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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.51 no.4 Belo Horizonte Out./Dez. 2015

 

 

Multiplicidade de atuações do acadêmico de Odontologia no estágio curricular: relato de experiência

 

Multiplicity of activities performed by dental students in their internships: experience report

 

 

Manoelito Ferreira Silva Junior I; Karina Tonini dos Santos Pacheco II; Raquel Baroni de Carvalho II

 

I Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, SP
II Departamento de Medicina Social, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES

Contatos: manoelito_fsjunior@hotmail.com, kktonini@yahoo.com.br, raquel_baroni@yahoo.com.br

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Apresentar a multiplicidade de atuações do acadêmico de Odontologia durante o estágio no Sistema Único de Saúde. Material e Métodos: Por meio de um relato de experiência do Estágio Extramuros em Promoção de Saúde II (EEMPS II) do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Espírito Santo, será abordada uma diversidade de ações práticas e teóricas que podem ser realizadas durante o estágio curricular supervisionado. As atividades compreendem atendimento clínico individual, ações coletivas de educação em saúde e prevenção das doenças bucais, que são desenvolvidas em Unidades de Saúde e/ou em espaços sociais. Resultados: As atividades propostas pelo estágio apresentam planejamento e objetivos claros, condizentes com a realidade local, permitindo novas experiências e benefícios reais tanto para o serviço, quanto para a formação profissional dos acadêmicos. Conclusão: A experiência exitosa vivenciada durante o período de existência do EEMPS II revela que existem diversas possibilidades de atuações para acadêmico de Odontologia no SUS, que contribuem efetivamente para uma melhor formação profissional.

Descritores: Sistema Único de Saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Odontologia.


 

ABSTRACT

Aim: To present the multiplicity of actions performed by dental students in their internships in the Brazilian Unified Health System (SUS). Methods: Through an experience report of one's Extramural Internship in Health Promotion II (EEMPS II) course from the School of Dentistry of the Federal University of Espírito Santo, this study will treat a wide range of theoretical and practical actions that can be performed during one's supervised internship. Activities include from individual clinical care services to collective health education activities and the prevention of oral diseases, developed in public health units and social spaces. Results: The activities proposed by this internship program present the planning and clear aims, which are representative of the local reality, thus opening the door to truly successful and beneficial experiences both for the dental care services, as well as for the dental student. Conclusion: The successful experience lived during the short period of the EEMPS II course reveals that there are several possibilities of activities for dental students within SUS, which effectively contribute to better professional training.

Uniterms: Unified Health System (SUS). Dental care integration services. Dentistry.


 

 

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) surgiu como resultado da necessidade de ampliação da organização popular, da universalização do acesso e do reconhecimento da saúde como direito universal do ser humano1. Mais tardiamente, a saúde bucal foi incorporada de forma efetiva no SUS, por meio da Política Nacional de Saúde Bucal. Isto porque, embora o Brasil apresentasse considerável número de cirurgiões-dentistas qualificados, muito precisava ser feito para melhorar as condições de saúde bucal da população brasileira2.

Surgiu-se, nesse panorama, a necessidade de atuação do profissional da Odontologia, fundamentada nas reais demandas de saúde das populações. Baseadas não apenas no acesso em estágios tardios da doença e com foco na urgência e eliminação de dor, mas também na filosofia de promoção da saúde, durante todas as etapas do cuidado em saúde bucal3. O paradigma curativista era reflexo da formação acadêmica dos profissionais de Odontologia, que foi, por muito tempo, conduzida pelo modelo flexeneriano, centrado no estudo fragmentado dos problemas de saúde dos pacientes, baseado nas especialidades, geralmente restrito a um trabalho individualista e egocêntrico4.

Assim, percebeu-se a necessidade de reduzir o descompasso entre a formação e a necessidade do serviço. Para tanto, segundo a Lei no 8.080/90, que estabelece a ordenação da formação de recursos humanos para a saúde como uma das competências do SUS5, o Ministério da Saúde, juntamente com o Ministério da Educação, conduziu primeiramente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/966 e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), para o curso de Odontologia em 20027.

Os currículos orientados para o desenvolvimento de competências aos estudantes no trabalho em saúde, dentro do contexto do SUS, buscam oportunizar conhecimentos não meramente técnicos, mas também políticos e relacionais8. Sendo assim, o próprio SUS configurou-se como um oportuno meio de aprendizado, permitindo ao aluno desenvolver habilidades técnicas e clínicas, além de promover a autonomia para o enfrentamento das dificuldades inerentes à profissão3,9.

