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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.49 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2013

 

 

Hábitos relacionados à saúde bucal em crianças nascidas prematuras: uma preocupação para equipes multiprofissionais de saúde

 

Oral health habits in pre-term children: a concern for healthcare professionals

 

 

Karolline Alves Viana I; Ludmilla Ferreira Euzébio II; Andréa Araujo de Oliveira Cortines II; Luciane Rezende Costa III

I Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil
II Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil
III Divisão de Odontopediatria, Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil

Contato: karoll.viana@hotmail.com, ludmilla.euzebio@gmail.com, andreacortines@gmail.com, lsucasas@ufg.br

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Identificar hábitos alimentares, de sucção não nutritiva e de higiene bucal nos primeiros três anos de vida de crianças nascidas prematuras. Materiais e Métodos: Estudo descritivo retrospectivo baseado em dados secundários obtidos de prontuários odontológicos das 109 crianças com história de nascimento prematuro, acompanhadas no Ambulatório Odontológico de Prematuridade do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, de fevereiro de 2011 a julho de 2012. Consideraram-se informações da primeira consulta odontológica: idade atual, sexo, idade gestacional, hábitos alimentares (tipo de aleitamento, ingestão de açúcar extrínseco), hábitos bucais não nutritivos (sucção de chupeta e sucção digital) e hábitos de higiene bucal. Os dados foram analisados por estatística descritiva com auxílio do software IBM SPSS versão 20.0. Resultados: No primeiro exame odontológico, as crianças nascidas prematuras tinham de 1 a 33 meses de idade (média de 8,6±7,2), sendo 49 (45,0%) meninas e 60 (55,0%) meninos. A ocorrência de aleitamento natural em menores de 6 meses foi de 22,8%, com predominância de aleitamento artificial (45,6%). Do total de nascidos prematuros, 79,8% utilizavam mamadeira e 58,7% realizavam sucção de chupeta. Em relação à higiene bucal, 73,4% da amostra realizava higiene bucal e 44,4% utilizava a fralda como instrumento. Conclusão: Os percentuais de aleitamento materno exclusivo foram baixos. A maioria das crianças apresentou algum hábito de sucção não nutritiva. A prática de higiene bucal mostrou-se insatisfatória. Assim, o estabelecimento de programas educativo-preventivos é essencial no apoio às famílias para os cuidados bucais a essas crianças, visando à promoção de saúde e prevenção de alterações no sistema estomatognático.

Descritores: Nascimento prematuro. Saúde bucal. Hábitos.


 

ABSTRACT

Aim: This study aimed to identify dietary habits, non-nutritive sucking habits, and oral hygiene habits in the first three years of pre-term children. Materials and Methods: This work consists of an observational, retrospective, descriptive study in which secondary data were collected from the clinical records of 109 children attended to at the Dental Clinic for Pre-term Children at the University Hospital of the Federal University of Goias (UFG), from February 2011 to July 2012. This study considered information regarding the child's first dental visit: the child's current age, gender, gestational age, dietary habits (natural breast-feeding, bottle feeding, extrinsic sugar consumption), non-nutritive sucking habits (sucking a pacifier and finger sucking), and oral hygiene habits. Data were analyzed by descriptive statistics using the IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®), version 20.0. Results: In the first dental visit, the pre-term children were from 1 to 33 months old (8.6±7,2), with 49 (45.0%) girls and 60 (55.0%) boys. The occurrence of natural breastfeeding in children under 6 months of age was 22.8%, with a predominance of mixed bottle-breastfeeding (45.6%). Of the total number of pre-term children, 79.8% were bottle-fed and 58.7% used pacifiers. Mothers of 73.4% of these children performed their oral hygiene, while 44.4% used only a soft cloth diaper to perform oral hygiene. Conclusions: The percentage of exclusive breastfeeding was low. The majority of children presented some type of non-nutritive sucking habit. Most of the children received unsatisfactory oral hygiene. Thus, the establishment of educationalpreventive programs are essential in an attempt to provide support to the family regarding their babies' oral hygiene, geared toward the promotion of oral healthcare and the prevention of changes in the child's stomatognathic system.

Uniterms: Premature birth. Oral health. Habits.


