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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.48 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2012

 

 

Saúde bucal de pacientes internados em hospital de emergência

 

Oral health status in patients admitted to an emergency hospital

 

Cecília Gadelha Gondim I; Walda Viana Brígido de Moura II; Regina Gláucia Ribeiro de Lucena II; Bruno Rocha da Silva III; Helvia Menezes Vasconcelos IV; Andréa Silvia Walter de Aguiar II

I Cirurgiã-dentista
II Departamento de Clínica Odontológica, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, Brasil
III Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, Brasi
IV Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, Brasil

Contato: ciliagadelha@yahoo.com.br, walda_viana@yahoo.com.br, reginalucen1@hotmail.com, aswaguiar@yahoo.com.br

Autor correspondente:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar as condições de saúde bucal, acesso a serviços odontológicos e autopercepção em saúde bucal, bem como relacionar a necessidade de tratamento odontológico em pacientes internados em um hospital de emergência, em Fortaleza - Ceará, no ano de 2011. Materiais e Métodos: Pesquisa exploratória do tipo transversal em que foram examinados 301 pacientes internados em duas enfermarias de um hospital de referência terciária em trauma, de abrangência regional e estadual. As variáveis exploratórias foram avaliação socioeconômica, acesso e autopercepção em saúde bucal e Índice de Necessidade de Tratamento Odontológico (INTO). A coleta de dados foi realizada por um único examinador, os dados foram processados no SPSS (Statistical Package for Social Science), versão 17.0. A comparação entre as variáveis foi feita através do teste t de Student, com nível de significância de 5,0%. Resultados: A maioria dos pacientes era do sexo masculino, com média de idade de 39,38 anos, com ensino fundamental completo, com período mínimo de internamento de 2 dias e máximo de 4,83 meses (DP ±1,31). Ao serem indagados sobre busca de atendimento odontológico, o serviço público foi o principal meio de acesso e o principal motivo relatado da procura do serviço foi a presença de cavidades de cárie. Grande parte dos pacientes foi classificada, segundo modificação do INTO, nos perfis 3 e 4 (76,4%), ou seja, apresentava cálculo dentário, cavidade pequena de cárie e indicação de exodontia. Houve associação estatisticamente significante entre as variáveis "percepção de necessidade de tratamento odontológico" e "classificação da saúde bucal" (p<0,001), bem como entre "perfil" e "autopercepção de saúde bucal" (p<0,001). Conclusão: A partir de tal análise, conclui-se que as condições de saúde bucal desses pacientes são preocupantes, com a necessidade inconteste de cuidados de saúde bucal para a população institucionalizada.

Descritores: Saúde bucal. Equipe hospitalar de odontologia. Serviço hospitalar de emergência. Higiene bucal. Educação em saúde. Assistência odontológica.


 

ABSTRACT

Aim: To evaluate the oral health status, the access conditions to dental services, and the selfperception of oral health, as well as to establish their relationship with the need for dental treatment in patients admitted to the Dr. José Frota Institute in Fortaleza, Ceará, Brazil, in 2011. Materials and Methods: This study applied an exploratory crosssectional study, in which 301 patients were examined and hospitalized in two wards of a tertiary referral in trauma hospital, at both regional and state levels. The exploratory variables included the socioeconomic assessment, access, and self-perception of oral health and Index of Dental Treatment Need (IDTN). Data collection was performed by a single examiner; the data were processed using the SPSS (Statistical Package for Social Science) version 17.0. The comparison between variables was performed using the Student T test, with a significance level of 5%. Results: Most patients were men, with an average age of 39.38 years, with an elementary level education, with a minimum hospitalization period of 2 days and a maximum of 4.83 months (SD ± 1.311). When asked about the primary means of dental care, the public health service was reported as the primary means of access and the main reason for the request of dental care was the presence of caries cavities. According to IDNT, most patients were classified in profiles 3 and 4 (76.4%) presenting dental calculus, small cavity caries, and recommendation of extraction. The association between the variables of "perception of need for dental treatment" and "classification of oral health" was statistically significant (p <0.001) as was the association betwee the "profile" and " selfperception of oral health" (p <0.001). Conclusion: From this analysis it can be concluded that the oral health status of these patients is poor, with the incontestable need for oral health care within the hospitalized population.

