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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.46 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2010

 

Educação odontológica e Sistema de Saúde Brasileiro: práticas e percepções de estudantes de graduação

 

Dental education and the Brazilian Health System: practices and perceptions of undergraduate students

 

 

Yuri Wanderley CavalcantiI; Renata de Oliveira CartaxoII; Wilton Wilney Nascimento PadilhaIII

ICurso de Odontologia, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação Saúde Pública, Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campina Grande, PB, Brasil
IIIDepartamento de Clínica e Odontologia Social, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil

Autor correspondente

 

 


RESUMO

A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) direcionou a saúde pública brasileira para ações preventivas, humanizadas e integrais. Novas práticas de saúde exigem novas práticas na formação de profissionais. O objetivo deste estudo foi analisar o perfil do estudante de Odontologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) de acordo com os interesses profissionais e a atuação no SUS. Utilizou-se uma abordagem indutiva, com procedimento estatístico-comparativo e técnica de observação direta extensiva, a partir de questionário. Do universo de 344 estudantes matriculados em Odontologia, retirou-se uma amostra de 172 alunos (nível de confiança de 95%). Para 65,1%, o SUS se propõe a oferecer ações baseadas em atendimento integral, humanizado e voltado para as necessidades reais da população (77,3%), Observouse correlação estatística (p<0,05) entre o período de graduação e a percepção dos estudantes de que as atividades práticas são suficientes ao exercício profissional (correlação negativa) e de que a formação em Odontologia na UFPB direciona para o trabalho no SUS (correlação positiva). A formação foi considerada adequada às práticas do SUS, destacando-se a ênfase na formação humanista e na vivência no sistema. Já a formação para as especialidades clínicas foi avaliada insuficiente.

Descritores: Formação de recursos humanos. Educação em Odontologia. Sistema Único de Saúde.


ABSTRACT

The implementation of the Single Health System (SHS) has guided Brazilian Public Health toward preventive, humanized, and integral actions. New health practices demand new practices in the education of professionals. The present study analyzed the profile of Dentistry students from the Federal University of Paraiba, Brazil (UFPB), according to the professional interests and activities of SHS. An inductive approach was used, applying a statistician-comparative procedure and an extensive direct observation technique through questionnaires. From 344 registered Dentistry students, a sample of 172 individuals was formulated (confidence interval of 95%). For 65.1% of the sample, SHS offers actions based on humanized and integral services geared toward the true necessities of the population (77.3%). A statistical correlation could be observed (p<0.05) between the period of undergraduate study and the students' perception that practical activities are enough for professional practice (negative correlation) and that the training in Dentistry at UFPB leads to jobs in SHS (positive correlation). The acquired education was considered appropriate for SHS practices, with special emphasis on humanized education and experience in the system. However, the education concerning clinical specialties was deemed insufficient.

Uniterms: Human resources formation. Dental education. Single Health System.


 

 

INTRODUÇÃO

Anteriormente à instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), o serviço público de saúde era excludente e centrado em práticas curativas, contribuindo pouco para melhorar os indicadores de saúde, sobretudo em relação à saúde bucal. De acordo com o relatório final da segunda Conferência Nacional de Saúde Bucal, os altos índices de mutilações e doenças bucais colocaram o Brasil entre os países de piores condições de saúde bucal do mundo, mostrando a falência do modelo vigente, considerado elitista, difuso, individualista, mutilador, iatrogênico, de alto custo e de baixo impacto social1.

A saúde bucal só foi implantada na estratégia do Programa Saúde da Família (PSF) em dezembro de 2000, através da Portaria 1.4442. A partir desta, foi garantido o incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal, bem como a definição de como seriam formadas as Equipes de Saúde Bucal (ESB). Dessa forma, a Política Nacional de Saúde Bucal foi transformada, deixando de se dedicar apenas à assistência aos escolares e ao atendimento em situações de urgências odontológicas2.

