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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.51 no.1 Belo Horizonte Jan./Mar. 2015

 

 

Distribuição espacial da xerostomia e índice de exclusão social de idosos de Piracicaba, SP

 

Spatial distribution of xerostomia and social exclusion index of elderly patients in Piracicaba, SP, Brazil

 

 

Andrea Moscardini da Costa I; Emílio Prado da Fonseca II; Dirce Aparecida Valério da Fonseca III; Maria da Luz Rosário de Sousa IV

 

I Departamento de Gerontologia, Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP
II Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), UNICAMP, Piracicaba, SP
III Cirurgiã-dentista, Secretaria Municipal de Saúde, Saúde Bucal município de Piracicaba, SP
IV Departamento de Odontologia Social, FOP, UNICAMP, Piracicaba, SP

Contatos: dea_moscardini@yahoo.com.br, emiliopraddo@ig.com.br, saudebucal@piracicaba.sp.gov.br, luzsousa@fop.unicamp.br

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Analisar o padrão de distribuição espacial dos casos de xerostomia em idosos residentes em Piracicaba, SP. Material e Métodos: Estudo ecológico de análise espacial dos casos de xerostomia avaliados durante a campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal no ano de 2012. Foram analisadas a taxa média de prevalência anual e a intensidade e significância dos aglomerados pelos índices de Moran global, MoranMap e LISAMap. Resultados: A prevalência de xerostomia em idosos foi de 17,42% e a taxa de autorrelato de xerostomia anual média foi de 3,18 casos/bairro sendo que os bairros: Mário Dedini (20,76 casos), Jardim São Jorge (14,28 casos) e Jardim Itapuã (10,61 casos) foram os que registraram as maiores taxas. O índice de Moran global foi de -0,317 (p < 0,04), ou seja, existe uma correlação espacial significativa e esta é inversa. Houve formação de clusters nos bairros da região Sul e Oeste. Conclusão: Em Piracicaba, o padrão de distribuição espacial da xerostomia, com formação de clusters, indica onde se deve priorizar os esforços em saúde bucal para os idosos.

Descritores: Inquéritos de saúde bucal. Xerostomia. Idoso.


 

ABSTRACT

Aim: To analyze the spatial distribution pattern of cases of self-reported xerostomia in elderly patients in Piracicaba, SP, Brazil. Methods: Ecological study of the spatial analysis of cases of xerostomia evaluated during the campaign for the prevention and early diagnosis of oral cancer in 2012. This study examined the average annual prevalence, as well as the intensity and significance of agglomerates by means of the global Moran, MoranMap and LISAMap indexes. Results: The prevalence of xerostomia was 17.42%, while the selfreported average annual rate of xerostomia was 3.18 cases/neighborhood and the neighborhoods of Mario Dedini (20.76 cases), Jardim São Jorge (14 28 cases), and Jardim Itapuã (10.61 cases) registered the highest rates. The global Moran's index was -0.317 (p < 0.04), in other words, a significant spatial correlation was observed, which was inverted. A formation of clusters was also observed in the neighborhoods of the South and West regions. Conclusion: In Piracicaba, the spatial distribution pattern of xerostomia, with clustering, indicates where to prioritize efforts in oral health for the elderly.

Uniterms: Dental health surveys. Xerostomia. Elderly.


 

 

INTRODUÇÃO

Os idosos apresentam uma série de características bucais e sistêmicas peculiares, tais como rebordo alveolar reduzido, mucosa menos resiliente e tecido muscular em degeneração1. Além disso, apresentam diminuição da secreção salivar o que pode levar à dor ou sensação de queimação na boca. Assim, podem ter dificultades na deglutição, fala e mastigação. Além disso, podem apresentar diminuição do paladar, aderência da língua na base da prótese, falta de retenção da mesma e formação de lesões de mucosa2, fatores que influenciam negativamente a qualidade de vida do idoso.

A redução do fluxo salivar em idosos está ligada a fatores secundários que podem interferir na produção salivar tais como: edentulismo total ou parcial, uso de próteses removíveis e deficiências nutricionais, tonicidade muscular e doenças inerentes aos pacientes geriátricos3.

Outros fatores podem provocar alterações no fluxo salivar como: irradiação na região de cabeça e pescoço (tratamento radioterápico que pode afetar a função das glândulas salivares), doenças sistêmicas e uso contínuo de medicamentos4, fatores muito comuns entre os idosos. Vários medicamentos de ação central são capazes de alterar a produção e a secreção salivar. No entanto, as drogas conhecidas como medicamentos xerogênicos representam os agentes causadores mais comuns. Villa et al.5 afirmaram que uso de medicamentos e a idade são fatores de risco significativos para a xerostomia. Além disso, hábitos como o tabagismo, alcoolismo, a ingestão de bebidas cafeinadas, algumas condições sistêmicas e situações de estresse podem reduzir o fluxo salivar4.

