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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.47 no.2 Belo Horizonte Abr./Jun. 2011

 

 

A Odontologia no contexto do Sistema Único de Saúde de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

 

Dentistry in the context of a unified health system in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil

 

 

Mânia de Quadros CoelhoI; Simone de Melo CostaI,II; Daniella Reis Barbosa MartelliI; Hercílio Martelli JuniorI; Paulo Rogério Ferreti BonanI; Sâmia FrancyI

I Departamento de Odontologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil
II Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Contato: maniaquadros@gmail.com, smelocosta@gmail.com, daniellareismartelli@yahoo.com.br, hmjunior2000@yahoo.com, pbonan@yahoo.com, samiafrancy@yahoo.com.br

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Identificar o perfil do cirurgião-dentista e verificar o exercício profissional na Atenção Primária à Saúde (APS), no âmbito do SUS de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Materiais e Métodos: O desenho do estudo foi o quantitativo transversal e descritivo-analítico realizado com 94 cirurgiões-dentistas do setor público municipal de Montes Claros. Para a coleta de dados utilizou-se questionário estruturado abordando variáveis de perfil e exercício profissional na APS. Os dados foram analisados através do SPSS, versão 17, e apresentados por meio da estatística descritiva (distribuições absolutas e percentuais). As análises bivariadas foram feitas com o uso do teste do Qui-quadrado, empregando-se um nível de significância de 5%. Resultados: A maior parte dos entrevistados era mulher (61,7%), pessoas com idade entre 25 e 34 anos (40,4%), formados há menos de 10 anos (36,2%) e que trabalhavam na ESF (47,9%). A percepção do SUS foi majoritariamente positiva, como principio norteador de políticas de saúde (85,2%). Atividades de caráter assistencial, gerencial e multiprofissional, tanto individuais como coletivas, foram relatadas pelos pesquisados. A maioria não apresentou dificuldades no exercício de suas funções. Conclusões: As competências essenciais para operacionalização do SUS na área da odontologia provocaram mudanças no serviço, no entanto, dificuldades não foram apresentadas para o exercício das funções, uma vez que a grande maioria relatou já ter feito treinamento em serviço e ter formação recente.

Descritores: Saúde pública. Recursos humanos. Odontologia. Força de trabalho.


 

ABSTRACT

Aim: To identify the profile of dentists and verify professional dental practice in Primary Health Care (PHC) within the Brazilian Unified Healthcare System (SUS) in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. Materials and Methods: The study design consisted of a cross-sectional quantitative and descriptive analytic study with 94 dental surgeons from the public sector of Montes Claros. To collect data, a structured questionnaire was employed to analyze variables of profile and professional practices in PHC. The data were analyzed using the SPSS, version 17, and were presented by means of descriptive statistics (absolute and percentage distributions). The bivariate analyses were performed by means of the chi-square test, considering a significance level of 5%. Results: The majority of questionnaire respondents were women dentists (61.7%), who were between 25 and 34 years of age (40.4%), who had less than 10 years of work experience in the field (36.2%), and who worked with Family Healthcare Strategy (FHS) (47.9%). The perception of SUS, as a guiding principle of public health policy, was overwhelmingly positive (85.2%). Respondents reported activities characterized by care, as well as by managerial and professional categories, both individual and collective. Most professionals presented no difficulties in performing their duties.

Uniterms: Public health. Dental staff. Work force.


 

 

INTRODUÇÃO

A atuação do cirurgião-dentista no serviço público de saúde consistiu tradicionalmente em somente proceder ao atendimento clínico da população nos antigos Postos de Saúde, hoje denominados Unidades Básicas de Saúde (UBS). Isto é uma tradição, pois desde os primórdios da profissão o enfoque era o trabalho isolado no ambiente restrito do consultório. Desse modo, a exigência do trabalho em equipe no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) tornou-se um desafio a ser enfrentado pelo cirurgião-dentista.

A implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF)1 modificou a forma de atuação odontológica tradicional. O cirurgião-dentista que atua no setor público deixa de exercer apenas atividades clínicas e passa a incorporar novas competências, tais como: planejamento de ações e serviços, interação comunitária, educação em saúde e atividades de atenção à saúde de modo geral.

Para consolidação das propostas do SUS, torna-se de extrema importância a participação do capital humano da odontologia, cirurgiões-dentistas, por serem atores sociais envolvidos no contexto da saúde. A literatura2,3 reconhece a importância do capital humano ou do "recurso humano" para o desenvolvimento dos sistemas locais de saúde.

