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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.48 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2012

 

 

Efeito do extrato de romã (Punica granatum) sobre bactérias cariogênicas: estudo in vitro e in vivo

 

Effect of pomegranate extract (Punica granatum) on cariogenic bacteria: in vitro and in vivo study

 

 

João Antônio Argenta I; Moacir Pasqual II; Cássio Vicente Pereira III; Disney Ribeiro Dias IV; Ricardo Augusto Barbosa III; Luciano José Pereira V

I Curso de Ciências Biológicas, Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), Lavras, MG, Brasil
II Departamento de Agricultura, Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, MG, Brasil
III Curso de Odontologia, Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), Lavras, MG, Brasil
IV Departamento de Ciências dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, MG, Brasil
V Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Universidade Federal de Lavras (UFLA), Lavras, MG, Brasil

Contato: argenta@unilavras.edu.br, mpasqual@dag.ufla.br, cassio@unilavras.edu.br, diasdr@dca.ufla.br, rabarbosa@unilavras.edu.br, lucianojosepereira@dmv.ufla.br

Autor correspondente:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito inibitório de extratos de plantas sobre cepas de Streptococcus mutans in vitro e avaliar in vivo o potencial inibitório de dentifrício incorporado com o extrato de maior potencial sobre estreptococos do grupo mutans e sobre o índice de biofilme. Materiais e Métodos: Em meio de cultura inoculado com S. mutans (ATCC25175), depositaram-se extratos etanólicos de 32 plantas. Posteriormente, avaliaram-se os halos de inibição. As capacidades inibitórias foram: Ocimum gratissimum (flor) com 08 mm; Moringa oleífera (folha) 10 mm; Copaífera langsdorffi (folha) 16 mm e Punica granatum (pericarpo desidratado) com 18 mm. Uma vez que este último extrato apresentou o maior halo de inibição, foi utilizado na fase seguinte. O extrato de romã (Punica granatum) foi incorporado em dentifrício, nas concentrações de 1% e 3% após determinação da concentração inibitória mínima. Estes foram testados em 30 voluntários divididos em 3 grupos (um para cada extrato e um grupo controle). Os voluntários fizeram uso dos dentifrícios durante 08 dias. A atividade antimicrobiana foi avaliada através da determinação do índice de biofilme e contagem de estreptococos do grupo mutans (UFC/ml). Resultados: Houve redução (p < 0,05) no índice de biofilme para o extrato a 3%, porém não houve diferença na contagem de microrganismos (p > 0,05). Conclusão: Conclui-se que a Punica granatum L. foi o extrato que apresentou maior atividade inibitória in vitro contra S. mutans. A formulação do dentifrício mostrou eficiência após oito dias de uso diminuindo significativamente o índice de biofilme, porém, não apresentou redução do número de estreptococos do grupo mutans.

Descritores: Produtos com ação antimicrobiana. Punica granatum. Biofilmes. Dentifrícios. Streptococcus mutans. Cárie dentária.


 

ABSTRACT

Aim: The present study aimed to evaluate both the inhibitory effect of plant extracts on Streptococcus mutans in vitro as well as the inhibitory potential of toothpastes containing an extract with a high level impact on both mutans streptococci and biofilm indexes in vivo. Materials and Methods: Ethanolic extracts from 32 plants were deposited in a culture medium inoculated with S. mutans (ATCC25175). After this process, the inhibition halos for all tested extracts were measured. The inhibition capacities were: Ocimum gratissimum (flower), 08 mm; Moringa oleífera (leaf), 10 mm; Copaífera langsdorffi (leaf), 16 mm; and Punica granatum (dehydrated pericarp), 18 mm. Since the Punica granatum extract presented the greatest inhibitory halo, it was used in the next stage. The pomegranate extract (Punica granatum) was added to toothpastes at 1% and 3% concentrations after having determined the minimum inhibitory concentration. These two concentrations were tested in vivo in 30 volunteers, divided into 3 groups (one for each extract and one control group). The volunteers used the toothpastes for eight days. The antibacterial activity was evaluated by determining the biofilm index and by quantifying the mutans streptococci colonies (UFC/ml). Results: A reduction (p<0.05) in the biofilm index could be observed when the toothpaste containing the pomegranate extract at 3% was used. However, no difference in the microbiological count after the tested period could be identified. Conclusions: It can therefore be concluded that the Punica granatum L. extract showed the highest in vitro inhibitory activity against S. mutans. The toothpaste formulation showed efficiency after eight days of use, significantly decreasing the biofilm rate, but with no reduction in the number of mutans streptococci.

