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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.47 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2011

 

 

Análise comparativa do perfil dos usuários e acesso aos serviços de diagnóstico bucal de duas universidades de Minas Gerais, Brasil

 

Comparative analysis of the profile of users and access to oral diagnostic services in two universities of Minas Gerais, Brazil

 

 

Mânia de Quadros CoelhoI; Daniella Reis Barbosa MartelliI; Daniela Cotta RibeiroII; Ricardo Santiago GomezIII; Maria Betânia de Oliveira PiresI; Hercílio Martelli JuniorI

I Departamento de Odontologia, Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil
II Cirurgiã-dentista
III Departamento de Cirurgia e Patologia Clínica, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Contato: maniaquadros@gmail.com, daniellareismartelli@yahoo.com.br, dcottaribeiro@yahoo.com.br, betaniapires@gmail.com, hmjunior2000@yahoo.com

Autor correspondente

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Comparar o perfil dos usuários dos serviços de diagnóstico bucal, levando em consideração a autopercepção sobre a presença de lesão bucal, e o acesso ao serviço de estomatologia de duas universidades de Minas Gerais, Brasil. Materiais e Métodos: Realizou-se estudo exploratório, transversal. Foi aplicado um questionário, por uma acadêmica, em cada universidade, aos pacientes que haviam sido atendidos nas clínicas de estomatologia entre setembro de 2006 e agosto de 2007. Resultados: Responderam ao questionário 200 usuários, 50% em cada um dos serviços, sendo 62% mulheres e 38% homens, com idade média 47,7±16,2 anos. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre as duas instituições quanto à renda, ocupação do usuário, encaminhamento ao serviço, meio de transporte utilizado para chegar ao local do atendimento, identificação inicial da lesão e automedicação (p<0,05). A lesão foi percebida em mais de 50% dos casos pelo próprio paciente, sendo que 70% deles foram encaminhados para as clínicas de estomatologia por dentistas. O intervalo de tempo entre o surgimento da lesão e a procura pelo serviço foi de mais de seis meses para 43% dos pacientes. A maioria dos usuários não conhecia o serviço de estomatologia das universidades (87%). A resolubilidade foi de 93% para os que tiveram acesso ao serviço. Conclusão: Há semelhança entre o perfil dos usuários e seu acesso aos serviços de estomatologia nas duas universidades. Os usuários não conheciam os referidos serviços, porém não se observou dificuldades em encontrá-los.

Descritores: Serviços de saúde. Odontologia. Diagnóstico bucal.


 

ABSTRACT

Aim: Compare the profile of users of oral diagnostic services, taking into account the perception of the presence of oral lesions, with access to dental services at two universities of Minas Gerais, Brazil. Materials and Methods: The present research consisted of an exploratory, cross-sectional study. A questionnaire was applied by an academian in every university to patients who had been attended to in dental clinics between September 2006 and August 2007. Results: The questionnaire was answered by 200 users, 50% in each of the services, with 62% women and 38% men, at a mean of 47.7 years of age (± 16.2). Comparing the two institutions proved to be statistically significant (p <0.05) in terms of income, user occupation, forwarding of the user to other services, means of transport used to reach the health care clinic, initial identification of the injury, and self-medication. The lesion could be identified in more than 50% of the cases by the patients themselves, bearing in mind that 70% of these patients were referred to dental clinics by dentists. The time interval between the onset of the lesion and demand for the service was more than six months for 43% of the patients. Most (87%) of the users did not know of the services provided by dental schools in universities. The resolution was 93% for those who had access to the service. Conclusion: Similarity between the profile of users and their access to dental services of the two universities could be observed. Users do not have prior knowledge of these services, but had no difficulty in finding them.

Uniterms: Health services. Dentistry. Oral diagnosis.


 

 

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui uma proposta de reorganização dos serviços de saúde, que se encontra, ainda hoje, em fase de estruturação, apesar dos avanços conquistados1. Os serviços de saúde bucal no Brasil se apresentam como um dos grandes desafios a serem equacionados pelo sistema público de atenção à saúde pela demanda acumulada nas últimas décadas2,3. O Ministério da Saúde promoveu a ampliação dos serviços de Atenção Básica em Saúde Bucal, principalmente por meio das equipes de Saúde Bucal na estratégia Saúde da Família e de Atenção Especializada em Saúde Bucal, através dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), que têm como objetivo atender a uma demanda reprimida por assistência em procedimentos odontológicos de média complexidade, complementando e servindo de referência para as Unidades Básicas de Saúde já existentes no país4.

