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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.47 no.1 Belo Horizonte Jan./Mar. 2011

 

 

Uso de sal de iodônio em agentes resinosos para redução do tempo de fotoativação na colagem de braquetes ortodônticos: um estudo piloto

 

Use of iodomium salt in resin agents to reduce the photoactivation time for bonding of orthodontic brackets: a pilot study

 

 

Andressa MoreiraI; Daniele CamposI; Gabriela HoffmannI; Gabriela LamasI; Juliana LucasI; Lucas PinheiroI; Rafael MirapalheteI; Rafael MoraesII

I Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
II Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil

Contato: anna.prg@hotmail.com, danyzinhah_campos@hotmail.com, ga_hoffmann89@hotmail.com, gabi2lamas@hotmail.com, julianabarzoni@msn.com, lucasspinheiro@terra.com.br, rmirapalhete@hotmail.com, moraesrr@gmail.com

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar o efeito da incorporação de um sal de iodônio em cimentos resinosos experimentais em sua eficiência como agentes de fixação de braquetes ao esmalte. Materiais e Métodos: Uma mistura comonomérica de dimetacrilatos foi carregada com 35% de partículas de vidro. Três agentes foram obtidos pelo acréscimo do hexafluorfosfato de ditoliliodônio nas concentrações 0 (controle), 1 (R1) ou 2mol% (R2). Braquetes de aço inoxidável foram colados na face vestibular de incisivos bovinos, sendo fotoativados com fonte de luz de lâmpada halógena com irradiância de 400mW/cm2. Os cimentos foram fotoativados com duas exposições de luz (nas faces cervical e incisal do braquete), sendo testados dois tempos de fotoativação: 5s ou 20s. O teste de cisalhamento foi realizado 10min após a colagem. Os valores de resistência de união foram calculados em MPa e os dados submetidos a ANOVA de 2 critérios e teste de Student-Newman-Keuls (5%). O Índice de Adesivo Remanescente (IAR) foi avaliado sob aumento e submetido ao teste de Kruskal- Wallis (5%). Resultados: Para o tempo 20s houve diferenças entre todos os materiais: R1 > R2 > controle, enquanto para o tempo 5s R1 e R2 foram similares entre si, e superiores ao controle. A resistência de união para o tempo 5s foi inferior a o tempo 20s para os grupos controle e R1, e similar para R2. A redução dos valores na comparação entre os tempos 20s e 5s foi de 55% (controle), 45% (R1) e 15% (R2). Não houve diferenças significativas entre os grupos nos escores IAR. Conclusão: O desenvolvimento de agentes de fixação contendo sais de iodônio pode possibilitar a colagem de braquetes utilizando tempos reduzidos de fotoativação.

Descritores: Cura luminosa de adesivos dentários. Braquetes ortodônticos. Cimentos de resina. Materiais dentários. Resistência ao cisalhamento.


 

ABSTRACT

Aim: To evaluate the impact of adding an iodonium salt to experimental resin cements on their efficiency as agents for bonding brackets to enamel. Materials and Methods: A dimethacrylate co-monomer blend was loaded with 35% glass particles. Three agents were obtained by adding concentrations of 0 (control), 1 (R1) or 2mol% (R2) of ditolyliodonium hexafluorophosphate. Stainless steel brackets were bonded to the buccal faces of bovine incisors; photoactivation was carried out using a quartz-tungsten-halogen unit with 400mW/ cm2-irradiance. The cements were photoactivated using two exposures (on the cervical and incisal faces of the bracket), testing two photoactivation times: 5s or 20s. The shear test was carried out 10min after bonding. Bond strength values were calculated in MPa, and the data were submitted to a two-way ANOVA and Student-Newman-Keuls' test (5%). The Adhesive Remnant Index (ARI) was evaluated under magnification and submitted to the Kruskal-Wallis test (5%). Results: For the time 20s, significant differences among all materials were observed: R1 > R2 > control, whereas for the time 5s, R1 and R2 were similar, showing higher bond strength than the control. The bond strength for the time 5s was lower than for the time 20s for control and R1, but similar for R2. The reduction in bond strength values comparing the times 20s and 5s was 55% (control), 45% (R1) and 15% (R2). Conclusion: The development of bonding agents containing iodonium salts may produce a favorable atmosphere for bonding brackets using reduced photoactivation times.