Uniterms: Products with antimicrobial action. Punica granatum. Biofilms. Dentifrices. Streptococcus mutans. Dental caries.


 

 

INTRODUÇÃO

A cárie dentária decorrente da ação de bactérias acidogênicas e acidúricas presentes no biofilme, sendo uma das mais relevantes e frequentes doenças bucais nas populações. Pesquisas com produtos naturais, obtidos a partir de extratos de plantas medicinais sob a forma de enxaguatórios e cremes dentais, têm sido realizadas, visando o controle de microrganismos presentes no biofilme dentário1,2, bem como em inúmeras situações ligadas a odontologia3-8. Vários grupos microbianos, como Streptococcus, Actnomyces, Staphylococcus, Neisserias, Bacteroides, Treponema e Mycoplasma compõem a microbiota bucal. Os estreptococos do grupo mutans, especialmente S. mutans e S. sobrinus, destacam-se como espécies microbianasmais importantes, pela sua íntima relação com os processos de iniciação e desenvolvimento da cárie9,10, a partir da produção de ácidos e polissacarídeos extracelulares resultantes da hidrólise de sacarose11,12. Outras bactérias como espécies de lactobacilos, estão envolvidas especialmente ao processo de desenvolvimento da cárie, por não apresentarem o aparato enzimático para síntese de glucanos de alto peso molecular que facilitam a adesão à superfície lisa do esmalte. Desta forma, estes microrganismos são mais correlacionados a progressão de lesões já cavitárias ou regiões de fóssulas e fissuras que apresentam retenção mecânica.

A ocorrência de cárie é determinada pela relação microrganismo/hospedeiro que pode ser alterada por vários fatores ambientais. A remoção mecânica, o controle químico e mudanças de hábitos como a redução da frequência do consumo de açúcares podem contribuir para um equilíbrio ecológico do biofilme reduzindo o potencial cariogênico do mesmo10. As principais substâncias químicas empregadas são os antibióticos, enzimas, antissépticos e fluoretos. No entanto, a aplicação tópica de antibióticos sobre o biofilme dentário leva a resistência dos microrganismos, produzindo um desequilíbrio, o que impossibilita sua utilização contínua como recurso preventivo das doenças periodontais e cárie13. A clorexidina é o antisséptico mais utilizado para prevenir o acúmulo de biofilme. Porém pode causar gosto metálico na boca, provocar náuseas e vômitos, dores abdominais, hipersalivação e até mesmo genotoxicidade14-16.

O problema da resistência de patógenos humanos a múltiplas drogas é bem conhecido atualmente, sendo que a procura de novos antibióticos a partir de espécies vegetais é uma das medidas sugeridas para a busca de soluções. Extratos e óleos essenciais de várias espécies de plantas mostraram-se eficientes no controle do crescimento de microrganismos relacionados a infecções da pele, de bactérias patogênicas bucais17, e de uma ampla variedade de microrganismos, incluindo bactérias gram-negativas e gram-positivas, além de biofilmes dentais18. O uso de extratos vegetais apresenta como vantagem o baixo custo envolvido na sua preparação19. O efeito antimicrobiano dos extratos de plantas medicinais pode ser um campo promissor para a utilização destas substâncias no tratamento alternativo da cárie dentária e do controle do biofilme dentário, e o estudo destes fitoterápicos poderá ampliar sobremaneira os conhecimentos dessa área de interesse.

