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versão impressa ISSN 1516-0939
Arq. Odontol. vol.47 supl.2 Belo Horizonte Dez. 2011
Clínica de Traumatismos Dentários
Dental Trauma Clinic
Juliana Vilela Bastos I; Maria Ilma de Souza Côrtes II
I Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
II Departamento de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Belo Horizonte, MG, Brasil
Contato: jvb@ufmg.br
RESUMO
A Clínica de Traumatismos Dentários da Faculdade de Odontologia da UFMG – CTD-FO-UFMG, funciona de forma permanente desde 1986 e representou uma iniciativa pioneira ao propor a assistência integral ao paciente portador de traumatismo dentário que buscava atendimento na Faculdade de Odontologia da UFMG. Ao longo dos anos este atendimento foi se firmando como importante centro de referência nesta área, até então pouco conhecida e divulgada pela comunidade odontológica. Descrição: em 1993 oficializou-se como um projeto de extensão e a experiência acumulada ao longo dos anos deu origem a outras iniciativas, que em 2004 foram articuladas no Programa de Extensão "Traumatismos Dentários" da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais – FO-UFMG. Além de sua reconhecida relevância enquanto única alternativa organizada de serviço especializado para o atendimento das vítimas de traumatismos dentários entre a parcela da população SUS dependente, a CTD-FO-UFMG também é hoje um importante centro de formação, capacitação e reciclagem de recursos humanos para o tratamento das lesões traumáticas dos dentes anteriores permanentes. Destaque-se aqui o fato do projeto oferecer ao aluno, desde o curso de graduação, a oportunidade de lidar com o traumatismo dentário em sua abordagem holística e a possibilidade de planejar o tratamento do paciente integrando as diversas especialidades da Odontologia. Considerações finais: por fim, os 25 anos de funcionamento ininterrupto reuniram uma casuística extensa e única que permite a produção de conhecimento científico nesta área através da realização de pesquisas clínicas e epidemiológicas relevantes, cujo resultado final tem sido divulgado em publicações e outros produtos acadêmicos como vários capítulos de livros, cartilhas, teses, dissertações e monografias.
Descritores: Traumatismos dentários. Impacto psicossocial. Avulsão dentária. Fraturas dos dentes.
ABSTRACT
The Dental Trauma Clinic (DTC) of the School of Dentistry, from the Universidade federal de Minas Gerais (UFMG), has been permanent healthcare service since 1986 and has proven to be a pioneering initiative in proposing the comprehensive holistic approach to the dental trauma patient who seeks healthcare services at the UFMG School of Dentistry. Over the years, this service has established itself as a major referral center in this area, although little-known and poorly publisized by the dental community. In 1993, an extension project was established, and the experience accumulated over the years made the organization of the "Dental Trauma" Extension Program at the UFMG School of Dentistry possible in 2004. In addition to its recognized importance as a uniquely organized alternative to the specialized care of trauma victims, the DTC of the UFMG School of Dentistry is also an important center of education, training, and retraining of human resources for the treatment of traumatic injuries of permanent anterior teeth. Featured in this article is the fact that the project can offer undergraduate students the opportunity to deal with dental trauma through a holistic approach as well as the ability to plan patient care by integrating various dental care specialties. Finally, 25 years of uninterrupted work has amassed a large and singular sample that allows for the construction of scientific knowledge in this area by conducting relevant clinical and epidemiological research. The results are available in academic publications and several book chapters, books, theses, dissertations, and monographs.
Uniterms: Tooth injuries. Psychosocial impact. Tooth avulsion. Tooth fractures.
INTRODUÇÃO
O traumatismo dentário tem representado um desafio frequente na clínica odontológica. Estudos populacionais revelaram prevalências que variavam de 3,9% a 58,6% sendo a primeira registrada na Malásia, na década de 1980 e a segunda no Brasil, na cidade de Blumenau em 2001 1. O estudo realizado por Côrtes2 em escolares de Belo Horizonte apontou uma prevalência que variou de 8.0% na idade de 9 anos a 16,1% aos 14 anos. Corroborando estes resultados, um estudo recente observou que 17,1% dos escolares de 11 a 14 anos de idade apresentavam traumatismo dentário3. As lesões traumáticas dentárias envolvem estruturas pulpares, periapicais e periodontais o que, em última instância, compromete a estética e a função do aparelho estomatognático4,5, Além de representarem um sério problema de ordem emocional e psicológica para o paciente infantil6-8.
