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RFO UPF

versão impressa ISSN 1413-4012

RFO UPF vol.21 no.3 Passo Fundo Set./Dez. 2016

 

 

Terapias para regeneração do disco articular

 

Therapies for joint disc regeneration

 

Letícia Regina Morello Sartori I; Alissa Schmidt San Martin I; Thaís Gioda Noronha I; Marcus Cristian Muniz Conde II; Luiz Alexandre Chisini III; Flávio Fernando Demarco IV


I Acadêmicas da Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas, Brasil
II
Professor de odontologia, mestre, doutor e pós-doutor em Odontologia, UNIVATES, Lajeado, Brasil
III
Doutorando em Odontologia, mestre e cirurgião-dentista, Universidade Federal de Pelotas, Brasil
IV
Professor Titular em Odontologia e Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Brasil

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Objetivo: o presente estudo revisou a literatura científica em busca das perspectivas e dos principais desafios enfrentados pelas terapias de regeneração do disco articular. Revisão de literatura: a disfunção temporomandibular (DTM) é uma desordem de etiologia multifatorial em que patologias, deformidades e mau posicionamento do disco da articulação temporomandibular (ATM) estão presentes em até 70% dos casos diagnosticados. Dessa forma, o emprego de conhecimentos e princípios da engenharia tecidual para o desenvolvimento de terapias que busquem a regeneração do disco articular pode ser uma opção de tratamento futuro. Células-tronco mesenquimais (MSC) são frequentemente empregadas, apresentando a capacidade de se diferenciar em condrócitos e depositar tecido semelhante ao da ATM. Estudos têm apontado que essas células podem apresentar melhor regeneração que células removidas da própria ATM lesionada, que apresentam uma menor deposição de matriz extracelular. Abordagens para reconstrução têm empregado, principalmente, scaffolds sintéticos, como polímeros e hidrogéis, assim como scaffolds naturais de origem colágena. Esses materiais têm possibilitado a proliferação celular e a deposição de matriz extracelular. Técnicas de descelularização com diversos solventes orgânicos têm apresentado a capacidade de não desenvolver resposta imune, sendo possível sua utilização. A utilização de fatores de crescimento parece contribuir significativamente na sinalização e diferenciação celular, incrementando a deposição de tecido cartilaginoso. Considerações finais: apesar de a regeneração tecidual do disco articular se apresentar como uma provável opção de tratamento para os diversos tipos de DTM, a literatura ainda se encontra em fase inicial de investigação, com estudos predominantemente in vitro e in vivo.

Palavras-chave: Engenharia tecidual. Regeneração. Transtornos da Articulação Temporomandibular.


 

ABSTRACT

Objective: the present study reviewed the scientific literature searching for perspectives and main challenges faced by joint disc regeneration therapies. Literature review: temporomandibular dysfunction (TMD) is a multifactorial etiology disorder in which pathologies, deformities, and malposition of the temporomandibular joint (TMJ) are present in up to 70% of diagnosed cases. Thus, applying knowledge and principles of tissue engineering for the development of therapies that seek joint disc regeneration may be an option for future treatment. Mesenchymal stem cells (MSC) are often employed with the ability to differentiate into chondrocytes and deposit tissue similar to that of TMJ. Studies have pointed out that these cells may present better regeneration than cells removed from the injured TMJ itself, which presents lower deposition of extracellular matrix. Approaches to reconstruction have used mainly synthetic scaffolds such as polymers and hydrogels, as well as natural scaffolds of collagen origin. These materials have enabled cellular proliferation and deposition of extracellular matrix. Techniques of decellularization with several organic solvents have shown the ability of not developing immune response, allowing its use. The use of growth factors seems to contribute significantly to cell signaling and differentiation, increasing the deposition of cartilaginous tissue. Final considerations: although tissue joint disc regeneration presents itself as a potential treatment option for the different types of TMD, the literature is still in an early stage of investigation with predominantly in vitro and in vivo studies.