Considerando a contribuição dos recursos humanos para efetivação do SUS, este artigo objetivou identificar o perfil do cirurgião-dentista e verificar o exercício profissional na Atenção Primária à Saúde, no âmbito do SUS de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo trata-se de uma investigação de campo, de natureza exploratória de caráter quantitativo, transversal e descritivo-analítico, realizado no período de setembro a novembro de 2008. Os estudos transversais descrevem uma situação ou fenômeno em um determinado momento4, portanto, esse modelo apresenta-se como fotografia ou corte instantâneo que se faz numa população5.

O estudo foi realizado em Montes Claros, município brasileiro localizado no Norte do estado de Minas Gerais, Brasil. É o principal centro urbano do Norte de Minas, e por esse motivo apresenta características de uma capital regional. Seu raio de influência abrange todo o Norte de Minas Gerais e parte do Sul da Bahia. A população de Montes Claros foi estimada em 361971 habitantes6.

A avaliação se deu no sentido do desempenho das competências essenciais para o SUS, considerando a visão do capital humano da odontologia, representado por cirurgiões-dentistas que atuam no setor público de Montes Claros, MG, Brasil. A coleta de dados foi por meio de questionário auto-aplicado, tendo como base as competências essenciais para atuação e concretização do SUS. Para participar do estudo, os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: concordar em participar do estudo e ser cirurgião-dentista da Atenção Primária à Saúde (APS) da rede SUS. Foram excluídos, os cirurgiõesdentistas que trabalhavam na APS em setores administrativos e em setores especializados como Centro de Especialidade Odontológica (CEO), pois o foco do estudo era verificar questões relacionadas ao exercício assistencial da odontologia na APS. O universo do estudo era composto por 104 cirurgiõesdentistas, sendo todos convidados a participar do estudo.

Inicialmente, foi realizado um estudo piloto com amostra de 20 participantes para o pré-teste do instrumento de coleta dos dados auto aplicado, não sendo constatada dificuldade na resposta dos sujeitos, de modo que os mesmos foram incluídos na amostra final. O questionário abordou questões fechadas e abertas: dados pessoais e atuação na APS. A coleta de dados foi executada por um único pesquisador. A análise dos dados foi realizada no Programa SPSS versão 17 considerando o nível de significância de 5% (p<0,05), para associação entre as diferentes variáveis pelo teste Qui quadrado.

O projeto de pesquisa foi conduzido dentro dos padrões exigidos pela Declaração de Helsink e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes (Processo n° 859/2007), sendo que a participação no estudo foi voluntária e após a assinatura no termo de consentimento livre e esclarecido7.

 

RESULTADOS

Verificou-se que os cirurgiões-dentistas trabalham em diferentes pontos de atenção nas Unidades Assistenciais de Saúde: Escolas públicas, Centros de Saúde, Estratégia Saúde da Família e Unidade Móvel (ônibus odontológico).

Os resultados foram distribuídos em blocos: perfil profissional, percepções do SUS e exercício profissional junto ao SUS.

Perfil profissional

Foram entrevistados 94 (90,38%) cirurgiõesdentistas dos 104 vinculados à Atenção Primária à Saúde, SUS de Montes Claros, em 2008. O perfil dos profissionais é apresentado na Tabela 1.

A maioria dos entrevistados, 58 (61,7%), era do sexo feminino. Com relação à idade, verificouse predominância da faixa etária de 25 a 34 anos (40,4%). No que diz respeito ao local de atuação profissional, constatou-se que a maior parte (47,9%) dos cirurgiões-dentistas trabalhava na Estratégia Saúde da Família. Uma grande parcela (36,2%) informou ter graduado no período de 2001 a 2007 e a maioria (52,1%) afirmou trabalhar no setor público há menos de 11 anos. Observou-se que, a maior titulação apresentada pelos respondentes foi a pós-graduação stricto sensu (mestrado), sendo que apenas um dos participantes (1,1%) tem esse título. A maioria (59,6%) dos profissionais apresenta pósgraduação lato sensu (especialização).

A Tabela 2 demonstra a distribuição dos pesquisados conforme a atualização de conhecimentos científicos na área da odontologia.

Quanto à participação em eventos científicos, verificou-se uma participação ativa dos profissionais, já que 82% afirmaram ter participado de alguma atividade científica em período menor que dois anos. A grande maioria (84%) relatou não possuir assinatura de revista cientifica impressa, sem diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres (p=0,423).