A reorientação do processo de trabalho em saúde bucal após a inserção na estratégia Saúde da Família propõe novos espaços de práticas e relações nos âmbitos do serviço de saúde. Assim, o profissional passa a produzir um cuidado de saúde que está mais próximo dos usuários e mais implicado na gestão dos serviços, dando respostas às demandas populacionais, ampliando o acesso e produzindo medidas de caráter coletivo3.

A inclusão da saúde bucal no SUS foi salutar à população brasileira. A situação anterior foi superada através do desenvolvimento de programas de prevenção, conjuntamente a ações curativas seguidas de orientação ao paciente; houve também uma maior popularização dos serviços de saúde bucal4.

A formação de recursos humanos adequados à realidade sócio-epidemiológica do Brasil é o grande desafio para a consolidação do SUS5. Isso é confirmado pelo fato dos estudantes, no lugar de atenderem às necessidades da população, entendem o paciente como instrumento no qual o conhecimento adquirido é simplesmente reproduzido6.

O Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Bucal (2004) criticou o modelo formador no país, ao afirmar a falta de comprometimento com as necessidades da população:

"A formação dos trabalhadores da Saúde Bucal não se orienta pela compreensão crítica das necessidades sociais em Saúde Bucal. [...] Ainda que se observem alguns esforços pontuais para mudar esse quadro o sistema de ensino superior está, de maneira geral, quase que totalmente alienado da realidade sócio-epidemiológica da população brasileira inclusive com a conivência dos dirigentes e docentes da área"7.

Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) para a Odontologia foram instituídas no ano de 2002. As DCN’s tiveram o objetivo de orientar a formação de um cirurgião-dentista cujo perfil acadêmico e profissional apresente habilidades relacionadas à atuação qualificada e resolutiva no SUS. As novas Diretrizes Curriculares para a Odontologia, em um contexto ampliado, objetivam direcionar a formação do cirurgião-dentista para atuar no SUS8.

A qualidade do atendimento profissional no SUS está relacionada ao perfil do profissional generalista, de sensibilidade social e competência técnica8. As DCN’s, desse modo, valorizam a formação de egressos capazes de prestar atenção integral mais humanizada, aptos ao trabalho em equipe e à melhor compreensão da realidade em que vive a população.

Dessa forma, as faculdades vêm desenvolvendo mudanças em seus currículos, valorizando igualmente o saber científico e a visão humanística. Os frutos dessa formação seriam profissionais cientes da realidade enfrentada pela população e pela saúde pública no Brasil9.

Uma parcela significativa de instituições públicas e privadas de ensino odontológico, mesmo conhecendo a realidade precária da saúde coletiva, mantém seu currículo pautado no modelo flexneriano, caracterizado pelo mecanicismo, individualismo, especialização, tecnicismo do ato operatório e ênfase na Odontologia curativa. Isso gerou uma prática de alto custo, baixa cobertura, com pouco impacto epidemiológico e desigualdades no acesso10.

Entre as Faculdades de Odontologia do Brasil, 76,7% dedicam de 75 a 325 horas à Disciplina de Saúde Coletiva, abordada em caráter teórico-prático11. O desenvolvimento de atividades extramuros, em interação com a comunidade, é capaz de sensibilizar os alunos frente à realidade social na qual atuam, e com isso contribuir para sua formação profissional. Essas atividades vêm cumprindo com o seu papel, que é formar profissionais comprometidos com a saúde bucal coletiva12.

O curso de graduação em Odontologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) adequou seu currículo às DCN’s para Odontologia no ano de 2002, com o novo Projeto Político Pedagógico (PPP). Essa nova proposta valoriza uma formação mais direcionada à saúde coletiva, dotada da compreensão crítica, e vivências extramuros13.

Este estudo tem uma relevância social na medida em que a valorização, ou desvalorização, da formação acadêmica baseada nos campos da saúde pública reflete de maneira direta sobre os recursos humanos qualificados, ou não, a trabalharem no SUS. Busca-se alertar a academia e os órgãos governamentais para a estratégia de ensino tomada na Universidade, bem como para o perfil dos cirurgiões-dentistas que estão sendo formados.

