SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.50 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.50 no.2 Belo Horizonte Abr./Jun. 2014

 

 

Saúde bucal materna associada ao parto prétermo e baixo peso dos recém-nascidos: um estudo transversal

 

Maternal oral health associated with preterm birth and a low birth weight among newborns: a transversal study

 

 

Dhelfeson Willya Douglas de Oliveira I; Camila Gabriela Coelho Celestino II; Gustavo Valério Corrêa II; Bruna Mota de Alencar II; Olga Dumont Flecha III; Daisy de Rezende Figueiredo Fernandes IV; Patricia Furtado Gonçalves III

 

I Programa de Pós Graduação em Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
II Graduação em Odontologia, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina, Minas Gerais, Brasil
III Departamento de Odontologia, UFVJM, Diamantina, Minas Gerais, Brasil
IV Departamento de Enfermagem, UFVJM, Diamantina, Minas Gerais, Brasil

Contatos: dhodonto@hotmail.com, kmilacelestino@hotmail.com, gustavocorrea48@hotmail.com, brunadealencardtna@hotmail.com, daisygouveia@oi.com.br, olgaflecha@gmail.com, patricia.furtado@ufvjm.edu.br

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre a condição de saúde bucal materna, parto pré-termo e/ou baixo peso de recém-nascido, e avaliar as condições socioeconômicas das puérperas. Materiais e Métodos: Um estudo transversal foi realizado em Diamantina (MG). A amostra foi constituída de 200 parturientes que foram entrevistadas e examinadas no pós-parto. As seguintes variáveis foram investigadas: baixo peso ao nascer e parto pré-termo, registro periodontal simplificado (PSR), índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) e índice de placa das mães. Dados sobre as condições sócioeconômicas relativas às mães foram coletados através de questionário e prontuários hospitalares. Foram realizados testes t e Mann- Whitney para a análise estatística dos dados, assim como regressão logística múltipla, ajustada pelas variáveis idade, renda e escolaridade. Resultados: Foram entrevistadas 200 puérperas, sendo que 12 tiveram parto prétermo e 19 tiveram recém-nascido de baixo peso. Do total de entrevistadas, 12 fumavam e 24 eram etilistas. O índice CPOD médio encontrado foi de 11,94 (±6,56). Houve associação entre recém-nascido de baixo peso com fumo (p = 0,03), álcool (p < 0,01), condição periodontal (p = 0,01) e CPOD (p = 0,03). Uma mãe com PSR superior a 2 teve 3,29 mais chances de ter um filho com baixo peso. Não houve associação entre parto pré-termo e nenhuma das variáveis investigadas. Conclusão: Tanto o índice PSR quanto o CPOD das mães associaram-se com recém-nascidos de baixo peso, mas não com partos pré-termo.

Descritores: Doença periodontal. Trabalho de parto prematuro. Recém-nascido de baixo peso. Gestação.


 

ABSTRACT

Objective: This study aimed to investigate the association among maternal oral health conditions, preterm births and/or low birth weight among newborns, as well as to evaluate the socioeconomic conditions of the mothers. Methods: This crosssectional study was conducted in Diamantina, Brazil. The sample consisted of 200 pregnant women who were interviewed and examined at post-partum. The following variables were investigated: low birth weight, preterm birth, periodontal screening and recording (PSR) index, DMFT, and plaque index of the mothers. Socioeconomic data for the mothers were collected through a questionnaire and hospital records. Statistical analysis was performed using the Student t and Mann-Whitney tests, as well as multiple logistic regression, adjusted for the variables of age, income, and education level. Results: Two hundred women were interviewed, of which twelve had preterm births and 19 gave birth to newborns with low birth weight. Of the total of women, 12 were smokers and 24 were alcoholics. The average DMFT index was 11.94 (± 6.56). An association could be observed between low birth weight and smoking (p = 0.03), alcohol (p <0.01), periodontal condition (p = 0.01), and DMFT (p = 0.03). A mother with a PSR of greater than 2 had a 3.29-fold higher chance of giving birth to a child with a low birth weight. No association could be drawn between preterm birth and any of the investigated variables. Conclusion: It could therefore be concluded that both the PSR and DMFT indexes were associated with low birth weight, but not with preterm birth.