Exercício profissional junto à APS

Com relação às mudanças ocorridas durante a atuação profissional no serviço público verificouse que 44,6% afirmaram que as mudanças foram significativas exigindo, do trabalhador em saúde, novos conhecimentos e habilidades para desenvolver o trabalho junto ao SUS.

A percepção do SUS foi majoritariamente "SUS como princípio norteador de políticas de saúde" (85,2%). No entanto, verificou-se que 13,6% dos profissionais ainda percebem o "SUS como um sistema de pouco padrão de qualidade".

Dos pesquisados, 87,8% afirmaram que estão satisfeitos em trabalhar no SUS, com diferença estatisticamente significativa entre sexo (p=0,043), sendo que a grande maioria das mulheres (92,9%) apresentou-se satisfeita em trabalhar no SUS. Outro resultado importante neste estudo foi que 97,8% dos cirurgiões-dentistas informaram sentir preparados para atuação junto ao SUS.

 

 

 

 

 

Algumas atividades profissionais da odontologia junto ao SUS foram agrupadas na Tabela 3 conforme a participação ou não do cirurgiãodentista.

A respeito da realização de levantamento epidemiológico no serviço público, 69,1% dos cirurgiões-dentistas relataram já ter participado dessa atividade, sendo que a maioria (78,7%) afirmou não sentir dificuldades para executá-lo, sem diferença estatisticamente entre sexo (p=0,701). Quando perguntado se o profissional realiza atividades educativas em saúde no serviço, 88,3% afirmaram que sim, sendo que 70,7% dos profissionais realizam a atividade numa frequência quinzenal a mensal. realização da atividade educação em saúde conforme o sexo, não apresentou diferença estatisticamente significativa (p=0,755). A maioria (88,3%) relatou sentir preparado para realizar a atividade educativa (Tabela 4).

 

 

 

 

 

Com relação à participação em reunião do Conselho Municipal de Saúde, 57,6% relataram ter participado de alguma reunião. No entanto, nas atividades populares, como Associação de Bairros, Movimento Sindical, Movimento Religioso, dentre outros, verificou-se que a maior parte (59,8%) dos profissionais não participava.

Quanto aos critérios adotados na chamada de clientes para o atendimento clínico odontológico, 55,9% relataram utilizar critério de risco com horário agendado. No entanto, verificou-se que há, ainda, agendamento com base na demanda espontânea (16,9%). A maioria (88,8%) informou atender urgência e emergência, sendo que, a prioridade de atendimento na situação de urgência segue o critério ordem de chegada (75,3%).

Sobre a participação dos profissionais em grupos operativos de idosos, gestantes, adolescentes e outros grupos, 53,3% relataram participar desses grupos, e a grande maioria (95%) afirmou não sentir dificuldades para participar dos grupos operativos. Nas atividades profissionais exercidas pelos pesquisados, 59,6% participam de atividades administrativas, 57,4% em atividades multiprofissionais e 72,3% em atividades preventivas coletivas.

No que diz respeito ao trabalho conjunto com pessoal auxiliar no serviço público, 97,8% dos cirurgiões dentistas relataram trabalhar com o Técnico em Saúde Bucal (14,8%), Auxiliar de Saúde Bucal (58%), Técnico em Prótese Dentária (2,3%) e 25% dos profissionais afirmaram trabalhar com mais de uma categoria profissional de auxiliar na área odontológica. Para as atividades clínicas no âmbito do SUS, 27,5% dos cirurgiões-dentistas informaram que o serviço no SUS demanda atividades que não se sentem preparados, no entanto, 75,8% dos profissionais afirmaram ter participado de algum treinamento em serviço.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo verificou-se a predominância do sexo feminino entre os profissionais pesquisados. O comportamento da força de trabalho das mulheres na Odontologia cresce em intensidade e constância8.9. A idade dos entrevistados demonstrou que a maioria dos cirurgiões-dentistas do SUS de Montes Claros são adultos jovens, sendo que apenas 5,3% dos profissionais apresentaram idade acima de 54 anos.

A constatação de que a maior parte trabalha na ESF demonstra que o SUS de Montes Claros está em acordo com a nova política pública de saúde, que vem incentivando a inserção da odontologia na ESF, compreendendo a importância do trabalho multiprofissional como nova estratégia de atuação no SUS. Constatou-se presença de 4 (4,3%) profissionais atuando junto à zona rural por meio de Unidade Móvel (ônibus odontológico), o que possibilita a oferta de serviço à população que apresenta dificuldades para o acesso ao serviço de saúde.

