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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.50 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2014

 

 

Odontologia hospitalar: a atuação do cirurgião dentista em equipe multiprofissional na atenção terciária

 

Hospital dentistry: the role of the dentist in multidisciplinary teams in tertiary care

 

 

Amanda Leal Rocha I; Efigênia Ferreira e Ferreira II

 

I Programa de Residência do Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
II Departamento de Odontologia Social e Preventiva, Faculdade de Odontologia, UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Contatos: amandaauharek@yahoo.com.br, efigeniaf@gmail.com

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Avaliar a participação da Odontologia, em equipe multiprofissional, no contexto hospitalar, a partir da demanda por avaliação odontológica em um hospital de Belo Horizonte. Materiais e Métodos: Foram analisadas 137 solicitações de avaliação odontológica, encaminhadas entre fevereiro/2010 e fevereiro/2012. Foram avaliadas todas as solicitações descritas em interconsultas, agrupadas em: condições patológicas, solicitação de avaliação, sintomas, higiene bucal e outras observações. Os dados foram registrados em planilhas do programa Excel for Windows e apresentados em valores absolutos e percentuais. Resultados: A maioria dos pacientes era do sexo masculino (70%) com idade média de 54 anos (±19,88). As descrições das solicitações de interconsulta totalizaram: condições patológicas (n=98), solicitação de avaliação (n=19), sintomas (n=-20), higiene bucal (n=10) e outras observações (n=21). As cinco expressões mais recorrentes nos pedidos foram "condição dentária precária" seguida pela "avaliação odontológica", "dor de dente", "lesões de mucosa" e "dentes com mobilidade". As cinco expressões mais recorrentes nos pedidos foram "condição dentária precária" seguida pela "avaliação odontológica", "dor de dente", "lesões de mucosa" e "dentes com mobilidade". Conclusão: Conclui-se que, no período de dois anos houve crescimento das solicitações por avaliações odontológicas apesar de muito pequeno, frente ao total de internações ocorridas no mesmo período. O crescimento da procura pelo cirurgião-dentista pode representar o reconhecimento da necessidade de sua integração na equipe hospitalar, mesmo sem estar clara a noção de equipe multiprofissional.

Descritores: Saúde bucal. Unidade hospitalar de Odontologia. Assistência odontológica.


 

ABSTRACT

Aim: This work aimed to survey the role of dentistry within multidisciplinary teams in hospital environments, through the analysis of requests for dental care evaluations in a hospital in Belo Horizonte. Methods: This study analyzed 137 requests for dental care evaluations, sent between February 2010 and February 2012. All requests described in dental care referrals were evaluated and grouped in: pathological conditions, request for review, symptoms, oral hygiene and other observations. The data were recorded in an Excel for Windows program and presented as absolute and percent values. Results: Most patients were male (70%), with an average of 54 years (±19.88). The descriptions requesting dental care referrals amounted to: pathological conditions (n=98), request for review (n=19), symptoms (n=20), oral hygiene (n=10), and other observations (n=21). The five most common expressions in the requests were "poor dental condition", followed by "dental care evaluation", "toothache", "mucosal lesions", and "tooth mobility". Conclusion: It could be concluded that, over a two-year period, an increase in requests for dental care evaluations, though few, could be observed, as compared to the total admissions in the same period. The growth in demand for dentists may represent the recognition of the need for their integration within the hospital staff, even if the concept of a multidisciplinary team remains unclear.

Uniterms: Oral health. Dental service, hospital. Dental care.


 

 

INTRODUÇÃO

As primeiras citações científicas que retratam a possibilidade da relação entre alterações bucais e doenças sistêmicas são datadas de 2.100 a.C1. A partir de então muito se tem pesquisado e descrito sobre como a condição bucal altera a evolução e resposta de condições sistêmicas, assim como a saúde bucal pode ser comprometida pelas interações medicamentosas e/ou alterações sistêmicas presentes no paciente2,3.

As infecções hospitalares, por exemplo, são consideradas como importante problema de saúde pública e causa significativa do aumento da mortalidade e dos custos hospitalares. Sabe-se que uma das infecções mais comumente encontradas em pacientes hospitalizados é a do trato respiratório e a literatura mostra a associação direta entre o biofilme bucal e estas infecções respiratórias 4,5,6.

