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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.48 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2012

 

 

Gerenciamento dos resíduos radiológicos em consultórios odontológicos da cidade de Pelotas (RS, Brasil)

 

Radioactive waste management in dental offices from the city of Pelotas (RS, Brazil)

 

Flávia Pôrto de Barros Kaster I; Rafael Guerra Lund II; Elaine de Fátima Zanchin Baldissera III

I Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
II Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
III Departamento de Semiologia e Clínica, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil

Contato: fbkaster@gmail.com, rafael.lund@gmail.com, ebaldis@gmail.com

Autor correspondente:

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar a segregação, tratamento e destino dos resíduos radiológicos dado pelos cirurgiõesdentistas de Pelotas que possuem aparelhos de raios-X em uso no consultório odontológico e cadastrados na Vigilância Sanitária; e analisar o conhecimento dos mesmos acerca de sustentabilidade. Materiais e Métodos: Quarenta cirurgiões-dentistas de Pelotas-RS responderam um formulário contendo 16 perguntas que abordaram o conhecimento destes profissionais sobre a sustentabilidade, separação dos componentes sólidos do filme radiográfico, tratamento das soluções processadoras no consultório, destino final dos resíduos e uso correto do gerenciamento como ferramenta de marketing. Resultados: Verificou-se que 35,0% da amostra relatou lançar o revelador e o fixador em esgoto comum sem antes neutralizá-los. A maioria dos participantes (67,5%) afirmou acreditar no potencial poluidor da água de lavagem do filme durante o seu processamento, embora 65,0% deles relataram descartar o material diretamente em esgoto comum. Com relação à segregação dos resíduos sólidos, 37,5% dos dentistas disseram não separar os componentes do filme radiográfico. A maior parte deles (90,0%) afirmou ter conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, 95,0% tentavam preservar o meio ambiente quando descartavam os resíduos do seu consultório e 70,0% acreditavam que a destinação apropriada dos resíduos poderia se mostrar economicamente viável. Conclusões: A maioria dos profissionais afirmou ter conhecimento de desenvolvimento sustentável e tentar preservar o meio ambiente quando descartavam os resíduos produzidos no consultório. Há dificuldade, por parte dos cirurgiões-dentistas, no descarte dos efluentes líquidos, mas grande parte consegue classificar e segregar adequadamente os resíduos do filme radiográfico.

Descritores: Resíduos odontológicos. Resíduos tóxicos. Desenvolvimento sustentável. Radiografia.


 

ABSTRACT

Aim: To evaluate the segregation, treatment and disposal of the radioactive waste produced by dentists from Pelotas, RS, Brazil, who use x-ray machines in their dental offices, which are registered with the Department of Sanitation, as well as their knowledge about sustainability. Materials and Methods: Forty dentists answered a questionnaire with sixteen closed questions which addressed the knowledge of these professionals concerning sustainability, the separation of solid components from radiographic films, the treatment of processing solutions in the dental office, waste disposal, and the use of proper management as a marketing tool. Results: It could be observed that 35.0% of the sample disposed of the developer and fixer solutions in the sewage without prior neutralization. The majority of the participants (67.5%) believed that the water that washes the film during its processing potential polluter, although 65% discarded the water directly into the common sewage. Regarding the disposal of solid waste, 37.5% of the dentists reported not separating out the components of the radiographic film. The majority of these professionals (90.0%) were aware of sustainable development, of which 95.0% tried to preserve the environment when discarding waste from their dental offices, and 70.0% believed that the proper disposal of waste could prove economically viable. Conclusions: Most professionals said they were aware of sustainable development and tried to preserve the environment when discarding waste produced in their dental offices. Dentists reported difficulty in disposing of wastewater, but most can adequately classify and segregate the radiographic film waste.

Uniterms: Dental waste. Toxic wastes. Sustainable development. Radiography.


 

INTRODUÇÃO

No consultório odontológico é comum utilizar-se diagnóstico por imagem. Apesar do avanço tecnológico e dos crescentes investimentos nos processos de digitalização das imagens, a grande maioria dos serviços ainda emprega métodos convencionais na realização de radiografias. Neste contexto, além dos efluentes oriundos do processamento radiográfico, ocorre a geração de resíduos sólidos, os componentes do filme radiográfico1.