Nesta perspectiva, os estágios extramuros possibilitam, aos estudantes, inserção na realidade que possivelmente irão encontrar após se formarem. O estágio é um momento para aquisição e aprimoramento das competências gerais de um profissional de saúde, tais como, atenção à saúde, tomada de decisão, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, além de educação permanente10. Sendo, também, uma capacitação de recursos humanos para atuar no modelo assistencial vigente no país11. Essas novas vivências e situações dos acadêmicos podem provocar sentimentos positivos e/ou negativos, ambas construtivas para o estudante em formação3.

Entretanto, para a obtenção de uma melhor formação profissional, é necessário ter bem estabelecidos os objetivos que se almejam durante o período de estágio. Pois nem toda atividade clínica é estágio e, se não for bem planejado, pode reforçar a permanência de antigos modelos de ensino9. No intuito de apresentar a multiplicidade de atuações que o acadêmico de Odontologia pode realizar nos cenários de prática, este artigo tem o objetivo de relatar a experiência do estágio curricular do curso de Odontologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

 

RELATO DA EXPERIÊNCIA

O estágio extramuros em Promoção de Saúde II da UFES

O curso de Odontologia da UFES modificou seu currículo em 2008, após a permanência por 20 anos do currículo anterior, com o objetivo de atender às DCN. Dessa forma, algumas disciplinas foram inseridas contemplando atividades curriculares extramuros, como o Estágio Extramuros em Promoção de Saúde (EEMPS) I e II, oferecidos, respectivamente, no 9º e 10º período do curso.

A disciplina de EEMPS II teve seu início no segundo semestre letivo de 2012 e foi idealizada com base na antiga e extinta disciplina da UFES "Clínica Extramuros", bem como na disciplina Estágio Supervisionado em Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estágio é oferecido no último semestre letivo do Curso de Odontologia da UFES, possui carga-horária total de 210 horas, sendo 15 horas de atividades teóricas e 195 horas em atividades nos cenários de prática. Os cenários de prática incluem alguns municípios da região metropolitana da Grande Vitória, além de Organizações Não-Governamentais (ONGs) ou locais que prestam serviço odontológico à população por meio de cirurgiões-dentistas contratados ou voluntários como igrejas, asilo de Vitória e o Departamento de Atenção a Saúde (DAS) da UFES. Atualmente, a UFES possui convênios de estágio com os municípios de Vitória, Serra e Viana e parcerias e/ou projetos de extensão nos locais listados anteriormente. Antes do início de cada semestre letivo, é feito um planejamento pela coordenação do estágio e responsáveis pelos cenários de prática para a inserção dos alunos.

O EEMPS II tem a finalidade de oferecer aos acadêmicos a oportunidade de executar ações de saúde bucal em parceria com municípios do estado do Espírito Santo por meio de convênios com a UFES. As atividades podem ser educativas, preventivas e clínicas, no modelo docência-assistência, sob a supervisão direta de cirurgiões-dentistas (preceptores) e supervisão quinzenal de professores (tutores), com vistas ao crescimento de suas habilidades técnicas, autoconfiança, capacidade de diagnóstico e planejamento clínico.

O estágio desenvolve o senso crítico e ético do aluno, inserindo-os em ambientes onde podem verificar a realidade social, econômica, cultural, demográfica, urbana e/ou rural local, permitindo a reflexão sobre os determinantes sociais da saúde e sobre os instrumentos necessários ao enfrentamento das desigualdades em saúde, bem como a aproximação de diferentes órgãos ligados à saúde coletiva. Ao longo do semestre, o estágio possibilita também a participação no diagnóstico, planejamento, implantação e avaliação das ações e serviços de saúde, a compreensão do processo de trabalho em equipe e a participação em atividades multiprofissionais, propiciando momentos pedagógicos que possibilitem ao aluno a reflexão do papel do profissional de saúde no planejamento de ações e enfrentamento dos problemas diagnosticados a nível local.

Vale ressaltar que conteúdos como processo saúde-doença, determinantes sociais, promoção de saúde, sistemas de saúde, SUS, políticas públicas, níveis de prevenção, são ministrados em disciplinas distribuídas ao longo do curso, como Saúde, Sociedade e Cultura (SSC), Ética e Bioética, Saúde Bucal Coletiva I (SBC I) e Saúde Bucal Coletiva II (SBC II). Entretanto, são nos estágios extramuros que os alunos têm a maior oportunidade de vivenciar a teoria estudada. A temática "Promoção de Saúde", que dá o nome aos estágios, é trabalhada nas disciplinas SSC, SBCII e SBCII e discutida por meio de seminários, discussão de textos e estudos dirigidos. A prática ocorre efetivamente nos estágios extramuros, em que os alunos, a partir do conhecimento da realidade local de atuação, planejam, em conjunto com a ESB, estratégias que visem à melhoria de saúde da comunidade.