Uniterms: Periodontal disease. Obstetric labor, premature. Infant, low birth weight. Pregnancy.


 

 

INTRODUÇÃO

Partos pré-termos (PPT) ocorrem quando recém-nascidos (RN) apresentam idade gestacional menor que 37 semanas e o baixo peso ao nascer caracteriza-se por RN com menos de 2500 gramas1. O PPT ocorre em aproximadamente 12% de todos os partos2. Os principais fatores de risco associados ao nascimento de pré-termos com baixo peso (NPBP) são o consumo de álcool, drogas, fumo, hipertensão, diabetes, e histórias prévias de NPBP3. Entretanto, tais fatores não explicam todas as ocorrências de PPT, sendo suas causas consideradas desconhecidas.

O NPBP também é um grave problema de saúde pública. Cerca de 75% das mortes de RN decorrem de PPT2. Em longo prazo, os resultados apresentados pelos sobreviventes podem incluir incapacitações, problemas respiratórios, neurológicos, psíquicos, déficit de atenção, dificuldade de aprendizagem e hiperatividade4.

O desequilíbrio hormonal que ocorre normalmente nas gestantes pode potencializar um quadro de reação inflamatória e propiciar o desenvolvimento ou agravamento das doenças bucais, com reflexos no periodonto. Ao mesmo tempo, condições tais como diabetes, estresse, osteoporose, obesidade, fumo, entre outros, podem influenciar o processo saúde-doença periodontal gerando uma resposta inflamatória sistêmica5. A periodontite associada ou não com estes fatores e indicadores de risco apresenta potencial para induzir o PPT e/ou com baixo peso5.

Baseando-se nessas ocorrências, surgiu na periodontia a medicina periodontal, que se fundamenta na proposta da doença periodontal como fator de risco predisponente para as doenças sistêmicas, incluindo efeitos adversos na gravidez6. Esta plausibilidade se baseia no fato de que a doença periodontal é uma infecção crônica causada por bactérias Gram-negativa1. Estes microorganismos e seus subprodutos presentes em sítios periodontais ativos poderiam se disseminar por todo o corpo, causando doenças em outros órgãos. Os tecidos periodontais inflamados atuariam como um reservatório de bactérias, as quais ativariam os macrófagos e outras células para sintetizar e secretar uma grande variedade de mediadores inflamatórios. Esses componentes deslocariam via corrente sanguínea até a cavidade uterina onde passariam a agir como potenciais fontes de citocinas fetotóxicas, podendo gerar condições adversas na gestação6.

Dessa forma, surge um interesse crescente em investigar as evidências da inter-relação entre periodontite e doenças sistêmicas, já que uma porcentagem de NPBP tem esta etiologia desconhecida7,6. Com isso, o objetivo deste estudo é investigar a associação entre a condição de saúde bucal materna, PPT e RN de baixo peso.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Cálculo amostral

Para o cálculo de tamanho de amostra utilizou-se a prevalência de doença periodontal de 13,7% em mães de RN com baixo peso8. Estipulouse erro tolerável de amostragem em 5% e intervalo de confiança em 95%. Foram acrescidos 10% para prevenir eventuais perdas. Pelo cálculo amostral, obteve-se um total mínimo de 200 puérperas a serem investigadas.

Critérios de elegibilidade

Puderam participar deste estudo as puérperas que tiveram filhos nascidos vivos durante o período de novembro de 2010 a maio de 2011, na Maternidade Antonina da Cruz Silva, do Hospital Nossa Senhora da Saúde, em Diamantina, MG. Os dados foram coletados em até 48 horas pós-parto. Para inclusão das puérperas neste estudo foi necessário que as mesmas tivessem idade a partir de 20 anos.

Foram excluídas as mães de crianças que nasceram com alguma anomalia congênita ou desordem sistêmica, com gestação considerada como alto risco, portadoras de diabetes ou com doença renal crônica, usuárias de corticosteróide contínuo ou gravidez gemelar.

As puérperas foram convidadas a participar da pesquisa. Após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderam a um questionário socioeconômico, sobre saúde bucal e foram então submetidas ao exame odontológico. As participantes receberam orientações de higiene bucal e um kit contendo dentifrício e escova dental.

