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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.51 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2015

 

 

Direitos relativos ao atendimento odontológico: a visão dos usuários da estratégia de saúde da família

 

Rights regarding dental care: the view of family health strategy users

 

 

Júlia Marques Coelho I; Marileny Boechat Frauches II; Suely Maria Rodrigues III; Thays Silva de Almeida IV; Elaine Toledo Pitanga Fernandes III

 

I Cirurgiã-dentista, Governador Valadares, MG
II Departamento de Odontopediatria, Faculdade de Odontologia, Univeridade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Governador Valadares, MG
III Departamento de Saúde Coletiva, (UNIVALE), Governador Valadares, MG
IV Curso de graduação em Odontologia, (UNIVALE), Governador Valadares, MG

Contatos: jumarques89@hotmail.com, marilenyboechat@uol.com.br, badi42@bol.com.br, thaysodonto9@gmail.com, elainepitanga@ datapoint.inf.br

 

 


 

RESUMO

Objetivo: O presente estudo teve como objetivo identificar o conhecimento dos usuários da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município de médio porte do estado de Minas Gerais, a respeito de seus direitos básicos relacionados ao atendimento odontológico. Material e Métodos: O universo foi constituído por 64.224 indivíduos com 18 a 59 anos, cadastrados nas 30 unidades de ESF, do município estudado, contempladas com Equipe de Saúde Bucal (ESB). O tamanho da amostra foi calculado baseado no método de estimativa para proporção, totalizando 384 usuários. A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário aplicado na forma de entrevista. Resultados: Os resultados demonstraram que 86,4% dos entrevistados não participavam de nenhuma organização social em seu bairro e apenas 11,5% dos usuários conheciam o Conselho Municipal de Saúde. A quase totalidade dos usuários (90,6%) afirmou conhecer o direito à saúde garantido pela Constituição Federal Brasileira. Quanto ao acesso ao tratamento odontológico 86,7% dos usuários declararam conhecer o processo para se conseguir uma vaga. Observou-se que 72,1% dos entrevistados argumentaram que fariam uma reclamação diante de uma insatisfação, mas 38,8% destes declararam desconhecer o local onde reclamar. Conclusão: Diante dos resultados pode-se concluir que a comunidade entrevistada apresenta características de grupo consciente dos direitos relativos ao atendimento odontológico. No entanto, identificou-se uma postura contraditória dos entrevistados em relação ao exercício pleno desses direitos.

Descritores: Direito à saúde. Poder (Psicologia). Participação comunitária.


 

ABSTRACT

Aim: This study aimed to identify the knowledge of Family Health Strategy (FHS) users in a mid-sized city in the state of Minas Gerais, Brazil, as regards their basic rights to dental care. Methods: The universe of this study consisted of 64,224 individuals, ranging from 18 to 59 years of age, registered with each of the 30 FHS units in the city of study, which have Oral Health Teams (OHTs). The sample size was calculated based on the method to estimate a proportion, totaling 384 users. Data were collected by means of a questionnaire applied in the form of an interview. Results: The results demonstrated that 86.4% of the interviewees did not participate in any social organization in their suburb, and only 11.5% of the users knew about the Municipal Health Council. Almost all of the users (90.6%) affirmed that they had prior knowledge of the right to health guaranteed by the Brazilian Federal Constitution. As regards access to dental treatment, 86.7% of the users declared that they knew the process for scheduling an appointment. It was observed that 72.1% of the interviewees argued that they would make a complaint if they were dissatisfied about something, but 38.8% of them declared that they did not know where they should file the complaint. Conclusion: According to the results, it could be concluded that the community interviewed in this study presents characteristics of a group that is aware of their rights to dental care. However, a contradictory posture of the interviewees was identified with regard to exercising these rights to their full extent.

Uniterms: Right to health. Power (Psychology). Consumer participation.


 

 

INTRODUÇÃO

A Carta de Ottawa, documento resultante da Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde, define promoção de saúde como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle desse processo1. Para as iniciativas da promoção da saúde é essencial o incremento do poder técnico e político das comunidades (empoderamento) na fixação de prioridades e tomada de decisões e na definição e implementação de estratégias para alcançar melhor nível de saúde 2,3.