Atividades práticas

Os alunos são designados a trabalhar em dupla nas Unidades de Saúde, preferencialmente com a Estratégia Saúde da Família, oportunizando o conhecimento do funcionamento da Atenção Primária a Saúde (APS). As atividades práticas desenvolvidas pelos estagiários são previamente planejadas em conjunto com o preceptor responsável sob a supervisão do professor tutor. São verificadas as prioridades já detectadas no local em reunião com o preceptor/equipe, bem como por meio de relatórios confeccionados pelos estagiários que atuaram previamente naquele campo de estágio. Neste momento, as atividades são planejadas em função do tempo de permanência dos estagiários no serviço e das possibilidades de atuação naquele semestre.

Os alunos também devem vivenciar as rotinas de diversos setores dentro da Unidade, em sistema de rodízio, incluindo a sala de preparo, os consultórios, a farmácia, o setor de marcação de consultas, a sala de vacinação, a vigilância epidemiológica, dentre outros. Além desse ambiente interno da Unidade, o estagiário desenvolve atividades no território que compreende a população assistida em companhia dos agentes comunitários de saúde (ACS). Os alunos realizam visitas domiciliares com os ACS para conhecer a realidade do território, situação de vida das famílias e para observar a atuação e papel desse profissional dentro da ESF.

Em relação ao acolhimento, os alunos são estimulados a observar as condutas de toda a equipe no que diz respeito à escuta e responsabilidade profissional visando à solução de problemas e resposta aos usuários, conforme preconizado pela Política Nacional de Saúde Bucal.

Com o intuito de conhecer e entender o sistema de referência e contrarreferência entre a APS e o atendimento especializado, na primeira semana de aula é realizada uma visita ao Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) do município de Vitória-ES. Na visita, os alunos são recebidos pelo coordenador de saúde bucal do município e por uma cirurgiã-dentista que atua no local, que explicam o funcionamento e a organização da rede de serviços de saúde bucal, a divisão dos territórios de saúde, o sistema de agendamento e o fluxo de atendimentos no CEO. A seguir, os alunos conhecem as instalações do centro e têm a oportunidade de conversar com os especialistas e protéticos que ali atuam. O entendimento deve ser claro que a APS tem primordial papel na inserção dos usuários à rede, podendo encaminhar o paciente caso seja necessário ao atendimento especializado, garantindo a integralidade da atenção. A compreensão desses aspectos por parte dos estagiários é estimulada durante todo o semestre durante as reuniões de supervisão dos professores e pelos textos específicos discutidos em pequenos grupos.

O estágio também permite, de acordo com avaliação do preceptor e tutor, a realização de atividades clínicas e de prevenção dentro do consultório odontológico. Sendo assim, os alunos podem trabalhar na cadeira odontológica, em dupla ou com a Auxiliar de Saúde Bucal (ASB), sempre na presença e supervisão direta do cirurgião-dentista. As atividades clínicas incluem atendimento odontológico, de atenção primária em crianças e adultos – exame clínico, anamnese, plano de tratamento, limpezas, raspagens gengivais, adequação do meio bucal, restaurações diretas, extrações e atendimento de urgências.

Os estagiários que estiverem lotados no município de Vitória, também têm a oportunidade de conhecer a "Rede Bem Estar", o Sistema de Informação da Secretária Municipal de Vitória-ES. É um sistema informatizado online, que possibilita aos profissionais ter todas as informações clinicas (prontuário médico e odontológico) dos pacientes, bem como acesso a resultado de exames complementares. Para parte Odontológica, existe uma anamnese específica e o odontograma, sendo possível a realização online de prescrições farmacológicas, declarações de comparecimento, atestados e encaminhamento ao CEO. O sistema também está presente da mesma forma, no CEO, onde os especialistas tem acesso a todas as informações clínicas.

As atividades preventivas podem incluir escovação supervisionada, aplicação de flúor, exames bucais para detecção de lesões cancerizáveis e câncer de boca, triagem de pacientes, levantamentos epidemiológicos de saúde bucal, dentre outros.

As atividades educativas estão ancoradas na perspectiva dialógica e no compartilhamento dos saberes, considerando que cada indivíduo traz consigo um saber prévio, por isso, preconiza-se que a relação entre educador e educando seja a mais horizontal possível. As atividades são desenvolvidas de acordo com a particularidade de cada campo de estágio, em escolas, creches, asilos, aldeias indígenas, empresas parceiras, entre outros.