Keywords: Tissue engineering. Regeneration. Temporomandibular Joint Disorders.


 

Introdução

A disfunção temporomandibular (DTM) é uma desordem de etiologia multifatorial que tem prevalência aumentada na população adulta1,2. Cerca de 20% a 25% da população são acometidos3, sendo mais prevalente na faixa etária de 20 a 50 anos4, principalmente, em indivíduos do sexo feminino5,6. Fatores fisiológicos e psicológicos como ansiedade e estresse podem predispor o desenvolvimento e influenciar a severidade dessa patologia, que frequentemente se manifesta por meio de dores ou crepitações na região articular7,8. Patologias, deformidades e mau posicionamento do disco da articulação temporomandibular (ATM) estão presentes em até 70% dos casos diagnosticados de DTM3 e podem causar osteoartrite ou osteoartrose (doenças degenerativas), desgaste ou até mesmo a perfuração do disco articular, além de dor e desconforto ao paciente4,9,10.

O disco articular, um dos principais constituintes da articulação sinovial, apresenta uma forma bicôncava11 e está localizado entre o côndilo mandibular e a fossa mandibular do osso temporal1,12. Ele é composto, basicamente, de tecido fibrocartilaginoso (dois terços de fibroblastos e um terço por condrócitos)4,11,13, apresentando alta quantidade de colágeno tipo I em sua matriz extracelular e uma menor quantidade de colágeno tipo II, III, VI, IX, e XII14. Após injúrias causadas pela DTM, a cartilagem geralmente apresenta recuperação lenta. Com o avanço da idade, a recuperação é prejudicada pelo aumento da população de condrócitos senescentes. Assim, essas células começam a secretar substâncias catabólicas que tendem a degradar a matriz extracelular, que desempenha um importante papel de sustentação15. Outro fator importante a ser considerado é que a ATM é a única duplamente articulada no corpo e com uma distribuição assimétrica de cargas que pode gerar grande impacto nesses tecidos. Dessa forma, forças oclusais descompensadas tendem a danificar a articulação, que apresenta uma capacidade de reparo extremamente baixa, dificultando ainda mais o manejo de tais desordens15,16.

A utilização de procedimentos cirúrgicos, como discectomia, remodelação ou reconstrução de superfícies componentes da articulação, enxertia e substituição do disco por componentes aloplásicos ou autólogos, mostra-se como alternativa em pacientes que não respondem adequadamente a tratamentos não invasivos, como fisioterapia, artroscopia e tratamento farmacológico11,12. No entanto, essas técnicas são extremamente agressivas ao paciente e nem sempre apresentam os resultados esperados4. Desse modo, a natureza debilitante da dor e o leque reduzido de tratamentos fortalecem o emprego de conhecimentos e princípios da engenharia tecidual para o desenvolvimento de tratamentos para DTM em casos em que o disco articular já está comprometido. Assim, essas técnicas têm sido empregadas para buscar a reparação do disco e até a sua substituição em casos de discectomia, buscando melhorar os resultados já alcançados com terapias convencionais12,17.

Uma vez que princípios da engenharia tecidual estão sendo empregadas in vitro e in vivo para a regeneração do disco articular, introduzindo possíveis tratamentos para os diversos tipos de DTM, o objetivo do presente estudo foi revisar a literatura científica em busca das perspectivas e dos principais desafios enfrentados pelas terapias de regeneração do disco articular.

 

Revisão de literatura

Uma busca eletrônica foi conduzida nas bases de dados PubMed/Medline até março de 2016, utilizando a combinação das seguintes palavras-chave: "Temporomandibular Joint Discs", "stem cells", "scaffolds", "tissue engeneering", "regeneration". A busca seguiu a estrutura sintática de cada base de dados.

Utilização de terapias baseadas em células

O primeiro estudo a investigar a utilização de células provenientes da ATM foi publicado em 199118. Tal estudo fez o isolamento por meio da técnica de expant de células temporomandibulares de coelhos, inserindo-as em uma matriz de colágeno, demonstrando, pela primeira vez, a possibilidade de utilização dessas células para regeneração do disco articular.