Exames clínicos e questionários

O exame intra-bucal foi realizado, na própria maternidade, com a luz natural do quarto e sem nenhum procedimento invasivo9, utilizando apenas gaze, espátula de madeira, sonda periodontal da Organização Mundial de Saúde (OMS) e sonda clínica. Todo esse material foi adquirido, esterilizado e transportado pelos pesquisadores responsáveis até o local do exame, conforme princípios de biossegurança vigentes e sem ônus ao serviço público.

Foi realizada uma calibração teórica e prática para o Registro Periodontal Simplificado (PSR) e para o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD). Foram calibrados previamente 3 pesquisadores na clínica de Periodontia e Cirurgia Bucal do Departamento de Odontologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) para a realização dos exames bucais. Os valores do teste Kappa intra e interexaminadores foram respectivamente de 0,95 e 0,91.

Para os exames intra-bucais, os seguintes parâmetros foram utilizados10: índice de placa; PSR e CPOD.

O índice de placa foi expresso em porcentagem, considerando como positivas as faces com placa visível em relação ao número total de faces. Para caracterização do PSR, foi utilizado o código 0 para ausência de bolsa, sem sangramento à sondagem, ausência de cálculo e excessos de margens restauradoras; foram unidos os códigos 1 e 2 para os casos sem doença periodontal presente, com ausência de bolsa, sem sangramento à sondagem, presença de cálculo supra e/ou subgengival e/ou excessos nas margens de restaurações; e os códigos 3 e 4 para doença periodontal presente, com bolsas acima de 3,5mm e sangramento à sondagem. Para exame do índice CPOD, os critérios da OMS foram seguidos, notadamente quanto à presença ou não de cárie em regiões de fóssulas e fissuras.

Nos questionários, os parâmetros investigados foram: idade, escolaridade, estado civil, cor da pele, renda mensal, consumo de cigarro e/ou álcool durante a gestação.

Também foram investigados o tempo de gestação e o peso do RN ao nascimento. Estas variáveis foram dicotomizadas em parto a termo (≥ 37 semanas) e PPT (< 37 semanas); em RN com baixo peso ao nascer (< 2,500 kg) e peso adequado (≥ 2500 kg).

Análise estatística

Utilizou-se o programa SPSS (versão 20.0) para realização da análise estatística. Foi realizada análise descritiva das variáveis observadas. A normalidade das variáveis quantitativas foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A análise da associação entre as variáveis foi verificada pelos testes Qui-Quadrado (X2), Exato de Fisher, teste t de Student e Mann-Whitney quando pertinentes. O nível de significância adotado foi de 95% (p < 0,05).

Foi conduzida análise de regressão logística pelo método enter, com o objetivo de verificar quais variáveis explicavam significativamente os desfechos baixo peso e PPT. Na regressão logística simples, foram inseridas as variáveis independentes que atingiram os seguintes critérios: a) obtiveram p-valor inferior a 0,20 no teste Qui-Quadrado; b) não apresentavam multicolinearidade avaliada pelo teste de correlação de Spearman. Após análise de regressão simples, as variáveis que apresentaram p-valor <0,05 e as variáveis de confusão (idade, renda e escolaridade) foram selecionadas para o modelo múltiplo11.

Princípios éticos

Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido no município de Diamantina, localizado no vale do Jequitinhonha, estado de Minas Gerais. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFVJM sob o parecer nº 085/10. Este estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, revisada em 2008.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 200 puérperas com idade média de 27,24 anos (±5,35). Destas, 188 com idade média de 27,06 anos (±5,31) tiveram parto a termo e 12 com idade de 30 anos (± 5,47) tiveram PPT. As 181 puérperas que tiveram RN com peso adequado tinham idade média de 27,17 anos (±5,26). O grupo com RN de baixo peso foi de 19 puérperas com idade média de 27,84 anos (±6,26). Não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas para nenhuma das características sociodemográficas entre os grupos de baixo peso e peso adequado de RN; e entre mães com gestação a termo e PPT. A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas das participantes de acordo com o peso e tempo de gestação no momento do parto.

