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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.50 no.2 Belo Horizonte Abr./Jun. 2014

 

 

Maus-tratos na infância e adolescência: conhecimento e atitude de profissionais de saúde

 

Child abuse in childhood and adolescence: knowledge and attitudes on the part of health professionals

 

 

Andreza Cristina de Lima Targino Massoni I; Maria Aldenize Neves Freitas Almeida II; Cássio Gadelha Martins II; Ramon Targino Firmino III; Ana Flávia Granville-Garcia III

 

I Departamento de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Paraíba, Brasil
II Cirurgião-Dentista, Patos, Paraíba, Brasil
III Programa de Pós-graduação em Clínica Odontológica, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Paraíba, Brasil

Contatos: andrezatargino@gmail.com, denize-freitas@hotmail.com, cassio@live.com, ramontargino@gmail.com, anaflaviagg@hotmail.com

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Verificar o conhecimento e as atitudes dos profissionais de saúde cadastrados na equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município de Patos, PB, sobre os casos suspeitos de maus-tratos na infância e na adolescência. Materiais e Métodos: Estudo transversal, realizado com 200 profissionais que responderam a um questionário sobre o tema investigado. Foi realizada estatística descritiva e inferencial, utilizando-se o Teste Qui-quadrado de Pearson e o Teste Exato de Fisher (p<0,05). Resultados: A maioria dos profissionais afirmou ter conhecimento sobre a violência contra a criança (85,0%), considerou-se apto a diagnosticar casos de maus-tratos (67,5%), bem como, declarou saber agir diante de um caso suspeito (76,5%), sendo a denúncia ao Conselho Tutelar a conduta mais relatada (49,0%). Os profissionais com ensino superior, quando comparado aos profissionais com até o ensino técnico, apresentaram melhor desempenho no tocante ao conhecimento dos principais sinais de maus-tratos infantis (p=0,001), além de uma conduta mais favorável no que concerne a não omissão em reportar algum caso suspeito (p=0,010). Este mesmo grupo recebeu mais informações sobre os maus-tratos durante a formação profissional (p=0,010). O interesse em participar de Cursos de Capacitação sobre o tema foi maior por parte daqueles com formação até o ensino técnico (p=0,002). Conclusão: Os profissionais de saúde apresentaram conhecimentos satisfatórios sobre o tema, observando-se um melhor desempenho por parte daqueles com formação superior. Comentários dos participantes denotaram interesse pelo assunto, bem como vontade de capacitar-se sobre o tema. Destaca-se, portanto, a necessidade de uma maior inclusão deste tema na formação dos profissionais, especialmente naqueles com escolaridade até o ensino técnico.

Descritores: Conhecimentos, atitudes e práticas em saúde. Maus-tratos infantis.


 

ABSTRACT

Objective: To verify the knowledge and attitudes on the part of healthcare professionals from the Family Health Strategy (FHS) and the Family Healthcare Center (NASF) from the city of Patos, Pernambuco, Brazil, concerning suspected cases of child abuse in children and adolescents. Methods: This was a cross-sectional study, carried out with 200 professionals who responded to a questionnaire on this topic. A comparative analysis was performed using descriptive and inferential statistics, using Pearson's Chi-square test and Fisher's Exact test (p < 0.050). Results: Most of the professionals reported having knowledge on child abuse (85.0%); considered themselves able to diagnose cases of child abuse (67.5 %) and stated that they knew how to act when faced with a suspect case (76.5%), with the most reported action being the filing of a complaint with the Child Protection Agency (49.0%). Professionals with a higher education level showed a better performance regarding the knowledge of the main signs of child abuse (p = 0.001), as well as a more favorable conduct in relation to the non-failure to report a suspected case (p = 0.010). This same group received more information about abuses during their professional training (p = 0.010). The interest in attending training courses on the subject was higher among those with up to a technical education level (p = 0.002). Conclusion: The professionals presented a satisfactory knowledge on the subject, with a better performance observed among those with a higher education level. Comments from participants denoted interest in the subject, as well as a desire to empower themselves on the subject. What stands out, therefore, is the need for a greater inclusion of this issue in professional training courses professionals, especially among those with up to a technical education.

Uniterms: Health knowledge, attitudes, practice. Child abuse.


 

 

INTRODUÇÃO

Os maus-tratos infantis têm se tornado um fenômeno mundial. No Brasil, apresentam alta prevalência, constituindo-se como uma das principais causas de morte de crianças e adolescentes a partir dos cinco anos de idade, sendo assim, um relevante problema de saúde pública1-3.