Uniterms: Oral health. Dental staff, hospital. Emergency service, hospital. Oral hygiene. Health education. Dental care.


 

INTRODUÇÃO

A internação hospitalar é um evento que pode atingir qualquer indivíduo independente da raça, sexo, condição social e econômica. Pacientes hospitalizados, frequentemente, apresentam a saúde debilitada que demanda cuidados especiais. Sua recuperação está diretamente relacionada com a atuação de uma equipe multiprofissional capaz de atendê-lo de forma integral e oferecer uma assistência completa para que não ocorram agravos do quadro clínico inicial1 .

De acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), no mês de janeiro/2011, foram realizadas, no Brasil, 890.933 internações, com média de permanência hospitalar de 5,9 dias e cerca de 33.000 óbitos (3,7%)2 .

É importante refletir sobre a qualidade da assistência hospitalar brasileira, levando em consideração se as prioridades são a prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, com uma assistência integral sedimentada no trabalho sincronizado de diversos profissionais. A melhora do quadro clínico do paciente está diretamente relacionada à atuação integrada de uma equipe multiprofissional comprometida com a saúde geral do indivíduo, em especial dos que se encontram hospitalizados.

Nesse aspecto, alguns estudos realizados3-5 apresentam, em sua maioria, informações imprecisas e ausência de métodos epidemiológicos claros na classificação das condições de saúde bucal de pacientes hospitalizados. Contudo, todos revelam a precariedade dessa condição no país.

O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que as doenças bucais causam dor, sofrimento, constrangimentos psicológicos e privações sociais, acarretando prejuízos em nível individual e coletivo6 . Os problemas de saúde bucal têm sido cada vez mais reconhecidos como importantes causadores de impacto negativo no desempenho diário e na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade7 .

O desenvolvimento dos indicadores que relacionam problemas bucais com a qualidade de vida demonstra a necessidade de se conhecer a condição de saúde percebida subjetivamente ou o impacto dos problemas de saúde bucal sobre a qualidade de vida. É importante motivar e esclarecer continuamente que a saúde bucal é uma parte essencial da saúde geral e a ausência da saúde bucal com a perda de dentes pode levar o indivíduo a desenvolver problemas de ordem psicossomática e social8 .

Consubstanciado no paradigma salutogênico da promoção de saúde e na utilização de indicadores que se ajustem a este novo paradigma, este trabalho buscou avaliar as condições de saúde bucal a partir do Índice de Necessidades de Tratamento Odontológico (INTO) e sua relação com condições de acesso a serviços odontológicos, bem como a autopercepção em saúde bucal, em pacientes internados em um hospital de emergências, em Fortaleza - Ceará, em 2011.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Realizou-se pesquisa exploratória, transversal, de abordagem quantitativa, em um hospital de referência em trauma, de abrangência regional e estadual, situado na cidade de Fortaleza, Ceará.

Os critérios de inclusão foram estarem internados em uma das duas unidades de enfermagem deste hospital, estarem conscientes e orientados de acordo com a valoração de 15, da Escala de Coma de Glasgow. Esta escala é utilizada mundialmente como um instrumento precioso em detecção do estado neurológico dos pacientes; pois leva em consideração abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora. O cálculo da amostra foi realizado através programa estatístico EPI INFO (Atlanta, EUA), com um erro-padrão menor do que 5,0% intervalo de confiança de 95% e a prevalência de 50%, admitindo-se perda de elementos amostrais de 20%. A amostra foi composta por 301 pacientes ocupantes dos leitos das enfermarias de Cirurgia Bucomaxilofacial e de Traumatologia e Ortopedia. Tais enfermarias foram escolhidas por apresentarem uma média elevada de tempo de internação dos pacientes (em média 35 dias), os quais, em sua maioria, envolvem casos de politraumatismos que requerem maior tempo de recuperação. A amostragem sistemática obedeceu aos leitos ímpares, ou seja, somente os indivíduos internados nestes leitos; em que totalizaram 40 (quarenta) leitos na enfermaria de Traumatologia e Ortopedia e 10 (dez) leitos na enfermaria de Cirurgia Bucomaxilofacial. A partir da coleta inicial, à medida que os leitos eram ocupados por novos pacientes, estes eram incorporados à pesquisa, se assim o desejarem. A coleta de dados se deu em um período de 08 meses - de janeiro a setembro de 2011, com visitas semanais às enfermarias para detecção de novos pacientes.