Uniterms: Light-curing of dental adhesives. Orthodontic brackets. Resin cements. Dental materials. Shear strength.


 

 

INTRODUÇÃO

Agentes resinosos fotoativados são comumente utilizados para fixação de braquetes ortodônticos1-3. A principal vantagem desses materiais é a presa por comando, que permite controle do tempo de trabalho. Tais agentes polimerizam quando expostos à luz visível na faixa de comprimento de onda entre 400 e 500nm4,5. De acordo com as instruções dos fabricantes, tempos de fotoativação entre 20 e 40s são necessários para adequada polimerização dos materiais e obtenção de alta resistência de união à superfície dentária6,7. Tempos de exposição prolongados, entretanto, são desconfortáveis para o paciente, impraticáveis com crianças e inconvenientes para o clínico. Por esse motivo, alguns métodos para reduzir o tempo de fotoativação têm sido propostos na literatura8-11.

O principal método proposto para reduzir o tempo de fotoativação é a utilização de fontes de luz de alta irradiância, que propiciam alta dose de energia ao agente de fixação em tempos reduzidos de exposição à luz. Além de ainda existirem dúvidas acerca da efetividade desse método, aparelhos de alta irradiância (como arco de plasma e laser de argônio) apresentam alto custo e difícil manutenção. Outra possibilidade, ainda não abordada na literatura, é a de aumentar a reatividade do material fotoativado utilizando sistemas fotoiniciadores mais efetivos. O uso de um sal de iodônio como co-iniciador tem mostrado bons resultados em sistemas adesivos12 por meio da utilização conjunta com canforoquinona (CQ), o fotoiniciador mais comumente utilizado em materiais dentários fotoativados4,5. A teoria por trás dessa idéia é a de que a CQ, depois de excitada por exposição à luz, pode promover a decomposição do sal de iodônio, permitindo que o mesmo atue na geração de radicais livres e, por consequência, no aumento da reatividade de polimerização13.

Em um estudo avaliando tempos de fotoativação e de presa de agentes de fixação resinosos, Oesterle et al.6 recomendaram utilização de 40s como tempo total de fotoativação para tais materiais, além de tempo de pelo menos 5min de espera antes da inserção do arco ortodôntico. Além da otimização do tempo clínico para colagem de braquetes, o aumento da efetividade de polimerização do agente de união poderia permitir, por exemplo, redução do tempo necessário para inserção segura do arco. A utilização de sais de iodônio em agentes para colagem de braquetes, entretanto, ainda não foi relatada na literatura. O objetivo deste estudopiloto foi avaliar a efetividade do uso de cimentos experimentais contendo um sal de iodônio da redução do tempo de fotoativação necessário para a colagem de braquetes ortodônticos.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Preparo dos agentes de cimentação

Um agente de cimentação experimental foi obtido pela mistura dos monômeros dimetacrilato do éster de bisfenol-A glicidila (Bis-GMA), dimetacrilato de trietilenoglicol (TEGDMA), dimetacrilato de uretano (UDMA) e dimetacrilato etoxilado do éster de bisfenol-A glicidila (Bis-EMA8), todos da Esstech Inc. (Essington, PA, EUA), na razão em massa de 60:10:20:10. A matriz inorgânica do material modelo continha 35% em massa de partículas sinalizadas de vidro de Ba-Al-Si (Esstech), com tamanho médio de 0,7μm. O sistema fotoiniciador foi composto por CQ (fotoiniciador) e 4-(dimetilamino)-benzoato de etila (co-iniciador), nas concentrações de 0,5 e 1mol%, respectivamente. Três materiais foram obtidos a partir da mistura modelo pela adição das seguintes concentrações do hexafluorfosfato de ditoliliodônio: 0 (controle), 1 (R1) ou 2mol% (R2). Os materiais foram homogeneizados em misturador de baixa frequência e armazenados sob refrigeração até sua utilização.