O quadro clínico ainda pode ser agravado em decorrência do nível de dependência que o paciente apresenta para a realização das atividades da vida diária (alimentação, higiene, entre outros). Os cuidados com a higiene bucal e a prevenção de infecções oportunistas estão relacionados à mobilidade para a realização das técnicas corretas de higiene e à capacidade de autopercepção do indivíduo quanto às alterações presentes na cavidade bucal. Esta autonomia para o auto-cuidado encontrase frequentemente comprometida em pacientes hospitalizados7,8.

O cuidado com o paciente hospitalizado depende da interação do trabalho multiprofissional, resultado da soma de pequenos cuidados parciais que se complementam. Existe, no entanto, uma dificuldade em se estabelecer funções e delegar responsabilidades, o que resulta em uma sobrecarga no processo de gerência de um hospital. Portanto, tornase um desafio coordenar adequadamente uma equipe tão diversificada e especializada de profissionais da saúde9.

Apesar de se saber da importância da intervenção odontológica no contexto hospitalar e das políticas públicas em saúde determinarem a participação do cirurgião-dentista nos três níveis de atenção à saúde da população, a presença desse profissional na equipe hospitalar é ainda muito restrita3,10.

Embora tenha sido aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, em caráter terminativo, em 2 de outubro de 2013, o Projeto de Lei-PLC 34/2013, que obriga a prestação de assistência odontológica a pacientes em regime de internação hospitalar, portadores de doenças crônicas e atendidos em cuidados domiciliares, ainda tramita no senado, aguardando inclusão na ordem do dia11.

Dadas as características da população que habitualmente busca atendimento hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a maioria de baixa renda e de baixa escolaridade, é esperado que haja demanda de necessidades odontológicas acumuladas nos pacientes internados. O cuidado odontológico a pacientes hospitalizados contribui para a prevenção de agravos e a melhora da condição sistêmica do paciente, diminuindo a incidência de infecções respiratórias, a necessidade de antimicrobianos sistêmicos, a diminuição da mortalidade, além de representar uma economia significativa10.

Em se tratando do ambiente hospitalar, a promoção de saúde bucal visa a assistência humanizada e integral ao paciente durante a internação, proporcionando conhecimento e motivando-o e a seus acompanhantes na geração de bons hábitos11. Essas ações têm se mostrado importantes na incorporação do hábito de higiene bucal dos pacientes à rotina hospitalar, reduzindo o biofilme dentário e, consequentemente, o risco de infecções provenientes da microbiota bucal12. Além disso, já se sabe que grande parte das doenças sistêmicas apresenta manifestações bucais que predispõem ao desenvolvimento de processos patológicos, tornando o equilíbrio saúde-doença muito mais frágil13.

É essencial que o cirurgião-dentista esteja apto a atuar na atenção terciária e o presente estudo irá colaborar no sentido de discutir as principais demandas observadas em pacientes hospitalizados e as possibilidades de contribuição da Odontologia neste contexto. Muitas vezes estas demandas são levantadas por outros profissionais e a forma de solicitar o auxílio para o manejo de um paciente dentro do ambiente hospitalar é por pedido de interconsulta. Logo, esta solicitação representa uma maneira de demonstrar a necessidade da atuação de outro membro nessa equipe.

Pretendeu-se com este estudo avaliar a participação da Odontologia, em equipe multiprofissional, no contexto hospitalar, a partir da demanda por avaliação odontológica durante a internação hospitalar, em solicitações de interconsulta, encaminhadas à equipe de Odontologia.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo de análise descritiva com abordagem retrospectiva, a partir da avaliação de prontuários, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE: 08520512.8.0000.5149) e pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa do Hospital Risoleta Tolentino Neves (HRTN).

Foram incluídos no estudo os prontuários dos pacientes internados, nos quais foram solicitadas interconsultas à Odontologia, durante o período compreendido entre fevereiro/2010 e fevereiro/2012. Os prontuários com dados incompletos que impossibilitaram o levantamento dos dados requeridos ou com solicitações pouco claras foram excluídos.