Após uma breve explicação sobre o tema, o objetivo e a metodologia da pesquisa, os entrevistados ou seus responsáveis foram esclarecidos, orientados e informados, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, quanto à não-obrigatoriedade de sua participação, bem como quanto à garantia de sigilo absoluto em relação a sua identidade. O estudo respeitou todos os procedimentos éticos, os quais estão em conformidade com a norma do CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), respeitando a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (CNS, 1996). A pesquisa teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Dr. José Frota, sob protocolo de nº 41.524/09, obedecendo aos aspectos éticos concernentes às pesquisas com seres humanos.

Para este estudo, foi utilizado um formulário construído a partir do formulário de avaliação socioeconômica, acesso e autopercepção em saúde bucal do Projeto SB Brasil9 e o Índice de Necessidade de Tratamento Odontológico (INTO)10,11 . Tal instrumento busca avaliar as condições de saúde bucal e traçar um perfil a partir desses dados. A indicação da necessidade de tratamento é dependente de variáveis que possam indicar a gravidade da condição de saúde bucal de cada indivíduo, concentrando-se em variáveis clínicas, de fácil visualização ao exame11 . Foram coletadas variáveis como: presença e quantidade de cavidades amplas e pequenas; presença atual de dor, abscesso ou lesão na mucosa bucal; indicação de tratamento endodôntico e extração dentária. A doença periodontal foi caracterizada pela presença de sangramento espontâneo, presença de cálculo dentário evidente ou mobilidade dentária. Também foi feita uma análise clínica visual da necessidade de tratamento endodôntico e a presença de má oclusão. A partir de então, os pacientes foram classificados em um perfil de acordo com uma modificação do INTO de 0 (zero) a 6 (seis); em que zero representou todos os dentes hígidos, 1 - presença de dor ou abscesso ou lesão de mucosa, 2 - presença de sangramento gengival ou cavidades amplas; 3 - presença de cálculo dentário ou cavidades pequenas, 4 - necessidade de extração dentária; 5 - necessidade de tratamento endodôntico e 6 - má oclusão severa. Esta classificação permite uma classificação de urgência de tratamento, em que o perfil 1 requer um tratamento prioritário quando comparado aos demais perfis.

A coleta de dados foi realizada por um único examinador devidamente treinado, utilizando luz artificial e espátulas de madeira. Com objetivo de assegurar a uniformidade na coleta dos dados, a cada 20 (vinte) indivíduos examinados, um era aleatoriamente sorteado para ser reexaminado, em busca da integridade feita pelo examinador - integridade intraexaminador. Assim, foram calculadas as concordâncias observada e esperada; obedecendo ao intervalo de confiança de 95%. Para cálculo da integridade, utilizou-se o teste kappa de Cohen no SPSS (Statistical Package for Social Science), versão 17.0 (New York, EUA), no qual se observaram valor mínimo de 0,82 e o máximo de 0,87, indicando uma ótima concordância.

Os dados foram digitados no Microsoft Excel 2010 e processados no SPSS 17.0. Após a digitação, foram verificadas as idades mínima e máxima dos participantes, assim como a frequência das idades isoladas. Assim, tais idades foram categorizadas em faixas etárias, em que a primeira correspondeu aos indivíduos até 20 anos, com as categorias subsequentes em intervalos de 10 (dez) anos e a última acima dos 71 anos de idade. Todos os dados obtidos neste estudo foram objeto de análise reflexiva sobre a questão focalizada, com suporte da literatura sobre o tema para apresentação das conclusões.