Colagem dos braquetes

Foram utilizados 30 incisivos bovinos recentemente extraídos. As raízes foram removidas e os dentes incluídos em tubos de PVC com a face vestibular paralela ao plano horizontal. Após profilaxia com pasta de branco de Espanha e água por 20s, lavagem com água em cuba ultrassônica por 10min e secagem com ar, foi realizado condicionamento do esmalte vestibular com gel de ácido fosfórico 37% por 30s, lavagem com spray arágua por 30s e secagem com ar até remoção completa da umidade da superfície. Foram utilizados braquetes de aço inoxidável (Edgewise Slim, slot 0,018"; Morelli Ortodontia, Sorocaba, SP). Após aplicação de agente cimentante na base do braquete, este foi posicionado na porção central da face vestibular dos incisivos, aplicando-se pressão manual. Os excessos de material de colagem removidos utilizando microbrush e a fotoativação do agente de colagem foi realizada utilizando fonte de luz de lâmpada halógena de quartzo de tungstênio (XL3000; 3M ESPE, St. Paul, MN, EUA), com irradiância de 400mW/cm2. Duas exposições foram realizadas: uma na face cervical do braquete e outra na face incisal do mesmo. Dois tempos de fotoativação foram testados: 20s ou 5s em cada face. Cinco espécimes foram testados para cada condição material × tempo de fotoativação.

Teste de resistência de união

O teste de resistência de união foi realizado 10min após a colagem dos braquetes, sendo os espécimes armazenados em água destilada a 37ºC nesse ínterim. O teste foi realizado em máquina de ensaios mecânicos (DL500; EMIC, São José dos Pinhais, PR), com velocidade de 1mm/min. Os incisivos foram posicionados no equipamento com a face vestibular perpendicular ao plano horizontal. Um fio de aço (0,2mm de diâmetro) foi posicionado ao redor do braquete e um movimento de tração efetuado, resultando em cisalhamento na interface braquete-cimento-esmalte, até ruptura da união. Os valores de resistência de união foram calculados em MPa, dividindo a carga necessária para rompimento da união pela área da base do braquete. Os dados foram submetidos à Análise de Variância de 2 critérios (material × tempo de fotoativação) e teste de comparações múltiplas de Student-Newman- Keuls (p < 0,05).

Análise do padrão de falha

Após o teste de resistência de união, as superfícies de colagem foram observadas em lupa estereoscópica sob aumento de 40×. O padrão de falha foi classificado utilizando o Índice de Adesivo Remanescente (IAR), de acordo com os escores a seguir:

• escore 0: nenhuma quantidade do material de fixação aderida ao dente;
• escore 1: menos da metade do material de fixação aderida ao dente;
• escore 2: mais da metade do material de fixação aderida ao dente;
• escore 3: todo material de fixação aderido ao dente.

Os dados de padrão de falha foram submetidos ao teste não-paramétrico de Kruskal- Wallis (p < 0,05).

 

RESULTADOS

Os resultados do teste de resistência de união são apresentados na Figura 1. A análise estatística revelou que os fatores "material" e "tempo de fotoativação" foram significativos (p < 0,001), assim como foi significativa a interação entre esses dois fatores (p = 0,017). Para o tempo de fotoativação 20s houve diferenças significativas entre todos os materiais testados: R1 > R2 > controle (p ≤ 0,021). Por outro lado, para o tempo de fotoativação 5s, R1 e R2 foram similares entre si (p = 0,725), porém ambos apresentaram resistência de união significativamente superior ao grupo controle (p ≤ 0,007).

 

 

 

Na comparação para cada material entre os dois tempos de fotoativação, a resistência de união para o tempo 5s foi significativamente inferior que para o tempo 20s para os grupos controle e R1 (p < 0,001). Entretanto, para R2, não houve diferença significativa de resistência de união entre os tempos 5s e 20s (p = 0,213). A redução dos valores na comparação entre os tempos 20s e 5s foi de 55% para o grupo controle, 45% para R1 e apenas 15% para R2.

Os resultados da análise de padrão de falha (IAR) são apresentados na Figura 2. Não foram verificadas diferenças significativas entre os grupos, independente do material de fixação utilizado ou do tempo de fotoativação (p = 0,408). Entretanto, a ocorrência de escores 0 foi verificada apenas para o grupo controle fotoativado por 5s.

 

 

 

Não houve diferenças significativas entre os grupos, porém apenas o grupo controle fotoativado por 5s apresentou escores 0.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostraram que, quando fotoativados por 20s, os agentes de fixação contendo o sal de iodônio proporcionaram maior resistência de união dos braquetes ortodônticos ao esmalte comparados ao cimento controle (sem o sal). O efeito de sais de iodônio no aumento da taxa e grau de conversão de resinas fotoativadas foi relatado previamente12,14. A baixa energia de ligação entre carbono e iodo do sal permite, quando exposto à luz, decomposição do iodônio excitado em um radicalcátion ariliodo, um radical aril reativo e um ânion13. Embora a ativação de sais de iodônio se proceda apenas com exposição a uma faixa de luz abaixo de 300nm14, Ogliari et al.12 mostraram que a utilização conjunta com CQ pode promover a decomposição de sais de iodônio, permitindo assim que o mesmo atue na geração de radicais livres e, por consequência, no aumento da reatividade de polimerização.