Tendo em vista a possível ação antibacteriana de extratos de plantas medicinais e sua incorporação em cremes dentais, propôs-se este estudo, com o objetivo de investigar preliminarmente o efeito de extratos vegetais, preparados a partir de plantas previamente selecionadas sobre o crescimento de S. mutans, in vitro e a ação do extrato de maior halo de inibição in vivo após sua incorporação em dentifrício.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo in vitro

O preparo dos extratos vegetais e triagem da ação inibidora in vitro contra S. mutans foi realizada utilizando-se dois gramas de materiais vegetais (Tabela 1), provenientes de 32 espécies selecionadas a partir de levantamento etnobotânico e colhidas no Horto Botânico do Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), fragmentadas e maceradas em 20 ml de solução hidroalcoólica a 70%, obtendo-se extratos a 10%. Após 72 horas, retiraram-se alíquotas que foram utilizadas nos testes com S. mutans (ATCC25175).

Posteriormente, S. mutans (ATCC 25175, Fundação André Tosello) foram cultivados em microaerofilia, a 37 oC, por 24 horas, em meio de cultura líquido composto de 50 ml de água destilada, 1,8 g de BHI (Brain Heart Infusion) e 0,25 g de extrato de levedura, previamente esterilizado, por 20 minutos, a 127ºC. A suspensão bacteriana foi inoculada em meio de cultura BHI-Ágar (Brain Heart Infusion-Agar). Após, inseriram-se nos meios de cultura cilindros de inox de 0,5 cm de diâmetro interno, esterilizados nas mesmas condições, comprimindo-os levemente sobre a superfície do meio. Depositaram-se 100 μL de cada extrato vegetal em cilindros individuais. As placas foram colocadas em jarra microaerófila, por 24 horas, a 37ºC e após este procedimento, mediuse os diâmetros dos halos de inibição de crescimento bacteriano. Os experimentos foram realizados em duplicata, e como controles negativo e positivo empregaram-se etanol 70% e clorexidina a 0,12%, respectivamente.

O extrato de romã foi o que apresentou maior halo de inibição e, portanto, foi escolhido para as etapas subsequentes. Inicialmente preparou-se um extrato glicólico concentrado, do qual foram retiradas alíquotas para o preparo do extrato glicólico de romã (extrato glicólico concentrado diluído com solução glicólica composta de uma mistura de etanol, glicerol e água na proporção 1:2:1. Para cada 100ml de extrato glicólico concentrado, acrescentaram-se 10g do pó de romã. As diluições do extrato, de 1% à 10%, foram calculadas em séries decimais. Os testes foram realizados conforme descrito anteriormente.

Estudo in vivo

A elaboração de um dentifrício foi realizada, em função de sua melhor estabilidade farmacotécnica, utilizando componentes básicos e evitando-se a inclusão de conservantes. A Tabela 2 apresenta os componentes e as concentrações utilizadas para os testes in vivo. Foram elaborados 3 dentifrícios, designados como dentifrício A (dentifrício base adicionado de 3% de extrato de romã), dentifrício B (dentifrício base adicionado de 1% de extrato de romã) e dentifrício C (dentifrício base sem adição de extrato de romã - controle). Estas concentrações foram definidas considerando-se que concentrações inferiores a 2g/Kg/dia apresentam considerável efeito inibitório in vitro sem, contudo, provocarem efeitos tóxicos20. A romã foi incorporada na formulação partindo-se de extrato glicólico da casca da planta a 20%. Após manipulação, os dentifrícios foram acondicionados em bisnagas de 60 gramas e rotulados. O presente protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos

 

 

 

do Centro Universitário de Lavras - UNILAVRAS sob número de protocolo 31/01. Os voluntários foram examinados e informados sobre a pesquisa e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, conforme Resolução 196/96 do Ministério da Saúde.

Para este estudo selecionaram-se 30 voluntários, que foram divididos em 3 grupos de 10, sendo de ambos os sexos com idade variando de 18 a 25 anos. Estes foram sorteados de forma aleatória, a partir de uma seleção prévia baseada no índice de biofilme visível utilizando-se de fucsina básica 0,5%, com índice mínimo de 40% e experiência de cárie similar. Utilizaram-se como critérios de exclusão voluntários com comprometimento geral de saúde, pacientes fazendo uso de antibióticos, antiinflamatórios ou qualquer outro medicamento que poderia interferir na microbiota bucal, uso de próteses dentárias removíveis, fixas com mais de dois elementos ou aparelhos ortodônticos.

