar a influência da alteração da vestimenta do cirurgião-dentista e da modificação do ambiente do consultório odontológico na ansiedade odontológica de crianças entre 3 e 6 anos de idade. Sujeitos e método: este estudo clínico randomizado controlado cruzado incluiu doze pré-escolares da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Cada criança foi submetida a dois procedimentos odontológicos iguais realizados sob a forma convencional (controle) e com alterações lúdicas no ambiente do consultório odontológico e na vestimenta do profissional (intervenção). O nível de ansiedade das crianças foi avaliado por meio do Venham Picture Test (VPT) modificado. Aos pais/responsáveis foi aplicado um questionário para avaliar a percepção sobre o comportamento de seu filho durante o atendimento odontológico, para analisar a autopercepção de ansiedade foi utilizada a escala de ansiedade odontológica (DAS). A diferença entre o controle e a intervenção foi avaliada pelo teste de Wilcoxon (P < 0,05). Resultados: antes do início da consulta, grande parte dos pais/responsáveis classificou a ansiedade do filho como moderadamente baixa e a própria como alta. Na análise da DAS, a maioria apresentou grau moderado de ansiedade. Não houve diferença nas médias do VPT com relação às duas formas de atendimento (P = 0,8697). Conclusão: este estudo piloto observou que não houve influência na ansiedade odontológica da criança quando o ambiente do consultório e a vestimenta do CD foram modificados. Mais estudos são necessários a fim de confirmar esse resultado preliminar.

Palavras-chave: Ansiedade ao tratamento odontológico. Ensaio clínico. Medo. Odontopediatria.

 

Abstract

Fear and anxiety in Pediatric Dentistry may be a barrier to dental treatment performance. Objective: This pilot study aimed to assess the influence of changing the dental surgeon (DS) attire and dental office environment on dental anxiety of 3 to 6-year-old children. Subjects and method: This randomized clinical trial included 12 preschool children from Pelotas, RS, Brazil. Each child was subjected to 2 equal dental procedures, performed in a conventional way (control) and with playful changes in the dental office environment and the professional attire (intervention). The anxiety level of children was assessed through the modified Venham Picture Test (VPT). Parents/guardians answered a questionnaire assessing the perception of their children's behavior during dental care, and maternal anxiety was measured with the Dental Anxiety Scale (DAS). The difference between control and intervention groups was assessed by the Wilcoxon test (P<0.05). Results: Before dental care started, most of the parents/guardians classified their children's anxiety as moderately low and their own anxiety as high. In the DAS, most mothers showed moderate level of anxiety. There was no difference between the means of the VPT for both forms of care (P=0.8697). Conclusion: Thus, this pilot study suggests that dental anxiety of children is not influenced by changes in dental office environment and DS attire. Further studies are necessary in order to confirm this preliminary result.

Keywords: Dental anxiety. Clinical trial. Fear. Pediatric dentistry.

 


 

Introdução

Em odontopediatria, o estudo da ansiedade e do medo odontológico infantil ainda é relevante, uma vez que o conhecimento sobre essa temática permanece estável ao longo do tempo, apesar das inovações de técnicas e equipamentos. O medo e a ansiedade impactam diretamente no comportamento da criança no consultório e na percepção da odontologia, e essa é a primeira etapa a ser ultrapassada na busca de uma relação profissional-paciente satisfatória1.

Acredita-se que o comportamento da criança diante do atendimento odontológico pode ser influenciado por uma série de fatores e variáveis. Os fatores socioeconômicos e demográficos também podem estar relacionados com uma maior ansiedade na criança. Com relação à idade, as crianças mais jovens são geralmente mais indispostas, cooperam menos e reportam maior medo e ansiedade que as mais velhas2. A respeito da renda e escolaridade dos pais, estudos mostram que não há consenso acerca do sentimento negativo quanto ao tratamento odontológico e as variáveis socioeconômicas3-5. Porém, alguns estudos mostram que crianças de famílias mais pobres têm maior prevalência de medo odontológico6,7.

O relacionamento com os pais e as experiências transmitidas são fatores que também podem interferir no comportamento da criança8. Crianças que frequentaram o dentista desde os primeiros meses de vida estão familiarizadas com o ambiente odontológico e tendem a apresentar um melhor comportamento9. Além da experiência odontológica da própria criança, as atitudes e experiências negativas passadas pelas mães e suas opiniões sobre tratamentos odontológicos podem ser determinantes na reação de medo e na ansiedade odontológica da criança, assim, a ansiedade da criança em relação à consulta pode ser um reflexo da ansiedade materna3,10.