A rede de assistência à saúde encontra-se em fase de consolidação, havendo fragilidades a serem superadas. As pessoas que procuram pela clínica odontológica de ensino, o fazem frequentemente em busca de serviços pelos quais não têm condições de pagar5. Além da grande dificuldade para conseguir uma vaga para atendimento nos serviços públicos, as pessoas que a conseguem ainda passam por outras situações que fazem o caminho até o atendimento ser permeado por atalhos e desvios. Devido a estes fatores tem-se observado crescente procura por atendimento odontológico nas instituições de ensino. Ainda assim, expressiva parcela da população parece não conhecer estes serviços5.

Doenças bucais, entre elas o câncer, podem ser prevenidas de forma simples, desde que seja dada ênfase à prevenção, ao adequado acesso aos serviços de saúde e ao diagnóstico precoce6,7. No Estado de Minas Gerais, o câncer destaca-se como a segunda causa de mortalidade estadual, com tendência crescente. O peso da doença no perfil epidemiológico estadual motivou a organização de um Modelo Estadual de Atenção do Câncer. A Coordenadoria Estadual de Saúde Bucal e a Superintendência de Epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde iniciaram em março de 1995, o Programa de prevenção, de suspeita, diagnóstico e reabilitação do paciente com câncer bucal. Para o desenvolvimento do programa, foi fundamental o pronto atendimento das faculdades de odontologia e de medicina do Estado. Por meio do trabalho conjunto entre seus especialistas, essas faculdades contribuíram, sobremaneira, para a definição dos objetivos e das metas do programa e sua implantação5.

O acesso ao tratamento odontológico que deveria ser um direito de todos, ainda enfrenta obstáculos para chegar até as classes mais pobres8. O deslocamento entre a residência do usuário e o serviço de saúde é fator que facilita ou dificulta o seu acesso ao serviço de saúde9.

Conhecer o padrão socioeconômico de usuários de serviços públicos é de significativa importância para o diagnóstico situacional e para o processo de planejamento das atividades a serem realizadas nas clínicas de instituições de Ensino Superior, bem como é determinante na construção do plano de tratamento a ser proposto para cada usuário10. O meio físico, o meio socioeconômico e a garantia de acesso aos serviços de saúde, são definidos como elementos condicionadores da saúde responsáveis pela promoção, proteção e recuperação da saúde11. Ainda que as principais doenças bucais sejam passíveis de controle e as medidas necessárias sejam relativamente simples, verifica-se que os objetivos de uma melhor saúde bucal, em nível populacional, não são efetivamente alcançados. Isso ocorre porque a prevalência e a incidência dessas enfermidades vêm associadas a condições sociais, econômicas, políticas e educacionais e não apenas como resultado de interações biológicas e orgânicas12.

Autopercepção em saúde é a interpretação que a pessoa faz de suas experiências de saúde e estados precários de saúde no contexto da vida diária. Este julgamento se baseia, em geral, na informação e nos conhecimentos disponíveis, modificados pela experiência prévia e pelas normas sociais e culturais. É essencial entender como a pessoa percebe sua condição bucal, pois o seu comportamento é condicionado por esta percepção e pela importância dada a ela13.

Assim, tendo em vista a representatividade e importância dos serviços de estomatologia, este estudo objetivou comparar o perfil dos usuários, sua percepção sobre a presença de lesão bucal, e o acesso aos serviços de estomatologia de duas universidades de Minas Gerais, Brasil.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo exploratório, transversal, interinstitucional, entre setembro de 2006 a agosto de 2007.

A amostra foi composta por pacientes atendidos nas clínicas de estomatologia do curso de odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Foram convidados para a pesquisa todos os pacientes maiores de 18 anos que haviam recebido atendimento nas clínicas. O critério adotado para determinação do tamanho da amostra foi o cálculo do número médio de pacientes atendidos nos dois serviços participantes da pesquisa, ao longo do período de tempo previsto no cronograma de execução do estudo. Os pacientes que não aceitaram participar da pesquisa, que não sabiam ler, que possuíam alterações cognitivas aparentes como síndromes, e/ou deficiência mental, cujos acompanhantes atestaram sua falta de condição para responder ao questionário.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário com opções de respostas categóricas. Para elaboração do questionário, foram convidados 10 pacientes que haviam sido atendidos nas clínicas de estomatologia. Esta amostra foi de conveniência e constou de homens e mulheres adultos com idade variada. Foram elaboradas perguntas abertas pela equipe sobre o tema da pesquisa dentro das dimensões propostas para análise: aspectos sociodemográficos e econômicos, acesso ao serviço, percepção do usuário e resolubilidade em relação ao seu problema de saúde. Após responderem à entrevista, foi realizada uma discussão para verificação da sensibilidade das perguntas, opção de respostas para estruturação das categorias e adequação da linguagem. Assim foi elaborado um questionário com 25 perguntas.