Do total de entrevistadas, 179 (89,5%) não fumavam, 12 (6,0%) tinham este hábito anteriormente e o interromperam na gestação e 9 (4,5%) permaneceram com este hábito no período gestacional. Dentre as 21 tabagistas, 18 (85,7%) fumavam de 1 a 10 cigarros por dia, 1 (4,8%) fumava de 11 a 20 cigarros por dia e 2 (9,5%) mais de 20 cigarros por dia. Em relação ao consumo de álcool, 24 (12,0%) mulheres relataram fazer uso de bebida alcoólica durante a gestação.

O índice de placa foi classificado como ótimo em 41% de todas puérperas, em 66,7% das que tiveram PPT e em 52,6% das que tiveram RN com baixo peso. Em relação ao PSR, 37,0% de todas as puérperas e 41,7% das que tiveram PPT tiveram registro com código 2; 47,4% das puérperas com RN de baixo peso apresentaram PSR com código 3. Os resultados do índice de placa e PSR estão demonstrados na tabela 2.

 

 

 

 

 

O total de dentes avaliados foi de 6.390. Desses, 55,8% estavam hígidos e o índice CPOD médio encontrado foi de 11,94 (±6,56). Houve diferença estatisticamente significativa do índice CPOD entre puérperas que tiveram RN com baixo peso e as que os tiveram com peso adequado (p = 0,03). A tabela 3 apresenta os valores de CPOD de acordo com os grupos de puérperas.

 

 

 

Por meio do teste X², não foram observadas associações estatisticamente significativas entre RN com baixo peso e índice de placa (p = 0,33). Também não houve associação entre PPT e: índice de placa (p = 0,34), PSR (p = 0,94), CPOD (p = 0,46), fumo (p = 0,47) e álcool (p = 0,60). Houve associação entre RN de baixo peso com PSR (p = 0,01), fumo (p = 0,03) e álcool (p < 0,01).

 

 

 

A razão de chances (RC) de uma mãe, com PSR superior a 2, ter um filho com baixo peso foi de 3,29 (IC 95% = 1,23 – 8,77). Esta razão foi de 2,73 (IC 95% = 1,03 – 7,51) quando se ajustou para consumo de álcool, idade, renda e escolaridade (Tabela 4). A variável fumo apresentou multicolinearidade com as variáveis PSR e consumo de álcool, e por isso não foi incluída no modelo de regressão. Não foi conduzida análise de regressão logística para o desfecho PPT porque nenhuma variável independente apresentou os requisitos para análise.

 

DISCUSSÃO

PPT e/ou RN de baixo peso pode ser considerado um problema de saúde comum nos países em desenvolvimento2. A ausência de conhecimento de todos os fatores de risco para estes casos resulta em pesquisas por outras causas3. O presente estudo demostrou haver uma associação entre a condição periodontal de gestantes e RN com baixo peso.

O grupo de puérperas avaliadas foi composto em sua maioria por mulheres casadas, feodermas, tendo idade entre 20 e 30 anos, como nível de escolaridade máximo o ensino médio, renda mensal entre 1 e 2 salários mínimos e relataram não trabalhar fora de casa. Estas características socioeconômicas e demográficas foram semelhantes às observadas em outro estudo municipal no Brasil12. O nível de escolaridade das gestantes atendidas e a faixa etária mais freqüente também foram semelhantes ao observado em estudo anterior 13. Santos et al14 constataram que a renda familiar está associada primeiramente a disponibilidade de recursos de saúde, ao acesso a informações, aos gastos com alimentação e, principalmente, com o nível de escolaridade, o que, na maioria das vezes, está diretamente relacionado com a profissão, ocupação e, consequentemente, à remuneração.

Quando avaliado o índice de placa da amostra, mais de 50% das participantes apresentaram resultados bom e ótimo. O pequeno acúmulo de placa demonstra que, apesar do desconforto no período pós-parto15, momento em que pode haver negligência em algumas necessidades físicas e psíquicas das gestantes15, mais da metade da amostra manteve a higiene bucal de forma adequada. Entretanto, algumas das entrevistadas relataram que haviam se alimentado há pouco e ainda não tinham realizado a higienização bucal, o que pode ter levado a um pior índice de placa. Offenbacher (2001)4 afirmou que a perda da manutenção periodontal está diretamente relacionada com o acúmulo de placa bacteriana, o que pode resultar em sangramento gengival e até mesmo inflamação periodontal. Rosell16 relata que durante a gravidez é frequente o relato de alterações gengivais com aumento e agravamento da gengivite, ocasionando hiperemia, edema e sangramento gengival. As gestantes também apresentam maior sensibilidade e, portanto, receptividade a mudanças de comportamento.