A abordagem profissional também pode interferir na ansiedade e no comportamento do paciente infantil, sendo o manejo do comportamento parte fundamental da prática odontopediátrica, que deve se basear em princípios científicos e requer do profissional habilidades como ser bom ouvinte, comunicar-se adequadamente, ter empatia, saber reconhecer o perfil do paciente e os primeiros sinais de ansiedade. Além disso, o odontopediatra deve ter personalidade calma, honesta e inspirar confiança na criança11.

Outro fator que pode influenciar de maneira positiva o paciente e seus responsáveis é o ambiente do consultório odontológico e a organização de sua estrutura física, desde que seja de forma harmônica, suave, agradável, alegre, com linguagem expressiva, transmitindo segurança e tranquilidade para o pequeno paciente e, consequentemente, para os pais em uma primeira comunicação informal12. De igual forma, a vestimenta do profissional pode causar uma primeira impressão positiva nos pacientes infantis se ocorrer uma modificação do traje branco convencional para um que seja colorido, visto que as vestimentas coloridas transmitem um sentimento amigável às crianças ansiosas e facilitam a primeira comunicação13. No entanto, alguns pais relatam que o cirurgião-dentista transmite profissionalismo e confiança aos seus pacientes ao utilizar a vestimenta tradicional14, o que torna essa questão ainda controversa. Alguns estudos14,15 avaliaram a preferência de crianças quanto à vestimenta do dentista por intermédio de fotografias, e não em um estudo clínico controlado, que seria o melhor delineamento para verificar se a vestimenta pode ter alguma influência no comportamento infantil durante o atendimento odontológico.

O cirurgião-dentista deve saber quais aspectos influenciam nessas manifestações e intervir de maneira que possa eliminar ou atenuar o medo e a ansiedade odontológica, a fim de obter um atendimento efetivo e de qualidade15. Dessa forma, o objetivo deste estudo preliminar foi avaliar uma proposta de modificação do ambiente de consultório e da vestimenta do cirurgião-dentista e sua influência na ansiedade de crianças com idades entre 3 e 6 anos durante consulta odontológica.

 

Sujeitos e método

Aspectos éticos

O presente estudo foi provado pela a Comissão Científica do Hospital Escola e Comitê de Ética em pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, sob o Parecer nº 678.670. Anteriormente a cada consulta, foi entregue aos pais/ responsáveis o termo de consentimento livre e esclarecido, respeitando os aspectos éticos conforme a Resolução nº 244/2012.

Delineamento

Este estudo preliminar caracteriza-se por ser um ensaio clínico randomizado controlado e cruzado, em que cada criança constituiu seu próprio controle, uma vez que recebeu os dois atendimentos, convencional (controle) e com alteração da vestimenta e do ambiente (intervenção).

Local

Este estudo foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde da cidade de Pelotas, RS, Vila Municipal, no Bairro Santos Dumont, e no consultório do Projeto "Consultórios Itinerantes" do Programa Saúde na Escola (PSE) do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE/Ufpel), localizado no Bairro Centro.

Participantes

Foram incluídas no estudo as crianças na fase pré-escolar, de 3 a 6 anos, recebidas em livre demanda para atendimento odontológico que apresentavam necessidade de tratamento de pelo menos dois procedimentos semelhantes, como: duas restaurações ou duas exodontias. As crianças eram avaliadas (anamnese e exame clínico) para elaboração do plano de tratamento seguindo a rotina de atendimentos do local, ao se verificar a presença de pelo menos dois tratamentos odontológicos iguais, elas eram convidadas a participar do estudo. Caso tivessem mais de uma necessidade odontológica dupla, seguiu-se o plano de tratamento pré-estabelecido no serviço. Por exemplo, se o paciente apresentasse necessidade de duas restaurações e duas exodontias, e no plano de tratamento as exodontias fossem prioridade, esses eram os procedimentos de escolha para o estudo. Como critério de exclusão, adotou-se o intervalo entre consultas das crianças que excedeu os 21 dias.

Intervenção

Ambos os atendimentos foram realizados utilizando- se as técnicas comportamentais não farmacológicas. No atendimento em que foi realizada a intervenção, o ambiente do consultório odontológico foi modificado, foram dispostos pelas bancadase aparelhos brinquedos e adornos (Figura 1). De igual forma, o cirurgião dentista utilizou uma vestimenta não tradicional, com um jaleco customizado e gorro de mesma padronagem.