O questionário foi aplicado previamente em outros 10 pacientes usuários das clínicas. Após responderem o questionário foram perguntados individualmente sobre o mesmo para testar a sensibilidade. Nesta fase também foram calibradas as acadêmicas de cada universidade para a conduta adequada durante a coleta dos dados. Novos ajustes do questionário foram feitos.

A coleta de dados foi realizada sempre após o atendimento estomatológico, em ambiente reservado, evitando assim qualquer prejuízo ao paciente em termos de consulta. Em cada universidade, uma acadêmica aplicou o questionário e permaneceu presente durante seu preenchimento sem interferir nas respostas. Após aplicação dos questionários, as informações foram coletadas, arquivadas em um banco de dados e analisadas pelo programa estatístico SPSS 17.0. As diversas variáveis foram submetidas à análise descritiva, incluindo medidas de tendência central e variabilidade. A análise comparativa entre as duas instituições foi realizada mediante o teste de Pearson (Qui-quadrado), adotando-se o nível de significância de 5% (p<0,05). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes (Parecer #519/06) e foi conduzido dentro de padrões éticos exigidos pela Resolução CONEP nº 196/96. Além disso, cada participante assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

O número de usuários entrevistados foram 200, sendo 50% destes da clínica de estomatologia da Unimontes e 50% da UFMG. A Tabela 1 mostra informações referentes às características sociodemográficas e econômica dos entrevistados. Nota-se que em relação ao sexo dos entrevistados, 62% pertenciam ao gênero feminino e 38% ao masculino. A faixa etária variou de 18 a 88 anos, sendo a média 47,7 anos (± 16,2). O nível de escolaridade fundamental prevaleceu em termos absoluto (60,5%), seguindo-se o nível médio (29%). Apenas 2% possuíam curso superior. Ao analisar a situação econômica, observou-se que houve predomínio (56,5%) da renda mensal entre 1 a 3 salários mínimos (referência de R$350,00). Verificou-se que a maior parte dos usuários (78,5%) encontra-se em atividade ocupacional e possuem de 1 a 4 filhos (57,5%). Houve associação estatística entre o perfil do usuário da Unimontes e UFMG em relação à renda e a ocupação. Apenas 12% dos pacientes da Unimontes eram aposentados; sendo que a renda mensal, em salários mínimos, dos usuários da UFMG foi maior.

 

 

 

 

 

A Tabela 2 ilustra aspectos relacionados ao acesso do paciente aos serviços de estomatologia, tanto da Unimontes como da UFMG. Em relação ao encaminhamento do usuário para o serviço, observou-se que houve nítido predomínio (70%) de encaminhamentos realizados por dentistas. Destacase aqui um elevado número de encaminhamentos (14%) realizados por pessoas do convívio dos pacientes.

Uma importante dimensão nesta Tabela 2 refere-se ao conhecimento por parte dos usuários com relação aos serviços e aqui se percebe que a maioria (83%) desconhecia os serviços, porém após orientação não apresentaram dificuldade de encontrálos. O principal meio de deslocamento utilizados pelos participantes foi o transporte público (40,5%). Outros veículos próprios ou não, representaram em conjunto 51,5%.

 

 

 

A Tabela 3 demonstra a comparação entre as variáveis relacionadas à percepção do usuário em relação ao seu problema de saúde. Na dimensão identificação da lesão, 28,5% dos entrevistados relataram ter sido o dentista o responsável pela identificação, enquanto 54,5% relataram ter sido eles próprios. Com relação ao intervalo temporal entre o surgimento da lesão e a procura pelo serviço, embora a maioria (57%) dos pacientes chegaram ao serviço em até seis meses do aparecimento clínico da lesão, 43% procuraram atendimento clínico somente após 6 meses do surgimento da alteração bucal. A resolubilidade quanto ao atendimento foi de 93% nos usuários dos dois serviços. Referente à automedicação, 40% dos entrevistados fez uso de pelo menos um medicamento sem orientação prévia de profissionais da saúde. Entre os medicamentos citados destacou-se o uso de medicação caseira, analgésico e antiinflamatório.