Norteado pelos princípios da promoção da saúde, visando modificar a forma tradicional de assistência à saúde e estimular a implantação de um novo modelo de Atenção Primária, o Ministério da Saúde instituiu, em 1994, o Programa Saúde da Família- PSF, conhecido atualmente como Estratégia de Saúde da Família4. A Estratégia de Saúde da Família (ESF) surgiu como uma nova forma de atuar na saúde mudando a antiga concepção de atuação dos profissionais de saúde, saindo da medicina curativa e passando a atuar na integralidade da assistência. Pretende tratar o usuário como sujeito dentro da sua comunidade socioeconômica e cultural5.

A participação dos usuários nos serviços públicos de saúde vem sendo amplamente discutida, sendo considerada um fator fundamental na qualidade desejada para os serviços. A identificação de problemas e soluções relacionadas às suas demandas pode contribuir para ações de saúde mais efetivas, desenvolvendo nos usuários a responsabilidade e o direito, ou seja, a cidadania3.

Uma comunidade usuária de um serviço tem o empoderamento quando ela, e não somente o profissional, estabelece também as prioridades em saúde, de forma sensível e participativa6. Para Taddeo et al.7, o empoderamento torna-se um processo onde o indivíduo assume o domínio sobre sua vida, adquirindo conhecimentos e desenvolvimento de habilidades para tomada de decisões sobre sua própria saúde. Mais do que repassar informações e induzir determinados comportamentos, o empoderamento deve buscar apoiar pessoas e coletivos a realizarem suas próprias análises para que tomem as decisões que considerem corretas, desenvolvendo a consciência crítica e a capacidade de intervenção sobre a realidade8.

Para fortalecer a participação social na política de saúde, faz-se necessário, que os sujeitos políticos envolvidos no processo, tenham efetivo conhecimento do Sistema Único de Saúde e da legislação em saúde vigente no país9. Estar consciente dos direitos e deveres possibilita ao usuário da saúde contribuir com o sistema de saúde, exercer o papel de controle social e participar ativamente no desenvolvimento das políticas públicas9,10.

Assim, a disseminação de informações e de conhecimento é fundamental para instigar a luta pelo direito social à saúde e uma vida digna11. Neste sentido, buscando informar os usuários sobre os seus direitos, em 2006 o governo federal elaborou a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, regida por seis princípios básicos de cidadania, que asseguram a qualquer cidadão o direito digno ao sistema de saúde, seja ele público ou privado. Esta carta foi divulgada e distribuída gratuitamente pelo Ministério da Saúde, objetivando que os usuários da saúde conheçam seus direitos e possam ajudar o Brasil a ter o sistema de saúde com mais qualidade12.

Desde a perspectiva aqui abordada, o presente estudo teve como objetivo identificar o conhecimento dos usuários da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município de médio porte do estado de Minas Gerais, a respeito de seus direitos básicos relacionados ao atendimento odontológico.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa e de caráter exploratório descritivo. Os estudos quantitativos são métodos orientados à busca da magnitude e das causas dos fenômenos sociais. São descritos como objetivos e reprodutíveis13.

A pesquisa foi realizada em um município de médio porte do estado de Minas Gerais, que possui 263.689 habitantes14. A divisão político administrativa, abrangendo toda a zona urbana, contempla 19 regiões, onde se situam 48 Unidades Básicas de Saúde (UBS). Trinta e cinco dessas UBS possuem equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e 30 delas realizam atendimento odontológico ambulatorial à comunidade por meio das Equipes de Saúde Bucal (ESB). Nesse município, a incorporação das atividades de Saúde Bucal na ESF iniciou-se em outubro de 2001, realizando procedimentos com ênfase na orientação para a escovação, higienização e para alimentação adequada, bem como ações curativo-restauradoras.

O universo foi constituído por 64.224 indivíduos com 18 a 59 anos, cadastrados em cada uma das 30 unidades de Estratégia de Saúde da Família, contempladas com Equipes de Saúde Bucal (ESB). O tamanho da amostra foi calculado baseado no método de estimativa para proporção15, considerando nível de significância de 95%, erro de 5% e padrão de referencia de 50%, totalizando 384 indivíduos. A seleção da amostra respeitou a proporcionalidade referente ao total de indivíduos cadastrados em cada uma das ESF, participantes do estudo.

Os critérios utilizados para inclusão na amostra foram os indivíduos de 18 a 59 anos, de ambos os sexos, que em algum momento, já tinham recebido pelo menos um atendimento odontológico pela ESB.