Vale ressaltar que, caso a dupla de acadêmicos forem trabalhar com a população indígena, as questões étnico-raciais, muito bem trabalhadas na disciplina SSC, são retomadas, especificamente, pela docente da disciplina, que também é tutora do estágio e coordenadora do projeto de extensão "Saúde Indígena", desenvolvido pela UFES. A inserção dos alunos em empresas parceiras se dá por meio da equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS), quando o próprio serviço já tem estabelecida tal parceria.

Nessas atividades, conforme planejamento, pode haver a participação de estudantes de outros cursos da área de saúde da UFES, que realizam estágio na mesma Unidade, com o objetivo fomentar a educação interprofissional e a articulação dos saberes. As metodologias abordadas podem ser diversas, levando em consideração o público alvo que será atingido, para, assim, desenvolver métodos mais efetivos. Os recursos educativos utilizados compreendem, entre outros, em álbuns seriados, dramatizações, impressos, materiais lúdicos, objetos concretos, utilizados na perspectiva dialógica.

Os acadêmicos de Odontologia também podem participar de grupos de trabalhos já existentes na Unidade, que são desenvolvidos por profissionais que ali atuam, também com a participação de estagiários de outros cursos da saúde. A programação é ampla, de caráter semanal, e sempre com a participação de profissionais do serviço de acordo com os temas abordados e sua atuação dentro da unidade de saúde. Esses grupos podem ser de gestantes, mulheres, homens, fumantes, dentre outros. A participação frequente dos usuários permite a criação de vínculo com os profissionais, o que facilita o diálogo e evidencia o alcance dos objetivos propostos.

Durante o período de estágio, há o acompanhamento das reuniões de equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que mostra ao aluno a importância desse momento de diálogo entre os profissionais de saúde, incluindo a participação dos ACS, para monitoramento de atividades realizadas e a criação de propostas e estratégias mais efetivas para alcançar a população.

No final do EEMPS II, como parte da avaliação, as duplas de acadêmicos devem apresentar um projeto de intervenção, que é elaborado pelos alunos, sob a orientação dos preceptores e tutores, na tentativa de criar e efetivar uma atividade de acordo com a necessidade local apontada pela Equipe de Saúde Bucal (ESB), conforme informações no Quadro 1. O projeto deve conter: introdução, justificativa, objetivos, metas/resultados esperados, fundamentação teórica, metodologia, método de monitoramento/avaliação, recursos necessários, cronograma das atividades, e referências. A forma de monitoramento constitui uma etapa importante para avaliação do alcance das propostas almejadas e enfrentamento dos desafios que aparecerão.

 

 

 

O projeto de intervenção, por ser construído coletivamente, possui grande aceitação pelos membros da ESB. O ideal seria que os temas abordados no projeto fossem discutidos e apresentados durante as reuniões da ESF, porém, na prática, algumas vezes isso não se efetiva. Assim, a cada período, os alunos que ingressam naquele campo de estágio, devem implantar ou dar continuidade ao projeto de intervenção já existente, podendo ao final do estágio, fazer o monitoramento e adequações da metodologia, caso necessário. Apenas após a efetivação do projeto de intervenção, tornando-o uma prática de rotina na unidade de saúde, pode-se criar um novo projeto, que é sempre embasado na necessidade local.

A cada semestre letivo, tem se observado nos campos de estágio, um maior engajamento dos membros da ESB com as atividades realizadas pelos estagiários, incluindo o projeto de intervenção. Tal motivação vem sendo compartilhada nas reuniões de equipe, no qual surgem, inclusive, sugestões de novas propostas de trabalhos para os próximos estagiários.

Durante o período de estágio, podem ocorrer eventos, tais como conferências estaduais ou municipais de saúde, congressos que contemplem a área da saúde coletiva, cursos de capacitação, campanhas de saúde, que são interessantes para os acadêmicos e podem auxiliar no entendimento do processo saúde-doença. Por isso, essa participação é estimulada, desde que previamente acordado com o tutor e preceptor.

A supervisão dos professores da UFES nos locais de estágio é realizada com base no modelo de tutoria do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde), que é a função de supervisão docente-assistencial, exercida em campo, dirigida aos profissionais da saúde com vínculo universitário, que exerçam papel de orientadores de referência para os profissionais e/ou estudantes que cursam estágios de residência ou graduação na área da saúde, que ocorram no âmbito da estratégia Saúde da Família12.

