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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.48 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2012

 

 

Propriedades físico-químicas de bebidas à base de soja: um estudo in vitro

 

Physical and chemical properties of soy-based beverages: an in vitro study

 

 

Carla Ramos de Oliveira I; Diego Alves da Cunha I; Aline Lins de Lima II; Mayara dos Santos Camêlo Moreira I; Thiago Isidro Vieira II; Ana Maria Gondim Valença III,IV

I Curso de Odontologia, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil
II Cirurgião dentista
III Departamento de Clínica e Odontologia Social, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasi
IV Programa de Pós-Graduação em Modelos de Decisão e Saúde, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil

Contato: carlaramoso@yahoo.com.br, diego_odonto77@yahoo.com.br, alineodontoufpb@yahoo.com.br, dossantosmayara@yahoo.com.br, thiago_ isidro@yahoo.com.br, anamvalenca@gmail.com

Autor correspondente:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar o pH, a concentração de Sólidos Solúveis Totais - SST (°Brix), a titrabilidade ácida, e o teor de cálcio e fosfato de três bebidas à base de soja, sabor maçã (AdeS®, Sollys®, AdeS Zero®), água mineral sem gás Água Schin® (controle negativo - CN) e de Coca-Cola® (controle positivo - CP), comercializadas na cidade de João Pessoa - Brasil. Materiais e Métodos: A avaliação do pH foi realizada mediante o uso de pHmetro digital e a do °Brix foi determinada por um refratômetro específico de campo. Para avaliação da titrabilidade ácida foi medida o momento de viragem do indicador fenolftaleína. O teor de cálcio foi mensurado a partir do uso de solução padrão de Ácido Etilenodiamino Tetra-Acético - EDTA (0,01 M) e sua reação com o cálcio na presença do indicador em meio alcalino. A quantificação de fosfato foi feita por meio de espectofotômetro. Para obtenção dos valores de pH, °Brix e titrabilidade ácida foram feitas três aferições, para o cálcio foram feitas duas (a média aritmética foi considerada como resultado final para estas aferições) e para o fosfato, uma aferição. Os resultados foram analisados descritivamente, Resultados: Os valores de pH variaram de 4,01 (Sollys®) a 4,25 (AdeS Zero®). Para os SST a variação obtida foi de 4,17°Brix (AdeS Zero®) a 8,00°Brix (AdeS®). A titrabilidade ácida variou de 5,87mg/100ml (AdeS®) a 7,7mg/100ml (Sollys®). Para a quantidade de cálcio e fosfato a variação foi de 25,55mg/100ml (AdeS®) a 98,15mg/100ml (Sollys®) e 24mg/100ml (AdeS®) a 49,5mg/100ml (Sollys®), respectivamente. Conclusões: As bebidas analisadas neste estudo revelaram-se potencialmente erosivas e cariogênicas.

Descritores: Dieta. Ingestão de líquidos. Cárie dentária. Erosão dentária.


 

ABSTRACT

Aim: To evaluate the pH, amount of Total Soluble Solids (TSS), acid titrability, calcium, and phosphate of three apple flavored soy beverages (AdeS®, Sollys®, AdeS Zero®), Água Schin® mineral water (negative control - NC), and Coca-Cola® (positive control - PC), commercialized in the city of João Pessoa, Brazil. Materials and Methods: The evaluation of pH was performed using a digital pH meter, while the quantification of Total Soluble Solids or °Brix was carried using a specific field refractometer. To evaluate the acid titrability, the indicator of the phenolphthalein turning point was measured. Calcium content was measured using a standard solution of Ethylenediamine Tetraacetic Acid - EDTA (0.01 M) and its reaction with the calcium when the indicator was present in the alkaline medium. The amount of phosphate was determined by means of a spectrophotometer. To obtain the values of pH, acid titrability and °Brix, three measurements were performed: two for calcium (the arithmetic mean was considered as the final result of these measurements) and one for phosphate. Data were evaluated by means of a descriptive analysis. Results: The pH varied from 4.01 (Sollys®) to 4.25 (AdeS Zero®). The TSS varied from 4.17 °Brix (AdeS Zero®) to 8.00 °Brix (AdeS®). The acid titrabilily ranged from 5.87 mg/100ml (AdeS®) to 7.7 mg/100 ml (Sollys®). The amount of calcium and phosphate ranged from 25.55 mg/100ml (AdeS®) to 98.15 mg/100ml (Sollys®), and from 24mg/100ml (AdeS®) to 49.5 mg/100 ml (Sollys®), respectively. Conclusion: The beverages analyzed in this study were potentially erosive and cariogenic.