Os pacientes foram submetidos à profilaxia profissional para eliminação de biofilme previamente existente e foram instruídos a fazer o uso dos dentifrícios 3 vezes ao dia: manhã, após o almoço e à noite e receberam informações sobre o tempo de escovação (3 minutos), técnica (Bass) e o uso de fio dental a cada escovação. Foram distribuídas escovas dentais novas e da mesma marca e modelo para realização de higiene bucal habitual. Realizou-se o controle de biofilme e coleta da saliva para contagem de microrganismos de cada voluntário no primeiro e oitavo dias de uso. Os ensaios in vivo foram realizados em delineamento duplo-cego.

 

 

 

Os biofilmes dentários foram evidenciados com fucsina básica a 0,5% e cada grupo foi submetido a contagem e determinação do índice de biofilme (número de faces coradas x 100/número de dentes x 4)21.

Uma amostra de saliva foi coletada entre 8:30 e 10:00 horas e posteriormente diluída com solução salina (NaCl 0,9%) estéril em séries decimais (10-1 a 10- 4) e armazenada em gelo11. Para semeadura empregouse meio de cultura Mitis Salivarius acrescido de bacitracina (0,0033g/10ml de água destilada/L de meio). Cada placa foi dividida em 4 partes, sendo que cada uma delas foi inoculada com 0,04 ml de cada diluição, em duplicata. As placas foram incubadas na estufa por 48 horas, a 37ºC, em microaerofilia. Após, determinou-se o número de unidades formadoras de colônias (UFC/ml) em quadrantes que apresentassem entre 30 e 300 UFC de estreptococos do grupo mutans. O resultado final da contagem levou em consideração o número de colônias, o volume inoculado (μL) e a diluição do quadrante em que as colônias foram contadas, fazendo-se a correspondência para o valor de UFC/ml de saliva.

Os resultados obtidos na quantificação do biofilme e na contagem do número de unidades formadoras de colônias (UFC/ml) foram submetidos à Análise de variância (SPSS 12.0, Chicago, USA) seguida pelo teste de Tukey para verificação de contrastes entre os grupos. Em casos onde os valores não apresentavam distribuição normal optou-se pelo teste Kruskal-Wallis. A avaliação do índice de biofilme entre os dois momentos dentro de cada grupo foi realizada por meio de Teste Wilcoxon, com nível de significância p<0,05.

 

RESULTADOS

A Tabela 3 expressa a ação in vitro dos extratos testados sobre S. mutans. Observa-se que de todas as espécies testadas, somente os extratos preparados a partir de folhas de copaíba e moringa, flores de alfavaca-cravo e pericarpo seco de romã induziram formação de halos de inibição, sendo o diâmetro do halo produzido pelo extrato bruto de pericarpo de romã, apenas 5% inferior àquele produzido pela clorexidina. Comparando-se as concentrações do extrato de romã testado (10%) e a da clorexidina (0,12%), nota-se que os resultados mostram a ação de extrato cuja concentração é aproximadamente 100 vezes superior a do padrão testado.

A partir dos testes de concentração inibitória mínima contra S. mutans, mostrados na Tabela 4, verifica-se que o extrato glicólico de romã na concentração de 3% promoveu o mesmo padrão de inibição que àquele verificado para a clorexidina sobre a mesma espécie.

 

 

 

 

 

A Tabela 5 apresenta os resultados referentes às médias dos índices de biofilme dentário no intervalo de tempo previamente determinado para os grupos A, B e C correspondentes ao uso de cremes dentais acrescidos de extratos de Romã (3%), Romã (1%) e grupo controle, respectivamente. Os valores médios obtidos para cada grupo, avaliados individualmente entre o 1º e 8º dias, demonstram uma redução estatisticamente significativa (p < 0,05) do índice de biofilme dentário quando o extrato de romã foi empregado em ambas concentrações. Não houve redução significativa para o grupo controle.

As médias apresentadas na Tabela 5 evidenciaram maior redução da colonização microbiana das superfícies dentárias para os grupos A (Romã 3%) e B (Romã 1%) em relação ao grupo C (grupo controle) (p < 0,05), Teste Kruskal-Wallis - entre os 3 grupos.