Apesar de as células condrogênicas retiradas da ATM serem uma fonte para a regeneração tecidual, quando pensamos em terapias regenerativas em que células autógenas seriam isoladas do próprio paciente e reinseridas, observamos o problema de lidar com células que já estão debilitadas pelos processos que causaram a DTM9,17. Dessa forma, para serem utilizadas em terapias regenerativas, é importante que as células sejam isoladas, preferencialmente, de sítios abundantes e saudáveis, o que reduz a possibilidade de utilizar células da ATM em processo degenerativo. Além disso, muitas vezes, o método de obtenção para o isolamento é, de certa forma, invasivo e poderia levar a um aumento da morbidade no sítio doador2.

Diversas metodologias para regeneração do tecido do disco da ATM estão sendo desenvolvidas com base na utilização de terapias baseadas em células-tronco6,19. Células-tronco apresentam-se com proliferação rápida e capacidade de regenerar uma ampla gama de tecidos quando corretamente diferenciadas, além da capacidade de secretar uma ampla quantidade de moduladores tróficos para o crescimento celular e imunomoduladores6,15. Além disso, o cultivo ex vivo e a utilização de células-tronco adultas do próprio paciente apresentam vantagens como a histocompatibilidade e reduzida rejeição imunológica, além de redução nas chances de desenvolvimento de tumores20,21.

Diversas linhagens celulares têm sido estudadas em terapias regenerativas, das quais as células-tronco mesenquimais (MSC) são frequentemente empregadas11,15,21. Elas são isoladas de diferentes sítios, como polpa dentária (DPSC), ligamento periodontal (PLSC), tecido adiposo (ASC), tecido da medula óssea (BMSC) e cordão umbilical (UCSC), a partir da sinóvia, do líquido sinovial e do sangue19,17,6,15, podendo ser armazenadas por longos períodos em nitrogênio líquido22. Mais recentemente, as células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC) e as células-tronco estaminais embrionárias (ESC) têm sido utilizadas como alternativas às células-tronco convencionais adultas6.

Ahtiainen et al.17 (2013) observaram que células- tronco adiposas (ASC) autólogas em conjunto com TGF-β1 cultivadas em um scaffold de ácido poliláctico (PLA) foram capazes de prover a regeneração na ATM de coelhos. Além disso, as ASC apresentaram bons resultados em ambiente com pouco oxigênio. No entanto, Maenpaa et al.11 (2010) observaram que ASC apresentaram menores taxas de mRNA do que células derivadas do disco articular em relação à diferenciação condroblástica após a expansão em meios condrogênicos. De fato, células-tronco derivadas da sinóvia demonstraram capacidade de diferenciação superior em condrócitos assim como uma maior capacidade proliferativa, apesar de seu isolamento em humanos ser complexo, devido a dificuldades anatômicas, principalmente, em pacientes com DTM23.

Wu et al.9 (2014) implantaram MSC derivadas de sinóvia em defeitos no disco articular de camundongos, observando que essas células apresentaram multipotencialidade, sendo capazes de sintetizar colágeno do tipo I e II e glicosaminoglicanas (GAGs), após serem induzidas à diferenciação condrocítica, quando em conjunto com scaffold de quitosano/fibrina, usados na reparação do disco articular9.

A derivação de MSC e células condroprogenitoras pode ser feita a partir de células pluripotentes para se obter um grande número de células viáveis e de diferentes linhagens em pouco tempo6. Células-tronco potencialmente induzidas são células que retornam à forma pré-mitótica após um processo de desdiferenciação6,24. As células-tronco embrionárias são derivadas de tecidos fetais e são uma fonte viável para terapias regenerativas. Em um estudo de Hoben et al.25 (2009), células estaminais embrionárias humanas em cultivo com diferentes meios e fatores de crescimento mostraram resultados positivos em relação à síntese de matriz extracelular.