O HRTN se caracteriza por ser uma instituição integralmente inserida na rede pública de saúde, sendo responsável pela assistência aos pacientes de urgência clínica e cirúrgica, traumatológica e não traumatológica de uma população de cerca de 1,1 milhão de habitantes no eixo norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Além disso, a instituição funciona como campo de prática de programas de residência médica e Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital das Clínicas/UFMG14.

O Hospital possui um sistema informatizado, que facilita o acesso aos prontuários (eletrônicos) e demais informações. A partir desta tecnologia os profissionais médicos podem enviar solicitações de avaliação aos demais profissionais via sistema. Esta prática se denomina, entre estes profissionais, como solicitação de interconsulta. Nesta solicitação constam os dados do paciente e a descrição da requisição de interconsulta, na qual o médico descreve o pedido de avaliação.

A coleta de dados foi realizada a partir destas solicitações. Inicialmente foram coletados dados referentes à idade e sexo dos pacientes, para caracterização da amostra. Foram avaliadas todas as solicitações descritas em interconsultas, enviadas pelos médicos, à equipe da Odontologia. As descrições foram agrupadas pelas suas características comuns e analisadas de acordo com o grupo no qual mais se adequavam: condições patológicas, solicitação de avaliação, sintomas, higiene bucal e outras observações.

Os dados obtidos foram registrados e tabulados em planilhas do programa Excel for Windows para facilitar a descrição e agrupamento, e apresentados em valores absolutos e percentuais.

 

RESULTADOS

No período compreendido entre fevereiro/2010 e fevereiro/2012, um total de 137 pacientes foram indicados para avaliação odontológica, a partir do pedido de interconsulta formal via sistema. Destes, 70% eram do sexo masculino (n=96) e as idades variaram entre 19 e 99 anos com média de 54 anos (±19,88), sendo 51 pacientes (37%) com 60 anos e mais.

A maior parte dos indivíduos encontrava-se internada em enfermarias de clínica geral (66%), seguido pela de clínica de cuidados especiais (11,1%), clínica cirúrgica (9,6%), unidade de acidente vascular cerebral (9,6%), unidade de terapia intensiva (3%) e clínica obstétrica (0,7%).

O número total de interconsultas aumentou consideravelmente do primeiro para o segundo ano de atuação da equipe de Odontologia, passando de 49 para 88 solicitações, alcançando um crescimento de 79,5% em relação ao ano anterior.

Apesar do crescimento observado, durante o período avaliado, o número total de internações hospitalares foi de 27.068 pacientes, enquanto o número de solicitações de avaliação enviadas à Odontologia correspondeu apenas a 0,5% deste número.

A análise da condição bucal descrita nas solicitações de interconsulta encontra-se exposta na tabela 1, agrupadas conforme características comuns e quantificadas em relação ao número de vezes em que as expressões foram utilizadas. A expressão mais recorrente foi "dentes em mau estado de conservação" citada 36 vezes, representando 39,8% dos pedidos de avaliação e alocada no grupo condições patológicas, com 98 (58,3%) citações. Em alguns casos não houve descrição do motivo do pedido de interconsulta, sendo solicitada apenas uma avaliação odontológica (19 solicitações).

 

 

 

DISCUSSÃO

A presença de profissionais da Odontologia em todos ambientes do cuidado em saúde, incluindo o hospitalar é reconhecida pela ciência10 e pelo direito11. O presente estudo confirmou a necessidade da inserção do cirurgião-dentista não somente na UTI, mas em todos os espaços de internação. O maior volume de pacientes internados no período do estudo foi observado em enfermarias de clínica geral (66%). Levando-se em conta a gravidade, no que pese o número de pacientes ser menor, a preocupação com o controle da higiene bucal é justificada, principalmente em pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Existem evidências de que as intervenções de higiene bucal em ambiente hospitalar podem reduzir a incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM)6,15.