 

RESULTADOS

Dos pacientes inquiridos, mais de 80% era do sexo masculino. A idade mínima encontrada foi de 13 anos e a máxima foi de 92 anos (DP ± 1,05), com média de idade de 39,38 anos. A faixa etária mais frequente foi a de 21 a 30 anos e a menos frequente foi a de 60 a 70 anos. Em relação ao status marital, prevaleceram os indivíduos que se consideravam casados. O nível de escolaridade foi medido em anos de estudo, em que de 01 a 05 anos de estudo corresponde ao Ensino Fundamental I; de 6 a 9 anos, ao Ensino Fundamental II; de 10 a 12 anos ao Ensino Médio e acima de 12 anos de estudo ao Ensino Superior. A escolaridade mais comum correspondeu ao Ensino Fundamental II, com ênfase no alto índice de pacientes com 0 (zero) anos de estudo. Mais de 90% dos participantes não eram estudantes quando da coleta dos dados (Tabela 1).

 

 

 

Os motivos de internamento dos pacientes perpassavam por acidentes e violência física interpessoal. Os acidentes de transportes terrestres (ATT) automotores (motocicleta e carro) e bicicleta corresponderam a 56,8% (n=171) destes motivos, seguidos das agressões físicas (por projétil de arma de fogo, arma branca ou outro objeto) 31,9% (n=96); por fim, as quedas de alturas foram prevalentes em 34 indivíduos (11,3%). O período mínimo de internamento foi de 2 dias e o máximo de 4,83 meses (DP ±1,31). A média de dias de internamento foi de 26,76 dias. O acesso ao serviço odontológico anterior ao acidente foi identificado em mais de 95% da população pesquisada. Em relação ao período da última visita ao cirurgião-dentista, grande parte dos pacientes relatou ter ido há mais de 3 anos. O serviço público foi o principal meio de acesso, em que o principal motivo para procura do serviço foi a presença de cavidades de cárie, seguida de dor e consulta de rotina/manutenção, ou seja, quando a procura por serviço odontológico se deu para verificar a existência de necessidade de tratamento9. Outros motivos, dentre eles a necessidade de extração dentária, sem a presença de dor foram responsáveis por um número relevante de casos. O serviço foi avaliado como bom pela maioria dos pacientes, e apenas uma pequena parcela afirmou ter recebido instruções de um profissional acerca do cuidado com a saúde bucal. A grande maioria dos pacientes afirmou ter necessidade atual de tratamento odontológico (Tabela 2).

 

 

 

Na avaliação da autopercepção da saúde bucal, os inquiridos consideraram sua saúde bucal boa e regular. Em relação à aparência de dentes e gengivas, mais da metade da amostra afirmou ter boa aparência, assim como uma ótima mastigação. Quando perguntados pela interferência da saúde bucal no relacionamento pessoal, grande parte afirmou não haver esse tipo de interferência. Em relação à presença de dor nos últimos seis meses, poucos afirmaram ter tido alguma experiência de dor (Tabela 3).

 

 

 

Foi indagado aos pacientes se eles haviam sentido dor na região de dentes ou gengivas durante o período de internação, tendo a grande maioria negado tal evento. Contudo, dezessete pacientes relataram presença de dor, e apenas quatro comunicaram esse fato à equipe de enfermagem; somente um caso buscou ajuda do cirurgião-dentista lotado na unidade hospitalar.

Dos 301 pacientes entrevistados, 264 (87,7%) afirmaram que desconheciam a presença de cirurgiãodentista no hospital, quer clínico-geral ou cirurgião bucomaxilofacial e apenas 23 (7,6%) afirmaram que foram visitados por profissionais da Odontologia, no leito, durante o período de internação.

Durante o período de internação, grande parte dos pacientes realizava a escovação diária com escovas de dente e creme dental. Alguns pacientes utilizavam outros métodos, como a casca do juá, e um pequeno número não realizava a escovação (Figura 1).

 

 

 

Após levantamento de necessidades de tratamento odontológico, os pacientes foram classificados em um perfil, em que um terço do total dos pacientes situou-se no perfil intermediário. (Figura 2)

 

 

 

O perfil 3, que caracterizava a presença de cálculo dentário ou de cavidades pequenas de cárie foi o mais prevalente, seguido do perfil 4, correspondente necessidade de extração dentária.