Inicialmente, foi realizado um contato formal com o Secretário de Saúde do Município, onde os pesquisadores solicitaram a autorização para realização da pesquisa. Após autorização do Secretário de Saúde Municipal, para iniciar a coleta dos dados, os pesquisadores reuniram-se com o responsável de cada Unidade das ESF participantes do estudo, detalhando os objetivos e a metodologia da pesquisa. Em seguida, agendaram o dia e horário adequado para realização da coleta de dados, ressaltando que a pesquisa não iria interferir no funcionamento dos procedimentos programados pela equipe da ESF.

Na data estabelecida, os pesquisadores reuniam-se com os indivíduos que atendiam os critérios de inclusão, presentes na unidade, explicando os objetivos do estudo e a forma como seriam coletados os dados. Tais indivíduos foram convidados a participar do estudo e aqueles que se dispuserem foram incluídos na amostra. Foram feitas quantas visitas fossem necessárias até completar o número de sujeitos para cada ESF, respeitando-se a proporcionalidade do cálculo amostral.

A coleta dos dados foi realizada por meio de um questionário aplicado na forma de entrevista. O questionário foi dividido em duas partes. A primeira permitiu a caracterização da amostra mediante as seguintes variáveis: gênero, renda, idade e escolaridade, utilizando- um inventário sócio demográfico baseado no estudo de Fleck16. A segunda parte constou de questões relativas ao conhecimento dos usuários sobre o Conselho Municipal de Saúde, o processo para se conseguir uma vaga para atendimento odontológico nas ESF, as atitudes dos usuários diante de insatisfações com o atendimento odontológico recebido, o conhecimento sobre a carta dos direitos dos Usuários da Saúde e o conhecimento do direito à saúde assegurado na Constituição Brasileira. Estas questões foram adaptadas a partir de um instrumento utilizado por Fernandes e Ferreira17. Os dados foram coletados por uma pesquisadora devidamente treinada para este fim, no período de março a agosto de 2012.

Visando testar o método de trabalho e assegurar fidelidade na coleta dos dados, um estudo piloto foi realizado. Foram entrevistados inicialmente 05 indivíduos em tratamento em uma ESB do município focalizado, porém estes não foram incluídos no estudo principal. Previamente às entrevistas foi realizado um treinamento para aplicação e preenchimento do questionário objetivando uniformidade na coleta de informações, de forma a evitar possíveis vieses. O projeto piloto permitiu avaliar a clareza e objetividade do questionário desenvolvido para este estudo.

Visando a tranquilidade e privacidade dos usuários para responder, a aplicação dos questionários foi realizada em uma sala reservada indicada pelas unidades da ESF, nas datas previamente agendadas. Os usuários entrevistados foram selecionados por conveniência, isto é, aqueles que estavam presentes no momento da coleta de dados e se dispuseram a participar do estudo.

Os dados foram analisados utilizando-se o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0). Foi realizada a análise estatística descritiva e computadas as frequências das respostas, em percentuais. As questões abertas foram categorizadas para uma posterior análise quantitativa, no mesmo padrão.

Previamente à aplicação dos questionários, os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assegurando o caráter confidencial de suas respostas e seu direito de não identificação, salientando a voluntariedade da participação. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Rio Doce (CEP-UNIVALE), conforme parecer nº 063/11-12.

 

RESULTADOS

Quanto ao perfil sócio demográfico dos entrevistados (Tabela 1), verificou-se que estes eram majoritariamente do gênero feminino (83,3%), com predominância da faixa etária de 20 a 39 anos (52,6%). A quase totalidade dos entrevistados (99,0%) é alfabetizada e quanto ao nível de escolaridade, houve predomínio dos usuários com ensino fundamental incompleto (38,0%). Para a avaliação da renda mensal familiar considerou-se como referência o salário mínimo no valor de R$ 622,00. Assim, a renda familiar mensal de um a dois salários mínimos representou 70,9% (n = 272) do total de usuários entrevistados.

 

 

 

A maioria dos entrevistados (86,4%) declarou não participar de organização social em seu bairro. Ao serem questionados a respeito do conhecimento do direito à saúde, assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal Brasileira, 90,6%, dos entrevistados afirmaram que conheciam. No entanto, 95,1% declararam não ter conhecimento da "Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde" (Tabela 2).

 

 

 

A maioria dos entrevistados (86,7%) relatou ter conhecimento do processo para conseguir uma vaga na ESF e apontaram os critérios de acesso ao tratamento odontológico (Tabela 3), sendo a marcação de consultas o critério apontado como predominante (84,6%).