O presente estudo teve por objetivo geral analisar o perfil do estudante de Odontologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) de acordo com os interesses profissionais e a atuação no Sistema Único de Saúde (SUS). Especificamente, objetivou-se traçar o perfil do estudante de Odontologia da UFPB no que diz respeito aos seus anseios frente à atuação no mercado de trabalho, interesse sobre o campo da saúde coletiva e autopercepção da formação acadêmica.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa desenvolveu-se sob uma metodologia de abordagem indutiva, com procedimento estatístico-comparativo e técnica de observação direta extensiva, através de questionário14. Recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPB, sob o parecer 049/08.

O universo foi composto por acadêmicos do curso de graduação em Odontologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do 1º ao 10º período, no total de 344 estudantes que cursavam o segundo semestre, correspondente ao período de julho a dezembro de 2007. Foi realizado o cálculo amostral, no qual foi estabelecido nível de confiança de 95% e perda amostral prevista de 5%, obtendo-se valor igual a 182 para representatividade do universo.

A amostra, selecionada por conveniência, foi constituída de 182 estudantes devidamente matriculados no curso de Odontologia da UFPB no período da pesquisa, os quais concordaram em responder ao questionário, após assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A seleção dos componentes da amostra por conveniência se deu diante da possibilidade de contatar os estudantes durante os intervalos das aulas. Durante a condução da pesquisa, 10 questionários foram excluídos da análise devido ao preenchimento incompleto. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos componentes da amostra segundo o período cursado durante o segundo semestre de 2007.

 

 

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário elaborado pelos próprios pesquisadores. Este instrumento apresentou 25 questões objetivas que abrangeram os seguintes tópicos: áreas de interesse na Odontologia; perspectivas de trabalho após a conclusão do curso; opinião sobre a formação curricular e percepção sobre o trabalho no SUS.

Inicialmente foi realizado um estudo piloto com 10 (dez) alunos do curso de Odontologia da UFPB, a fim de testar o instrumento de estudo. O estudo piloto não indicou prováveis alterações no instrumento de pesquisa.

Após aprovação estudo piloto, foram entregues um questionário e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a cada participante, sempre antes ou depois do período de aulas. O participante da pesquisa recebeu prévio esclarecimento sobre o tema abordado e não sofreu interferência do pesquisador durante a formulação das respostas.

Os dados foram tabulados e analisados estatisticamente. Coeficientes de correlação de Spearman (nível de significância de 95%) foram calculados para comparação entre a percepção e os diferentes períodos do curso de graduação, através do programa GraphPad Prism 5.0 (Programa GraphPad for Windows, San Diego, CA - USA).

 

RESULTADOS

O curso de graduação em Odontologia da UFPB atendeu às expectativas de 79,6% dos estudantes. Os principais fatores que levaram os entrevistados a escolher a Odontologia foram o interesse pela área da saúde (50,6%) e a admiração pela profissão (30,2%).

Entre os entrevistados, 68,6% pretendem atender casos clínicos de qualquer natureza e 97,7% pretendem especializar-se após o término da graduação. Associado a isso, 27,3% declararam a intenção de atuar exclusivamente no serviço público e 88,4% esperam conciliar os empregos público e privado. Entre os estudantes que pretendem montar o consultório particular, 47,1% acreditam na independência profissional, e 16,3%, visam à lucratividade. Por outro lado, dos profissionais que desejam trabalhar no setor público, 55,8% acreditam que seja uma boa alternativa para o primeiro emprego. Com relação à expectativa de rendimentos mensais, 39,5% da amostra esperou receber até R$3.500; 29,7% indicaram salários entre R$3.500 e R$5.000; e 30,8% declararam expectativa de rendimentos superiores a R$5.000.

A Tabela 2 apresenta a distribuição da percepção sobre as disciplinas ministradas, a formação em Ciências Humanas, as atividades práticas e o direcionamento da formação para o SUS entre os componentes da amostra. Não foi observada correlação estatisticamente significativa (p>0,05) entre o período de graduação em Odontologia e a percepção dos estudantes de que as disciplinas do curso de graduação são suficientes para o exercício profissional e de que a formação em Ciências Humanas é importante para o cirurgião-dentista.