Vários trabalhos sugerem que o estresse pode causar uma redução no fluxo salivar 4,6,7, e mais, o estresse e a ansiedade também podem induzir a hipossalivação e a diminuição da atividade imunológica.

De acordo com o Medical Subject Headings, estresse é um processo resultante da reação do corpo às forças externas e condições anormais que tendem a interferir na homeostase do organismo. O estresse psicológico é uma condição da existência humana e um fator relevante na ocorrência de doenças. Eventos críticos do dia a dia elevam as atividades fisiológicas e causam algum desgaste psicológico, podendo atuar como desencadeadores ou potencializadores do estresse8.

Desta forma, espera-se que aqueles indivíduos moradores de regiões com altos índices de exclusão social estejam mais expostos a situações de estresse e ansiedade e portanto, sejam mais susceptíveis às alterações fisiológicas como a diminuição do fluxo salivar.

Assim, torna-se importante entender que a exclusão social não se refere apenas ao acesso restrito ao consumo material, mas também ao difícil acesso aos serviços públicos e à maior vulnerabilidade ambiental. Em uma cidade, há situações distintas que refletem nas condições de vida, como a segregação espacial, crescimento de favelas e exclusão social. A falta de acesso ao mercado de consumo é acompanhada da falta de serviços públicos, agravando as condições de vida dessas populações vulneráveis9.

Marques e Torres10, partindo desta premissa, afirmam que "indivíduos e famílias igualmente pobres e escolarizados têm condições e características diferentes dependendo de onde morem". Neste sentido, "o próprio espaço, ao contrário de ser apenas um produto desses elementos, representa também um conjunto de constrangimentos e possibilidades, diferenciando as oportunidades que moradores de lugares mais ou menos segregados experimentam".

Neste aspecto, concordando com Gomes e Amitrano11, as variáveis tradicionais normalmente utilizadas, tais como renda, escolaridade, sexo, grupo etário e grupo étnico, sem a incorporação de atributos territoriais, não são "capazes de captar as variações nas condições de vida e de bem estar de populações que têm perfis sociais semelhantes, mas residem em lugares distintos".

O georreferenciamento dos eventos de saúde é importante na análise e avaliação de riscos à saúde coletiva, particularmente as relacionadas com o meio ambiente e com o perfil socioeconômico da população. Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar uma possível relação entre índice de exclusão social e taxas de xerostomia em idosos moradores da cidade de Piracicaba, no ano de 2012.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, descritivo de correlação com análise de dados secundários.

Para o presente estudo foi utilizado o índice de exclusão social para os bairros do município de Piracicaba, através de dados fornecidos pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP)12 e dados provenientes da campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca que ocorreu no mês de abril de 2012, cedidos pela secretaria municipal de saúde do município de Piracicaba.

Para a aplicação do questionamento sobre xerostomia, os examinadores receberam treinamento. A coleta contou com todos os cirurgiões-dentistas da rede pública do município, totalizando cinquenta profissionais.

A amostra foi de conveniência, sendo que os participantes foram pessoas de 60 anos ou mais, que procuraram uma das Unidades Públicas de Saúde (UPS) do município de Piracicaba, para se vacinarem contra o vírus Influenza. Os participantes aceitaram o convite para participar da Campanha de Prevenção e Diagnóstico Precoce do Câncer Bucal, que ocorreu em concomitância à campanha de vacinação, desta forma assumiu-se este como critério de inclusão. Os dois eventos acima citados aconteceram em 23 UPS, 34 Unidades de Saúde da Família (USF) e 2 Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) do município de Piracicaba.

O número aproximado de idosos residentes nos bairros abrangidos pelo presente estudo era de 18.35012, enquanto que o número de idosos que participou da campanha de vacinação contra o vírus Influenza foi de 14.610. Portanto, houve uma taxa de adesão de 79,6% da população idosa à campanha de vacinação. Porém o número de idosos vacinados que também aceitaram participar da presente pesquisa, que ocorreu concomitantemente com a campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca, foi de 1.848. Sendo assim, houve uma adesão de 12,6% da população idosa, variando de 2,5% a 56% (Centro e Jardim Esplanada, respectivamente).