Considerou-se atendimento controle aquele realizado de forma convencional, sem alterações do ambiente do consultório odontológico, ou seja, apenas os equipamentos odontológicos sem qualquer brinquedo ou adorno que remetesse ao lúdico, e a vestimenta do operador era composta por um jaleco branco e gorro branco descartável.

 

 

Desfecho

Para avaliar o nível de ansiedade das crianças, foi utilizado o Venham Picture Test modificado para o Brasil16, que é um instrumento de avaliação da ansiedade que consiste em oito imagens que representam sentimentos, iniciando com a ansiedade e chegando até o contentamento com o tratamento. Ao final de cada consulta odontológica, em ambos os grupos (controle e intervenção), as imagens foram apresentadas à criança pelo dentista de acordo com o sexo e a cor da pele da criança. O teste contém oito situações com duas figuras cada, uma figura apresenta um sentimento positivo e a outra, um negativo, as crianças foram instruídas a selecionar uma das duas imagens em cada situação. Cada par recebeu o valor de "zero" quando relacionado ao sentimento positivo e "um" relacionado ao sentimento negativo. A avaliação variou de zero a oito, quanto maior a soma, mais ansiosa a criança foi considerada, já para a análise da escala, as crianças foram agrupadas conforme apresentado no Quadro 1.

 

 

Randomização

Após a consulta inicial, na qual foi realizada a triagem e o preenchimento de anamnese e definiu-se a inclusão da criança no estudo, a randomização ocorreu por meio de sorteio aleatório simples para definir a ordem dos atendimentos (controle ou intervenção) que a criança receberia. Em um envelope pardo foram inseridos dois números que identificavam o tipo de atendimento, e a dentista sorteava um para cada criança antes da consulta.

Cegamento

Devido às características do estudo, o cegamento foi inviável, tanto para a dentista operadora quanto para a criança e seus familiares.

Variáveis independentes

As variáveis independentes foram coletadas por intermédio de um questionário aplicado aos pais/ responsáveis anteriormente ao primerio atendimento. Dados quanto ao sexo da criança, à escolaridade dos pais/responsáveis e à renda familiar foram utilizados para caracterizar a amostra. A escolaridade dos pais/responsáveis foi classificada em anos de estudo e categorizada em até oito anos e oito anos ou mais. A renda familiar foi registrada em salários mínimos e categorizada em até um salário mínimo, de um a dois salários mínimos, e mais de dois salários mínimos.

Para avaliar a percepção sobre o comportamento da criança antes do atendimento odontológico, no questionário, foi perguntado como os pais/responsáveis classificavam a ansiedade de seus filhos no momento inicial da consulta e como acreditavam que seria o seu comportamento diante do procedimento a ser realizado.

Para avaliar a ansiedade dos pais/responsáveis, lhes foi perguntado como classificavam a própria ansiedade antes do início da consulta, as opções de resposta eram: alta (muito nervosa), moderadamente alta, moderadamente baixa e baixa. A escala de ansiedade odontológica (DAS) também foi utilizada17. A DAS é uma escala com quatro itens, cada um apresenta cinco alternativas. Cada item representa uma situação relacionada com a consulta odontológica, assim, foi solicitado aos pais/responsáveis que assinalassem a resposta mais semelhante ao seu comportamento em cada situação. Para cada item, as escolhas poderiam ser de 1 (calmo) a 5 (apavorado). A escala é pontuada de 4 a 20, sendo que o número de pontos pode variar de 4, para paciente não ansioso, até 20, para paciente muito ansioso. Essa classificação propõe quatro categorias para a ansiedade: 1 nulo (4 a 5 pontos), 2 baixa (6 a 10 pontos), 3 moderada (11 a 15 pontos) e 4 exacerbada (16 a 20 pontos). Essa escala foi traduzida para português por Pereira et al.18 (1995).

Análise estatística

Os dados foram tabulados em planilha Excel® (Microsoft Office14) e analisados no programa Stata 12.0 (Stata Corporation, College Station, TX, USA). Foi utilizada estatística descritiva para análise das variáveis do estudo.

Para verificar a diferença entre o grupo controle e o grupo intervenção, foi utilizado o teste de Wilcoxon, um teste pareado não paramétrico para avaliar dados antes e depois em amostras pequenas. Um valor P < 0,05 foi considerado como estatisticamente significante.