 

 

 

Os resultados da contagem do número de colônias de estreptococos do grupo mutans na saliva (UFC/ml) (Tabela 6) não indicaram diferença estatisticamente significativa (p = 0,984) entre os grupos A (Romã 3%), B (Romã 1%) e C (grupo controle) no primeiro dia antes do início do uso dos dentifrícios, indicando que os grupos estavam equivalentes em relação ao número de UFC/ml de estreptococos do grupo mutans. Apesar do grupo tratado com dentifrício contendo extrato de Romã 3% ter apresentado uma maior redução do número de UFC/ml após 8 dias, esta também não foi significativa (p = 0,912).

 

 

 

DISCUSSÃO

Devido à grande biodiversidade presente nos diferentes biomas brasileiros, existe uma crescente demanda por produtos naturais, por indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, que impulsiona a investigação científica e a busca por fitofármacos. A literatura relata diversas espécies, distribuídas em diferentes famílias botânicas como úteis no tratamento de afecções odontológicas22. As espécies citadas foram a Punica granatum L., Salvia officinalis L., Calendula officinalis L., Malva sylvestris L., e Plantago major L.; as quais justificaram sua investigação dentre outras no presente estudo.

Diversas plantas com histórico popular de utilização medicinal têm sido pesquisadas com a finalidade de prevenir e tratar doenças bucais, especialmente a cárie, a partir da inibição de bactérias acidogênicas e acidúricas como S. mutans23-25. O extrato da casca do fruto da romã (Punica granatum) comprovou efeito inibitório sobre S. mutans, S. sobrinus e Lactobacillus casei23, microrganismos estes envolvidos na etiologia e desenvolvimento da cárie. Contudo, também foram observados que medicamentos fitoterápicos produzidos a partir de sementes de R. gardneriana apresentam efeito inibitório sobre S. mutans25. Da mesma forma, o extrato das folhas de Piper betle apresentou atividade antibacteriana contra S. mutans e inibiu o crescimento de biofilmes formados pelas bactérias S. mutans e A. viscosus24, justificando a avaliação de diversos extratos oriundos de plantas medicinais de uso empírico no presente estudo.

A maior parte das pesquisas com extratos vegetais refere-se a testes isolados com uma ou poucas espécies de plantas, baseadas em informações etnofarmacológicas. No presente estudo, enfocouse a flora de uma dada região (sul de Minas Gerais), onde várias famílias botânicas foram estudadas. Este delineamento experimental permitiu uma investigação efetiva do potencial farmacológico de diferentes espécies, guiado pelo uso popular para plantas do gênero Bauhinia spp. contra microrganismos Grampositivos e Gram-negativos26.

Dentre os diversos extratos testados, o de Romã foi o que apresentou maior halo de inibição nos testes in vitro. Através da análise dos presentes resultados, pode-se inferir que o extrato glicólico apresentou maior atividade que o hidroalcoólico, visto que o extrato hidroalcoólico bruto foi preparado em uma concentração de 10%, produzindo halo de 18 mm (Tabela 3), quando comparado ao extrato glicólico que na concentração de 3% produziu halo de inibição similar. A romã é uma planta utilizada pela população brasileira no combate a inflamações e infecções orofaríngeas, sendo empregada na forma de xarope ou seu chá como solução para gargarejo27. Estudos utilizando o extrato hidroalcoólico de romã (Punica granatum L.) como inibidor do crescimento de linhagens de estreptococos acidogênicos e acidúricos também têm sido realizados demonstrando resultados positivos, corroborando os presentes achados28. Diversos estudos relatam a atividade antimicrobiana e anti-inflamatória de Punica granatum29-31, entretanto, a relação entre esse efeito e a composição química só foi estabelecida quando frutos de romã foram submetidos a um fracionamento guiado por testes antimicrobianos32. O resultado foi o isolamento e a elucidação da punicalagina, um tipo de elagitanino com atividade antibacteriana.