As duas variáveis utilizadas foram a xerostomia autorrelatada e o índice de exclusão social. A xerostomia foi avaliada por meio do autorrelato de sensação de boca seca. O paciente foi indagado a respeito pelo questionamento: O Sr.(a) sente sua boca seca? Sendo as respostas possíveis: Nunca, Às vezes e Sempre. As respostas foram anotadas em planilha, sendo que para a resposta "Nunca" foi dado o código "Zero" (0), para a resposta "Às vezes" foi aplicado o código "um" (1) e para a resposta "Sempre" foi atribuído o código "Dois" (2). Posteriormente, para o presente estudo, a variável foi dicotomizada e, desta forma, adotou-se "Zero" (0) para a resposta "Nunca" e "Um" (1) para as respostas "Às vezes" e "Sempre". Foram utilizados dados secundários referentes ao índice de exclusão social. Todas as informações sobre o cálculo podem ser verificadas no IPPLAP12.

A representação da relação exclusão/inclusão social ocorre pela composição de quatro dimensões: equidade de gênero, desenvolvimento humano, qualidade de vida e autonomia de renda. Faz-se então a associação de escalas que qualificam as diferentes medidas obtidas em relação a um referencial de inclusão. Este referencial é representado pelo "zero", que estabelece o limiar entre a exclusão (índices variando de -1 a 0) e a inclusão (índices variando de 0 a +1). O índice apresenta uma variação numérica de -1 a 1, que a classifica em categorias de 1 (inclusão) a 5 (pior exclusão), sendo utilizado desta forma para nossa análise estatística e descrito no quadro 1. Foram utilizadas 5 faixas de valores para o presente estudo. Desse modo, quanto mais próximo do ponto "-1", mais excluído e, quanto mais próximo do ponto "+1", mais incluído3.

 

 

 

O presente estudo abrangeu 30 dos 62 bairros de Piracicaba. Os 30 bairros avaliados são aqueles que possuem UPSs, UFSs e/ou CEO dentro dos seus limites territoriais.

Os dados foram obtidos para que se verificasse a xerostomia autorrelatada no ano de 2012, avaliandose a frequência por análise univariada (realizada no programa SPSSTM 17.0 Statistical Package for the Social Science, Chicago, EUA), verificando-se frequência absoluta e frequência relativa, segundo os 30 bairros do município.

A variável "xerostomia autorrelatada" foi considerada como dependente. O teste de aderência de Kolmogorov Smirnov foi utilizado para verificar sua distribuição não-paramétrica. Em seguida, foi feita a análise de correlação entre "xerostomia autorrelatada" e a variável de deteminação social: índice de exclusão social e escolha do respectivo coeficiente de correlação. Foi escolhido o Coeficiente de Kendall, com nível de significância p < 0,05.

Utilizou-se a contagem de idosos com xerostomia adotando-se a seguinte fórmula 1:

 

 

 

As taxas obtidas foram categorizadas em quintis, sendo que a faixa 1 assumiu a taxa zero (0) e a faixa 5 assumiu a maior taxa encontrada. A análise de correlação foi realizada com a taxa de xerostomia e o índice de exclusão social categorizado em quintis.

Análise espacial

Para melhor visualização dos resultados, desenvolveu-se um mapa de correlação entre as duas variáveis, sendo que para isso foi utilizado o software GeoDaTM 1.4.6 (GeoDa Center for Geospatial Analysis and Computation, Tempe, AZ, USA).

Para testar a autocorrelação espacial entre o índice de exclusão social e a taxa de xerostomia, foi construída uma matriz de proximidade (ou vizinhança). Em seguida, foram adotados os seguintes critérios para construção da matriz: por contiguidade, sem peso13. Para a autocorrelação espacial dos casos, foi calculado o índice de Moran Global (I). Para analisar o padrão da distribuição espacial e a intensidade dos aglomerados (cluster, aleatório ou disperso) segundo bairros, foi utilizado o índice de Moran Local (II) (que varia de -1 a 1). Em ambos os índices foi considerado o nível de significância de p < 0,05. A ocorrência de clusters foi demonstrada pelo MoranMap e a determinação do padrão de significância desses clusters foi demonstrada pelo LisaMap, com a aplicação do teste da hipótese nula de ausência de autocorrelação espacial13. O índice de Moran é calculado da seguinte forma:

 

 

 

Onde:

n = número de áreas
Zi= valor do atributo considerado na área i
Z = valor médio do atributo na região de estudo
Wij = elementos de uma matriz normalizada de proximidade espacial, que expressa a estrutura de vizinhança espacial dos dados.