 

DISCUSSÃO

Os hospitais de emergência são equipamentos de saúde de alta complexidade destinados ao tratamento e recuperação de pacientes. No estado do Ceará, há um único grande hospital público voltado ao atendimento de pacientes vítimas de acidentes e violências, também conhecidos como causas externas de morbimortalidade.

O hospital da pesquisa dispõe de equipe multiprofissional completa composta por médicos, cirurgiões-dentistas, enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos, dispostos em equipes completas de plantão durante 24 horas, com o objetivo de continuidade de assistência no período noturno e aos finais de semana. Constituindo-se em uma unidade de referência em todo o Estado do Ceará para casos de urgência e emergência, a Instituição conserva o drama da superlotação dos hospitais públicos no país, uma vez que a maior parte dos problemas de saúde que atinge a população acaba para lá convergindo12 .

Na análise realizada dos 301 pacientes consultados, mais de 80% era homem, cuja média de idade foi de quase 40 anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, os adultos jovens e vítimas de acidentes são os que mais precisaram de internações (70,3% do total) e de atendimentos de emergência (65%). Este grupo populacional corre risco 2,4 vezes maior de ser internado por causas externas, que as mulheres13 .

Dos acidentes com veículos automotores, aqueles que envolveram motocicletas foram os mais prevalentes, com 146 casos (48,5%), perfazendo quase a metade do total de internações. De acordo com uma pesquisa realizada em 2009 ocorreram 6.300 internamentos por acidentes de motocicletas, e tais acidentes trouxeram 27,5% de consequências mais graves para o condutor e passageiro, quando comparados aos acidentes com outros tipos de veículos14 .

Os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) são as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham e indicam que aquelas em desvantagem social correm um risco diferenciado, refletidas numa exposição a condições perigosas, estressantes e menor acesso aos serviços de saúde15,16 .

A amostra estudada revelou uma população desprovida de recursos, não só financeiros, como também de educação, influenciando, consideravelmente, o seu modo de adoecimento17 . No contexto geral, os pacientes internados no período da coleta de dados apresentavam nível de escolaridade básico. Entretanto, ampla maioria dos pacientes internados não era estudante, e um pouco mais de 60% apresentava até nove anos de estudos, o que demonstrou claramente que uma grande quantidade de indivíduos abandonou a escola ou interrompeu os estudos de forma precoce, antes da conclusão do ensino médio.

Os inquéritos populacionais, como a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), apresentam dados que demonstram o monitoramento do desempenho das políticas de saúde no Brasil e permitem obter um panorama do acesso e do uso de serviços de saúde no país. Nos últimos 10 anos, houve um maior acesso à saúde da população residente nas regiões mais carentes e, em todas as regiões, dos mais pobres. Entretanto, em relação aos serviços odontológicos, ainda ocorrem desigualdades sociais muito grandes que bloqueiam esse acesso18 .

No presente estudo, observou-se que a maioria já teve contato com o cirurgião-dentista, em uma consulta odontológica prévia. Todavia, mais de 40% dos usuários o fizeram há mais de três anos. De acordo com a PNAD, em 2008, 88,3% da população brasileira teve acesso a serviços odontológicos, porém apenas 40,0% o fizeram a menos de um ano da data da entrevista18 , valores bem diferentes daqueles encontrados nesta pesquisa.

Dos pacientes avaliados, 66,8% eram usuários dos serviços públicos de saúde, valores superiores aos observados na pesquisa de âmbito nacional, (SB Brasil 2010) 9 , para a região Nordeste (41,3%) e para o Brasil (38,3%). Estes resultados demonstram que o serviço público ainda é, para muitos, o principal meio de acesso ao atendimento odontológico, e destacam a importância de se reorganizar esses serviços para suprir as necessidades dessa parcela da população carente de cuidados19 .