Filmes intraorais são aplicados em Odontologia na análise completa das estruturas dentais para que as condições não visíveis no exame clínico possam ser observadas. Este material é frequentemente utilizado, e uma correta gestão e/ou reciclagem dos filmes intraorais é obrigatório uma vez que seus componentes podem ser prejudiciais para o ambiente.

A película radiográfica é composta por filme, lâmina de chumbo, papel preto e envelope plástico2. Por sua vez, o filme radiográfico é constituído por uma base de poliéster, coberta em um ou ambos os lados com gelatina impregnada de sais halogenados de prata, formando a parte sensível do filme e, sobre esta a capa protetora de gelatina. A exposição do filme à radiação ioniza os cristais de brometo de prata, formando uma imagem latente e iniciando um processo que será concluído através do tratamento químico do filme, com redução dos íons de prata a prata metálica ou prata pura, e formação de bromo ou outras substâncias2,3.

As radiografias insatisfatórias e as lâminas de chumbo são classificadas, de acordo com a Resolução no 358/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 306/04 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como resíduos sólidos do Grupo B (Químicos), os quais contêm substâncias químicas e metais pesados que apresentem risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Assim, esses resíduos da categoria B devem ser encaminhados ao aterro sanitário industrial para resíduos perigosos de seu município ou localidade mais próxima ao seu estabelecimento profissional, ou serem submetidos a tratamento de acordo com as orientações do órgão local do meio ambiente, em instalações licenciadas para esse fim4-5. No Brasil, os resíduos sólidos radiológicos fazem parte dos resíduos não-infectantes produzidos em estabelecimentos odontológicos6.

Os efluentes gerados a partir de processamentos radiográficos consistem do líquido revelador, fixador e água de lavagem dos filmes radiográficos. Esses efluentes são constituídos de químicos altamente tóxicos, não podendo ser descartados no meio ambiente, pois se encontram fora dos padrões estabelecidos pelos órgãos públicos ambientais reguladores7-8. Consistem em soluções com altas concentrações de prata, hidroquinona, quinona, metol, tiossulfato de sódio, sulfito de sódio e ácido bórico, além de outros químicos altamente tóxicos à saúde ambiental e humana, como cianeto, cloreto, ferro, fósforo total, nitrogênio total e sulfito3,9.

As soluções fixadoras usadas devem, de acordo com a RDC nº 306/04 da ANVISA, ser submetidas a processo de recuperação da prata ou serem acondicionadas e identificadas em frascos de até dois litros compatíveis com o líquido armazenado, resistentes, rígidos e estanques, com tampa rosqueada e vedante. Esses recipientes devem ser identificados com o símbolo de risco associado conforme a NBR 7.500 e encaminhados ao Aterro Sanitário Industrial para Resíduos Perigosos ou ser submetidos a tratamento de acordo com as orientações do órgão local do meio ambiente, em instalações licenciadas para esse fim. Também devem ser observadas as exigências de compatibilidade de cada resíduo com os materiais das embalagens de forma a evitar a reação química entre os componentes do resíduo e da embalagem, enfraquecendo ou deteriorando a mesma, ou a possibilidade de que o material da embalagem seja permeável aos componentes do resíduo5.

Com relação às soluções reveladoras usadas, a RDC nº 306/04 indica sua neutralização (pH 7-9) e seu descarte com grande quantidade de água no sistema de esgoto sanitário com sistema de tratamento. Os reveladores não utilizados e as soluções concentradas devem ser condicionados em frascos como descrito para a solução fixadora e encaminhados da mesma forma5.

Para a neutralização desse efluente pode-se utilizar a soda cáustica em solução ou o ácido muriático para aumentar ou diminuir o pH, respectivamente10. A utilização de vinagre (ácido acético), também é encontrado na literatura para a neutralização do revelador. Para o controle do pH, pode se fazer uso de uma fita indicadora (pH entre 7 e 9) e adicionar, para cada 1 litro de revelador, 10 litros de água e 100 mL de vinagre comum11.

A água resultante da lavagem intermediária e final no processamento radiográfico contém todos os compostos do revelador, do fixador e de seus produtos de reação, o que também a torna carente de tratamento antes de ser lançada na rede de esgotos3.