Para validação do índice de Moran Global foi realizado o teste de permutação aleatória, com 99 permutações.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Odontologia de Piracicaba- UNICAMP sob protocolo n. 017/2007.

 

RESULTADOS

No ano de 2012, foram avaliados 1.848 idosos no município de Piracicaba, SP. Neste ano, 90% dos bairros estudados deste município registraram ocorrência de autorrelato de xerostomia. Na tabela 1, observa-se que as maiores ocorrências se concentraram nos bairros situados na região Oeste: Jardim Planalto (100%) e Jardim São Jorge (93,33%).

A taxa de autorrelato de xerostomia anual média para idosos de Piracicaba foi de 3,18 casos/ bairro (Tabela 1). Os bairros que registraram as maiores taxas de prevalência foram: Mário Dedini (taxa de 20,76 casos/bairro), Jardim São Jorge (taxa de 14,28 casos/bairro) e Jardim Itapuã (taxa de 10,61 casos/bairro).

 

 

 

Na análise de correlação bivariada houve correlação entre taxa de autorrelato de xerostomia e índice de exclusão social, demonstrada pelo Teste de Kendall com p < 0,02 e r = 0,365, ou seja, correlação moderada, como visto na tabela 2 e elucidada na figura 1.

 

 

 

 

 

Porém, na análise espacial bivariada, o índice de Moran Global (I) encontrado foi de -0,317 (p < 0,04), ou seja, existe correlação espacial significativa e esta é inversa. Demonstrando que quanto maiores as taxas de autorrelatos de xerostomia, pior o índice de exclusão social.

Pode-se verificar pelo diagrama de espalhamento de Moran (Figura 2) que a concentração dos pontos encontrase na região de Q4 que significa: valores negativos, médias positivas. Explicando, assim, o exposto acima citado.

 

 

 

O Lisa Map ilustra apenas os bairros com dependência espacial significativa: Campestre, Monte Líbano, Jardim Itapuã, Vila Cristina, Novo Horizonte, Jardim Planalto e São Jorge, Sendo que todos são bairros das regiões Oeste e Sul do município, conforme a figura 3.

 

 

 

Na figura 4, os bairros representados na cor azul escura (Baixo - baixo) indicam bairros com taxa de prevalência baixa de xerostomia, cercados por bairros que também possuem a mesma situação. Os bairros em azul claro e rosa (Baixo-alto e Alto-baixo, respectivamente) possuem taxas de prevalência de xerostomia mais baixas e mais altas e estão localizados próximos a bairros com taxas de prevalência de xerostomia mais altas e mais baixas, respectivamente. Os bairros para os quais não foram observadas correlações significativas, sob o ponto de vista estatístico, não se pode afirmar se há autocorrelação espacial, isto é, são bairros que não sofreram influência das taxas de prevalência dos bairros vizinhos.

 

 

 

O Moran Map discrimina as áreas de dependência espacial significativa, segundo o Diagrama de Espalhamento de Moran, como ilustrado na figura 1. O Moran Map permite apontar as áreas de risco e de proteção para a xerostomia. Observou-se que as áreas em cores rosa e tons de azul se concentram onde nas regiões sul, oeste. Áreas (bairros) isoladas de risco foram encontradas na região central. Áreas de proteção (cor branca) cobriram boa parte do mapa de Piracicaba.

 

DISCUSSÃO

Este estudo encontrou diferenças na distribuição espacial da xerostomia entre os bairros do município de Piracicaba. As maiores taxas de prevalência estão localizadas em bairros da região oeste e norte, como: Jardim São Jorge, Mário Dedini e Jardim Itapuã (14,28; 20,76 e 10,61 casos, respectivamente). Esse resultado mostra estreita relação entre a xerostomia, o espaço e a sociedade.

Além do enfoque em saúde bucal do idoso (xerostomia), o aspecto social considerado neste trabalho foi o índice de exclusão social. Apesar da importância deste tema para o planejamento em saúde bucal coletiva, há poucas análises realizadas no país, que confrontam dados de saúde bucal do idoso com exclusão social. Este é um dos primeiros estudos a avaliar relação entre xerostomia em idosos e a área de exclusão onde vivem, utilizando sistemas de informação geográfica para analisar tais dados.

O presente estudo revelou que há maior prevalência de xerostomia nos idosos moradores de áreas com pior exclusão social.