De forma geral, todas essas linhagens celulares podem ser utilizadas na regeneração por intermédio de técnicas que utilizam injeções diretamente sobre sítios danificados ou podem passar por prévios processos de diferenciação em condrócitos, sendo depositadas sobre um scaffold e, então, inseridas por meio de cirurgia na região danificada da ATM11. Para que ocorra uma regeneração adequada, é importante aliar outros princípios da engenharia tecidual às terapias baseadas em células, como os fatores de crescimento e os scaffolds.

Utilização de fatores de crescimento

Na condrogênese, sinais bioquímicos e biomecânicos são ativos sobre cartilagens musculoesqueléticas, que tendem a ser expostas a constantes forças de compressão e cisalhamento, além de forças do próprio fluido sinovial durante toda a vida do indivíduo26. Dessa forma, os fatores de crescimento apresentam-se como um meio viável de indução da diferenciação de células-tronco26, mostrando-se eficientes no resgate da expressão de genes e de marcadores celulares responsáveis pela formação da matriz extracelular do tecido do disco da ATM25,27.

Entre os fatores de crescimento mais utilizados em meios de diferenciação condrogênica, encontram- se os da superfamília Fator de Crescimento Transformante Beta (TGF-β), principalmente o TGF-β1 e o TGF-β315. Conforme relatado na literatura, essas biomoléculas incrementam a deposição de matriz extracelular sobre os scaffolds, além de aumentar a produção de colágeno e GAG's2,25,26,28. Em um estudo recente, ASC cultivadas em discos de PLA foram pré-cultivadas em meios que continham TGF-β1 por uma semana, apresentando maiores índices de expressão de genes de colágeno tipo II em comparação com as não expostas à biomolécula17. Semelhantemente, Hoben et al.25 (2009), utilizando TGF-β3, observaram um aumento de 60% na produção de GAGs nos grupos expostos.

Combinações da Proteína Morfogenética Óssea (BMP) 2 em conjunto com TGF-β1 parecem apresentar um efeito sinérgico para a deposição de proteoglicanas assim como na diferenciação de células-tronco mesenquimais em tecido semelhante à cartilagem hialina29. Dessa forma, Hoben et al.25 (2009) observaram que a combinação de fatores de crescimento BMP4 e TGF-β3 em cocultura de fibrocondrócitos levou a um aumento de quase dez vezes na produção de colágeno II. Além disso, foi observado um aumento da proliferação celular e produção de glicosaminoglicanos, em comparação com o tratamento isolado. BMP-6 (em comparação com 2, 4 e 7) mostrou-se mais ativa em meio condrogênico de células- tronco adiposas25, mas BMP-7 tem se mostrado útil na inibição de fatores catabólicos e potente estimulador de síntese de matriz extracelular15.

Enzimas de remodelamento, como a Condroitinase- ABC (C-ABC), foram eficazes para melhorar as condições funcionais das cartilagens26. Como um fator catabólico, é amplamente utilizado por causar uma degradação inicial de componentes proteicos da matriz, culminando na formação de uma matriz mais resistente e funcional28,30. Em um estudo de Macbarb et al.30 (2013), a combinação entre fatores de crescimento TGF-β1 e C-ABC levou a um aumento positivo na expressão de colágeno (80%), além do aumento de diâmetro (15%) e densidade (32%) das fibras em relação ao controle.

Além da combinação entre moléculas bioativas, a junção de sinais bioquímicos e biomecânicos tende a aumentar as propriedades funcionais da cartilagem, com melhora na deposição de matriz extracelular31. Em um estudo de Macbarb et al.28 (2013), a compressão axial passiva biomecânica e a combinação entre os fatores de crescimento condroitinase- ABC e TGF-β1 foram aplicadas concomitantemente, obtendo aumento de resistência à tração, alinhamento e diâmetro das fibras de colágeno semelhante ao disco nativo. Pressão hidrostática em conjunto TGF-β1 resultou em aumento de elasticidade do construto e da quantidade de colágeno em um recente estudo26. Alguns estudos veem como fundamental a interação entre sinais bioquímicas e biomecânicas, a fim de recriar o ambiente inicial de formação do disco semelhante ao ambiente intrauterino, remontando o início da esqueletogênese e diferenciação de células condroprogenitoras28,30.