 

 

 

Quanto à possibilidade de se fazer uma reclamação diante de alguma insatisfação com o tratamento odontológico recebido nas unidades da ESF, 72,1% dos usuários afirmaram que fariam essa reclamação. As principais justificativas apresentadas pelos 107 (27,9%) usuários que não fariam a reclamação, apesar de insatisfeitos com o serviço, foram: não gosto de reclamar, medo de prejudicar o próprio atendimento, não sabem onde reclamar e acham que nada se resolveria (Tabela 4).

 

 

 

DISCUSSÃO

Quanto ao perfil sócio demográfico dos entrevistados estes eram majoritariamente do gênero feminino. A presença maior de mulheres nos serviços de saúde é um fato comprovado na literatura científica18,19,20 e que coincide com os resultados dessa pesquisa. Esse fato pode ser explicado pela percepção feminina mais aguçada em relação aos problemas de saúde, assim como pelas necessidades específicas da mulher, como a gravidez e o parto18,19. Como constatado nos estudos de Levorato et al.20 e Gomes et al.21 percebeuse, nesta pesquisa, que o horário de funcionamento das unidades de saúde dificulta a presença dos homens, por coincidir com o horário de trabalho.

Assim como evidenciado em outros estudos22,23, houve predomínio de usuários com baixa renda e baixo nível de escolaridade, perfil característico da população usuária da ESF no Brasil. Em função da predominância significativa do sexo feminino, o baixo nível de escolaridade da população estudada pode estar associado ao fato das mulheres interromperem os estudos precocemente, a fim de cuidar dos filhos ou trabalhar para conseguir meios de subsistência.

Questionados quanto à participação em alguma organização social em seu bairro, a maioria dos usuários afirmou não participar. Embora Andrade e Vaitsman3 considerem que a participação dos usuários nos serviços públicos de saúde é muito importante para a qualidade dos serviços ofertados e para desenvolver nos usuários o exercício da cidadania, esta participação não foi observada neste estudo, sinalizando um baixo nível de empoderamento desta comunidade.

Diante do perfil da população estudada, alcançar a participação desta população nas ações e serviços de saúde é tarefa complicada. Indivíduos com poucos anos de estudo formal possivelmente tem menor acesso a informação e dificuldades de compreender as comunicações de seu interesse. Este fato também pode estar associado ao baixo poder aquisitivo da população estudada. Segundo Assunção et al.24, indivíduos com baixa renda, necessitam dedicar seu tempo a atividades que gerem renda, o que pode dificultar seu comparecimento aos espaços de participação social.

Os Conselhos de Saúde foram instituídos pelo Governo Federal com o objetivo de permitir a participação popular nas políticas públicas25. Constituem-se em espaços de práticas de participação social no processo decisório das políticas públicas de saúde e do exercício do controle social9. No entanto, apenas 11,5% dos usuários entrevistados afirmaram conhecer o Conselho Municipal de Saúde. Além das questões sócio demográficas já citadas, acredita-se que este fato também pode estar relacionado à falha na divulgação das informações sobre os serviços de saúde públicos. Segundo Carvalho8, não basta transmitir informações, é necessário que se promova ações para que os usuários desenvolvam consciência crítica e assim consigam intervir sobre a realidade.

A quase totalidade dos entrevistados declarou ter conhecimento do artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 198826, que assegura que "a saúde é um direito de todo cidadão brasileiro e um dever do estado". Entretanto, a grande maioria afirmou desconhecer a "Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde", documento elaborado pelo Ministério da Saúde, que informa ao cidadão a respeito dos direitos básicos relativos ao ingresso digno nos sistemas de saúde12. Tal fato pode ser também reflexo de uma divulgação inadequada deste documento por parte dos gestores e trabalhadores dos serviços de saúde. Vale destacar que a "Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde" não foi encontrada pelos pesquisadores em nenhuma das unidades da ESF visitadas durante a coleta dos dados e a maioria dos funcionários dessas unidades (ACS e atendentes) relatou não conhecer tal documento quando questionados sobre o mesmo. Fica a questão: será que esse documento chegou de fato às unidades de saúde? Se chegou, porque os usuários não tiveram acesso ao mesmo?

Observa-se, atualmente, que a informação em saúde tem crescido. No entanto, faz-se necessária a democratização desta informação9. O grande desafio para o setor saúde é tornar essa informação acessível aos usuários do SUS de maneira universal. Ou seja, não basta divulgar os dados, é necessário apresentar a informação numa linguagem adequada, de forma a permitir que qualquer sujeito possa se apropriar do conhecimento.