Tem sido observado um crescimento da demanda por tratamento odontológico, clínico ou cirúrgico, durante a internação hospitalar2. O presente estudo pode confirmar esta tendência, uma vez que o número total de interconsultas recebidas aumentou sensivelmente do primeiro para o segundo ano de atuação da equipe odontológica, alcançando um crescimento de 79,5% em relação ao ano anterior. Este aumento pode ser creditado à inserção do cirurgiãodentista na equipe de profissionais do hospital, por meio da Residência Multiprofissional, já que não existe este profissional no quadro permanente deste hospital. Neste aspecto, a residência vem sistematizando uma demanda até então inexistente.

No presente estudo, durante o período avaliado, o número total de internações hospitalares foi de 27.068 pacientes, enquanto o número de solicitações de avaliação enviadas à Odontologia correspondeu apenas a 0,5% do total. Embora represente uma minoria como em outros estudos20, houve um crescimento significativo na demanda por avaliações odontológicas, conforme discutido anteriormente.

A condição bucal mais recorrente nas solicitações de interconsulta foi agrupada em dentes em mau estado de conservação, condição dentária ruim, dentição precária, cárie, constando do primeiro grupo, condições patológicas. Após avaliação odontológica, eram observados dentes apresentando lesões cariosas. Alguns profissionais realizavam pedidos mais direcionados, citando diagnósticos específicos como "cárie" e "doença periodontal", mencionados 3 e 9 vezes respectivamente, ao passo que outros descreviam apenas os sinais clínicos observados como "mobilidade/dentes com risco de queda" (citado 11 vezes), o que de antemão nos remete a doenças relacionadas ao periodonto, agrupadas em doença periodontal, dentes com mobilidade/ risco de queda/ risco de aspiração/ dentes bambos, sangramento bucal, descritas 24 vezes.

Este dado nos leva à reflexão sobre a visão restrita da Odontologia, como sendo uma prática voltada exclusivamente para o diagnóstico e tratamento de problemas dentários. A associação entre a doença periodontal e as alterações sistêmicas tem sido descrita e estudada exaustivamente, evidenciando cada vez mais esta possível relação. Sendo assim, doenças periodontais podem atuar como foco de disseminação de micro-organismos patogênicos com efeito metastático sistêmico, principalmente em indivíduos com a saúde comprometida. Atualmente, há subsídios para acreditar na contribuição da intervenção odontológica, especificamente do tratamento periodontal, na prevenção ou melhora da condição sistêmica, principalmente em pacientes graves17.

A higiene bucal inadequada em hospitalizados, incluindo a higiene de próteses dentárias, é a condição mais abordada na literatura. Alguns fatores que se relacionam a esta condição são: limitações físicas relacionadas à mobilidade do paciente, falta de motivação por parte do mesmo e de seu acompanhante, falta de material para higiene oral e de estrutura física adequada como ter um espelho no banheiro3. Outras barreiras relatadas na literatura são: a baixa prioridade dada aos cuidados bucais pelos profissionais, medo de causar dor ou danos ao paciente, a percepção de que o cuidado bucal não promove benefícios significativos, pacientes com alterações comportamentais e resistentes à intervenção e a falta de capacitação da equipe de enfermagem15.

Apesar de fundamental, neste estudo, o grupo higiene bucal apareceu 10 vezes entre as descrições de interconsultas, não figurando entre as mais solicitadas. O desconhecimento do potencial patogênico de micro-organismos e do biofilme, a maior valorização dada às condições bucais precárias ou a sintomatologia dolorosa podem ter influenciado este resultado.

Neste contexto, a presença de um cirurgiãodentista é benéfica para um efetivo desenvolvimento de atividades rotineiras, como a implementação da higiene bucal na rotina diária, uma vez que já se sabe que esta prática desempenha um papel importante na prevenção de intercorrências hospitalares. A criação de protocolos e o treinamento de profissionais técnicos para que as atividades sejam efetivamente rotineiras podem e devem ser implementadas15.

A má higienização associada a fatores inerentes a pacientes hospitalizados, como o comprometimento imunológico, também pode levar ao surgimento de lesões de mucosa. Neste estudo, as solicitações para avaliação de lesões de mucosa apareceram 13 vezes e é necessário ressaltar o papel do cirurgião-dentista como profissional capaz de diagnosticar tais lesões, uma vez que a falta de conhecimento das estruturas bucais muitas vezes dificulta a percepção de alterações que podem sinalizar processos patológicos importantes.