Uniterms: Diet. Drinking. Dental caries. Tooth erosion.


 

 

INTRODUÇÃO

O mercado de bebidas à base de soja se encontra em franca expansão, constatando-se um crescimento expressivo nos últimos anos, superando, inclusive, as taxas de crescimento registradas no mercado de leite fluido. Este fato é, em parte, consequência da crescente preocupação dos consumidores em selecionar produtos mais saudáveis1. A adição de suco de frutas ou de saborizantes a essas bebidas à base de soja poderia melhorar as características sensoriais do produto, fazendo com que elas apresentem um sabor agradável, que pouco lembra o sabor típico da soja2.

O extrato de soja, popularmente conhecido como leite de soja, é o produto obtido a partir da emulsão aquosa resultante da hidratação dos grãos de soja, convenientemente limpos, seguido de processamento tecnológico adequado3. O desenvolvimento de novos produtos à base de soja vem ao encontro da crescente demanda dos consumidores por novos produtos funcionais, os quais apresentam benefícios, como a redução do risco de algumas doenças4.

A erosão dentária é uma doença multifatorial, caracterizada pela dissolução ácida da estrutura dentária. Diferentemente da cárie dentária, cuja etiologia está relacionada à ação de ácidos provenientes do biofilme, a erosão ocorre quando o ambiente bucal atinge um pH inferior a 4,5 (valor crítico para fluorapatita) por ação de ácidos extrínsecos ou intrínsecos. A exposição intrínseca envolve à ação do ácido gástrico, principalmente em casos de doença refluxo esofágico ou bulimia, enquanto a extrínseca é frequentemente devida ao consumo de refrigerantes, bebidas desportivas, ou outras bebidas ácidas. Em seus estágios iniciais, o processo erosivo é difícil de ser diagnosticado, devido aos sinais serem sutis e não característicos, além da superície apresentar um aspecto similar à estrutura normal. Contudo, na medida em que as lesões progridem, o diagnóstico se torna mais fácil pois as alterações superificiais incluem, dentre outras, rugosidade do esmalte, perda da estrutura anatômica e exposição de dentina5,6. Um crescente número de indivíduos apresenta erosão dentária extrínseca na infância devido à ingestão frequente de sucos industrializados acondicionados em caixas7. Os mais consumidos são os de frutas e, em especial, os que possuem o ácido cítrico contido em frutas frescas, sucos de frutas e refrigerantes. Recentemente, o ácido ascórbico (vitamina C) contido em vários tipos de bebidas, refrigerantes e doces foi identificado como fonte significativa de ácido extrínseco, sendo este efeito mais acentuado do que as alterações provocadas no esmalte dentário pelos ácidos lático e fosfórico8.

O potencial erosivo de uma bebida ácida não se relaciona somente ao seu pH, mas também ao conteúdo de ácido titulável (capacidade tampão). Além disso, a concentração de cálcio, fosfato e, em menor grau, o teor de fluoreto de uma bebida ou alimento, são fatores associados ao seu potencial erosivo9.