Na análise da condição dentária, o cálculo do índice CPOD médio geral foi de 11,94 considerado muito alto, porém é marcadamente inferior ao CPOD médio 20,13 registrado no último levantamento nacional17 para a população adulta brasileira. A literatura não é unânime ao relacionar o aumento da prevalência de cárie dentária com a gestação. Contudo, existem condições bucais ideais para uma maior atividade cariogênica neste período, justificadas por um decréscimo na capacidade fisiológica do estômago, o qual promove ingestão de menor quantidade de alimentos de cada vez, tornando as refeições das gestantes mais frequentes, o que pode fazê-las negligenciar a higiene bucal18. De acordo com Elias19, algumas gestantes têm problema para manter adequada higiene oral devido às náuseas durante o primeiro trimestre. Ao mesmo tempo, a gravidez está associada a mudanças de hábitos alimentares, o que pode levar a um consumo maior de carboidratos20.

A porcentagem de mulheres que faziam ou fizeram o uso do cigarro na amostra foi de 10,5%. De acordo com Caldeira21 a nicotina atua como um supressor do apetite e acredita-se que aumente as catecolaminas maternas e induza a vasoconstrição uterina. O tabaco também contém componentes que interferem no mecanismo fetal, afetando o crescimento intra-uterino e provavelmente a duração da gestação por variados mecanismos, sendo os mais prováveis a produção de monóxido de carbono, absorção da nicotina e uma menor liberação de oxigênio para o tecido fetal. Isso pode explicar a associação encontrada entre tabagismo e RN com baixo peso (p = 0,03).

Este estudo encontrou uma relação altamente significativa entre o etilismo e RN com baixo peso (p < 0,01). O consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação pode trazer consequências graves para o RN, sendo que quanto maior o consumo, maior a chance de prejudicar o feto. Aproximadamente 33% dos RN cujas mães fizeram uso excessivo de álcool durante a gravidez são afetados pela síndrome alcoólica fetal. Nesta síndrome, os RN amamentam e dormem pouco, além de serem irritadiços, hiperativos e trêmulos, sintomas que lembram a síndrome de abstinência do álcool no adulto22.

No presente estudo, o consumo do álcool durante a gravidez mostrou-se como fator de risco significativo para o nascimento de RN de baixo peso (OR = 3,41; p = 0,03). Estudos23-25 sugerem que o álcool ingerido pela mãe na gestação possa atravessar a barreira placentária e expor o feto à essa substância. Devido ao seu metabolismo e eliminação mais lentos, o líquido amniótico permanece impregnado de álcool (etanol e/ou acetaldeído), levando a uma maior exposição fetal. O etanol induz a formação de radicais livres de oxigênio capazes de danificar proteínas e lipídeos celulares. Este quadro torna o ambiente impróprio para o feto, favorecendo a incidência de danos a ele.

Em relação ao PSR das puérperas examinadas, aquelas que apresentavam periodontite representaram 35,5% da amostra. Houve associação significativa entre essas mães com os RN de baixo peso (OR = 3,29; p = 0,01), resultado semelhante aos estudos de Dasanayake et al26 e Moliterno et al27 que encontraram associação da periodontite com RN de baixo peso. Entretanto são bastante divergentes os resultados dos estudos encontrados na literatura que abordam a possível associação da periodontite com RN de baixo peso ou PPT: Lopez et al28, Goepfert et al29, Jarjoura et al30 e Àgueda et al31 encontraram associação de mães com periodontite e PPT. Radnai et al32 e Siqueira et al33 obtiveram resultados da associação da periodontite tanto com RN de baixo peso quanto PPT. Davenport et al3 e Moore et al34 não encontraram nenhuma associação da perda de inserção periodontal com PPT ou RN de baixo peso.