 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde considera prematuro – ou pré-termo – todo recém-nascido com menos de 37 semanas de gestação1. A ocorrência de nascimentos prematuros varia entre as diferentes populações2-4. No Brasil, em 2011, segundo dados do Ministério da Saúde5, de 2.913.160 nascidos vivos, 285.592 são pré-termos, o que corresponde a 9,8%.

A prematuridade é um dos principais fatores de risco para mortalidade neonatal, além de apresentar alta morbidade. Um estudo com prematuros brasileiros menores de 32 semanas verificou uma sobrevida de 73,2%6. Devido à imaturidade dos órgãos, diversas complicações ocorrem e acometem com mais frequência o cérebro, os pulmões e os olhos. Assim, prematuros apresentam condições arriscadas para a vida extrauterina6,7. Tais condições podem repercutir na instalação de hábitos bucais e alimentares inadequados, atrasos no crescimento da criança e no desenvolvimento das dentições, assim como na máformação do esmalte dentário e do palato2,7,8. Desse modo, pode haver comprometimento da estética, aumento da suscetibilidade à cárie e à instalação de más-oclusões nas crianças mais velhas com histórico de prematuridade2,3,7.

Os pré-escolares brasileiros continuam apresentando doença bucal em índices preocupantes, apesar dos diversos programas educativos e preventivos existentes. Os resultados obtidos na Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (Projeto SB Brasil 2010) demonstram que a cárie dentária em dentes decíduos, embora tenha sido reduzida ao longo dos anos em 17%, ainda é um problema de saúde pública9. Nota-se uma média de 2,43 dentes com experiência de cárie em crianças de 5 anos, com predomínio do componente cariado, e desses, menos de 20% estavam tratados no momento em que os exames epidemiológicos foram realizados9. Esse levantamento não trouxe dados relacionados especificamente aos prematuros.

A literatura tem se voltado ao estudo da condição bucal de recém-nascidos2-4,7,8,10-15, porém a maior parte dessa produção relaciona-se a aspectos da arcada dentária ou a condições bucais de crianças maiores nascidas prematuras. Para se fundamentar a propositura de programas multidisciplinares direcionados a crianças prematuras, que também contemplem a atenção bucal, é necessário conhecer os fatores de risco que as tornam vulneráveis a problemas bucais. Este estudo teve como objetivo identificar os hábitos alimentares, de sucção não nutritiva e hábitos de higiene bucal nos primeiros três anos de vida de crianças nascidas prematuras e assistidas em ambulatório de referência de um hospital universitário.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela declaração de Helsink e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), protocolo nº CAAE 05111812.8.0000.5078, e segue os princípios éticos da Resolução 196/96 e complementares do Conselho Nacional de Saúde.

Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo, com abordagem quantitativa, que utilizou dados primários obtidos em prontuários odontológicos dos pacientes atendidos no período de fevereiro de 2011 a julho de 2012, no Ambulatório Odontológico de Prematuridade (AOP) do HC/UFG. Esse ambulatório, integrado ao Ambulatório de Neonatologia do HC/ UFG, compreende o atendimento odontológico e fonoaudiológico aos lactentes de risco, com foco na abordagem preventiva-interceptiva. As consultas são realizadas previamente à consulta médica, e os retornos agendados na mesma data, com intervalos de um a três meses, conforme necessidade verificada pela equipe multiprofissional.

A amostragem foi não-probabilística e por conveniência. Inicialmente, selecionou-se os 119 prontuários odontológicos dos pacientes atendidos no AOP-HC/UFG, no período mencionado. Incluiuse todos os pacientes nascidos com idade gestacional menor que 37 semanas e excluiu-se as crianças cujos prontuários odontológicos não foram localizados.

Os dados foram coletados por um único pesquisador e tabulados no Microsoft Excel 2010®. Analisou-se as seguintes variáveis coletadas na primeira consulta odontológica: demográficas (idade no dia da primeira consulta odontológica, sexo e idade gestacional); hábitos alimentares – tipo de aleitamento (natural/materno exclusivo, artificial ou misto), uso de mamadeira (sim ou não), furo do bico da mamadeira (padrão de fábrica ou aumentado) e ingestão de açúcar extrínseco (sim ou não); hábitos de sucção não-nutritiva – sucção de chupeta (sim ou não) e sucção digital (sim ou não); hábitos de higiene bucal – realiza limpeza bucal (sim ou não), material utilizado (gaze, fralda, escova ou outros) e orientação anterior para tal prática (sim ou não). Registrou-se informações omitidas ou incompletas como "ausentes".