A capacidade tampão elevada de uma bebida ou alimento aumenta o processo de dissolução da superfície do dente, uma vez que será necessário um tempo mais prolongado para a saliva neutralizar o ácido e, como resultado, um maior conteúdo mineral do esmalte está sujeito à dissolução antes que o pH retorne a um valor seguro. O grau de saturação é o principal determinante no caso de haver ou não dissolução. Dessa forma, mesmo com um pH reduzido, é possível que outros fatores, além da capacidade tampão, se conjuguem para prevenir a erosão como concentração de cálcio (Ca), fosfato (P) e fluoreto (F)10.

Devido à possibilidade de um efeito sinérgico entre diferentes íons, e frente ao crescente consumo de bebidas com concentrações elevadas de ácido cítrico, especulou-se que seria possível aumentar os efeitos benéficos do cálcio e fosfato com concentrações isoladas mais baixas destes íons, usando a combinação adequada dos mesmos11,12. Verificou-se que a combinação de baixos níveis de Ca (0,5mM), P (0,5 mM) e F (0,037 mM) foi capaz de reduzir a perda de esmalte. Entretanto, a adição unicamente de Ca ou de sua combinação com P e F foi eficaz na redução da perda dentária pela Sprite ®, mas não da Coca-Cola®12.

Constata-se que bebidas modificadas pela adição de concentrações relativamente altas de cálcio (5-10 mmol/l) são capazes de reduzir o processo erosivo13. Quanto ao fosfato, não foi observado efeito significante na erosão do esmalte ao serem adicionadas concentrações de 10 ou 20 mmol/l em meios cujo pH era 2,5, 3,25 ou 4,09.

Em se tratando do fluoreto, não há evidências na literatura que comprovem que o acréscimo de baixas concentrações deste íon nas bebidas é capaz de prevenir a erosão do esmalte. Para que este efeito fosse obtido, a solução deveria estar saturada em relação ao fluoreto de cálcio, sendo necessária a adição de 7-25 mg/l de fluoreto9.

Um estudo avaliou o pH e a capacidade tampão de 07 sabores de bebidas industrializadas (AdeS®) na sua forma pura e diluída 50% e concluiu que todas as bebidas com frutas na composição apresentaram pH abaixo de 4,0, além de exibirem baixa capacidade tampão intrínseca14.

Em uma pesquisa foram selecionados 60 agentes da dieta: refrigerantes, energéticos, isotônicos, bebidas alcoólicas, sucos (sabores de maçã, cenoura, uva e laranja), frutas, água mineral, iogurtes, chá, molhos de saladas e medicamentos, para mensurar o potencial erosivo e determinar as propriedades químicas desse impacto. Foi observado que houve redução estatisticamente significante da superfície mineralizada pelo potencial erosivo do produto, para todos os agentes, exceto café, alguns medicamentos, bebidas alcoólicas, águas minerais, chás e iogurtes10.

O frequente consumo de bebidas potencialmente erosivas associado à presença de açúcares na dieta pode contribuir decisivamente para a erosão dentária e o desenvolvimento de lesões de cárie. Nesta perspectiva, reveste-se de importância clínica avaliar as características da dieta líquida, tanto no que concerne ao seu potencial erosivo, como também o potencial cariogênico, visto que muitas destas bebidas apresentam altos teores de açúcares na sua composição. Nesta avaliação, pode ser utilizada uma medida para determinar a concentração de uma solução, pois seu índice de refração varia com a concentração. Desta forma, a refratometria na escala °Brix se constitui em um método físico para mensurar a quantidade de sólidos solúveis em uma substância15. Os sólidos solúveis contidos em um produto são a soma de todos os sólidos dissolvidos na água, incluindo o açúcar, sais, proteínas e ácidos16.