 

 

Observou-se correlação inversa significativa (p=0,002) entre o período de graduação e a percepção dos estudantes de que as atividades práticas são suficientes ao exercício profissional e correlação direta significativa (p<0,001) de que a formação em Odontologia na UFPB direciona para o trabalho no SUS. Ou seja, na medida em que o aluno aproxima-se do término da graduação, constata que as atividades práticas não são suficientes para o exercício profissional e que a formação em Odontologia na UFPB é direcionada ao SUS.

Ao avaliar o curso de graduação em Odontologia da UFPB, 46,6% dos estudantes consideram que o currículo não é suficiente ao exercício profissional e 67,4% consideram que as atividades práticas são insuficientes. Por outro lado, 59,9% julgaram que não é necessário acrescentar disciplinas ao currículo. Com relação à percepção dos estudantes sobre Saúde Coletiva, 60,5% considera que a formação é direcionada para o SUS, não sendo indicada ampliação de carga horária em Saúde Coletiva (56,4%). De acordo com 65,1% dos alunos, a Saúde Bucal no SUS é compreendida como um conjunto de ações que promovem o atendimento humanizado e integral.

Segundo a percepção de 77,3% dos estudantes, o trabalho da Odontologia no SUS deve atender, com riqueza técnico-científica, as necessidades da população. Para 88,9% dos estudantes, o cirurgião-dentista do PSF deve promover atenção resolutiva e organizar programas preventivos juntos à comunidade. Ao analisar o serviço oferecido pelo SUS, 87,8% dos entrevistados declararam que o atendimento disponibilizado não é eficaz e não atende às necessidades da população. Para 87,8%, a construção dos SUS depende da união dos usuários, governo e profissionais; interessados na qualificação dos serviços de saúde.

A Tabela 3 apresenta a distribuição, em valores absolutos e percentuais, da percepção sobre os estágios na rede de serviços e a formação em Odontologia entre os componentes da amostra. A Tabela 4 apresenta a percepção dos estudantes de Odontologia da UFPB sobre o papel da Odontologia no SUS.

 

 

 

DISCUSSÃO

Em concordância com Bastos et al.15, o interesse pela área da saúde e a admiração pela profissão foram os principais motivos que levaram os estudantes a escolher a Odontologia como profissão. Diferentemente, a remuneração fixa, a vocação pela área e a intenção de tornar-se um profissional liberal foram aspectos identificados por outros estudos16,17.

A tendência dos cirurgiões-dentistas recém-formados de conciliar a carreira pública com o consultório particular foi semelhante aos achados da literatura5. No presente estudo 88,4% dos estudantes pretendiam se dedicar aos dois serviços, percentual este, maior que o encontrado em outro trabalho5.

Pesquisas na área de recursos humanos em Odontologia concluíram que a prática exclusiva no serviço privado não é mais uma realidade para os estudantes5, o que diminui o fluxo para o trabalho em consultórios privados, conforme observado no presente estudo. O direcionamento dos cirurgiões-dentistas recém-formados para o serviço público talvez esteja relacionado com a compreensão de que essa alternativa de trabalho represente um salto na construção da carreira profissional. Ou seja, os estudantes acreditam que o trabalho no SUS fará parte da própria atuação como cirurgião-dentista. Essa condição é evidenciada por 27,3% dos estudantes que declararam a intenção de atuar exclusivamente no serviço público.

Ao definir o perfil dos cirurgiões-dentistas do PSF em uma capital do nordeste brasileiro Vilarinho et al.18, identificaram que 79,6% dos entrevistados destinaram-se ao trabalho no SUS pela intenção de trabalhar com a comunidade, atuar em equipe e obter melhor remuneração. O mesmo estudo identificou que (27,9%) dos trabalhadores escolheram atuar no SUS por acreditar ter afinidade com o trabalho em saúde coletiva18.