A tecnologia de imagem digital é uma opção disponível para a eliminação do uso de revelador e fixador7,12-13. Entretanto, ainda há a questão financeira, pois tal tecnologia é onerosa, e isso inviabiliza sua aquisição pela maioria dos clínicos7. Tendo em vista a dificuldade atual em alterar o processamento radiográfico convencional por meio de novos produtos, processos ou técnicas menos poluentes, a opção para sua otimização ambiental consiste no tratamento dos efluentes. Embora poluentes, se forem tratados apropriadamente, esses efluentes poderiam se tornar insumo, gerando receita e economia ao serviço por serem reutilizados3.

Essa pesquisa buscou avaliar a segregação e o destino dos resíduos radiológicos dado pelos cirurgiões-dentistas de Pelotas que possuem aparelhos de raios-X, em uso no consultório odontológico e cadastrados na Vigilância Sanitária; e analisar o conhecimento dos mesmos acerca de sustentabilidade.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, realizado no período de setembro a novembro de 2010, desenvolvido em Pelotas. Esse município está localizado no Estado do Rio Grande do Sul (RS), na região sul do Brasil. Possui 327.778 habitantes, ocupando uma área de 1.609 km². A maioria da população reside em área urbana (93,0%)14.

O universo inicial do estudo foi composto por 60 cirurgiões dentistas de consultórios odontológicos e clínica odontológica, que continham o aparelho de raios-X e estavam cadastrados na Vigilância Sanitária do município investigado.

A coleta de dados foi realizada após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados foram obtidos por meio de questionário entregue aos funcionários dos estabelecimentos responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos radiológicos. O questionário englobou 16 perguntas que abordaram itens relativos ao conhecimento dos dentistas acerca de sustentabilidade, a aplicação desse conceito no consultório, separação dos componentes radiográficos sólidos, tratamento das soluções processadoras, destino final dos resíduos e se acreditavam que o gerenciamento correto poderia ser utilizado como ferramenta de marketing (Tabela 1), adotando como referência a Resolução CONAMA n° 358/05 e RDC ANVISA n° 306/04 4-5.

 

 

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas (FO-UFPel).

 

RESULTADOS

Da amostra inicial de 60 consultórios odontológicos e uma clínica odontológica, três cirurgiões-dentistas responsáveis pelos consultórios e clínica não quiseram colaborar com a pesquisa. Em 5 estabelecimentos não foram encontrados os dentistas responsáveis. Seis cirurgiões-dentistas não devolveram o formulário e 6 estavam com o aparelho desativado ou não o possuíam mais. Por isso, a amostra final foi composta por 40 participantes.

Observou-se que 90,0% dos profissionais afirmaram ter conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, 95,0% deles relataram tentar preservar o meio ambiente quando descartavam os resíduos do seu consultório e 70,0% disseram acreditar que a destinação apropriada dos resíduos poderia se mostrar economicamente viável.

Com relação aos efluentes gerados no processamento radiográfico verificou-se que em 90,0% dos casos os participantes afirmaram não existir nenhum tratamento para o revelador e fixador e em 97,5% não existia nenhum tratamento para água de lavagem (Figura 1).

 

 

 

 

Dos profissionais que realizavam algum tipo de tratamento do revelador e fixador radiográficos antes do descarte, 35,0% deles disseram lançar as soluções diretamente em esgoto comum, 22,5% os diluíam em água antes de descartá-los em esgoto comum, 35,0% os enviavam para empresa especializada e 7,5% deles os neutralizavam antes de descartá-los com grande quantidade de água no esgoto. Do total da amostra, 67,5% disseram acreditar no potencial poluidor da água de lavagem. No entanto, 65,0% deles disseram descartar a água de lavagem diretamente em esgoto comum. Cerca de 30,0% dos respondentes afirmaram diluir água de lavagem, em água, antes de descartála em esgoto, 2,5% disseram que enviam-na para empresa especializada, e 2,5% afirmaram neutralizála antes do descarte em esgoto (Figura 2).