Estudos sobre o uso de serviços odontológicos por brasileiros ainda são em número reduzido20,21 e mostram que os principais motivos para a consulta odontológica são a dor e as consultas de rotina/reparo/ manutenção; no SB Brasil9, o percentual de sujeitos adultos que afirmaram procurar o serviço odontológico devido à dor foi de 15,8%. Estes dados deixam claro que a dor se constitui no estímulo mais forte para a busca de ajuda profissional. Nesta fase, o problema de saúde já se encontra instalado. Quando se indagou aos pacientes que já haviam tido acesso ao cirurgiãodentista sobre os principais motivos que os levaram à consulta odontológica, verificou-se que as cavidades de cárie dentária constituíram o principal motivo da procura pelo atendimento odontológico (Tabela 2). No SB Brasil 2010, o percentual de sujeitos adultos que afirmaram procurar o serviço odontológico devido a dor e exodontia na região Nordeste, foi de 37%. No tocante ao tempo decorrido da última consulta 41,2% dos pacientes internos referiu um período de três ou mais anos da última visita ao cirurgião-dentista, corroborando com os dados descritos no SB Brasil 2010, que foi de 38,1%, correspondendo ao somatório das faixas etárias de 15 a 19 anos e de 35 a 44 anos.

No presente estudo, a relação entre as variáveis "percepção de necessidade" de tratamento odontológico e "classificação da saúde bucal" mostrou-se estatisticamente significante (p<0,001), quando aplicado o teste do Qui-quadrado. O mesmo aconteceu com as variáveis "perfil" e "autopercepção de saúde bucal" (p<0,001). Porém, quando indagados sobre a aparência dos dentes e gengivas, 53% (n=161) afirmaram ter boa aparência, o que foi de encontro ao resultado de classificação do perfil de saúde bucal de tais pacientes, que enquadra 76,4% da amostra nos perfis 3 e 4, dentro de uma escala crescente de gravidade de 1 a 6.

A falta de conhecimento acerca das doenças bucais e seus modos de prevenção são responsáveis pelo comportamento de grande parte da população brasileira que negligencia o cuidado com a saúde. A educação em saúde é importante na medida em que busca influenciar de forma favorável as práticas de cuidado, portanto o cirurgião-dentista deve integrar ao seu atendimento atividades preventivas, para evitar o surgimento da doença em seu paciente23 . No presente estudo apenas uma pequena parcela (11%) afirmou já ter recebido instruções de um profissional acerca do cuidado com a saúde bucal.

O melhor método preventivo para as principais doenças bucais consiste no controle do biofilme bucal, por meio da escovação dos dentes e da língua e pela utilização do fio dental23,24 , com consequente redução do número dos microrganismos na cavidade oral.

A Associação Americana de Enfermeiros de Cuidados Críticos (AACN) desenvolveu um programa de higiene bucal para pacientes institucionalizados. Esse programa inclui a escovação dos dentes, gengivas e língua dos pacientes, pelo menos duas vezes por dia, utilizando uma escova macia tamanho infantil ou adulto, hidratação da mucosa oral e lábios, a cada 2-4 horas. Previamente à intervenção cirúrgica, deve-se usar também gluconato de clorexidina oral (0,12%), duas vezes por dia25. No presente estudo, 277 (92%) pacientes utilizavam escova dentária e creme dental, contudo, havia 12 (4%) pacientes que não realizavam qualquer método de higiene bucal.

Orientações de bons hábitos em higiene bucal oferecem sempre bons resultados na qualidade de vida durante o período de internações hospitalares. Nas enfermarias de hospitais públicos, o perfil da população atendida é geralmente de pessoas carentes, o número e a rotatividade desses pacientes são elevados e não há condições de haver consultas frequentes. A isso se alia a falta de preparo dos auxiliares de enfermagem em orientar tais pacientes no tocante aos cuidados mínimos de higiene26 .

Considera-se de fundamental importância, que os auxiliares de enfermagem responsáveis pela vigilância da higiene de tais pacientes sejam capacitados para a execução e o estímulo do paciente na realização da higienização bucal diária, pois se sabe que uma condição bucal precária altera a evolução e a resposta do paciente ao tratamento médico24 . Em geral, os pacientes, vítimas de traumas, passam por um período longo de internação, com média elevada de tempo de espera e recuperação cirúrgica, o que o leva à perda de alguns hábitos antes considerados mais rotineiros, como os cuidados com a higiene, assim como a falta de motivação para coisas simples do dia a dia. O presente estudo confirmou que a grande maioria dos pacientes desconhece a presença do profissional no ambiente hospitalar.