Neste estudo, as crianças foram agrupadas em categorias de acordo com a idade, com base na cronologia de desenvolvimento da dentição humana13: 0-6 meses (edêntulo), 7-12 meses (presença dos incisivos), 13-24 meses (presença do primeiro molar decíduo) e maiores de 24 meses (irrupção dos segundos molares decíduos). Tal categorização favorece a análise quanto à adequação/inadequação dos hábitos alimentares, de sucção não nutritiva e de higiene bucal, que variam de acordo com a idade da criança.

Foi realizada análise estatística descritiva com auxílio do software IBM SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.0, por meio de medidas de posição e dispersão para variáveis numéricas e frequência das variáveis categóricas. Para variáveis que possuíam dados ausentes, além da frequência absoluta e porcentagem, foi analisada a porcentagem válida.

 

RESULTADOS

A amostra final foi constituída por 109 crianças, 49 (45,0%) do sexo feminino e 60 (55,0%) do sexo masculino, nascidas com idade gestacional entre 24 e 36 semanas (média 32,6±3,0). A idade das crianças na primeira consulta odontológica variou de 1 a 33 meses (média de 8,6±7,2), assim distribuída: 57 (52,3%) lactentes menores de 6 meses, 30 (27,5%) com idade entre 7 e 12 meses, 16 (14,7%) de 13 a 24 meses e 6 (5,5%) se encontravam no terceiro ano de vida.

Os hábitos alimentares das crianças foram predominantemente aleitamento artificial ou misto, em detrimento do aleitamento natural exclusivo, mesmo na faixa etária de 0 a 6 meses. Observou-se alta ocorrência (96,6%) de uso de mamadeira entre os lactentes de 7 a 12 meses de idade. Em 72,2% (n=57/79) dos casos de uso da mamadeira, o furo do bico era "padrão de fábrica", isto é, não aumentado. A ingestão de açúcar extrínseco aumentou de acordo com a faixa etária e esteve presente em 95,4% (n=21/22) dos maiores de 12 meses de idade (Tabela 1).

No primeiro ano de vida, cerca de dois terços das crianças tinham hábito de higiene bucal, e este foi relatado em 100,0% das crianças maiores de 13 meses. O uso de fralda para higiene bucal predominou entre os menores de 12 meses, e a escova de dentes, entre os maiores de 13 meses (Tabela 1). Nos dados presentes (n=77), 37,7% (n=29) dos cuidadores afirmaram nunca terem sido orientados sobre os cuidados com a higiene bucal das crianças.

A ocorrência de sucção digital foi de 16,5% (n=18/107) e a da sucção de chupeta foi de 58,7% (n=64/109). A maioria das crianças que utilizava chupeta recebia aleitamento artificial (Tabela 2).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Este estudo evidenciou que os hábitos bucais de lactentes nascidos prematuros foram desfavoráveis ao adequado desenvolvimento bucal: poucas crianças menores de 6 meses realizavam aleitamento materno exclusivo, a ingestão de açúcar extrínseco foi frequente nos maiores de 6 meses, e muitas possuíam algum hábito de sucção não nutritiva. Segundo a pesquisa bibliográfica realizada no campo da odontologia brasileira, este parece ser o primeiro artigo mostrando essas características em lactentes.

Neste estudo houve baixa ocorrência de aleitamento natural. Em crianças nascidas prematuras, estabelecer o aleitamento materno pode ser particularmente difícil8,10,11, pois o processo de amamentação envolve aspectos como motricidade oral, maturação fisiológica e desenvolvimento neurológico8, que estão comprometidos nessa população10,11. Neste estudo, menos de um quarto das crianças menores de 6 meses recebeu aleitamento materno exclusivo, concordante com relato11 de que apenas 10 dentre 38 prematuros (26%) iniciaram aleitamento materno exclusivo. Após 6 meses de vida, a ocorrência de aleitamento materno associado à alimentação complementar (aleitamento misto) foi maior do que naquele estudo11 que observou taxa de 13% (n=5/38). Esses dados vão de encontro ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde: amamentação exclusiva até o sexto mês de vida, e, após esse período, aleitamento materno e alimentação complementar até o segundo ano de vida ou mais14. O aleitamento materno deve ser estimulado para todas as crianças por ser essencial para um adequado crescimento e desenvolvimento, além de ter baixo custo e ser uma das ações mais eficientes na redução da mortalidade infantil e no fortalecimento do vínculo mãe-filho11,15.