 

 

 

Verificou-se que 62,5% dos cirurgiõesdentistas afirmaram separar os componentes do filme radiográfico. Com relação ao descarte do filme radiográfico insatisfatório (película), 15,0% dos participantes disseram desprezá-lo em lixo comum; 42,5% em lixo hospitalar; e 40,0% afirmaram enviálo para uma empresa especializada. Não responderam essa pergunta 2,5% da amostra. Quanto à lâmina de chumbo, 10,0% dos participantes afirmaram descartá-la em lixo comum; 37,5% em lixo hospitalar; 45% afirmaram enviá-la para empresa especializada, 5,0% responderam que dão outro destino a ela; e 2,5% não responderam a pergunta. Verificou-se também, que 15,0% dos participantes afirmaram descartar o papel preto em lixo comum; 42,5% em lixo hospitalar; 40,0% afirmaram enviá-lo para empresa especializada; e 2,5% não responderam a pergunta (Figura 3).

 

 

 

Quando questionados se um correto gerenciamento dos resíduos poderia ser utilizado como instrumento de marketing, 65,0% dos profissionais disseram acreditar que sim, 30,0% disseram não acreditar que um gerenciamento adequado possa ser utilizado como ferramenta de marketing e 5,0% não responderam a pergunta.

 

DISCUSSÃO

Por meio dos resultados apresentados verificou-se que, a maioria dos profissionais tem algum conhecimento do que é desenvolvimento sustentável e grande parte deles mostrou se preocupar com o meio ambiente quando vão destinar seus resíduos. Porém, parece haver uma relativa infração das leis vigentes relacionadas ao gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Tais irregularidades podem ser justificadas pelo desconhecimento das normas por parte dos profissionais de saúde. De acordo com o estudo de Manzi et al.10, apenas 9,0% dos cirurgiões-dentistas investigados tinham conhecimento da Resolução RDC 33/2003 (Resolução revogada e substituída pela atual legislação RDC 306/2004) da ANVISA. Acredita-se que essas infrações possam estar associadas à certa falta de planejamento urbano, pois na cidade de Pelotas, existem três empresas especializadas as quais fazem o recolhimento dos lixos oriundos dos serviços de saúde. No entanto, nenhuma delas é de Pelotas e, consequentemente, devem agregar o valor do deslocamento ao seu serviço de recolhimento do lixo. Os cirurgiões-dentistas são obrigados a ter tal serviço para obterem o alvará da prefeitura, mas taxas altas de recolhimento do lixo são convidativas à ocorrência de infrações.

Garcia e Zanetti-Ramos15 afirmaram que os grandes geradores possuem maior consciência a respeito do planejamento adequado e necessário para o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde. Normalmente os pequenos geradores muitas vezes não possuem essa consciência e os conhecimentos necessários. Além disso, muitas vezes também lhes falta infraestrutura para realizar adequadamente o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde.

Verificou-se no presente estudo que 10,0% dos respondentes afirmaram que no estabelecimento havia tratamento do revelador e fixador antes do descarte. Porém, a grande maioria deles os enviava para empresa especializada. Esse resultado parece ser questionável, já que havendo tratamento, não se vê muito fundamento em enviar tais efluentes para empresa, pois seria um gasto desnecessário. Da mesma forma, em estudo realizado em estabelecimentos de saúde do município de Marituba (PA) não foi observada a devida atenção com resíduos do grupo B, contrariando as recomendações da legislação vigente16.

Em relação às soluções reveladoras usadas, a RDC 306/2004 indica sua neutralização (pH 7-9) e seu descarte com grande quantidade de água no sistema de esgoto sanitário com sistema de tratamento. Por outro lado, após a neutralização do revelador, compostos como a hidroquinona não são degradados e, portanto, esse efluente mesmo neutralizado, não deve ser descartado na rede pública de esgoto ou em corpo receptor, contrariando a legislação vigente8. Neste estudo, 7,5% dos dentistas afirmaram neutralizar o revelador. O revelador usado possui pH básico e precisa de algum composto ácido para sua neutralização (formação de sal e água). O fixador usado possui pH ácido e, para sua neutralização, precisa de algum composto básico. Desse modo, a maior quantidade de prata fica no fixador, porque este é o agente removedor de toda prata que não foi exposta.