Dos 301 pacientes entrevistados, 87,7% (n=264) afirmaram não saber da presença de cirurgiãodentista no hospital e apenas 23 (7,6%) afirmaram que foram visitados por profissionais da Odontologia, no leito, durante a internação.

O hospital em questão apresenta em seu quadro profissional 11 (onze) cirurgiões-dentistas distribuídos em 8 (oito) equipes de plantão de 24 horas; além de 10 (dez) cirurgiões-dentistas que desempenham atividades de formação no interior do Instituto, através das residências em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais (CTBMF). É importante asseverar, ainda, que uma das enfermarias pesquisadas foi a da própria CTBMF, especialidade odontológica. As atividades desempenhadas pelos profissionais da Odontologia no hospital são voltadas para o atendimento de urgência e emergência, em especial à traumatologia; inclusive com equipamentos e materiais odontológicos exclusivos para este fim. Assim, não há condições materiais e/ou equipamentos de controle das doenças mais prevalentes (cárie e doença periodontal) dos pacientes internados na unidade hospitalar. Os cirurgiões-dentistas no hospital restringem-se ao seu leque de atuação, pois.

Percebe-se, então, que não há uma identificação e apresentação do profissional da Odontologia ao paciente, como tal. Ou seja, o cirurgião bucomaxilofacial é provavelmente percebido pelos pacientes como um profissional da Medicina, e não da Odontologia.

Ao ampliar o foco, o cirurgião-dentista tem papel fundamental na motivação dos seus pacientes, no que diz respeito ao cuidado com a saúde bucal, principalmente quando se trata de pacientes institucionalizados.

A importância de se atuar na saúde bucal de pacientes hospitalizados é fundamental, em função das constatações de que a infecção precoce é forte preditor da ocorrência de doenças na vida dos indivíduos12 .

O cuidado com o paciente hospitalizado depende da interação do trabalho multiprofissional, resultado da soma de cuidados que se complementam. Torna-se um desafio coordenar adequadamente uma equipe tão diversificada e especializada de profissionais da saúde. Nesse contexto, faz-se necessário, para um efetivo desenvolvimento das atividades, a presença do cirurgião-dentista no ambiente hospitalar, cuja responsabilidade é de motivar e conscientizar os pacientes e funcionários sobre a importância dos cuidados bucais para o restabelecimento da saúde geral. Tal presença busca também possibilitar o vínculo entre a equipe de enfermagem e o paciente hospitalizado, para que o objetivo de tornar a saúde integralizada seja consolidado12 .

A presença de doenças e agravos (acidentes ou violência) pode comprometer a saúde geral do indivíduo; que por sua vez, esta pode interferir no estado de harmonia, normalidade e higidez da boca.

A pesquisa forneceu uma avaliação das condições de saúde bucal dos pacientes internados em um hospital de emergência, e como tal, é um contributo significativo para o recente debate em torno da qualidade, da prioridade e base de dados de saúde bucal previstas nos hospitais.

Faz-se necessária, pois, a inserção mais efetiva do cirurgião-dentista nas unidades hospitalares, a fim de agregar e promover a motivação na transformação das atitudes, em especial, em saúde bucal. Só então, poder-se-á falar em uma busca pela integralidade das ações e do cuidado, propiciando aos pacientes uma melhor qualidade de vida durante a internação.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que as condições de saúde bucal Saúde bucal de pacientes internados em hospital 10.7308/aodontol/2012.48.4.010 Arq Odontol, Belo Horizonte, 48(4): 270-279, out/dez 2012 278 desses pacientes são precárias, independentemente se estas foram agravadas ou não pelo período de hospitalização.

 

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Autor correspondente:
Andréa Silvia Walter de Aguiar
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Recebido em 17/07/2012 - Aceito em 07/10/2012