O recente período de conclusão da graduação, de grande parte dos entrevistados, comprova que o SUS inseriu o recém-formado no mercado de trabalho, ou seja, a ESF foi um grande impulsionador do mercado de trabalho em Odontologia. A ESF reestruturou os serviços de saúde, reorientando o modelo de Atenção à Saúde. Ela representa mais uma opção de mercado de trabalho para os profissionais de saúde, e responde direto ou indiretamente por cerca de 200 mil postos de trabalho, representando mais de 20% do emprego público em saúde10.

O pouco tempo de atuação profissional junto ao setor público condiz com a idade dos entrevistados, majoritariamente constituída por adultos jovens e com formação recente na graduação. A participação em atividades científicas está em acordo com o perfil profissional.

A atual formação do cirurgião-dentista tem estimulado o processo de atualização constante, previsto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Odontologia, o "aprender a aprender" e a busca constante do conhecimento. Além do mais, o mercado de trabalho exige, cada vez mais, do trabalhador a aquisição de novas habilidades e competências para o exercício da profissão11.

O fato de a maioria, independente do sexo, não possuir assinatura de periódicos impressos, condiz com os tempos atuais, uma vez que o acesso aos artigos científicos, disponíveis na íntegra, em sítios eletrônicos tornou-se mais fácil. No entanto, não se pode afirmar que a não assinatura de periódicos é devida ao fácil acesso aos sites eletrônicos, já que não foi perguntado aos profissionais sobre o hábito de leitura de artigos científicos. Outra possibilidade da falta de assinatura de periódicos pode estar relacionada ao grau de escolaridade, uma vez que a grande maioria é graduada e/ou especialista.

As mudanças no setor público exigiram novos conhecimentos e habilidades por parte dos profissionais. Diante do perfil profissional detectado, é provável que a aquisição dos novos conhecimentos e habilidades para o SUS tenha sido superada com mais facilidade. O treinamento em serviço é uma proposta importante para a adequação dos profissionais à nova realidade da APS.

A educação permanente em saúde, ou seja, a educação em serviço por meio da integração ensino, serviço e comunidade constitui uma importante estratégia em busca de transformações do trabalho. A Unidade de Saúde caracteriza-se como um local que permite a atuação crítica e reflexiva, a atuação com compromisso e o uso de técnica profissional competente. Por isso, é imprescindível inserir o processo ensino aprendizagem por dentro do setor saúde com envolvimento dos trabalhadores12.

A percepção de SUS como sistema de pouco padrão de qualidade, também tem sido apresentada por outros autores. O "SUS como atenção para pobres" foi relatada em estudo que identificou uma associação entre serviço de saúde pública e proposta para os desfavorecidos, no sentido de desvalorização e não de equidade, "uma atenção pobre para pobres"13.

Um achado importante foi o fato dos profissionais relatarem satisfação com o trabalho executado junto ao SUS, uma vez que isso interfere positivamente para uma melhor qualidade no serviço prestado e melhor qualidade de vida no trabalho. Isso porque é no trabalho que se passa a maior parte da vida, sendo assim, o local de trabalho deve ser prazeroso e saudável para viver, criar e realizar com qualidade de vida, satisfação e alegria14. Em síntese, o trabalho não é, somente, um meio para assegurar o sustento material, mas, também, um meio para determinar a formação da identidade pessoal e relações no contexto das organizações, sociedades, equipes e grupos. A satisfação com o trabalho é um compilado de sentimentos favoráveis, e quanto maiores forem os fatores de satisfação, maior será o empenho do profissional em prestar assistência de qualidade, refletindo assim, em um serviço de melhor qualidade15.

O fato de a maioria ter realizado levantamento epidemiológico é muito importante para o serviço público, considerando a contribuição da epidemiologia para o levantamento de necessidades e planejamento de ações, a partir do diagnóstico local. A realização da atividade educativa em saúde, independente do sexo, demonstra que os profissionais estão atendendo a nova proposta de atuação junto ao SUS, que requer do cirurgião-dentista novas competências e habilidades, dentre elas a educação em saúde e a participação popular junto ao Conselho Municipal de Saúde, relatada pela maioria dos pesquisados.

A maioria participa de grupos operativos, atividades administrativas, multiprofissionais e preventivas, e conta com a colaboração de pessoal auxiliar. A participação em treinamento no serviço público pode ter contribuído para a maioria se sentir preparado para o trabalho junto ao SUS. Além do mais, a maioria é jovem e formou-se há poucos anos.