Manzi et al.10, em estudo realizado com 800 profissionais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, verificaram que 94,0% deles (n=753) afirmaram descartar o revelador e o fixador em esgoto comum. Resultado muito superior ao encontrado neste estudo (35,0%) para ambos os líquidos processadores.

Quanto ao tratamento da água de lavagem, verificou-se que em 97,5% dos estabelecimentos não havia nenhum tipo de tratamento. Do total da amostra, 65,0% dos entrevistados disseram descartar o material diretamente em esgoto comum e 30,0% o diluía em água antes de descartá-lo em esgoto. Esses dados corroboram os resultados encontrados por Fernandes et al.3, que verificaram que a água de lavagem na maior parte dos estabelecimentos estudados também seguia direto para a rede pública de esgoto, sem tratamento prévio.

Conforme Fernandes et al.3, a água de lavagem contém todos os compostos do revelador, do fixador e de seus produtos de reação. No entanto, 32,5% da amostra não considerou este efluente com potencial poluidor. São necessárias orientações específicas na legislação quanto à destinação correta para a água de lavagem. De acordo com o estudo de Grigoletto8, ficou evidente a contaminação da água proveniente do processamento radiográfico com hidroquinona e prata. Por isso, além da recuperação da prata presente nessa água, é necessária sua neutralização antes do descarte em esgoto.

O gerenciamento inadequado de resíduos químicos perigosos causa graves problemas de saúde e afeta diretamente o meio ambiente7,15-16. Diante desse contexto, os dados encontrados relativos ao descarte do revelador e fixador chamam a atenção, já que a maior parte desses efluentes é descartada em esgoto comum sem nenhum tratamento. O simples ato da diluição em água, não propicia vantagem alguma, pois não há a neutralização dos metais pesados. Um total de 22,5% cirurgiões-dentistas afirmou fazer uso desse método para o descarte do revelador e fixador.

Ramalho et al.17 também constataram situação deficitária na falta de tratamento dos resíduos e efluentes radiográficos antes do descarte em uma clínica odontológica, que pertence a uma associação beneficente, situada no município de Florianópolis, Santa Catarina.

É fundamental que haja a conscientização e a disponibilidade dos cirurgiões-dentistas para colaborar na busca de soluções para tal problemática. A caracterização e a segregação dos resíduos são prérequisitos para o acondicionamento diferenciado, a coleta, o transporte, o tratamento e a disposição final adequados15,18-19. Nesse estudo, verificamos que 37,5% dos estabelecimentos afirmaram não efetuar a separação dos componentes do filme radiográfico.

De acordo com Guedes et al.20, geralmente os dentistas se desfazem da lâmina de chumbo e outros componentes do filme dental, juntamente com o lixo normal, o qual é depositado em aterros sanitários. O presente estudo mostrou que 10,0% dos entrevistados disseram a lâmina de chumbo em lixo comum. Esse dado é preocupante já que a exposição ao chumbo pode causar sérios problemas de saúde, como também, problemas ambientais.

Guedes et al.1 afirmaram que, devido ao considerável valor comercial, apenas a prata contida no fixador e na película é reaproveitada de todo resíduo radiológico produzido. Apesar de grande quantidade de prata estar presente na película radiográfica descartada, representando um componente com valor agregado, é notável o desconhecimento dos profissionais quanto à constituição química do filme. Em nosso estudo, verificou-se que 15,0% dos participantes disseram descartar o filme em lixo comum e 42,5% em lixo hospitalar (destinado à incineração).

O papel preto também deve ser motivo de preocupação e, portanto, deve haver a modificação das recomendações passadas pelos fabricantes e esse resíduo deve ser incluído na legislação a fim de orientar seu correto descarte o qual deve ser semelhante à lâmina de chumbo pois, após a exposição radiográfica, é detectada a presença de chumbo, no papel preto1,20. Neste estudo foi observado que 15,0% dos estabelecimentos descartavam o papel preto em lixo comum.

De acordo com Ramalho et al.17, as empresas têm se defrontado com um processo crescente de cobrança por uma postura responsável e de comprometimento com a qualidade ambiental, principalmente por parte dos consumidores. Então, o gerenciamento adequado dos resíduos reflete positivamente no público consumidor (ou seja, na clientela), já que a população tem se preocupado com as questões relacionadas ao meio ambiente, podendo, portanto, ser utilizado como ferramenta de marketing pelos profissionais de saúde. Na presente pesquisa, 65,0% dos cirurgiões-dentistas responderam acreditar nesse instrumento de marketing.