A maioria das crianças deste estudo (86%) usava mamadeira. Outro estudo retrospectivo12, que utilizou entrevista com mães de 250 prétermos indianos com idade de 1-6 anos, evidenciou uma ocorrência de 21,2% (n=53). Em geral, os estudos demonstram uma maior ocorrência de uso de mamadeira em crianças prematuras do que em crianças a termo8,12. A imaturidade muscular, a falta de coordenação entre sucção-deglutição-respiração, e o gasto excessivo de energia utilizada para sugar o seio materno, que pode ocasionar perda de peso, fazem com que a mamadeira seja amplamente utilizada por crianças prematuras16. Essa prática deve ser desencorajada e a mãe deve ser estimulada a ordenhar seu leite em um copo16. O Ministério da Saúde recomenda também que, após o aleitamento materno exclusivo, seja utilizado copo para o consumo de líquidos15. Verificou-se ainda, no presente estudo, que o furo do bico da mamadeira foi aumentado em menos de um terço dos casos. Alguns cuidadores aumentam o furo a fim de facilitar a alimentação da criança, o que pode levar a inadequado crescimento das estruturas orofaciais, além de aumentar a chance de aspiração e otites17.

Observou-se, nesta pesquisa, que crianças que receberam aleitamento artificial e misto apresentaram maior ocorrência de sucção de chupeta do que aquelas com aleitamento natural, corroborando relatos de outros estudos8,17-19. O uso de chupeta por crianças pré-termo (56%) é maior do que em crianças a termo (33%)8. Uma das consequências do uso de mamadeira e da ausência de amamentação natural é o aparecimento de hábitos deletérios de sucção8,17-19 que, se perpetuados, podem ocasionar alterações morfológicas no arco dentário e, consequentemente, favorecer a instalação de más-oclusões e a ocorrência de traumatismos dentários8,17,18. Com menor número de sucções, a criança passa a buscar substitutos como o dedo e/ou a chupeta8,17,18. É importante salientar que o hábito de sucção não nutritiva é aceitável em lactentes, por atender suas necessidades fisiológicas e psicológicas e pela compreensão de que as alterações provocadas são temporárias, se o hábito for interrompido de maneira adequada e na idade correta20. Todavia, a persistência desse hábito após os 2-3 anos de idade, aumenta significativamente a probabilidade de a criança desenvolver alterações na arcada dentária21. Assim, o cirurgião-dentista deve planejar a remoção do hábito de sucção quando este estiver prejudicando o desenvolvimento da cavidade bucal da criança8.

Verificou-se que a ingestão de açúcar extrínseco (achocolatado, farináceos, adição de açúcar) foi alta nos maiores de 6 meses. Tal achado corresponde, possivelmente, ao momento em que os cuidadores são orientados a iniciarem alimentação complementar. O açúcar adicionado a sucos, leites e produtos é substrato para as bactérias bucais, podendo ocasionar o desenvolvimento da cárie dentária, se associado aos demais fatores etiológicos22. Além disso, o alto consumo de açúcar está relacionado ao sobrepeso infantil23. Práticas dietéticas de alto risco parecem ser estabelecidas nos primeiros 12 meses de vida e são mantidas ao longo da primeira infância15,24.

No presente estudo, os respondentes afirmaram realizar higiene bucal na maior parte das crianças menores de 13 meses e em todas aquelas maiores de 13 meses, resultado similar ao de outro estudo8 em que 92% de mães de crianças de 2 a 4 anos nascidas prematuras realizavam higiene bucal em suas crianças. Neste estudo, dos 29 lactentes que não realizavam higiene bucal, 19 tinham entre 0-6 meses, e 10 de 7-12 meses. A Academia Americana de Odontopediatria (AAPD) recomenda que os cuidados com a limpeza bucal devem começar após a irrupção do primeiro dente, por volta do 6º-12º mês de vida25.