O serviço público na Atenção Básica frequentemente representa um primeiro passo para a vida profissional, sendo pouco valorizado pelo recém-formado, que tem forte tendência à especialização5. Assim, mesmo com a intenção de atender casos clínicos de qualquer natureza (68,6%), o presente estudo identificou que um grande número de acadêmicos (97,7%) pretende cursar a especialização, o que corrobora os resultados de outros estudos5,15,17.

O interesse pela carreira autônoma e pela possibilidade de lucro é o que motiva os estudantes a seguir o trabalho no consultório particular. Caso semelhante foi verificado em um estudo com graduandos e graduados em odontologia pela Universidade de Taubaté, no qual se verificou que as pretensões dos graduandos são montar o próprio consultório e prestar concursos públicos17.

A expectativa dos estudantes de Odontologia com relação aos rendimentos mensais superiores a R$ 3.500 diferem de outros estudos, no qual os rendimentos acima de R$ 3.500 são esperados pelos graduandos apenas após dez anos de formado e rendimentos superiores a R$ 5.000 foram observados em dentistas com mais de dez anos de profissão17.

Dos cirurgiões-dentistas egressos da Faculdade de Odontologia da USP-Bauru, entre os anos de 1996 e 2000, 12,2% trabalham na rede pública de serviços15. Esses mesmos pesquisados afirmaram que a área de Saúde Coletiva apresentou abordagem deficiente durante a graduação. Na UFPB, os estudantes de Odontologia desejam ingressar no serviço público e possuem uma concepção positiva acerca da formação em Saúde Coletiva, como será exposto adiante.

Devemos ressaltar as várias mudanças ocorridas entre os anos 2000 e 2008, como a implantação da Saúde Bucal no Programa Saúde da Família2, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais9, e a implantação do novo Projeto Político Pedagógico para Odontologia, no caso específico da UFPB13. Tais mudanças fortaleceram o serviço público Odontológico e valorizaram a Formação de Recursos Humanos em Odontologia para o SUS. Porém os resultados deste estudo indicaram insegurança para atuação profissional dos alunos, deficiências no ensino de especialidades clínicas e na execução de atividades práticas durante a graduação, o que sugere a necessidade de qualificação técnica.

Para Miomaz et al.6, os alunos, no lugar de atender às necessidades da população, entendem o paciente como instrumento no qual o conhecimento adquirido é reproduzido6. Porém a valorização dos estágios supervisionados como possibilidade de ampliação de atividades práticas extrapola o campo da aplicabilidade de técnicas clínicas, podendo referir-se a possibilidade de interação com o SUS16. Para 65,1% dos acadêmicos os estágios são valorizados como uma oportunidade de vivência e familiarização com o processo de trabalho do SUS. Assim, ao refletir uma mudança de compreensão sobre a rede de serviços, os estágios no serviço público se configuram como uma atividade relevante na graduação.

Dessa forma, os estágios supervisionados, a formação em Educação Permanente em Saúde e as residências multiprofissionais destacam-se como estratégias de educação em serviço, no qual os estudantes (de graduação ou pós-graduação) desenvolvem o seu processo de aprendizagem no cenário de práticas do SUS16,19,20. Além de introduzir o estudante-trabalhador em situações reais do cotidiano do SUS, essas estratégias de formação no serviço permitem o desenvolvimento do trabalho em equipe; a interdisciplinaridade; a qualificação de recursos humanos destinados ao SUS; o cuidado integral à saúde dos usuários e a melhoria da qualidade de vida da população16,20.

Os participantes desta pesquisa informaram que as disciplinas que envolvem as Ciências Humanas são importantes para o exercício profissional em Odontologia, o que corrobora outros estudos16,21. A literatura cita que, durante o início da graduação, a pouca ênfase dada às Ciências Humanas aplicadas ao serviço público de saúde dificultou a inserção dos estudantes no SUS21,22. Segundo Lazeris et al.16 a qualificação do exercício profissional no setor público deve se dar através do aprofundamento de questões humanísticas, além da ampliação da integração ensino-serviço. Assim, verifica-se uma formação diferenciada dos estudantes da UFPB, traduzida pela constatação de um processo educativo direcionado às práticas do SUS, com reduzidas deficiências nas especialidades coletivas.