A porcentagem de xerostomia encontrada neste estudo foi 17%, portanto menor que a encontrada na literatura, que estima que aproximadamente 30% das pessoas com mais de 65 anos de idade apresentem baixo fluxo salivar14. A menor prevalência de xerostomia observada neste estudo deve-se, talvez, à forma e ao momento em que foi avaliada, por meio de entrevista e não por meio de teste de fluxo salivar. Outra explicação para esse dado é que, geralmente, as pessoas idosas tendem a omitir informações por esquecimento ou por erro de avaliação. Além disso, perdas auditivas são comuns nesta faixa etária15,16, o que pode dificultar o entendimento do questionamento sobre xerostomia. Esses fatores, sozinhos ou associados, podem ocultar uma real prevalência da xerostomia.

O índice de Moran global demonstrou uma dependência espacial entre os bairros para a ocorrência de xerostomia, sendo uma relação inversa, ou seja, quanto mais alta a taxa de xerostomia pior o índice de exclusão social do bairro avaliado.

A maior ocorrência de xerostomia nos bairros com piores índices de exclusão social tais como: Jardim São Jorge, Mário Dedini e Jardim Itapuã pode ser explicada pelo fato de que os residentes dessas regiões estão mais susceptíveis a situações de estresse e ansiedade. Acredita-se que, como a secreção salivar é uma resposta reflexa controlada pelos nervos parassimpáticos e simpáticos17, a estimulação dos nervos simpáticos, como em situações de estresse, provoque vasoconstrição periférica, diminuindo o fluxo salivar principalmente oriundo das glândulas parótidas4,6,18.

Outra explicação para o maior relato de xerostomia dos residentes das áreas de exclusão social é que estas pessoas podem apresentar redução da ingestão diária de alimentos ou graves restrições calóricas, o que pode reduzir o fluxo salivar4.

Segundo estudo realizado pelo IPPLAP em Piracicaba, as regiões sul, oeste e norte (que neste estudo apresentam os piores resultados para xerostomia) são de intensas desigualdades, expressas por meio de indicadores sociais como o índice de exclusão social, índice de desenvolvimento humano e de qualidade de vida12. Como reflexo da desigualdade social e econômica, que produzem pobreza e vulnerabilidade social, as doenças se manifestam com mais freqüência19 e, portanto, os idosos podem estar consumindo maior número de medicamentos xerogênicos.

Apesar da literatura apontar diversos fatores associados à xerostomia tais como: edentulismo, medicamentos e uso de próteses14,15, todos esses fatores também estão intimamente associados ao envelhecimento per si, desta forma, os resultados deste estudo devem ser considerados sob este contexto.

Outro importante ponto a ser considerado é a população avaliada pelo estudo, que foi a população idosa. Muitos idosos são aposentados ou desempregados, analfabetos ou subempregados, com diminuição do nível salarial e pobreza, além das más condições de habitação e locomoção motora e/ou por transporte. Neste ambiente e contexto, a xerostomia se evidenciou. Os moradores das regiões mais excluídas encontram dificuldades no acesso aos serviços de saúde, enfrentadas pelos idosos, em termos de mobilidade física e espacial, falhas na distribuição e no treinamento de profissionais e pouca divulgação de campanhas de orientação e diagnóstico, como a campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal20. Configurando, assim, obstáculos para a diminuição de doenças e sintomas como a xerostomia.

Devido ao exposto acima, entende-se, portanto, que o padrão de distribuição espacial da xerostomia em Piracicaba é influenciado por vários fatores, que podem ser econômicos, culturais ou sociais ou um conjunto destes. O método geoestatístico aplicado mostrou-se útil na determinação de áreas de maior ocorrência de xerostomia, indicando que a autocorrelação espacial se manifesta na direção sul e oeste coerentemente com o padrão de exclusão social dos bairros de Piracicaba.

Um fator limitante para o presente estudo foi a abrangência da coleta dos dados que não atingiu todos os 62 bairros do município, mas 30 destes. Os bairros que possuíam Unidades Públicas de Saúde dentro de seus limites territoriais foram avaliados pelo estudo no ano de 2012. Desta forma, não houve representatividade da amostra municipal, mas, mesmo assim, foi possível uma abordagem inédita de planejamento para a saúde bucal dos idosos, que neste estudo foram 1.848.

Os resultados deste estudo também permitem afirmar que há formação de clusters de ocorrência de xerostomia no município, como as regiões sul e oeste. Sendo assim, podem contribuir para o conhecimento da distribuição espacial da xerostomia em Piracicaba, ressaltando a importância do espaço como alternativa metodológica para auxiliar o planejamento, monitoramento e avaliação das ações em saúde bucal, direcionando as intervenções para a população idosa.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que as maiores taxas de xerostomia estão relacionadas aos bairros com piores índices de exclusão social, caracterizando uma relação sócioespacial.

 

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