Principais scaffolds utilizados para regeneração do disco articular

O disco nativo tem uma orientação anisotrópica de sua matriz, fator que é intrínseco e necessário para o funcionamento e a resistência ao cisalhamento, à tração e à pressão, propriedade que dificilmente é recuperada após as lesões13,28. Devido a isso, é necessária a produção de um scaffold que suporte o cultivo celular e as condições que o disco será exposto in vivo. Além disso, ele não deve ser reabsorvido rapidamente, para que exista tempo suficiente para a multiplicação celular e a produção de matriz extracelular (média de 6 a 12 semanas)6,32. Adicionalmente, ele deve ser biodegradável, não interferir negativamente na remodelação final do novo tecido e poder adquirir a forma anatômica desejada6. No entanto, essas propriedades são difíceis de ser obtidas em um único scaffold.

As abordagens para reconstrução atuais utilizam- se de materiais sintéticos ou naturais, com sua estrutura em forma de esponjas, hidrogéis ou malhas fibrosas3,5,6,9. É documentada na literatura a utilização de PLA, ácido poliglicólico (PGA) e seus copolímeros, como polietilenoglicol (PEG), ácido glicólico (PLGA) e ácido L-láctico (PLLA). Além disso, scaffolds de quitosano, fibrina e colágeno também têm sido utilizados9,33. O PGA é um dos materiais mais utilizados na engenharia tecidual, porém, apresenta uma rápida degradação (50% em 4-6 semanas), o que pode interferir na reconstituição concreta do tecido, além da diminuição de volume do scaffold6,27. No entanto, scaffolds de PGA implantados in vivo mantiveram sua forma, sendo detectada a presença de colágeno tipo II e GAGs sulfatadas, mostrando, ainda, uma capacidade de resistência à deformação semelhante a do disco nativo34. Allen e Athanasiou35 (2008) investigaram a redução da contração de scaffolds de PLLA e PGA, constatando que a densidade celular do PGA (controle) contraiu em quatro semanas, com perda de, aproximadamente, 90% no volume do construto e que o PLLA apresentou volume constante com peso seco final de 90%, mostrando-se mais resistente à tração que o PGA. Scaffolds produzidos a partir de PLA apresentaram uma degradação lenta, ficando com restos presentes em seis e doze meses in vivo, não apresentando irritação e permitindo a regeneração de tecido adjacente do constructo17. Além disso, a impressão 3D desses scaffolds parece ser uma alternativa viável, demonstrando configurações anatômicas adequadas13.

Scaffolds híbridos feitos a partir de polímeros naturais como o gel de fibrina (fibrinogênio e trombina) e quitosano foram eficientes em auxiliar na indução condrogênica de MSC da membrana sinovial e em formar matriz extracelular, GAGs e colágeno tipo II e I, em um modelo in vivo9. Além disso, o gel de fibrina mostrou-se eficiente na indução condrogênica e proliferação in vitro, já o quitosano se apresentou com uma boa resistência mecânica9.

Biomateriais injetáveis, como hidrogéis, têm surgido, sendo que a sua composição química pode ser facilmente modificada para beneficiar o cultivo celular, com a ligação de células e sua multiplicação, assim como para promover o fluxo contínuo de nutrientes e ser biocompatíveis6,9,36. Segundo Holloway et al.37 (2011), o álcool polivinílico (PVA) é um hidrogel com capacidade de substituir disco articular devido à grande quantidade de água desses polímeros sintéticos e à capacidade de microremodelação baseada em ciclos de congelamento e descongelamento. Além disso, hidrogéis de agarose parecem ser úteis e ajudam na diferenciação de condrócitos36.