A determinação deste fenômeno é complexa, sendo consequência de interação entre fatores culturais, sociais e características individuais dos cuidadores e da criança. Culturalmente, além da aceitação da ideia de propriedade da criança pelos pais, vem prevalecendo, ao longo da história, a compreensão do castigo físico como recurso pedagógico4. Quando o castigo não traz os resultados desejados pelo educador, a tendência é o aumento da intensidade e da frequência, levando a um círculo vicioso que pode resultar em situações trágicas5,6.

Neste contexto, o aumento dos casos de violência contra a criança tem alertado quanto à necessidade de capacitação de profissionais para sua identificação e prevenção7. Para a legislação brasileira, incluindo vários códigos de ética de profissões em saúde, a notificação de suspeita de maus-tratos, pelos profissionais da área, a um órgão designado em lei (Conselhos Tutelares ou, na falta desses, Juizado da Infância e Juventude) é obrigatória, além disso, determina-se que o não cumprimento acarreta pena pecuniária8.

Apesar disso, alguns profissionais de saúde se omitem em casos de maus-tratos, por diversos motivos, entre os quais: falta de conhecimento sobre a conduta correta9,10; incerteza no diagnóstico11; medo de se envolver legalmente 11,12 e por não saber como documentar os referidos casos12-14. Estes profissionais destacam o desejo de receber treinamento sobre o tema, o qual, segundo relatos, foi pouco trabalhado durante a sua formação profissional dentro das universidades, confirmando-se a necessidade do mesmo ser incluído nos projetos pedagógicos dos cursos de graduação15.

Nesta perspectiva, a identificação do conhecimento e das atitudes dos profissionais de saúde sobre os casos suspeitos de violência contra a criança e o adolescente poderá favorecer o estabelecimento de ações de intervenção mais adequadas à realidade diagnosticada, pois permitirá a elaboração de propostas de orientação e de motivação junto aos profissionais investigados, considerando as suas aspirações e seus questionamentos. Dessa forma, esse estudo teve como objetivo, a partir de uma análise comparativa, verificar o conhecimento e as atitudes dos profissionais de saúde cadastrados na equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF); bem como profissionais que constituem o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município de Patos, Nordeste do Brasil, sobre os casos suspeitos de maustratos na infância e na adolescência.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas de Patos (número do protocolo 0804/2010), seguindo os princípios éticos propostos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, em consonância com as determinações da Declaração de Helsinque.

Trata-se de uma pesquisa analítica, com abordagem quantitativa e do tipo transversal16.

Segundo registro da Secretaria Municipal de Saúde, o município de Patos (Paraíba) conta com 409 profissionais de saúde cadastrados nas equipes da ESF e do NASF (Médicos, Cirurgiões- Dentistas, Profissionais da Enfermagem, Psicólogos, Nutricionistas, Assistentes Sociais, Farmacêuticos, Fisioterapeutas e Agentes Comunitários de Saúde) em 38 Unidades Básicas de Saúde.

Para o estabelecimento do tamanho da amostra do estudo foi considerado uma margem de erro de 5%, nível de confiança de 95%, prevalência de 50% (para populações finitas), resultando um tamanho da amostra de 199 participantes. Acrescentando-se 20% a este valor para compensar possíveis perdas, sugeriuse uma amostra de até 239 profissionais.

Participaram do estudo 200 profissionais de saúde trabalhadores da ESF ou do NASF, encontrados nas unidades de saúde após duas visitas e que aceitaram participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, não sendo registrada perda amostral. Os participantes responderam a um questionário autoaplicável, individual e padronizado na presença dos pesquisadores e no próprio ambiente de trabalho. O mesmo foi adaptado de estudos prévios13,15 e permitiu obter respostas objetivas e subjetivas relativas ao conhecimento dos pesquisados sobre o tema, habilidade em agir, diagnosticar, documentar e identificar sinais de maus tratos infantis; conhecimento dos órgãos de proteção à criança bem como experiência prévia com estas situações e acesso a informações sobre o assunto. A fidedignidade das respostas foi testada pelo método de validação de face com 10% dos participantes, através do qual os pesquisadores solicitaram aos tomadores de decisão que explicassem, com suas próprias palavras, o que entenderam sobre cada pergunta16.