 

 

 

DISCUSSÃO

As duas clínicas de estomatologia são serviços de referência na área de diagnóstico bucal e atendem também a demanda do SUS. Os serviços contam com a participação de estudantes da graduação, sob supervisão de docentes com formação nas áreas de patologia e estomatologia, além do suporte multidisciplinar.

A Unimontes é uma universidade pública inserida em vasta região no norte do Estado, que corresponde a quase 30% do total de Minas Gerais, alcançando mais de 336 municípios do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri. Além disso, abrange uma clientela que ultrapassa dois milhões de habitantes. A UFMG é uma das maiores instituições brasileiras e está localizada na terceira maior região metropolitana do Brasil. Em decorrência da escassez de estudos voltados para características de pacientes portadores de alterações e lesões bucais, a relevância deste estudo foi avaliar diferentes dimensões relacionadas aos pacientes atendidos nos serviços de referência de estomatologia da Unimontes e UFMG.

O perfil sociodemográfico foi semelhante nas duas instituições de ensino. A maior prevalência de mulheres (61,5%) é semelhante a outros estudos14-17 realizados sobre o perfil dos usuários dos serviços de saúde no Brasil, onde as mulheres foram as que mais procuraram atendimento18-20. Trabalhos realizados em outras universidades brasileiras que prestam assistência odontológica à população21-24, também mostraram significante predominância do sexo feminino. Este fato é geralmente justificado por uma maior preocupação feminina em relação à saúde. Não houve associação estatisticamente significativa na população estudada com relação ao sexo (p<0,05%).

A idade é a característica pessoal mais associada à ocorrência de determinados grupos de doenças25. Percebe-se que a maioria dos pacientes (75%) possuía entre 30 e 69 anos, e apenas 2% tinha idade acima de 80 anos. A explicação para a menor presença de pessoas nesta faixa etária pode ser devido às dificuldades físicas enfrentadas pelos pacientes idosos, pois necessitam do acompanhamento de um responsável para deslocamento até as clínicas das universidades, o que está de acordo com outros estudos brasileiros e internacionais26,27. A presença de 9% de analfabetos na amostra é semelhante com a taxa de analfabetismo no Brasil 2008/2009 (9,6%)28.

Ao analisar a situação econômica, observase que houve predomínio da renda mensal entre 1 a 3 salários mínimos. Houve associação estatisticamente significativa entre a Unimontes e a UFMG em relação a atividade de trabalho e renda. Os pacientes que procuraram a UFMG relataram maior remuneração coincidindo com maior número de pessoas que estão aposentadas, embora não houvesse diferença significativa na distribuição da amostra em relação à faixa etária destas pessoas. Supõe-se que os pacientes atendidos na Unimontes, por terem menor renda, continuem trabalhando. A lógica da sociedade moderna prevalece quando somente os sujeitos com melhores condições socioeconômicas conseguem romper a iniqüidade e usufruir os serviços de que necessita, e contar com uma atenção profissional de melhor qualidade29.

Os dentistas encaminharam no total 70% dos pacientes para as clínicas das universidades. É interessante observar que embora este dado seja salutar houve diferenças estatisticamente significativas entre as escolas. Observou-se que apenas 29% dos entrevistados foram os primeiros a identificarem a lesão. Este fato sugere a necessidade de maiores investigações para saber, por exemplo, qual estágio ou condição da lesão identificada. Estudo em um serviço de atendimento odontológico14 mostrou que a preferência das pessoas é procurar inicialmente o médico, o que não está de acordo com os dados aqui encontrados. Apesar de a cavidade bucal ser uma área de atuação dos dentistas, nem sempre o diagnóstico de lesões que acometem a boca tem sido levado a contento por esses profissionais. Mas, se por um lado, pode haver falha do profissional em diagnosticar as lesões, tanto no Brasil como em países do primeiro mundo, o hábito de consultas periódicas ao dentista não é comum na população16.