De acordo com o exposto, os objetivos desta pesquisa foram determinar o pH, a concentração de Sólidos Solúveis Totais - SST (°Brix), a titrabilidade ácida e o teor de cálcio e fosfato e de três bebidas a base de soja (AdeS®, Sollys®, AdeS Zero®- sabor maçã), comercializadas na cidade de João Pessoa - Brasil.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

As bebidas à base de soja, sabor maçã, analisadas foram: AdeS® (Unilever, São Paulo/SP, Brasil), Sollys® (Nestlé, Araras/SP, Brasil) e AdeS Zero® (Unilever, São Paulo/SP, Brasil). Utilizou-se como controle positivo a Coca-Cola® (Coca-Cola Brasil, Jaboatão dos Guararapes/PE, Brasil) devido ao seu potencial erosivo e pH ácido10,17,18; e a água mineral sem gás (Água Schin® - Schincariol, Igarassu/ PE, Brasil como controle negativo, por não apresentar pH abaixo do crítico (4,5) para erosão do esmalte (pH 5,59)17. As amostras avaliadas pertenciam a diferentes lotes e foram analisadas à temperatura ambiente (25°C).

A mensuração do pH foi feita por intermédio de pHmetro digital, modelo UB 10, da marca Hexis® (Jundiaí, São Paulo, Brasil) sendo utilizados 50 mL de cada produto analisado em um béquer volumétrico de 100 mL. Procedeu-se três aferições de cada bebida. O pH final foi obtido pela média aritmética referente aos três registros.

Na etapa de mensuração dos Sólidos Solúveis Totais foi realizada a refratometria, utilizando duas gotas de cada bebida (70μl) e um refratômetro específico de campo, modelo N1, Atago® (Fukaya, Saitama, Japão), com faixa de leitura de °Brix de 0~32% e precisão de 0,2. O equipamento foi calibrado com solução a 10% de glicose e zerado com água destilada à temperatura ambiente. O resultado final foi obtido pela média aritmética de três mensurações.

A avaliação da titrabilidade ácida foi realizada utilizando-se 10ml de cada produto, que foram colocados em um erlemeyer (150ml). A este volume foram acrescidos 70ml de água deionizada, a fim de diluir e atenuar a coloração da solução, objetivando facilitar a visualização do momento de viragem. Posteriormente foram acrescentadas 5 gotas do indicador fenolftaleína e, titulou-se a solução de hidróxido de sódio (NaOH) a 0,1 N até que o pH da solução analisada atingisse pH 7,0. Calculou-se o valor final pela média aritmética de três aferições19.

Para quantificação do cálcio foram pipetados 20 ml da amostra para erlenmeyer e, em seguida, adicionados 100ml de água destilada, 3,5ml de solução de hidróxido de sódio e indicador ácido Calcon (3-hidroxi-4(-2-hidroxi-sulfo-1-naftilazo)- naftaleno-2-carboxílico) da Acros Organics® (Geel, Antuérpia, Bélgica). Posteriormente, procedeu-se à homogenização da solução e titulação, sob agitação constante, utilizando a solução padrão de Ácido Etilenodiamino Tetra-Acético (EDTA 0,01 M) que reage com o cálcio na presença do indicador em meio alcalino, com pH acima de 12, originando uma coloração azul ao final da titulação até a viragem (de vermelho para azul)19.

No momento da mudança de coloração, anotou-se o volume gasto de solução de EDTA, sendo o resultado da quantidade de cálcio dado pelo produto: volume gasto da solução de EDTA (0,01M), equivalente-grama do cálcio, fator de correção da solução de EDTA (0,01M) e constante de conversão para 100ml da amostra, representado pela fórmula: [Ca+2] = Vg EDTA x Fc x 0,40 x 10.

A expressão do resultado foi dada em mg de Ca+2 por dL. Para essa propriedade foram feitas duas aferições, sendo a concentração final a média aritmética dessas aferições.