Quando comparados os dois cimentos contendo o sal de iodônio fotoativados por 20s, resistência de união significativamente mais alta foi observada para o cimento contendo 1mol% comparado ao cimento com 2mol%. De maneira geral poderia ser esperada maior efetividade de polimerização para o cimento contendo maior concentração de sal, uma vez que o efeito descrito do sal decomposto atuando na geração de radicais livres seria mais pronunciado. O fato de isto não ter ocorrido pode estar relacionado à geração de tensão devido à contração de polimerização de materiais baseados em dimetacrilatos. Quando esses materiais polimerizam em condições de confinamento e estão aderidos à estrutura que os confina, ocorre competição entre os vetores da contração (que se direcionam ao centro do material) e os da união à estrutura que os confina, gerando tensão na interface de união15. Uma vez que a geração de tensão está diretamente relacionada à taxa de polimerização (em geral, quanto maior a taxa, maior a tensão), o aumento da reatividade do cimento pode ter gerado maior tensão na interface de colagem, reduzindo os valores de resistência de união do braquete ao esmalte.

A comparação entre os tempos de fotoativação testados (5s ou 20s) mostrou que os materiais controle e R1 apresentaram resistência de união significativamente mais baixas para o tempo de 5s. Para obtenção de alta resistência de união de cimentos resinosos a substratos dentários, densidade de energia adequada provida pelo aparelho fotoativador deve atingir o cimento para garantir efetiva polimerização16. Densidade (ou dose) de energia (J/cm2) é o produto dos fatores tempo de fotoativação (s) e irradiância do aparelho (mW/cm2). Nesse aspecto, os braquetes metálicos atuam como atenuadores da luz ativadora, afetando a efetividade de polimerização. Entretanto, os resultados deste estudo mostraram que a resistência de união do material R2 não foi afetada pelo tempo de fotoativação, o que sugere que o material polimerizou de forma adequada quanto fotoativado por 5s ou 20s.

O modo de falha, de maneira geral, não foi afetado pelo tempo de fotoativação ou pelo material utilizado na fixação. Entretanto, escores IAR 0 foram verificados apenas para o material controle fotoativado por 5s. Esse resultado está provavelmente relacionado ao fato que este grupo apresentava as condições mais adversas para polimerização do cimento, isto é, tempo de fotoativação reduzido e material sem adição do sal catalisador. Assim, a polimerização do material e sua união com a superfície do esmalte foi afetada, ocasionando baixa interação do agente resinoso com a superfície desmineralizada e baixos valores de resistência de união.

Os resultados do presente estudo apresentam relevância clínica, uma vez que indicam a possibilidade de obtenção de agentes resinosos fotoativados que possibilitariam colagem de braquetes ortodônticos utilizando tempos reduzidos de fotoativação. Entretanto, cabe destacar que estes resultados são preliminares, frutos de um estudopiloto, e análises posteriores devem ser realizadas para avaliar a efetividade de tais materiais na fixação de dispositivos ortodônticos. Os resultados do estudo não levaram em conta, por exemplo, os efeitos que as fadigas térmica e mecânica apresentam na cavidade bucal. Porém lançam a possibilidade da modificação de materiais de fixação pela simples alteração da cinética de polimerização dos mesmos, sem a necessidade de utilização de fontes de luz de alta irradiância, que em geral são caras e de difícil manutenção.

 

CONCLUSÃO

O desenvolvimento de agentes de fixação contendo sais de iodônio pode possibilitar a colagem de braquetes utilizando tempos reduzidos de fotoativação.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Tatiana Ramos pelo auxílio durante a etapa laboratorial do estudo.

 

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Autor correspondente:
Rafael Ratto de Moraes
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas
Rua Gonçalves Chaves 457, Centro
CEP: 96015-560 - Pelotas - RS - Brasil

E-mail: moraesrr@gmail.com

Recebido em 24/01/2011 - Aceito em 11/03/2011