Em geral houve demora em procurar o atendimento após a lesão ter sido identificada. O tempo decorrido entre a percepção dos sinais e o diagnóstico e tratamento corretos de lesões bucais, interfere na evolução e no prognóstico das doenças, assim como na qualidade de sobrevida dos pacientes19. Isto se justifica, pois a sobrevida de pessoas com lesões bucais está relacionada com a extensão da doença quando é realizado tratamento especializado. Normalmente a doença está relacionada com os determinantes do processo saúde/doença, além de ser influenciada por fatores como idade, renda e sexo. As pessoas conseguem perceber sua condição bucal com alguma precisão, mas a concordância entre o exame clínico e a autopercepção ocorre geralmente nos casos dolorosos e estéticos, enquanto outros problemas bucais são subestimados. Portanto, o diagnóstico precoce é um fator determinante na cura de doenças bucais. Recomenda-se atenção especial dos profissionais da área de saúde que, diante de pacientes com lesões bucais, faça o correto encaminhamento e acompanhamento21.

Resolver efetivamente o problema do usuário quando o mesmo procura o serviço de saúde diz respeito ao acesso a este serviço. A responsabilização para com o problema de saúde vai além do atendimento propriamente dito, diz respeito também ao vínculo necessário entre o serviço e a população usuária e o conhecimento do serviço30,31. Como o serviço não era do conhecimento da maior parte dos pacientes (83%), talvez este seja um dos motivos da demora para procurar por este serviço.

Dentre os usuários que receberam tratamento nas clinicas das universidades, observamos que o serviço foi resolutivo (93%). Isto significa que nas lesões diagnosticadas houve uma solução rápida para os pacientes, porque ao mesmo tempo em que o processo de diagnóstico exige a remoção da lesão, o paciente já é definitivamente tratado, com exceções para os casos em que é realizada biópsia parcial, ou seja, tumores malignos e grandes lesões nas quais o diagnóstico clínico não é claro. Esses fatos demonstram que a média complexidade em estomatologia, se bem orientada, é capaz de solucionar aproximadamente 80% das necessidades da população5.

Nota-se que 40% dos pacientes relataram uso de automedicação antes do atendimento. A automedicação é muitas vezes feita de forma desnecessária ou inadequada para o caso, gerando prejuízo para a saúde e modificando a história natural da doença1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) entende que certo nível de automedicação é aceitável, desde que ocorra com responsabilidade32. Pequena parte da população está preparada para adotar, com critério e segurança, a automedicação. Estima-se acima de 40% a proporção de remédios "autoprescritos". A automedicação constitui atualmente parte essencial do serviço não regularizado de saúde do Brasil33,34. A associação entre problemas odontológicos e uso de medicamentos tem sido apontada como relevante por diversos pesquisadores e ocorre predominantemente sob a forma de automedicação32. No presente estudo, as diferenças entre as duas instituições foram significativas, gerando a hipótese de que o tempo para a procura dos serviços até 1 mês (40%) na Unimontes e (24%) na UFMG está diretamente relacionado com o acesso ao serviço e por isso ao uso de automedicação. Isso reforça o entendimento que a prática de automedicação está fortemente vinculada ao comportamento próprio de cada população. As variações da automedicação segundo o grau de instrução e as classes de renda não foram significantes, concordando neste aspecto, com os resultados de outras pesquisas32.

 

CONCLUSÃO

Há semelhança entre o perfil dos usuários e seu acesso aos serviços de estomatologia nas duas instituições. As mulheres foram as que mais procuraram o atendimento (61,5%). Percebeuse que os usuários não conheciam os serviços de estomatologia, mas não tiveram dificuldades em encontrá-los. A lesão foi percebida pela maioria dos entrevistados (54,5%), sendo o dentista responsável pela identificação da lesão (28,5%).

O serviço foi resolutivo quanto ao tratamento das lesões bucais, mas a demora por parte do paciente em procurar pelo atendimento após ter sido identificada a lesão é preocupante. São medidas essenciais para o enfrentamento dessas questões a educação em saúde, o acompanhamento periódico, a facilidade do acesso aos serviços odontológicos. Estudos desta natureza são importantes para a geração de evidências que norteiem o planejamento dos serviços de estomatologia e a inserção destes serviços nos diferentes contextos sociais.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho teve o apoio da FAPEMIG.

 

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Autor correspondente:
Hercílio Martelli Júnior
Rua Iracy de Oliveira Novaes, 220/207 - Cândida Câmara
Cep: 39401-030 - Montes Claros – MG – Brasil

E-mail: hmjunior2000@yahoo.com

Recebido em 16/01/2011 – Aceito em 20/07/2011