A determinação de fosfato foi realizada a partir do seguinte procedimento: a curva de calibração foi obtida por meio da preparação de padrões diluindo 1, 2, 3, 4 e 5 ml de solução padrão de fosfato em 5 balões volumétricos de 100 ml. Foram adicionados 5 ml da solução A (Molibdato de amônio, água destilada, ácido sulfúrico) e 2ml da solução B (Ácido 1amino-2-naftol-4-sulfônico, Bissulfito de sódio e Sulfito de Sódio) e completou-se o volume do balão com água destilada. Estes padrões correspondem respectivamente a 0,10; 0,20; 0,30; 0,40 e 0,50 mg de fosfato (PO4-), por 100 ml (mg P/100ml). Após 10 ± 2 minutos foi realizada a leitura no espectrofotômetro visível, marca Coleman®, Modelo 33D (Santo André, São Paulo, Brasil), no comprimento de onda de 650nm. Posteriormente, 1ml da amostra foi pipetado em um béquer e acrescido de 5ml da solução A e 2 ml da solução B, e água destilada, até o volume de 30ml. Após 20 ± 2 minutos foi realizada nova leitura no espectrofotômetro no comprimento de onda de 650nm, determinando-se a quantidade de fosfato pela curva padrão19. Para essa análise realizou-se uma única aferição.

As metodologias para análise da titrabilidade ácida, cálcio e fosfato foram descritas de acordo com os protocolos preconizados pelo Instituto Adolfo Lutz19, que são utilizados pelo Laboratório de Análise de Flavor do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba, no qual foram executadas essas análises.

Os dados foram avaliados através da estatística descritiva, por meio da obtenção do valor da quantidade de fosfato e das médias dos registros referentes ao pH, à quantidade de Sólidos Solúveis Totais (°Brix), ao cálcio e à titrabilidade ácida.

 

RESULTADOS

Na (Tabela 1) 1 estão dispostas as médias aritméticas e desvio-padrão do pH, sólidos solúveis totais (°Brix), titrabilidade ácida e teor de cálcio e fosfato para cada bebida analisada.

Os valores do pH variaram de 4,01 (Sollys®) a 4,25 (AdeS Zero®). Com relação aos sólidos solúveis totais, a variação foi de 4,17°Brix (Sollys®) a 8,00°Brix (AdeS®). Os resultados para titrabilidade ácida variaram de 5,87mg/100ml (AdeS®) a 7,70mg/100ml (Sollys®). A quantidade de cálcio variou de 25,55mg/100ml (AdeS®) a 98,15mg/100ml (Sollys®) e o valor do fosfato oscilou entre 24,00mg/100ml (AdeS®) a 49,50mg/100ml (Sollys®).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os hábitos alimentares, como o consumo excessivo de alimentos e bebidas ácidas, assim como sua frequência, duração e a aderência do líquido ao dente, ou seja, sua viscosidade podem contribuir para a erosão dentária, que afeta a integridade estrutural do esmalte na dentição decídua e permanente ao longo da vida18,20. Portanto, questões acerca de quais bebidas são consumidas e como elas são ingeridas (seja em canudos, canecas infantis ou caixas de suco) podem levar a oportunidades de educar os pacientes sobre maneiras de se prevenir o risco de erosão21.

Quando a superfície de esmalte é submetida à ação de soluções aquosas inorgânicas com pH ácido (entre 4 e 5), sendo ela insaturada em relação à hidroxiapatita e à fluorapatita, evidencia-se alterações superficiais que conferem ao esmalte características semelhantes à erosão. Este quadro é passível de ocorrência nas situações em que o valor de pH salivar é inferior a 4,5 ou quando se faz o consumo de uma dieta ácida5,10. Em nosso estudo, verificamos que o pH das bebidas testadas acrescidas de fruta (maçã) se apresentou acima de 4,0, variando entre 4,01 (Sollys®) e 4,25 (AdeS Zero®), constatando-se que todos os sucos possuíram um pH abaixo do crítico (4,5) para o esmalte. Estes achados corroboram com resultados prévios7, onde o pH médio de 20 sucos analisados foi 4,36 (± 0,45).

Em trabalho anterior22, em que foram analisados 9 sucos e 3 leites de bebidas prontas à base de soja, observou-se variação de pH de 3,94 (Ades Abacaxi®) a 7,15 (Sollys Original®), sendo tais valores diferentes dos encontrados nessa pesquisa. Este fato pode ser explicado pelo tipo de produto analisado que, no estudo anterior foi o Sollys Original®, o qual não contém saborizantes na sua composição enquanto, na presente pesquisa, se analisou produtos com sabor maçã.