Técnicas de descelularização com diversos solventes orgânicos têm apresentado a capacidade de não desenvolver resposta imune, sendo possível sua utilização. Esses tecidos descelularizados podem ser outra opção viável para regeneração de disco da ATM, mas não devem conter material antigênico38. Em um estudo de Brown et al.5 (2012), foi confeccionado um scaffold composto de matriz extracelular do disco articular de suínos e implantado após discectomia em modelo canino. Foi observada uma escassa população de células fusiformes e pequena deposição de matriz cartilaginosa. Foram, ainda, formados e remodelados tecidos de natureza conjuntiva, muscular e fibrocartilagem, além de apresentar leve angiogênese.

Além de todos esses importantes mecanismos reportados, é imprescindível ter em mente que é necessário projetar um construto de acordo com as necessidades de cada paciente para devolver a motricidade mandibular por vezes diminuída pelas lesões causadas pela DTM. O microambiente adequado à diferenciação de células-tronco, a formação de matriz extracelular e anisotropia são indispensáveis e devem ser bem estabelecidos, considerando-se todas as forças a que o disco será exposto.

 

Discussão

O desenvolvimento de terapias regenerativas na odontologia tem sido o foco de diversos estudos que buscam o reestabelecimento de tecidos perdidos ou acometido por patologias20,24,39,40. A regeneração do disco articular tem sido realizada, basicamente, por meio de experimentos in vitro41 e in vivo11,12. Modelos in vitro têm objetivado, principalmente, o desenvolvimento de scaffolds com propriedades biológicas e mecânicas semelhantes às do disco articular, além de avaliar a capacidade de diversas biomoléculas de induzir uma maior deposição de matriz extracelular, favorecendo, assim, a regeneração. Além disso, a avaliação da capacidade de diversas linhagens celulares em se diferenciar em condrócitos e depositar matriz cartilaginosa tem sido estudada, obtendo excelentes resultados. Os estudos in vivo têm sido realizados por meio de modelos em pequenos animais, como camundongos, coelhos e suínos9,12,17. Assim, esses estudos têm demonstrado a possibilidade de regenerar o disco articular em modelos animais17.

Quando a ATM se encontra acometida por um processo degenerativo, frequentemente, observamos uma alteração da biomecânica do disco articular. Dessa forma, na maioria das vezes, uma elevada quantidade de células senescentes é observada, assim como uma redução do número total de células. Com o avanço do processo degenerativo, a produção de matriz extracelular torna-se deficiente e altamente comprometida, o que pode dificultar a regeneração utilizando células locais de uma ATM previamente acometida. A capacidade de regeneração ainda é diminuída em função da vasculatura reduzida nesse tecido, o que pode dificultar uma regeneração efetiva15. As primeiras tentativas de regeneração do disco da ATM baseavam-se no uso de enxertos autólogos, alogênicos e aloplásicos no lugar do disco. Porém, em curto prazo, as ATMs tendiam a apresentar alterações degenerativas e, consequentemente, perda de mobilidade19,42.

A diferenciação adequada das células deve seguir os passos da esqueletogênese embrionária, com finalidade de obter tipos celulares viáveis e estáveis em longo prazo e conseguir uma diferenciação correta6,15. Hoje, os tipos celulares mais cotados para uma possível regeneração do disco articular são as células-tronco de diferentes potências19. Além de apresentar uma rápida proliferação e uma ampla capacidade de diferenciação, sua capacidade de regeneração em sítios danificados e com processos inflamatórios pode apresentar um potencial sinérgico quando biomoléculas são utilizadas em conjunto com células-tronco43. Assim, elas podem modular a resposta inflamatória e estimular o crescimento celular local15. Em sítios inflamados, as moléculas presentes no meio interferem na expressão de fatores pelas células-tronco6. Diversos fatores celulares ainda estão sendo estudados, uma vez que não são completamente conhecidos.