Vettore et al6 concluiram que não existe evidência capaz de permitir um relato consensual para os resultados sobre o efeito da periodontite no PPT e/ou baixo peso de RN. Para Silveira et al35 a diferença entre resultados encontrados nas diversas pesquisas pode ser explicada por alguns fatores, como: existência de diferentes definições de periodontite, utilização de métodos diversos a cada pesquisa, além de serem estudadas diferentes populações.

Além do exposto, estudos demonstram que gestantes têm o status periodontal alterado devido ao aumento de níveis de progesterona e seu efeito sobre a vascularização e biofilme e consequente aumento de Prevotella intermedia36-38. Esta condição periodontal geralmente é caracterizada por uma resposta inflamatória exagerada frente a pequenos níveis de biofilme bacteriano.

Os resultados desta pesquisa mostram que houve uma associação entre periodontite e RN de baixo peso. Com isso, espera-se que o tratamento periodontal em gestantes com periodontite seja uma importante medida de intervenção para reduzir a incidência de RN com baixo peso, podendo ser integrado ao atendimento pré-natal. Estudos sugerem que há redução significativa nas taxas de ocorrência de PPT e RN com baixo peso associada à intervenção periodontal39,40, apesar de alguns estudos de intervenção não demonstrarem haver tal associação41-43. Portanto, inferências sobre a associação entre infecção periodontal e a ocorrência de NPBP são conflitantes e devem ser analisadas com cautela40. Vários estudos investigam a associação entre periodontite e PPT e/ou baixo peso ao nascimento39,40. Entretanto, não existe um padrão no critério para diagnóstico de doença periodontal (periodontite e gengivite)40. Isso pode dificultar a comparação dos resultados e explicar a divergência dos estudos de observação/intervenção da doença periodontal com resultados adversos na gestação.

Para que definitivamente se possa concluir a atuação significativa e o risco da periodontite na indução de PPT e RN de baixo peso são necessários estudos longitudinais. Estudos bem delineados também devem ser conduzidos para investigar o efeito do álcool sobre RN de baixo peso.

Apesar de ter sido bem conduzido, o presente estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, o estudo transversal não permite uma relação de causa-efeito e sim uma associação entre as variáveis investigadas em um único momento. Outra questão refere-se ao fato de que não se pôde controlar todas as variáveis, por exemplo infecções em outros sítios, que poderiam contribuir para o nascimento de baixo peso.

É importante lembrar que para a avaliação periodontal foi utilizado o PSR, ou seja, um exame de registro parcial por sextante. Este fato também pode ser considerado uma limitação do estudo, já que pode ter havido uma sub ou superestimação da periodontite. O PSR foi desenvolvido em 1992 a fim de facilitar a identificação precoce da periodontite, destacandose por sua facilidade de execução, sensibilidade e objetividade, sendo indicado para uso rotineiro, inclusive em pesquisas44. Vale ressaltar que o PSR não substitui o exame periodontal completo, quando detectada alguma alteração que exija um tratamento periodontal mais complexo.

 

CONCLUSÃO

Concluiu-se que o grupo de puérperas avaliado apresentou alto índice CPOD e considerável prevalência de periodontite. Os índices PSR e CPOD das mães associaram-se com o baixo peso de RN, mas não com a ocorrência PPT.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores declaram não haver conflito de interesse relacionado ao presente estudo. O trabalho foi financiado pelos próprios autores. Os autores agradecem às mães participantes deste estudo e ao corpo clínico e funcionários do Hospital Nossa Senhora da Saúde.

 

REFERÊNCIAS

1. Bascones MA, Figuero RE. Periodontal diseases as bacterial infection. Av Periodon Implantol. 2005; 17:111-8.         [ Links ]

2. Bogess KA, Edelstein BL. Oral health in women during preconception and pregnancy: implications for birth outcomes and infant oral health. Matern Child Health J. 2006; 10:S169–S174.

3. Davenport ES, Williams CE, Sterne JA, Murad S, Sivapathasundram V, Curtis MA. Maternal periodontal disease and preterm low birthweight: case-control study. J Dent Res. 2002; 81:313–8.