A cinética de dissolução de minerais da superfície dentária ocorre em função do grau de saturação das bebidas ácidas em relação aos cristais de apatita, que é determinado, entre outros aspectos, pelo conteúdo de íons cálcio, fosfato e flúor na solução. Neste sentido, a incorporação de íons cálcio, fosfato e/ou flúor resultaria numa diminuição da perda da estrutura dentária pela erosão, mediante o aumento do grau de saturação da bebida em relação ao da estrutura dentária, interferindo na dinâmica do processo de desmineralização5,9,23.

Ainda que sejam controversos os estudos sobre o efeito da adição de cálcio e fosfato na redução da erosão do esmalte, sabe-se que produtos enriquecidos com cálcio promovem menor desmineralização e desgaste dentário em relação a formulações equivalentes que não contenham esse íon5,8. No presente estudo, a quantidade de cálcio encontrada no Sollys® foi de 98,15mg/100ml, sendo um valor expressivo diante dos outros devido a uma maior presença de cálcio na sua composição. Considerando-se que concentrações de 5 - 10 mmol/l (200 - 400mg/l) são capazes de interferir no processo erosivo9, constata-se que os leites de soja analisados apresentam teores de cálcio situados nesta faixa de concentração, destacando-se os valores mais elevados do íon no produto Sollys®. Além de contribuir para reduzir significativamente a dissolução dos cristais de apatita, os íons cálcio possuem efeito quelante sobre o citrato que pode estar contido nessas bebidas, pois o ânion se complexaria com o cálcio originário da bebida e não com aquele da estrutura dental24.

Torna-se importante salientar que o fator preponderante na dissolução erosiva é o pH, cabendo um papel secundário à presença de íons como cálcio e fosfato9. Contudo, conforme observado no presente trabalho, a concentração de cálcio das bebidas à base de soja se mostra capaz de reduzir seu potencial erosivo. Uma vez que são inconclusivas as evidências quanto aos valores de fosfato presentes numa solução capazes de inibir a erosão, não é possível apontar se as concentrações encontradas nas bebidas analisadas nesta pesquisa têm tal efeito.

Estudos laboratoriais evidenciaram que, mediante uma exposição prolongada do esmalte dental em um volume limitado de solução, outros fatores como o montante de ácido titulável se constitui em um parâmetro relevante para determinar o potencial erosivo da bebida, ou seja, a quantidade de uma base que deve ser acrescentada a uma bebida para elevar o pH até 7,0 (neutro). Dessa forma, quanto maior for o volume da solução básica necessária para neutralizar uma solução, maior será a quantidade de íons hidrogênio disponível nessa solução e mais expressivo será seu potencial erosivo. Uma bebida com baixa acidez titulável é prontamente neutralizada pelos tampões salivares, o que impede a queda prolongada do pH bucal, proporcionando menor perda mineral na estrutura dentária10,25. Na presente pesquisa, o produto que apresentou maior valor para a titrabilidade ácida foi o Sollys® com 7,70mg/100ml, revelando-se com maior potencial erosivo dentre as bebidas analisadas.

Considerando que as bebidas que possuem menor pH e maior acidez titulável podem apresentar um potencial erosivo mais expressivo, sugere-se que o Sollys® teria tal característica, uma vez que seu pH e titrabilidade ácida foram, respectivamente, 4,01 e 7,70mg/100ml. Resultados semelhantes foram verificados em estudos anteriores, em que sucos de frutas industrializados com valor de pH mais baixo foram aqueles que demonstraram maior acidez titulável7,10, tornando-os potencialmente erosivos.