 

Resultados

Foram avaliadas neste estudo doze crianças pré-escolares, sendo a maioria do sexo masculino (75%), a idade média das crianças foi de 4,25 anos, nenhuma criança foi excluída e não houve nenhuma recusa. Desses, sete (58,33%) são provenientes da Unidade Básica de Saúde Santos Dumont e cinco (41,66%) do Projeto Consultórios Itinerantes do PSE HE/UFPel.

A Tabela 1 apresenta as características socioeconômicas e demográficas das crianças. Verificou-se que em 9 crianças (75%) o responsável tinha até 8 anos de escolaridade e que a maioria (67%) recebia de 1 a 2 salários mínimos mensais.

 

 

 

Na Tabela 2, pode-se verificar que 6 pais (50%) relataram achar que seu filho reagiria moderadamente bem ao procedimento a ser realizado e apenas 1 relatou achar que seu filho reagiria muito mal ao procedimento. Em relação à ansiedade do responsável no momento inicial da consulta, a maioria respondeu (41,6%) que estava muito alta (muito nervosa), já em relação à ansiedade do filho no momento inicial da consulta, a maioria (41,6%) descreveu como moderadamente baixa.

Na escala de ansiedade odontológica, 7 mães (58,3%) apresentaram um grau moderado de ansiedade, 2 (16,7%) apresentaram um grau baixo e 3 (25%) um grau nulo (Tabela 2).

Entre as doze crianças incluídas, apenas uma realizou exodontia de dente decíduo em grau avançado de esfoliação (realizada somente com anestésico tópico), as demais crianças realizaram restaurações. Após a randomização, 8 crianças (66,6%) tiveram a consulta inicial com alterações ambientais e de vestimenta do cirurgião-dentista (intervenção), e as outras 4 crianças (33,4%) tiveram como consulta inicial a tradicional (controle). Ao verificar a média do VPT das crianças entre as duas consultas, verificou-se que a maioria (41,6%) apresentou níveis moderados de ansiedade (Tabela 2).

Observou-se, ao comparar a classificação dos escores do VTP entre o grupo controle e o grupo intervenção, que 7 (58,3%) crianças permaneceram com a mesma classificação de ansiedade, 2 (16,7%) crianças reduziram o grau de ansiedade quando submetidas à intervenção e 3 (25,0%) crianças apresentaram um aumento na classificação de ansiedade quando modificados o ambiente odontológico e a vestimenta do profissional (Tabela 2).

 

 

 

A média (desvio padrão) do grupo controle foi 2,75 (3,11) e a do grupo intervenção foi 2,41 (2,56). Com relação ao tipo de intervenção, não houve diferença nas médias do VPT (p = 0,8697) entre controle e intervenção (Tabela 3).

 

 

 

Discussão

Este estudo piloto não encontrou diferenças estatisticamente significantes na ansiedade de crianças pré-escolares durante o atendimento odontológico ao se alterar o ambiente do consultório e a vestimenta do cirurgião-dentista.

Apesar de se saber que o estudo do medo e da ansiedade odontológica em odontopediatria é extremamente importante. Já foi demonstrado que esses sentimentos influenciam no comportamento da criança durante o atendimento e, principalmente, podem evitar a procura pelo tratamento odontológico, levando a uma piora na condição bucal da criança19, poucos estudos avaliaram a influência do ambiente odontológico e da vestimenta do cirurgião-dentista na ansiedade e no medo infantil. Nenhum estudo clínico foi encontrado em revisão bibliográfica avaliando a implicação desses elementos no medo e na ansiedade odontológica.

Em relação à vestimenta, Kuscu et al.14 (2009) realizaram um estudo observacional com 827 crianças de 9-14 anos, em que eram mostradas fotos com dentistas trajando vestimentas variadas, tradicionais (brancas) e informais (coloridas). A maioria das crianças (45,6%) escolheu a vestimenta tradicional como sua preferida, porém, os autores discutem que essa preferência pela vestimenta tradicional possa estar relacionada com a imagem pré-estabelecida que as crianças tenham sobre a figura do dentista. A vestimenta colorida pode remeter a um sentimento amigável, sendo assim, seu uso em atendimento de crianças ansiosas poderia ter um efeito benéfico.

Mistry e Tahmassebi15 (2009), em um estudo com cem pais e cem crianças, em que também eram mostradas fotos com dentistas em variados trajes, os preferidos pelos pais foram os tradicionais e pelas crianças, os informais (jeans e camiseta). Ao comparar a vestimenta tradicional com a vestimenta com motivos infantis ou lúdicos, ambos preferiram a vestimenta branca.