Em oposição à perspectiva de que os graduandos de Odontologia possuem um conhecimento reduzido e impreciso sobre os objetivos da Odontologia Social6, os resultados deste estudo apontam que os estudantes de Odontologia da UFPB possuem compreensão adequada sobre a relevância da Odontologia Social, no sentido das ações de atendimento humanizado e integral.

Sobre o entendimento da Odontologia no SUS, 77,3% acreditam que o seu trabalho está relacionado com o exercício de ações que atendessem às necessidades da população, com riqueza técnico-científica. No PSF, segundo 88,9%, o cirurgião-dentista deve atender com resolutividade e organizar programas preventivos junto à comunidade. Nesse contexto, o cirurgião-dentista que atua com equipe multiprofissional deve se voltar para o planejamento e execução de políticas públicas saudáveis, baseados na vigilância constante à saúde23.

Os alunos definiram o SUS como um espaço de atendimento de qualidade que prioriza a humanização, a eqüidade e a resolutividade dos procedimentos, sob um sistema hierarquizado entre os três níveis de complexidade. Porém, 87,8% desacreditam que o atendimento disponibilizado pelo SUS é eficaz e atende às necessidades da população. Tal informação contrapõe-se à surpresa dos estudantes frente à "constatação da existência de serviços públicos de saúde que, a despeito da ausência da atenção secundária ou terciária, funcionam, são organizados e disponibilizam bons materiais para o atendimento"21.

Mesmo com a vivência no setor público, os estudantes (87,8%) não acreditam no sucesso das ações do SUS e compreendem que a construção dos SUS depende da união dos usuários, governo e profissionais; interessados na oferta de melhores serviços. Esses dados corroboram outros estudos ao evidenciar que muitos cirurgiões-dentistas não possuem conhecimento prévio sobre os princípios e diretrizes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), em razão de despreparo (deficiência na formação de graduação) ou desinteresse dos próprios profissionais22. Para alguns, tal desconhecimento dificultaria a afinidade ou identificação prévias para com as normas e condições de trabalho e exercício profissional na ESF23.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se que os estudantes têm uma visão coerente com o perfil profissional esperado para a Odontologia no SUS, segundo as últimas DCN’s. Ao enfatizar a humanização e a vivência no SUS, os estudantes consideraram que a formação é direcionada às práticas em saúde pública e desacreditam na eficácia do SUS em atender as necessidades da população.

Há forte tendência a especialização e ao trabalho articulado entre o setor público e o privado. A independência profissional e a lucratividade ainda influenciam boa parte dos estudantes. Para os pesquisados, o serviço público representa uma transitoriedade da carreira profissional enquanto cirurgião-dentista.

A percepção sobre a formação entra em conflito com a percepção geral sobre o curso de graduação. Os estudantes não se sentem preparados para atuar profissionalmente. Tal sensação é amplificada na medida em que os acadêmicos aproximam-se da formatura. O ensino de especialidades clínicas é criticado negativamente e o ensino em saúde coletiva, positivamente.

As atividades práticas desenvolvidas durante o curso são consideradas insuficientes para o exercício profissional. No entanto, há grande valorização dos estágios da graduação. Estes viabilizam uma mudança de compreensão sobre o trabalho na rede de serviços.

 

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Autor correspondente:
Yuri Wanderley Cavalcanti Av. Des. Hilton Souto Maior, 6701. Qd. 765, Lt. 117
Portal do Sol - CEP 58046-600 - João Pessoa - PB - Brasil
e-mail: yuri.wanderley@yahoo.com.br

Recebido em 27/09/2010 – Aceito em 24/12/2010

 

 

Contato: yuri.wanderley@yahoo.com.br, rena_cartaxo@hotmai.com, wiltonpadilha@yahoo.com.br