A evolução destas lesões depende não só do potencial de reparo individual das células envolvidas, mas também da interação dos vários tecidos o que, não raro determina padrões complexos e variados desta cicatrização. O tipo e extensão da lesão às estruturas de sustentação podem comprometer o reparo pulpar assim como a contaminação do canal radicular após uma necrose pode mudar o curso do processo de cicatrização dos tecidos periodontais9-18. O conhecimento destes fenômenos relacionados ao reparo pós-trauma bem como seus fatores determinantes, influencia diretamente a terapia a ser adotada imediata ou tardiamente, uma vez que durante sua evolução, podem ocorrer fenômenos intermediários que confundem o diagnóstico. Além disso, o diagnóstico de complicações após traumatismos pode apresentar falhas decorrentes das técnicas de exame clínicoradiográfico atualmente disponíveis que são indiretas, cronologicamente isoladas e refletem somente alguns parâmetros do processo dinâmico de reparo que é dinâmico19-24. Todos esses problemas de diagnóstico são mais críticos no período logo após a ocorrência da lesão traumática, momento em que a necessidade estética e funcional demanda um pronto tratamento restaurador, protético ou mesmo ortodôntico. Entretanto, a definição da ocorrência de cicatrização de uma lesão traumática depende não só de um exame completo e criterioso no momento do acidente, mas principalmente, do acompanhamento clínico e radiográfico a médio e longo prazo, através de técnicas padronizadas21. Embora seja impossível garantir a retenção permanente de um dente traumatizado, a idade do paciente, a gravidade da lesão, o tratamento oportuno e o acompanhamento do paciente utilizando-se de procedimentos adequados podem maximizar as chances de sucesso5,25-27.
A Clínica de Traumatismos Dentários da FOUFMG funciona de forma permanente desde 1986 e tem como objetivo geral prestar atendimento integral ao paciente portador de traumatismos dentários, em especial à parcela da população SUS/dependente. Além disto, oferece ao aluno do curso de graduação a oportunidade de lidar com o traumatismo dentário em sua forma holística, integrando as diversas especialidades da Odontologia no planejamento do tratamento paciente visando sua pronta reabilitação funcional, estética e social. Atinge, assim, as expectativas recentemente explicitadas por Andersson28, de uma abordagem integrada do traumatismo dentário, visando o benefício de pacientes e alunos.
DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DE EXTENSÃO
A CTD – FO-UFMG funciona de forma permanente desde 1986 na sede da Faculdade de Odontologia da UFMG e recebe semanalmente pacientes encaminhados do Pronto Socorro Odontológico do Hospital Municipal Odilon Bherens - HOB, da rede escolar municipal e outros serviços de pronto socorro de Belo Horizonte. Embora todos os pacientes encaminhados sejam acolhidos, examinados e orientados é dada prioridade para a condução do tratamento de crianças e adolescentes tendo em vista o impacto na qualidade de vida nesta faixa etária6-8. Além disto, a complexidade do tratamento nesta faixa etária, principalmente no que se refere à recomposição estética, requer um planejamento criterioso do tratamento, assim como maiores cuidados na proservação. O recurso humano responsável por esta prestação de serviço é representado por alunos da graduação, bolsistas e voluntários, estagiários dos cursos de aperfeiçoamento e especialização da Faculdade de Odontologia da UFMG e voluntários ex-alunos do projeto que, sob a orientação direta das coordenadoras realizam as tarefas clínicas durante os atendimentos. Os alunos do curso de graduação, inicialmente voluntários, participam do atendimento clínico semanal e de grupos de discussão fundamentados na aprendizagem baseada em problemas, o que constitui seu primeiro estágio na clínica. É feito um rodízio semanal para execução das várias tarefas do atendimento clínico de modo a permitir que ao final do estágio todos tenham tido oportunidade de vivenciar as várias etapas do tratamento dos pacientes portadores de traumatismo, desde a sua acolhida passando pelo planejamento, execução e proservação do tratamento até a alta definitiva. Após 6 meses de atuação no atendimento clínico são selecionados alunos para assumir as bolsas de extensão e iniciação científica da CTD e dos outros projetos vinculados ao Programa. Além da atuação no atendimento clínico semanal, os bolsistas assumem casos clínicos mais complexos, são responsáveis pela apresentação de trabalhos em eventos científicos e participam da gestão do Programa - organização do fluxo de pacientes entre os vários projetos, elaboração de relatórios, roteiros e formulários, confecção e divulgação de material didático, condução dos grupos de