Diante da complexidade das questões relacionadas ao gerenciamento dos resíduos de serviço de saúde, o melhor enfoque, de acordo com os princípios da ecoeficiência, em ordem de prioridade, é a não-geração ou a minimização da geração de resíduos (ou seja, quanto menor for a quantidade desses resíduos, menor será o custo para o seu tratamento/ disposição e os problemas a eles associados), seguida da reciclagem e o reaproveitamento desses resíduos sempre que possível18.

De acordo com o Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul (CRORS) 21, existem até o presente ano, 636 cirurgiõesdentistas inscritos na cidade de Pelotas. Partindose desse número e levando-se em conta os demais estabelecimentos prestadores de serviço de saúde, é inadmissível pensar que não há nenhuma empresa pelotense que faça o recolhimento do lixo, já que resíduos como o fixador, a água de enxágue e as películas radiográficas insatisfatórias podem prover lucro, pois possuem prata e em grande quantidade seria muito rentável.

Além disso, o correto descarte visa a preservação do meio ambiente, pois esses resíduos contêm metais pesados e, quando manejados de forma incorreta, transformam-se em agressores permanentes da biodiversidade6. Os líquidos utilizados no processamento dos filmes radiográficos são prejudiciais ao meio ambiente e precisam ser processados antes do seu descarte final nos esgotos.

Nessa pesquisa, a amostra de estabelecimentos odontológicos foi pequena devido aos poucos dentistas que estão cadastrados na Vigilância Sanitária. Isso deveria ser uma preocupação primordial no momento da abertura do consultório odontológico, pois é a Vigilância Sanitária que propicia uma avaliação das condições do estabelecimento para o seu funcionamento.

Vários estados e municípios possuem legislações próprias específicas sobre o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde, estabelecendo normas para a classificação, segregação, armazenamento, coleta, transporte e disposição final desses resíduos. Contudo, as legislações em vigor não são claras e muitas vezes são conflitantes, o que provoca dúvidas e impossibilita a adoção de normas práticas eficazes para o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde em todo o país15.

Assim, tendo em vista os resultados encontrados nessa pesquisa e nos trabalhos de outros autores, constatam-se problemas no gerenciamento dos resíduos sólidos e efluentes provenientes da execução de radiografias. Considerando-se que esses resíduos gerados podem causar impacto na saúde e no meio ambiente, os dados obtidos podem servir de alerta para a necessidade de mudança, como também serve de indicador para políticas públicas ambientais e de saúde na cidade de Pelotas, salientando a necessidade da busca de soluções integradas e sustentáveis. Por outro lado, enquanto não forem estabelecidos os riscos reais de cada classe de resíduos, todas deveriam ser consideradas como potencialmente perigosas. Uma lei em vigor por si só não garante que a saúde da população está protegida. Antes de impor exigências legais, é preciso verificar até que ponto os órgãos públicos estão preparados para cumpri-las. A realização de pesquisas sobre gerenciamento de resíduos é importante para fundamentar a legislação19.

 

CONCLUSÕES

1- A maioria dos profissionais afirmou ter conhecimento de desenvolvimento sustentável e que tentavam preservar o meio ambiente quando descartavam os resíduos produzidos no seu consultório, no entanto, 35,0% dos profissionais relataram descartar os efluentes radiográficos no esgoto comum sem submetê-los a processo de neutralização;

2- Grande parte dos participantes afirmou acreditar que a destinação apropriada dos resíduos poderia se mostrar economicamente viável;

3- Há dificuldade, por parte dos cirurgiõesdentistas, no descarte dos efluentes líquidos, mas grande parte consegue classificar e segregar adequadamente os resíduos do filme radiográfico.

 

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Autor correspondente:
Rafael Guerra Lund
Rua Gonçalves Chaves, 457 / sl 504 - Centro
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CEP: 96015-000
E-mail: rafael.lund@gmail.com

 

Recebido em 24/04/2012 - Aceito em 06/07/2012