Um dos grandes entraves na engenharia do disco é a falta de conhecimento sobre a real biomecânica e bioquímica do disco nativo, além da busca por materiais adequados para a confecção de um bom scaffold, que suporte o cultivo celular3. Além disso, ainda se encontram dificuldades de ancoragem do implante no sítio danificado e na resistência ao cisalhamento, à tração e à pressão17. Outro ponto importante é a alta porosidade do scaffold, para que a regeneração seja completa e não apenas superficial, formando uma estrutura que suporte o cultivo celular e a nutrição e remoção de compostos reativos produzidos pelas células dentro e fora do construto19. Essas propriedades são fundamentais ao bom funcionamento e à durabilidade do implante, por isso, materiais que têm rápida absorção e que, por conseguinte, não conseguem manter a forma até o desenvolvimento de uma matriz extracelular que o substitua não são indicados.

Em diversos estudos, o PGA não se apresentou durável em meio celular devido à rápida absorção de seu componente láctico, que rapidamente é degradado pelas células por diferentes vias enzimáticas19,35. Tendo em vista a rápida degradação que alguns scaffolds apresentam, assim como a falta de modulação bioativa, outros materiais utilizados como scaffolds vêm sendo investigados. Os scaffolds naturais, por apresentarem diversos fatores de crescimento no seu interior, têm sido vistos como promissores, além de ter a vantagem intrínseca de serem biocompatíveis. Um exemplo é o uso de compostos derivados de fibrina, que têm se apresentado adequados pela vasta quantidade de fatores de crescimento e capacidade de induzir a proliferação celular9.

A utilização de fatores de crescimento é conhecida por ajudar a sinalizar e guiar células-tronco a se diferenciar em tecido cartilaginoso25. Porém, a escolha correta do fator de crescimento, as possíveis combinações e a sua quantidade adequada ainda não estão bem definidas. Entre os fatores de crescimento mais estudados, estão os fatores das famílias TGF-β, BMP e Fatores de Crescimento de Fibroblastos (FGF), pois são importantes na regulação da fase pré-condrogênica e de diferenciação19,26. A combinação entre BMPs e FGFs é importante para aumentar a taxa de proliferação celular na condrogênese, ativando o gene ciclina D1. As BMPs ativam o fator de transcrição Sox, que são importantes para a produção de colágeno do tipo II e ativam, também, a via de Proteína Quinase Ativada por Mitogênio (MAPK), que é reguladora do processo de diferenciação celular. Esta última via também é ativada pelo TGF-β1, produzindo níveis elevados de N-caderina15. A Condroitinase-ABC é uma enzima de remodelamento que melhora as propriedades funcionais da cartilagem e diminui a celularidade do tecido26,28,30. Essa melhora na matriz extracelular se deve a uma degradação inicial do colágeno e glicosaminoglicanas, em que, posteriormente, as células formam uma matriz mais organizada e funcional28,30. Associados à terapia com biomoléculas, alguns estudos associaram o uso de estímulos biomecânicos a uma matriz formada mais resistente31.

Embora diversos estudos tenham demonstrado uma boa regeneração de discos articulares em modelos animais, essas terapias parecem um pouco distantes da aplicação em humanos. O desenvolvimento de materiais e técnicas para a regeneração do disco articular é depende de estudos interdisciplinares, com colaboração entre as ciências de materiais e as biológicas aliadas a profissionais clínicos. Assim, a incorporação de conhecimentos de diversas áreas pode contribuir para a inovação de terapias que possam promover a regeneração de tais estruturas.

 

Considerações finais

.A regeneração do disco articular tem se mostrado viável em modelos in vitro e in vivo. O desenvolvimento de novos materiais aliados a um maior conhecimento do comportamento biológico dos componentes celulares envolvidos no processo de regeneração é primordial para o avanço de terapias para a regeneração do disco articular.

 

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Endereço para correspondência:
Luiz Alexandre Chisini
Rua Gonçalves Chaves St. 457 5th floor
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e-mail:
alexandrechisini@gmail.com

 

Recebido: 13/12/2106
Aceito: 19/01/2017