Após coleta, os dados foram analisados pela estatística descritiva e inferencial, utilizando-se o software SPSS na versão 21.0 (Statistical Package for the Social Sciences, IBM SPSS for Windows, IBM Corp., Armonk, NY, EUA, 2012).

 

RESULTADOS

Ao término da coleta de dados, 200 profissionais responderam ao questionário. Estes se caracterizaram por apresentar 33,3 anos (±9,2) em média, idade mínima de 19 anos e máxima de 68 anos. Destacase que os participantes eram predominantemente do gênero feminino (84,5%), tinham mais de trinta anos de idade (51,5%), possuíam formação até o ensino técnico (63,0%) (Tabela 1).

 

 

 

Aproximadamente um terço dos profissionais foi representado por agentes comunitários de saúde (31,0%), seguido por enfermeiros (18,0%), técnicos de enfermagem (18,0%), auxiliares de saúde bucal (14,0%), cirurgiões-dentistas (12,0%) e demais profissões de saúde (7,0%).

Cerca de metade dos pesquisados (49,0%) denunciaria ao Conselho Tutelar caso suspeitasse de um caso de maus-tratos infantil. A denúncia a outros órgãos competentes foi a segunda conduta mais relatada (42,5%). As lesões corporais (43,0%) e o trauma psicológico (22,5%) foram os sinais e sintomas predominantemente reconhecidos pelos profissionais como os mais comuns nas situações de violência infantil (Tabela 2).

 

 

 

Os profissionais relataram, em sua maioria, ter conhecimentos sobre o tema em questão (85,0%), saber diagnosticar casos de maus-tratos infantis (67,5%), saber agir diante destas situações (76,5%), conhecer os principais sinais de violência contra a criança (75,0%), conhecer os órgãos de proteção à criança (88,5%) e não saber documentar os casos suspeitos (80,5%). A maioria dos profissionais que afirmou conhecer os sinais mais comuns de maustratos infantis eram aqueles com ensino superior. Esta diferença foi estatisticamente significativa (Teste Qui-Quadrado de Pearson; p < 0,001) (Tabela 3).

A tabela 3 também demonstra que a maioria dos profissionais denunciaria um caso suspeito à justiça (87,5%), bem como, predominantemente, não deixaram de reportar à justiça o ocorrido (91,0%), atitude que ocorreu significativamente com maior frequência por parte dos profissionais com formação superior (Teste Qui-Quadrado de Pearson; p = 0,010).

Observando-se a relação entre as variáveis ligadas ao acesso à informação sobre os maustratos infantis e o nível de escolaridade dos mesmos, verifica-se que a maior parte dos pesquisados não havia recebido informações sobre este tema durante sua formação profissional (71,5%), sendo esta falta de informação significativamente maior naqueles com formação até o ensino técnico (Teste Exato de Fisher; p = 0,010). Os profissionais investigados ainda demonstraram interesse em participar de cursos de capacitação sobre o tema (90,0%), principalmente aqueles com formação até o ensino técnico (Teste Exato de Fisher; p = 0,002) (Tabela 4).

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os maus-tratos infantis representam um importante problema de saúde pública a ser solucionado pela sociedade, devendo os cidadãos participarem ativamente no seu controle. Nesta perspectiva, os profissionais de saúde são membros decisivos; coletando informações, diagnosticando precocemente casos suspeitos, reportando às autoridades competentes e oferecendo a sua contribuição profissional à manutenção e recuperação da saúde de crianças e adolescentes17. Assim, a atuação deste grupo merece um estudo mais detalhado. Desta forma, este trabalho lançou um olhar sobre o conhecimento e os procedimentos adotados por profissionais de diferentes áreas de atuação da Saúde, que realizam suas atividades em Unidades Básicas de Saúde da Família de um município do Nordeste do Brasil frente a situações de maus-tratos infantis.

Verificou-se que a maioria dos pesquisados, independente da escolaridade, relatou possuir conhecimentos sobre aspectos ligados à violência contra a criança, o que concorda com relatos prévios da literatura2,7,13,14. Destaca-se entre os profissionais investigados, a presença de profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), como psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, farmacêuticos e fisioterapeutas, aspecto relevante, visto que, o NASF vem se consolidando como um importante recurso em auxílio ao trabalho dos profissionais da Estratégia Saúde da Família, pois é capaz de prestar assistência em áreas como a Psicologia e a Assistência Social, fundamentais no apoio a crianças vítimas de violência e negligência18.