A etiologia da cárie dentária é complexa, sendo ela resultado da atividade metabólica de comunidades microbianas na estrutura dentária, sob a forma de biofilme. A cavidade bucal oferece, ao mesmo tempo, um ambiente hostil e favorável para o desenvolvimento bacteriano, propiciando o crescimento destas comunidades na presença de uma dieta rica em carboidratos, que possibilitará o aumento da produção de ácidos26. Portanto, bebidas com grande quantidade de açúcares podem ser cariogênicas.

O estudo sobre a cariogenicidade de produtos de uso diário, tais como bebidas à base de soja acrescidas de frutas vem ganhando importância significativa tendo em vista o risco do desenvolvimento de cárie entre seus consumidores27.

Devido ao fato das bebidas avaliadas neste estudo serem largamente consumidas1, optou-se por analisar também o potencial cariogênico das mesmas e, para tanto, realizou-se a avaliação da quantidade dos Sólidos Solúveis Totais (SST). Torna-se importante salientar que a escala °Brix é calibrada pelo número de gramas de açúcar contidos em 100g de solução. Neste estudo os produtos apresentaram um teor elevado de SST, com variação de 4,17° (Sollys®) a 8° (AdeS®). Essa quantificação do SST é importante para se conhecer o potencial cariogênico de constituintes da dieta líquida7,14,15,17.

O potencial cariogênico de três bebidas à base de soja disponíveis no mercado brasileiro (Ades®, Mais Vita® e Sollys®) e sabores (original, abacaxi, laranja e uva) foi avaliado por meio da refratometria. Os resultados corroboram com os achados desse estudo ao revelarem uma variação dos valores de SST de 8,25 a 15,00 °Brix para todas as amostras, não havendo diferenças entre as bebidas originais e as acrescidas de sucos de fruta27; assim como com os de outra pesquisa22, onde o teor de SST obteve uma oscilação de 8,0 (Ades Original®) e 15,0 (Mais Vita Uva®)22.

Torna-se importante ressaltar as limitações de estudos in vitro, no que se refere à reprodução das condições naturais bucais tais como: hábitos alimentares, capacidade tampão da saliva, concentrações dos íons cálcio, fosfato, flúor, características individuais ou até mesmo coletiva10,28. Entretanto, esse tipo de estudo tem a vantagem de fornecer dados isolados de variáveis de interesse, sem que haja a interferência de outros fatores, proporcionando informações importantes sobre as características dos produtos analisados5,10,29. Nesta perspectiva, o presente trabalho possibilitou estimar o potencial erosivo de bebidas a base de soja pela determinação do pH, além da quantificação de sólidos, cálcio, fosfato e a acidez presente nas mesmas.

Vale ressaltar que algumas bebidas à base de soja acrescidas de açúcar apresentam um maior número de calorias em comparação com a maioria das bebidas contidas nesta categoria. Aconselha-se aos consumidores rever a rotulagem nutricional de cada produto e fornecer especial atenção para o teor calórico e a quantidade de adição de açúcar30.

Tendo em vista os resultados deste estudo, sugere-se que a ingestão frequente de constituintes da dieta líquida considerados ácidos mostra-se relacionada ao desenvolvimento de lesões de erosão dental. Diante disso, o profissional da área da saúde deve estar ciente destes riscos e orientar seus pacientes quanto ao consumo racional das bebidas a base de soja e esclarecer aos consumidores acerca do pH e da acidez destes produtos.

 

CONCLUSÃO

As bebidas à base de soja se revelaram potencialmente erosivas e cariogênicas por apresentarem pH inferior ao crítico para a dissolução dentária asssociado à acidez e aos açúcares em sua composição. Em relação ao teor de cálcio e de fosfato, quantidades reduzidas foram encontradas em alguns produtos.

 

AGRADECIMENTOS:

A Gilvandro Ferreira da Costa, técnico do Laboratório de Análises de Flavour, do Departamento de Tecnologia Química de Alimentos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por disponibilizar o laboratório para realização dos experimentos e pelo apoio técnico.

 

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Autor correspondente:
Carla Ramos de Oliveira
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Recebido em 14/06/2012 - Aceito em 11/09/2012