Entre estas lesões podemos citar a candidíase e outras infecções oportunistas, uma vez que nestas condições muitos micro-organismos têm seu potencial patogênico ampliado. A literatura mostra que pacientes hospitalizados usuários de próteses, principalmente as próteses totais removíveis, apresentam frequentemente manifestações de candidíase bucal3.

Estudos que compararam a presença de alterações de mucosa em indivíduos hospitalizados mostraram um aumento estatisticamente significativo da incidência destas alterações em pacientes intubados15. Outros grupos de indivíduos já se mostraram suceptíveis às lesões de mucosa dentro do ambiente hospitalar, como os submetidos aos tratamentos antineoplásicos12, com o aparecimento de ulcerações, sangramento gengival e/ou candidíse durante a terapia 13 ou mesmo crianças, em hospitais pediátricos20.

Alguns autores ainda se referem a outros fatores como alterações no paladar, que levam às mudanças na alimentação para uma dieta mais macia e doce, que podem estar associados ao aumento da prevalência de cárie entre indivíduos hospitalizados, principalmente crianças11. Neste estudo, a verificação da dificuldade de mastigação foi solicitada por apenas um profissional.

Outros termos utilizados nos pedidos de avaliação foram relacionados aos processos infecciosos, como "boca séptica/foco de infecção em cavidade bucal" e "edema/abcesso", mencionados 8 vezes cada um, em solicitações de interconsultas e que demonstram a preocupação dos profissionais em relação à esta condição. A cavidade bucal já é um meio conhecidamente colonizado. Um milímetro cúbico de biofilme dental contém aproximadamente 100 milhões de bactérias e pode servir como reservatório permanente de patógenos potenciais que, além de danos locais, podem ocasionar infecções à distância4,17.

Em se tratando da importância da Odontologia no ambiente hospitalar não se pode deixar de citar o seu papel no alívio da dor e promoção de qualidade de vida. No presente estudo o pedido de interconsulta devido à "dor de origem dentária" ficou entre as principais solicitações, agrupada em sintomas, junto à dor de mucosa, dor em articulação temporo-mandibular ou dor na face (20 solicitações). Estudos demonstram que a presença de sintomatologia dolorosa e a saúde bucal comprometida afetam de maneira significativa a qualidade de vida e este impacto parece ser mais grave em pacientes sistemicamente comprometidos ou hospitalizados14.

Em estudo realizado em um hospital de cuidados paliativos e internações prolongadas, o principal motivo de avaliação odontológica foi a dor (mais de 30% das solicitações)22.

A população que se encontra em cuidados paliativos é caracterizada pela elevada média de idade22, que pode acumular outra demanda odontológica comumente encontrada nestes indivíduos, o cuidado com a prótese dentária. Esta foi citada oito vezes nas interconsultas, com solicitações de avaliação, confecção ou reembasamentos de próteses dentárias.

O edentulismo sem uso de próteses ou condição inadequada das mesmas entre pacientes internados são condições determinantes inclusive para a atuação de outros profissonais. As solicitações referentes a estas condições estavam frequentemente associadas à necessidade de adequação do meio bucal para otimização de intervenções fonoaudiológicas (treino de deglutição ou fala) e nutricionais devido à dificuldade na mastigação e aceitação da dieta. Dessa maneira salienta-se aqui a importância da interação entre os membros da equipe, na qual cada profissional contribui com seus saberes e práticas, concretizando o conceito de integralidade do cuidado14.

Estudos que avaliaram a relação entre saúde bucal e qualidade de vida em pacientes hospitalizados, vítimas de acidente vascular cerebral, demonstraram que a qualidade de vida é significativamente reduzida nestes indivíduos. Os autores observaram que déficits funcionais, tais como a redução da eficiência mastigatória e da força de lábios parecem predominantes quando comparados a aspectos psicológicos e psico-sociais. Portanto, um programa de reabilitação oral com a finalidade de melhorar a eficiência mastigatória, por exemplo, poderia também contribuir com a qualidade de vida neste grupo de pacientes vulneráveis23.