Isoladamente, o relato sobre possuir conhecimentos a respeito do assunto pode não ser suficiente para demonstrar que o indivíduo está pronto para enfrentar estas situações. Na prática, o profissional deve ser capaz de diagnosticar estes casos para que as medidas cabíveis possam ser tomadas. Os participantes deste estudo, independente da escolaridade, demonstraram resultados positivos, uma vez que mais de dois terços afirmaram estar aptos para realizar o diagnóstico destas situações, ressaltando saber como agir diante de um caso suspeito. Resultados semelhantes foram obtidos em estudo no estado de Pernambuco14. Em oposição, outros autores19,20 enfatizaram o baixo conhecimento dos profissionais de saúde sobre o tema. Os melhores resultados ora relatados podem ser explicados, possivelmente, por um maior anseio dos profissionais investigados em estarem atualizados sobre este assunto, na tentativa de desenvolverem melhor suas funções. Isto é provado por comentários dos mesmos demonstrando interesse em participar de atividades de educação continuada quanto ao tema.

O abuso ou negligência pode se apresentar à equipe de saúde de muitas maneiras: por denúncia direta feita pela criança, um pai, ou alguma outra pessoa; por sinais e sintomas que são sugestivos destas ocorrências; e/ou por observações do comportamento da criança ou interação pai-filho21. Nesta perspectiva, questionou-se aos sujeitos se os mesmos sabiam identificar os principais sinais de maus-tratos. Estes destacaram principalmente a presença de lesões corporais, seguido pela presença de trauma psicológico. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos prévios10,14, cujos participantes apontaram a presença de hematomas e de sinais de depressão como possíveis indicadores de maus-tratos. É válido ressaltar que uma das principais características consideradas quando do diagnóstico de maus-tratos infantis é a discrepância entre os achados clínicos e a história relatada pelo responsável e pela criança. Assim, quando possível, a criança deve ser questionada separada dos pais e estes devem ser questionados posteriormente8.

O diagnóstico é o primeiro passo para a resolutividade destes casos, entretanto, reconhecer os sinais de maus-tratos ainda é uma tarefa um tanto quanto complexa para os profissionais da atenção básica9. Para tal, o estabelecimento de normas técnicas e de rotinas de procedimento para orientação dos profissionais torna-se uma necessidade a fim de apoiá-los no diagnóstico, registro e notificação dos casos de violência, como medidas iniciais para um atendimento de proteção às vítimas e de apoio a suas famílias22.

Quando questionados se saberiam como agir diante de uma situação de maus-tratos, a maioria dos profissionais respondeu positivamente, afirmando que realizaria denúncia ao Conselho Tutelar. Esta conduta também foi a mais observada em estudo anterior15. Neste contexto é importante afirmar que o Conselho Tutelar tem um papel decisivo, pois é junto a ele que os profissionais podem notificar os casos suspeitos de forma adequada, sendo relevante que os profissionais da saúde encontrem um acesso fácil e se sintam seguros junto às pessoas responsáveis por este órgão. Nesta perspectiva, para a legislação brasileira, é obrigatória a notificação a um organismo designado em lei (Conselhos Tutelares ou na falta desses, Juizado da Infância e da Juventude), pelos profissionais de saúde, de casos suspeitos de maustratos, determinando-se que o profissional que não notifica seja punido23.

Ao se denunciar casos de maus-tratos, a documentação se faz necessária. Esta deve incluir, sempre que possível, a descrição de ferimento(s), fotografias e radiografias das estruturas envolvidas. Bem como o registro da circunstância relatada pelo responsável e pelo paciente. Também deve ser registrado o mecanismo de agressão8,24. Todavia, neste estudo, a maior parte dos profissionais investigados destacou não saber documentar este tipo de situação. Ao contrário dos resultados encontrados por outro autor13, no qual a maioria dos profissionais afirmou ter conhecimento de como documentar casos de maustratos. Percebe-se, portanto, que ainda há uma lacuna entre a capacidade de reconhecer os sinais e saber os caminhos para denunciar estas situações9.

Assim como em outros estudos13,15, a maioria dos profissionais deste trabalho relatou conhecer os órgãos de proteção à criança, citando principalmente o Conselho Tutelar. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, em caso de suspeita de maustratos contra a criança, deve-se comunicar o ocorrido ao Conselho Tutelar do município de moradia25; na falta do Conselho Tutelar, deve-se comunicar ao Juizado da Infância e da Juventude8.