A literatura não fundamenta a higienização bucal de crianças edêntulas, na óptica psicossocial e/ou microbiológica. Não há evidências científicas em favor da realização de limpeza bucal a partir do nascimento visando aquisição de bons hábitos de higiene bucal. Também, apesar de os microrganismos colonizarem a boca logo após o nascimento da criança26, a microbiota residente desempenha papel importante na manutenção da saúde27. Quando os dentes irrompem, proporcionam áreas para adesão e retenção bacteriana, alterando a complexidade da microbiota; observa-se, por exemplo, a colonização por Veillonella spp., Actinomyces spp. e Lactobacillus spp26. Caso ocorram mudanças nas condições ambientais locais que desequilibrem a microbiota residente, poderá desenvolver-se tanto a cárie quanto a doença periodontal, conforme a hipótese ecológica da placa28.

Para a limpeza bucal, fralda ou gaze predominaram entre os menores de 12 meses e, nessa faixa etária, a maioria das crianças com os incisivos irrompidos não utilizavam escova dentária – a despeito do preconizado pela AAPD25,29 – e nem dentifrício fluoretado, apesar de ser recomendada uma pequena quantidade (0,1 g) duas vezes ao dia30. Cinco crianças maiores de 13 meses ainda utilizavam a fralda, inclusive uma maior de 24 meses, porém, fralda e gaze são inadequados para a limpeza de molares decíduos. Apesar de alguns responsáveis relatarem que não receberam orientação quanto aos cuidados de higiene bucal nos filhos, mais de dois terços realizavam-na, mesmo que com material inadequado.

A AAPD recomenda também que todos os profissionais de saúde envolvidos na atenção pediátrica devem educar pais e lactentes sobre etiologia e prevenção da cárie dentária, prevenção de traumas dentários e instalação de hábitos bucais deletérios25. Ademais, destaca que os responsáveis pelas crianças devem ser orientados a realizarem a higiene bucal dos filhos, duas vezes ao dia, assim que os dentes irromperem, sendo o uso do fio dental iniciado quando as superfícies proximais não puderem ser limpas pela escova dentária25. Entretanto, 29 pais relataram nunca terem sido orientados para a limpeza da boca dos seus filhos; 13 responsáveis por maiores de 6 meses, época em que a higienização bucal deve ser iniciada25. Esse achado pode representar uma falha de abordagem do assunto pela equipe de saúde (recomenda-se a leitura do artigo correspondente à referência 30).

O uso de dados retrospectivos como fonte de pesquisa é uma das limitações deste tipo de estudo, visto que o registro incompleto das informações dificulta a transcrição dos achados. Contudo, os resultados aqui apresentados retratam o perfil da criança prematura atendida em um hospital público de referência que pode se assemelhar a outros hospitais brasileiros; também fornecem subsídios para o planejamento de ações, com vistas à melhoria na qualidade da assistência e na implementação de medidas preventivas/interceptivas a lactentes prematuros.

Sugere-se que novos estudos sejam realizados buscando-se conhecer a frequência, duração e intensidade desses hábitos nessa população, e correlacioná-los com as repercussões na cavidade bucal. Pesquisas quantitativas e qualitativas que busquem conhecer as características maternas e suas influências na instauração de práticas inadequadas também são de grande valia. Poucos estudos abordam a ocorrência de hábitos bucais de crianças prematuras3,8,31, especialmente no primeiro ano de vida, momento recomendado pela Associação Americana de Odontopediatria para que os lactentes tenham a primeira visita odontológica preventiva 25.

Os resultados obtidos no presente estudo, associados aos dados da literatura, sugerem que crianças prematuras apresentam condições que as tornam vulneráveis ao desenvolvimento inadequado das estruturas orofaciais2,3,7,8. Dentro desse contexto, fica evidente a importância de programas educativopreventivos, já que o atendimento odontológico ao lactente oferece oportunidade para educação e informação sobre hábitos bucais, prevenção de lesões dentárias e alterações orofaciais e fornece uma base para o estabelecimento de cuidados com a saúde bucal28,31. Além disso, ações de promoção de saúde, como a implantação dos "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno" e da estratégia "Iniciativa Hospital Amigo da Criança", são essenciais.

 

CONCLUSÃO

Os percentuais de aleitamento materno exclusivo foram baixos; a maioria das crianças apresentou algum tipo de hábito de sucção não nutritiva; a prática de higiene bucal foi insatisfatória. Percebe-se, portanto, que o estabelecimento de programas educativo-preventivos com caráter multiprofissional é essencial no apoio às famílias para os cuidados bucais a crianças prematuras, visando à promoção de saúde e prevenção de alterações no sistema estomatognático.

 

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