4. Offenbacher S, Beck JD. Medicina periodontal: o papel da infecção periodontal no estresse sistêmico, na doença cardiovascular e nos resultados anormais da gestação. In: Brunetti MC. Periodontia médica – uma abordagem integrada. São Paulo: Senac; 2001. p.113-48.

5. Sartório ML, Machado WAS. A doença periodontal na gravidez. Rev Bras Odontol. 2001; 58:306-8.

6. Vettore MV, Leal Md, Leão AT, da Silva AM, Lamarca GA, Sheiham A. The relationship between periodontitis and preterm low birthweight. J Dent Res. 2008; 87:73-8.

7. Yeo BK, Lim LP, Paquette DW. Periodontal disease – the emergence of a risk for systemic conditions: pre-term low birth weight. Ann Acad Med. 2005; 34:111–6.

8. Cruz SS, Costa MCN, Gomes Filho IS, Vianna MIP, Santos CT. Doença periodontal materna como fator associado ao baixo peso ao nascer. Rev Saude Publica. 2005; 39:782-7.

9. Cypriano S, Pecharki GD, Souza MLR, Wada RS. A saúde bucal de escolares residentes em locais com ou sem fluoretação nas águas de abastecimento público na região de Sorocaba, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003; 19:1063-71.

10. Organização Mundial da Saúde. Levantamentos básicos em saúde bucal. 4a ed. São Paulo: Santos; 1999.

11. Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. 2nd ed. New York: Wiley; 2000.

12. Venâncio EQ. Avaliação dos conhecimentos e práticas de saúde bucal de gestantes, usuárias do SUS, no município de Dourados – MS 2002 [dissertação]. Brasília: Universidade Federal de Brasília; 2006.

13. Moimaz SAS, Carmo MP, Zina LG, Saliba NA, Garbin CA. Associação entre doença periodontal materna e nascimento de bebês prematuros e com baixo peso [tese]. Araçatuba: Universidade Estadual de São Paulo; 2010.

14. Santos-Pinto L, Uema APA, Galassi MAS, Ciuff NJ. O que as gestantes conhecem sobre saúde bucal? J Bras Odontopediatr Odontol Bebê. 2001; 4:429-34.

15. Ko SH, Chen CH, Wang HH, Su YT. Postpartum women's sleep quality and its predictors in Taiwan. J Nurs Scholarsh. 2014; 46:74-81.

16. Rosell FL, Montandon-Pompeu AA, Valsecki AJ. Registro periodontal simplificado em gestantes. Rev Saúde Pública. 1999; 33:157-62.

17. Brasil. Ministério da Saúde – Coordenação Nacional de saúde Bucal. Resultados principais do projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003. Brasília-DF: 2004.

18. Xavier HS, Xavier VBC. Cuidados odontológicos com a gestante. São Paulo: Santos; 2004.

19. Elias R. Odontologia de alto risco: pacientes especiais. Rio de Janeiro: Revinter; 1995.

20. Okubo H, Miyake Y, Sasaki S, Tanaka K, Murakami K, Hirota Y et al. Nutritional adequacy of three dietary patterns defined by cluster analysis in 997 pregnant Japanese women: the Osaka Maternal and Child Health Study. Public Health Nutr. 2011; 14:611-21.

21. Caldeira AP, França E, Goulart EMA. Mortalidade infantil pós-neonatal e qualidade da assistência médica: um estudo caso-controle. J Pediatr. 2001; 77:461-68.

22. Brasil, Ministério da Saúde. Normas e procedimentos na abordagem do alcoolismo. 2a ed. Brasília: 1994.

23. Silva ID, Quevedo LA, Silva RA, Oliveira SS, Pinheiro RT. Association between alcohol abuse during pregnancy and birth weight. Rev Saúde Pública. 2011; 45:864-69.

24. Wang SC, Lee MC. Effects of age, ethnicity and health behaviours on the prevalence of adverse birth outcomes in Taiwan. J Biosoc Sci. 2012; 44:513-24.

25. Chen JH. Maternal alcohol use during pregnancy, birth weight and early behavioral outcomes. Alcohol Alcohol. 2012; 47:649-56.