Ainda em relação à conduta frente a suspeita de maus-tratos, a grande maioria dos pesquisados afirmou que denunciaria estes casos, o que corrobora outros estudos13,14. Nesta perspectiva, questionou-se aos profissionais se os mesmos já haviam deixado de reportar algum caso suspeito, sendo baixo o percentual daqueles que não denunciaram. Em contrapartida, estudo com cirurgiões-dentistas de Pelotas, Rio Grande do Sul, evidenciou que 76% dos entrevistados não denunciaram estas situações às autoridades competentes2. Portanto, os resultados encontrados refletem uma maior conscientização dos profissionais ora investigados no tocante à adoção de medidas protetoras às vítimas de agressão13.

Apesar de todos os profissionais deste estudo acreditarem que o tema pesquisado é importante e a maioria ter interesse em receber informações sobre o assunto, os resultados deste trabalho demonstraram uma lacuna no acesso a estas informações. A falta de informações sobre este tema é um achado comum nos estudos14,15,26, o que aponta a necessidade deste tema ser incluído nos projetos pedagógicos dos cursos de graduação, por meio de atividades de ensinoaprendizagem.

O nível de escolaridade dos participantes desse estudo foi um aspecto de influência sobre as variáveis ligadas ao conhecimento e à atitude dos participantes frente aos maus-tratos infantis. Assim, o conhecimento acerca dos principais sinais de maustratos infantis (p = 0,001), bem como o fato de não ter deixado de reportar algum caso suspeito (p = 0,01) foram relatados principalmente pelos profissionais que possuíam ensino superior. Assim, a capacitação dos agentes comunitários de saúde é ainda um dos entraves na perspectiva do Sistema Único de Saúde, pois muitos gestores julgam o aprimoramento profissional como desnecessário ou, no mínimo, menos importante que a produtividade diária padronizada27. Tal situação é capaz de repercutir em situações como o diagnóstico e denúncia de maus-tratos infantis.

Observaram-se também diferenças significativas no acesso à informação sobre os maustratos infantis durante a formação profissional, onde esta carência foi relatada principalmente pelos profissionais que possuíam até o ensino técnico (p = 0,01). Estes mesmos profissionais foram os que destacaram em maioria o interesse em participar de Cursos de Capacitação sobre o Tema (p = 0,002). O acesso a treinamento sobre a identificação de vítimas de maus-tratos infantis pode aumentar em até cinco vezes a possibilidade de reconhecer os sinais de agressão e negligência à criança pelos profissionais da saúde8.

De maneira geral os achados aqui observados são relevantes, pois demostram a possibilidade de intervenções dos casos suspeitos por este grupo de profissionais. Porém, a violência contra a criança ainda representa um grande desafio, visto que, seu diagnóstico é dificultado por fatores de ordem cultural, bem como pela falta de orientação dos profissionais dos serviços, que têm receio em enfrentar os desdobramentos posteriores13,14,28.

Identificar casos de maus-tratos contra criança e adolescentes é uma das muitas tarefas do profissional da Estratégia Saúde da Família. Nesse sentido, é necessário o incremento de programas de formação continuada, bem como, a ampliação das redes de suporte profissional a fim de reduzir a insegurança profissional e promover o aumento do número de notificações de casos de maus-tratos.

É lícito destacar que o instrumento utilizado para a coleta dos dados não foi validado, o que reduz a confiabilidade dos nossos resultados, sendo, portanto, uma limitação deste estudo. Entretanto, buscouse atenuar este problema a partir da realização da validação de Face. Apesar de ser um trabalho de caráter seccional, a excelente taxa de resposta, bem como o fato de ter sido realizado com uma diversidade de profissionais, sendo o primeiro estudo que se propôs a investigar este tópico no município, referência para a região; pode contribuir para uma melhor compreensão da realidade destes profissionais, incentivando a tomada de decisões que venham a melhorar seus conhecimentos e condutas.

 

CONCLUSÃO

Os profissionais de saúde investigados apresentaram um conhecimento satisfatório sobre maus-tratos na infância e na adolescência, bem como relataram conduta pregressa favorável. Observouse melhor desempenho por parte dos profissionais com formação superior quando comparados aos com escolaridade até o ensino técnico no que diz respeito à conduta frente a estas situações, não omissão em reportar casos suspeitos, além dos conhecimentos dos sinais de maus-tratos. Destaca-se a necessidade de uma maior inclusão deste tema na formação dos profissionais, especialmente naqueles com escolaridade restrita ao ensino técnico.

 

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