A marcação de consulta foi o principal critério de acesso ao tratamento odontológico citado pelos usuários. Este dado pode estar associado a uma prática de agendamento estabelecida e consolidada pelas equipes da ESF do município e já incorporada pelos usuários. Ou seja, percebe-se que os usuários do estudo conhecem os critérios estabelecidos pelas unidades da ESF quanto ao acesso ao tratamento odontológico.

Apesar de grande parte dos usuários afirmar que fariam uma reclamação quando insatisfeitos com o tratamento odontológico recebido nas unidades da ESF, 38,8% destes declararam desconhecer o local onde reclamar. Questiona-se então, se de fato os usuários desse estudo realmente conseguem efetivar suas reclamações. Este desconhecimento por parte dos usuários merece uma reflexão especial. Apesar do site "Portal da Saúde"27, do ministério da saúde, informar detalhadamente aos usuários os caminhos a serem percorridos em casos de reclamação dos serviços ofertados, essas informações parecem não estar chegando até os mesmos. Há que se repensar os meios de divulgação destas. De acordo com Coelho11 é importante garantir o acesso adequado e suficiente às informações produzidas pelo SUS e o direito de cada um se expressar, ser ouvido e considerado.

"Não gosto de reclamar" e "medo de prejudicar o próprio atendimento" foram as justificativas mais citadas pelos usuários que não fariam a reclamação, apesar de insatisfeitos com o serviço. Esses dados refletem uma postura contraditória dos usuários a respeito do conhecimento do direito a saúde assegurado na Constituição Federal Brasileira26, uma vez que dizem conhecer tal direito, mas de fato não o exercem. Conforme afirmado por Silva et al.9 e Lanzoni et al.10, acredita-se que o conhecimento dos usuários sobre seus direitos fortalece o exercício do controle social e a participação efetiva no desenvolvimento de políticas públicas. Para Coelho11 o conhecimento contribui para a tomada de decisões, sem ele não há como a população organizada exercer o seu papel de fiscalizadora e avaliadora dos serviços, e consequentemente de conseguir a melhoria real de sua saúde.

Por outro lado há que se pensar se, mesmo conhecendo seus direitos, as justificativas pessoais apresentadas por esta população impossibilitam a mesma de efetivar a reclamação. Isto porque, devido às suas condições socioeconômicas, possivelmente dependem totalmente do serviço público, ficando assim em posição inferior na relação estabelecida, completamente vulnerável. Isto é, as pessoas se sentem incapacitadas diante de uma relação desigual, razão pela qual se calam e não se manifestam.

Torna-se necessário portanto, o desenvolvimento de estratégias de empoderamento dessa população viabilizando assim a participação social, contribuindo para que tenha a capacidade de expressar suas necessidades, definir prioridades bem como avaliar os serviços de saúde em benefício da melhoria de sua qualidade de vida.

Observa-se neste estudo algumas limitações. É provável que a amostra de conveniência possa ter excluído dados importantes de indivíduos que não foram incluídos no estudo. Embora não sejam feitas inferências em amostras de conveniência, estas podem ser importantes para levantar hipóteses e formular modelos. Os dados obtidos poderão ser utilizados pelos serviços de saúde para o planejamento de ações que visem mudanças no processo de divulgação de informações para a população, de forma respeitosa e construtiva, objetivando o exercício da cidadania plena. E, ainda, que o estudo enseje outros horizontes de avaliação, podendo-se ouvir com maior profundidade os usuários destes serviços.

 

CONCLUSÃO

Os usuários entrevistados apresentaram características que poderiam classificá-los como parte de uma comunidade consciente dos direitos relativos ao atendimento odontológico (reconhecem que a saúde é direito de todo cidadão e dever do estado, declaram conhecer o processo para se conseguir uma vaga para tratamento odontológico nas ESF, afirmam reclamar diante de uma insatisfação com os serviços prestados). No entanto observou-se uma postura contraditória dos entrevistados em relação ao exercício pleno do direito à saúde (não participam de organizações sociais, não conhecem a "Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde", desconhecem o local onde fazer uma reclamação quando insatisfeitos com o tratamento recebido).

 

COLABORAÇÃO DOS AUTORES

Coelho e Almeida foram responsáveis pela coleta dos dados. Fernandes foi responsável pela supervisão da coleta, análise dos dados e redação do artigo. Frauches e Rodrigues colaboraram com a análise, revisão de dados e redação do artigo.

 

REFERÊNCIAS

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