A modificação do espaço do consultório para um ambiente lúdico pode contribuir para que a criança e seus pais/responsáveis sintam-se tranquilos, seguros e acolhidos, gerando, dessa forma, a vontade de estar presente nesse ambiente. O equilíbrio deve estar presente ao se decorar o local, que deve estar organizado, limpo, tranquilo e sem exageros, bem como ao distribuir brinquedos no ambiente, visto que um ambiente muito fantasiado pode levar o paciente a ficar irritado, inquieto e com claros sinais de estresse por haver muito estímulo3. Nenhum estudo foi encontrado avaliando especificamente a influência do ambiente do profissional dentista na ansiedade odontológica da criança pré-escolar, contudo, outros aspectos como o uso de brinquedos e música durante os atendimentos já foram testados, mostrando resultado favorável no comportamento das crianças20,21.

Neste estudo piloto, por não haver nenhum estudo de referência, optou-se por utilizar vestimenta branca customizada em vez de uma colorida, já que os estudos sobre esse tema mostram que a vestimenta branca transmite aos pais e às crianças tranquilidade e profissionalismo14,15, assim mantivemos o jaleco branco, porém com aplicação de elementos coloridos. De igual forma, optou-se por utilizar brinquedos e aparatos de fácil inserção e remoção no ambiente, visto que ambos os atendimentos eram realizados no mesmo local.

É importante ressaltar que neste estudo as técnicas não farmacológicas convencionais de controle do comportamento, como diga-mostra-faça e distração, foram utilizadas em todas as consultas, independentemente do grupo sorteado. O fato de não ter sido observada diferença entre os dois tipos de atendimento pode sugerir que a abordagem do cirurgião-dentista, juntamente com as técnicas de manejo do comportamento, pode ter maior influência do que o ambiente de consultório ou a vestimenta do profissional. A abordagem deve ocorrer a partir do conhecimento e utilização de técnicas adequadas à idade, ao gênero, ao nível socioeconômico, ao estado de saúde geral e bucal, assim como a fatores familiares, auxiliando assim o relacionamento profissional-paciente e o atendimento clínico2.

Contudo, essa é apenas uma hipótese, já que este estudo teve algumas limitações. Primeiro, a modificação do ambiente e da vestimenta foi baseada em poucos estudos sobre o tema, sendo difícil estabelecer um padrão de alteração do ambiente e da vestimenta, isso ainda precisa ser mais bem definido. Além disso, por ser um estudo preliminar, não foi possível realizar um cálculo amostral, assim, o tamanho da amostra pode não ter sido suficiente para verificar diferença estatística, talvez o estudo com um tamanho de amostra adequado possa demonstrar que as crianças se sintam menos ansiosas com a alteração do ambiente e da vestimenta, uma vez que a média do VPT foi menor para o grupo intervenção.

Mesmo sem uma resposta definitiva, os resultados deste estudo podem auxiliar no planejamento de outros estudos com essa temática. Outros estudos com adequado delineamento são necessários a fim de verificar se uma intervenção no ambiente e na vestimenta pode refletir na ansiedade da criança e, consequentemente, no seu comportamento durante o atendimento odontológico. Ainda, neste estudo, por questões logísticas, a pessoa que atendeu a criança também aplicou os testes, o que pode ter influenciado a resposta da criança. Somado a isso, não há como evitar o cegamento da criança e daquele que aplica a intervenção nessa situação.

Este estudo apresenta como aspecto positivo o fato de que um único operador realizou todos os procedimentos, assim, a intervenção do cirurgiãodentista e a forma de abordagem com a criança foram padronizadas. Outro aspecto importante é que a intervenção foi randomizada, os participantes receberam as intervenções propostas de forma aleatória, uma vez que a primeira consulta pode influenciar as consultas seguintes, podendo levar a uma redução da ansiedade pelo fato de a criança já ter estabelecido confiança no profissional ou algum vínculo com ele.

 

Conclusão

Neste estudo preliminar, não foi verificada a influência das alterações lúdicas no ambiente do consultório e na vestimenta do cirurgião-dentista sobre a ansiedade de pré-escolares durante a consulta odontológica, desde que mantidas as técnicas de adaptação comportamental não farmacológicas convencionais.

 

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Endereço para correspondência:
Marina Sousa Azevedo
Rua Gonçalves Chaves, 457
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e-mail:
marinasazevedo@hotmail.com

 

 

Recebido: 13/06/2016
Aceito: 09/08/2016