26. Dasanayake AP, Caufield PW, Cutter GR. Initial acquisition of mutans streptococci by infants: evidence for a discrete window of infectivity. J Dent Res. 1998; 72:37-45.

27. Moliterno LFM, Monteiro BS, Figueredo CM, Fischer RG. Association between periodontitis and low birth weight: a case–control study. J Clin Peridontol. 2005; 32:886–90.

28. Lopez NJ, Smith PC, Gutierrez J. Periodontal therapy reduces the risk of preterm low birth weight in women with periodontal disease: a randomized controlled trial. J Periodontol. 2002; 73:911-24.

29. Goepfert AR, Jeffcoat MK, Andrews WW, Faye-Petersen O, Cliver SP, Goldenberg RL et al. Periodontal disease and upper genital tract inflammation in early spontaneous preterm birth. Obstet Gynecol. 2004; 104:777-83.

30. Jarjoura K, Devine PC, Perez-Delboy A, Herrera- Abreu M, D'Alton M, Papapanou PN. Markers of periodontal infection and preterm birth. Am J Obstet Gynecol. 2005; 192:513-19.

31. Àgueda A, Echeverría A, Manau C. Association between periodontitis in pregnancy and preterm or low birth weight: Review of the literature. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008; 13:E609-15.

32. Radnai M, Gozo I, Urban E. Possible association between mother's periodontol status and preterm delivery. J Clin Periodontol. 2006; 33:791-96.

33. Siqueira FM, Cota LO, Costa, TE. Intrauterine growth restriction, low birth weight, and preterm birth: adverse pregnancy outcomes and their association with maternal periodontitis. J Periodontol. 2007; 78:2266-76.

34. Moore SIM, Coward PY, Randhawa M, Borkowska E, Baylis R, Wilson RF. A prospective study to investigate the relationship between periodontal disease and adverse pregnancy outcome. Br Dent J. 2004; 197: 251–58.

35. Silveira R, Carlos JR, Souza E. Avaliação das condições de saúde e higiene bucal em gestantes. Rev Cons Reg Odontol Pernamb. 2000; 3:61-70.

36. Ercan E, Eratalay K, Deren O, Gur D, Ozyuncu O, Altun B et al. Evaluation of periodontal pathogens in amniotic fluid and the role of periodontal disease in pre-term birth and low birth weight. Acta Odontol Scand. 2013; 71:553-9.

37. Emmatty R, Mathew JJ, Kuruvilla J. Comparative evaluation of subgingival plaque microflora in pregnant and non-pregnant women: a clinical and microbiologic study. J Indian Soc Periodontol. 2013; 17:47-51.

38. Usin MM, Tabares SM, Parodi RJ, Sembaj A. Periodontal conditions during the pregnancy associated with periodontal pathogens. J Investig Clin Dent. 2013; 4:54-9.

39. Zanatta FB, Machado E, Zanatta GB, Fiorini T. Doença periodontal materna e nascimento prematuro e de baixo peso: uma revisão crítica das evidências atuais. Arq Catarin Med. 2007; 36:96-102.

40. Oliveira AM, Moreira AN, Oliveira PA, Costa FO. Doença periodontal materna e parto prétermo e/ou baixo peso ao nascimento: revisão de literatura. Rev Periodontol. 2009; 19:21-31.

41. Mitchell-Lewis D, Engebretson SP, Chen J, Lamster IB, Papapanou PN. Periodontal infections and pre-term birth: early findings from a cohort of young minority women in New York. Eur J Oral Sci 2001; 109:34-9.

42. Jeffcoat MK, Hauth JC, Geurs NC, Reddy MS, Cliver SP, Hodgkins PM et al. Periodontal disease and preterm birth: results of pilot intervention. J Periodontol 2003; 74:1214-18.

43. Michalowicz BS, Hodges JS, Diangelis AJ, Lupo VR, Novak MJ, Ferguson JE et al. Treatment of periodontal disease and the risk of preterm birth. N Engl J Med 2006; 355:1885-94.

44. Santos Júnior GC, Barnabé W, Rubo JH, Greghi SL. Avaliação periodontal simplificada (PSR) em pacientes indicados para tratamento protético. Rev Fac Odontol Bauru 2002; 10:113-17.