A nova perspectiva de formação na odontologia visa um profissional generalista, humanista, educador, capaz de trabalhar em equipe, e capaz de atuar em todos os níveis de atenção, prevenção da doença, promoção e recuperação da saúde11. Esse novo perfil profissional faz-se necessário para efetivação da proposta do SUS, Lei 8080, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes16. O novo perfil profissional também está em acordo com as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal17.

Ademais, o Ministério da Saúde juntamente com o Ministério da Educação lançaram um Programa dirigido aos cursos de saúde, Pró-Saúde, que tem a perspectiva de reorientar a formação em saúde, também em odontologia, incentivando a integração do ensino ao serviço público de saúde. Espera-se assim, formar profissionais que respondam às necessidades concretas da população brasileira em busca do fortalecimento do SUS18.

A adoção da classificação de risco para agendamento dos usuários dos serviços de saúde é um achado que vai ao encontro da proposta do Plano Diretor da Atenção Primária à Saúde (PDAPS) da Secretaria do Governo do Estado de Minas Gerais. O PDAPS sugere a construção da agenda em saúde, com base na demanda programada, por meio de avaliação de risco, de modo a priorizar o atendimento àqueles que apresentam maiores necessidades, respeitando o princípio da equidade19. Nas situações de emergência e urgência a maioria relatou executar o atendimento por ordem de chegada, critério que na maioria das vezes não é justo, já que, a pessoa com maior necessidade nem sempre será a primeira a ser atendida. Esse critério mostra-se insuficiente, ineficaz e sobremaneira injusto na prática, pois tem como simples fator determinante de atendimento de cada paciente o da ordem de chegada na fila, e não o agravamento do problema de saúde.

A fila nas Instituições de Saúde fere a teoria da "justiça como equidade" expressa por John Rawls. Essa teoria fornece bases para a tomada de decisão em estabelecer prioridades diante da insuficiência de recursos. O filósofo defende que, numa posição inicial, os indivíduos não escolhem como princípio norteador da justiça social o princípio da utilidade social (maximização dos benefícios). Desse modo, a justiça como equidade propõe duas etapas para distribuição de recursos: igualdade de direitos e liberdades civis para todas as pessoas, e aceitação do princípio da diferença, priorizando os mais despossuídos, os mais desafortunados20.

O Ministério da Saúde propõe o acolhimento que auxilia a classificação de riscos para proporcionar a melhoria do acesso, modificando a forma tradicional de entrada por fila e por ordem de chegada. Assim, o usuário deve ser avaliado na sua necessidade em função do risco e da sua vulnerabilidade, e não o atendimento por ordem de chegada20,21.

A Linha Guia de Saúde Bucal da Secretaria Estadual de Saúde-MG prevê o atendimento com classificação de risco para a demanda espontânea e demanda programada. A classificação para a demanda espontânea é feita por cores. A cor amarela representa necessidade de atendimento odontológico o mais rápido possível, com encaminhamento direto para consulta. Quanto à classificação de risco, para a demanda programada, está prevista a classificação de grupos de risco, R1 e R2, que representam os usuários com necessidade de ações educativas e preventivas e necessidade de tratamento clínico cirúrgico restaurador ou reabilitador. Já o grupo R3 representa os usuários de manutenção educativa/ preventiva22. O atendimento pelo critério de fila, ou seja, por ordem de chegada está em desacordo com a proposta da Linha Guia.

 

CONCLUSÕES

Ocorreram mudanças no Sistema de Saúde Público acarretando mudanças na atuação do cirurgião-dentista no SUS. Novas competências e habilidades como educação em saúde, levantamento epidemiológico, atividades com grupos operativos, atividades multiprofissionais, participação em reunião do Conselho Municipal de Saúde e atividades coletivas preventivas foram adotadas pelos profissionais da APS.

Apenas uma pequena parcela de profissionais apresentou dificuldades para as atividades requeridas pelo SUS, sendo que, o treinamento em serviço e o perfil profissional podem ter contribuído para esse resultado.

 

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Autor correspondente:
Hercílio Martelli Junior
Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes
Av. Dr. Ruy Braga - Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro - Prédio 6
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde - Departamento de Odontologia - Vila Mauricéia
CEP: 39.401-089 - Montes Claros - MG - Brasil

E-mail: hmjunior2000@yahoo.com

Recebido em 27/08/2010 - Aceito em 04/01/2011