Já foi demonstrado que a romã apresenta toxicidade quando em concentrações de 4g/Kg/dia aplicada intragastricamente20. Em concentrações de 2g/Kg/dia não houve alterações nos parâmetros avaliados pelo autor (mortalidade e anomalias cromossômicas). Desta forma, optou-se no presente estudo pela avaliação da concentração inibitória mínima (CIM) para os testes in vivo e obteve-se que o extrato glicólico de romã na concentração de 3% promoveu o mesmo padrão de inibição que aquele verificado para a clorexidina sobre Streptococcus mutans. Resultados semelhantes têm sido obtidos por outros pesquisadores28, entretanto, o valor da concentração inibitória mínima nem sempre é apresentado no trabalho. No presente estudo, foi utilizada como padrão a solução de clorexidina a 0,12%, e o extrato glicólico de romã a 3% produziu halo de inibição equivalente a este padrão. Mesmo a CIM do extrato sendo cerca de 30 vezes maior que a do padrão, os resultados são de grande interesse, uma vez que o extrato utilizado estava na forma bruta.

A avaliação in vivo do índice de biofilme após 8 dias de utilização de dentifrício contendo extratos de romã indicou redução significativa para ambos os grupos (1% e 3%) quando comparados ao grupo controle. Entretanto, não houve diferença significativa entre os tratamentos para a contagem do número de UFC/ml de estreptococos do grupo mutans na saliva dos voluntários. Estes resultados podem sugerir a influência dos extratos de romã na adesão bacteriana e não na diminuição de microrganismos presentes na cavidade bucal.33,34 Como evidenciado previamente em géis de romã, a concentração inibitória mínima de aderência para S. mutans (ATCC), S. mutans (CI) and S. sanguis; foi de 1:16.35 A inibição da síntese de polissacarídeos insolúveis pode influenciar negativamente no processo de adesão bacteriana à superfície dentária 23. Uma vez que a aderência bacteriana tem sido mostrada como um dos primeiros mecanismos envolvidos na iniciação do desenvolvimento do biofilme dentário, a inibição desse processo, certamente, conduzirá a um efetivo controle qualitativo do mesmo.

Algumas limitações do presente estudo devem ser evidenciadas, como por exemplo, a não realização de um ensaio cruzado, onde os voluntários passariam por todas as fases experimentais. Este fato pode acarretar em viés inerente a fatores como variação individual, realização de escovação e hábitos de higiene diferentes que foram minimizados pela profilaxia inicial e instruções de escovação realizadas no início do experimento in vivo. Um controle positivo com a inclusão de clorexidina no dentifrício não foi realizado em virtude deste antimicrobiano apresentar sabor desagradável, deixar um gosto metálico na boca e manchar a película adquirida. Adicionalmente, este agente antimicrobiano não é compatível com o detergente empregado nesta formulação36.

O desenvolvimento de dentifrícios incorporados com extratos vegetais tem apresentado resultados promissores. Extratos de Calendula officinalis L. (Asteraceae) e a Casearia sylvestris Sw. (Flacourtiaceae) em cremes dentais, apresentaram capacidade inibitória in vitro contra a mesma cepa de Streptococcus mutans (ATCC 25175) utilizada neste estudo, corroborando a eficácia destes produtos quando empregados em dentifrícios37. Assim, novos estudos incorporando estes extratos devem ser realizados com a finalidade de se verificar sua aplicabilidade e perfil comercial na produção de dentifrícios.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mostraram que a casca da romã (Punica granatum L.) apresentou atividade in vitro contra Streptococcus mutans (ATCC 25175) quando macerada em solução hidroalcoólica (etanol 70%) e que esta atividade foi melhorada quando os componentes da casca foram extraídos em solução glicólica. A formulação do dentifrício com extrato de romã mostrou eficiência na primeira semana de uso diminuindo significativamente o índice de biofilme, porém, não apresentou redução do número de estreptococos do grupo mutans.

 

AGRADECIMENTOS:

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG pelo fomento que suportaram os ensaios desta pesquisa. Um dos autores (LJP) agradece bolsa produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Aos pesquisadores Ana Hortência F. Castro e Poliana Tavares Braga.

 

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Autor correspondente:
Luciano José Pereira
Universidade Federal de Lavras - UFLA
Setor de Fisiologia e Farmacologia
Caixa Postal 3037
Lavras - MG - Brasil
CEP: 37200-000

E-mail: lucianojosepereira@dmv.ufla.br

 

Recebido em 28/06/2012 - Aceito em 15/09/2012