discussão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem do paciente traumatizado deve ser eminentemente multidisciplinar e integral. Estão envolvidas as várias áreas do conhecimento odontológico tais como endodontia, periodontia, ortodontia, dentística, prótese, cirurgia e implantodontia, e precisam estar articuladas e contempladas tanto no plano de tratamento, para se obter resultados satisfatórios a médio e longo prazo, quanto na orientação ao estudante, para que o mesmo possa trabalhar de maneira integrada na solução dos casos. Paradoxalmente, verifica-se que a formação e, consequentemente o conhecimento dos profissionais nesta área ainda é fragmentado e empírico. Cabe ressaltar a citação de Lars Andersson28, editor chefe do periódico específico para publicações em traumatismo, o Dental Traumatology:
"Quando eu visito uma faculdade de Odontologia em algum lugar do mundo sempre tenho a chance de falar com professores e alunos sobre o ensino de trauma na graduação. Frequentemente eu ouço dizer que o traumatismo é ensinado como um quebra-cabeça, isto é, por muitos especialistas, sendo que na maioria das vezes, ocorrem sobreposições e repetição de conteúdo no ensino deste tema. Além disso, mensagens conflitantes são apresentadas, gerando confusão para muitos estudantes. O traumatismo não é uma especialidade odontológica e por esta razão, em várias faculdades de Odontologia, o ensino é ministrado nas especialidades que se envolvem com o plano de tratamento. Não é surpreendente que os especialistas enfatizem seus próprios interesses. Sendo assim, o cirurgião enfoca principalmente o trauma maxilo-facial, as lesões ósseas e de tecidos moles, ao passo que o endodontista enfatiza o trauma relacionado às lesões pulpares e os odontopediatras ensinam sob sua perspectiva específica. Além disto, outras especialidades também contribuem com mais peças no quebra-cabeça e aquele que está tentando juntar as peças é o aluno."
A estruturação de uma Clínica de Traumatismos Dentários representou uma iniciativa pioneira ao propor o atendimento integrado e multidisciplinar do paciente vítima de traumatismo dentário que buscava tratamento na FO-UFMG. Em 1993 a CTD oficializou-se como um projeto de extensão e atualmente tem sua relevância reconhecida enquanto única alternativa de serviço especializado para o atendimento das vítimas de traumatismos dentários entre a parcela da população SUS dependente. Entretanto, para além das disciplinas específicas da odontologia, o traumatismo dentário coloca o profissional frente a questões psicológicas, sociais, ambientais e comportamentais importantes, que também devem ser consideradas durante o tratamento destas lesões. Destaque-se aqui o trabalho inédito realizado por Côrtes et al.7, surgido da observação dos relatos de pacientes atendidos na CTD, sobre o impacto do traumatismo dentário na qualidade de vida de adolescentes, assunto de tamanha importância nunca antes abordado em pesquisa sistematizada e controlada.
A experiência acumulada ao longo dos anos foi se desdobrando em várias frentes de trabalho, que em 2004 foram articuladas através do Programa de Extensão "Traumatismos Dentários" da FO-UFMG. Além disso, a partir de sua criação ampliaram-se as possibilidades de divulgação do conhecimento através da educação continuada. Atualmente o conteúdo traumatismo dentário é ministrado em cursos de várias especialidades como Endodontia, Cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial, Odontopediatria, Dentística e Odontologia Legal. Além disto, o tema é sempre abordado em Congressos de Odontologia divulgados em âmbito nacional e internacional.
A Clínica de Traumatismos Dentários representa um importante centro de formação, capacitação e reciclagem de recursos humanos envolvidos no tratamento destas lesões, uma vez que recebe alunos de graduação e pós-graduação além dos vários cursos de extensão ministrados não só para profissionais da odontologia, mas também para outros membros da equipe de saúde bucal e para outros profissionais envolvidos no Programa de Saúde da Família. A nova proposta pedagógica para o Curso de Graduação da Faculdade de Odontologia da UFMG, em fase de implantação, contempla o conteúdo de Traumatismos Dentários em duas discplinas optativas, além da continuidade do Programa de extensão.
Por fim, a Clínica de Traumatismos Dentários deve ser reconhecida como um espaço privilegiado de articulação entre ensino, extensão e pesquisa uma vez que sua extensa casuística tem permitido a realização de pesquisas clínicas e epidemiológicas bem como a geração de publicações e outros produtos acadêmicos relevantes.
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Autor correspondente:
Juliana Vilela Bastos
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