Considerando-se que o pedido de interconsulta representa a visão da necessidade de atuação do profissional requisitado por aquele que realizou a solicitação, com o crescimento do número de interconsultas observado no presente estudo, pode-se sugerir que a atuação da Odontologia tem sido cada vez mais necessária.

Entretanto, apesar da literatura demonstrar a importância da inserção do cirurgião-dentista no contexto hospitalar, com pesquisas nas quais se tem demonstrado a influência da condição bucal na evolução do paciente hospitalizado, esta prática ainda enfrenta alguns obstáculos. Entre eles pode-se citar a baixa prioridade do procedimento odontológico e do cuidado bucal diante dos demais problemas apresentados pelo paciente2,15,17, além de certo preconceito referente à prática odontológica no ambiente hospitalar2.

A demanda pelo cirurgião-dentista tende a crescer, sobretudo quando ele se insere na prática de uma equipe hospitalar, como neste estudo. Frente a este quadro, dois problemas podem ser apontados. O aumento da demanda não vem acompanhado da compreensão do que vem a ser uma equipe multiprofissional, prevalecendo o pensamento de uma melhor divisão de tarefas. Araújo et al.3 observaram, em uma avaliação com cerca de 400 enfermeiros em atividade em hospitais e rede pública de atenção à saúde, que somente 0,25% dos entrevistados trabalhavam com o cirurgião dentista em sua equipe. Apesar de concordarem com os beneficios que a presença do cirurgião dentista poderia trazer, entendem esta incorporação de mais um membro na equipe como a possibilidade de atuação em casos onde houvesse envolvimento odontológico14.

Um segundo problema se refere à criação da demanda, em função da presença do profissional. Quando esta inserção é efetivada por um atividade de formação profissional, como no caso da residencia multiprofissional, não há garantias de continuidade. Esta insegurança foi manifestada por diretores do HRTN, em reunião com os participantes da residência em foco. Se não existe a equipe instituida, o termino ou interrupção da residência ou de profissionaisestudantes incluídos na equipe, traz sérias dificuldades administrativas. O estimulo legal para solução poderia ser a aprovação do PLC 34/201311, sem garantias, no entanto, da efetividade do trabalho em equipe14.

Apesar da importância dos achados, o estudo apresenta limites, relacionados sobretudo a um único local de coleta de dados. O HRTN é um hospital especializado em urgências e emergências e tem como missão, "desenvolver com eficácia, eficiência e resolutividade a assistência nas situações de urgência e emergência e, de forma articulada, as atividades de ensino e pesquisa com excelência técnica e relevância social no âmbito exclusivo do Sistema Único de Saúde". A necessidade do cirurgião-dentista tomará sempre uma configuração diferente, em outros hospitais, com outras missões. Deste modo, em cada local esta inserção deverá tomar o formato necessário ao cuidado integral do paciente.

Apesar da inserção da Odontologia ainda parecer discreta e a literatura sobre o papel do cirurgiãodentista no âmbito hospitalar ser ainda escassa, fica evidente que a demanda por este profissional neste contexto irá se tornar cada vez maior. Portanto, cabe ao cirurgião-dentista a responsabilidade de se aprimorar e estar apto para atuar nesta vertente da Odontologia que se integra de fato à multiprofissionalidade com o objetivo comum de maiores benefícios aos pacientes.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou que, apesar de o número de solicitações de avaliação odontológica parecer pequeno em comparação à quantidade de internações no mesmo período, pode-se observar que a procura pelo profissional cresceu sensivelmente, o que aponta para o reconhecimento da necessidade da atuação do cirurgião-dentista, por parte dos demais profissionais.

Problemas como a presença de cárie dentaria, doença periodontal, mobilidade dentaria, infecções bucais e outros começaram a despertar nos profissionais do hospital a necessidade de uma avaliação especifica o que motivou o encaminhamento de demandas neste sentido, á equipe de odontologia. Os problemas bucais começaram a incomodar aos profissionais das diversas áreas da equipe.

 

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