Os tutores da UFES devem se reunir com os estagiários para supervisão, preferencialmente a cada 15 dias, no próprio local do estágio. Caso ocorra alguma eventualidade, a supervisão é reagendada para uma outra data e/ou local, como nas dependências da própria universidade. O objetivo das supervisões é realizar o acompanhamento das atividades previamente planejadas no início do semestre, solucionar eventuais intercorrências que precisem da presença do professor para serem resolvidas, discutir sobre o projeto de intervenção a ser desenvolvido e em algumas supervisões, realizar, além dessas atividades, a discussão dos textos.

A participação e o envolvimento do preceptor com as atividades do estágio são pontos importantes do processo aqui descrito. Primeiramente, os preceptores interessados em receber os estagiários da UFES devem se manifestar por meio de um documento, no qual também se comprometem em colaborar com a formação profissional do aluno naquele período. Durante o estágio, o preceptor estará em contato direto com os estagiários e deve acompanhar as atividades previstas no Plano de Estágio. Esse documento é entregue a todos os preceptores no inicio do semestre. Além disso, o preceptor deve assinar diariamente a lista de frequência dos estagiários, esclarecer dúvidas, sugerir temas para os projetos de intervenção, supervisionar o atendimento clínico realizado pelo aluno e colaborar com o bom desenvolvimento do estágio.

Em relação à avaliação do estagiário, o preceptor preenche um instrumento, com itens relativos à assiduidade, comprometimento, interesse, relação profissional e inter-pessoal, ética e respeito aos pacientes. Além do instrumento preenchido pelo preceptor, os outros itens da avaliação do estágio incluem a confecção do planejamento inicial, a participação nos grupos de discussão (GD), elaboração do relatório final e do projeto de intervenção.

Atividades teóricas

Apesar de o Curso de Odontologia da UFES ter suas disciplinas ministradas, em sua maioria, com metodologias de ensino tradicionais, algumas metodologias inovadoras têm sido utilizadas por docentes ao longo do curso, em especial pelas disciplinas que envolvem saúde coletiva. Nessa perspectiva, o início do EEMPS II, se dá por aulas expositivas dialogadas sobre educação em saúde bucal, planejamento estratégico situacional (PES) e dinâmica do estágio. A abordagem da temática de educação em saúde bucal, já conhecida pelos alunos, facilita aulas mais dinâmicas, com a participação mais ativa dos acadêmicos.

A adoção do PES no estágio se justifica pela sua coerência com os conceitos e abordagem referentes ao processo social em que se produz e contextualiza a saúde na sociedade. De acordo com o Manual de plano de ação13, contrariamente ao planejamento tradicional, dito normativo, o Método PES trabalha com a complexidade da realidade e admite que não há um conhecimento único e que a explicação da realidade depende da inserção de cada ator que participa do problema, sendo assim parcial e múltiplo. O outro diferencial que o PES apresenta em relação ao método tradicional é a abordagem de outras dimensões além da econômica, como poder, capacidade administrativa e conhecimento13. Para o estágio, a apropriação esse conhecimento por parte dos alunos é interessante, para que entendam que, como futuros profissionais, serão co-responsáveis pelo planejamento e resolução dos problemas que surgirem no ambiente de trabalho.

Durante a aula expositiva dialogada sobre PES, é discutido com os alunos como se realiza o planejamento de atividades e ações, já que se trata de uma temática nova para a maioria. Os alunos executam exercícios de planejamento estratégico situacional sobre a condição de saúde de um município, de caráter fictício. Ao final, é realizado o mapa conceitual, apresentando de forma hierarquizada o planejamento estratégico situacional para a situação fictícia proposta e os conceitos de saúde coletiva.

O mapa conceitual foi uma técnica desenvolvida em meados da década de setenta, por Joseph Novak e seus colaboradores, na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Constitui uma estratégia de aprendizagem significativa, proposta por David Ausubel14, isso explica a motivação para a sua utilização no EEMPS II. A avaliação da atividade é qualitativa, em que é verificada, em síntese, a apropriação e identificação dos conceitos relevantes e as relações que os alunos conseguem estabelecer entre eles, por meio de apresentações orais.

Outra abordagem realizada com os alunos no início do semestre é a discussão de temas relacionados ao comportamento dos acadêmicos nos cenários de prática, na perspectiva de reduzir possíveis transtornos ao longo do estágio.

Durante o semestre letivo, são realizados três GD com o professor tutor, com o objetivo de relacionar fundamentos teóricos com as atividades práticas vivenciadas no estágio, por meio da leitura de artigos sobre histórico do SUS, ESF, a inserção da Odontologia no SUS e o papel do cirurgião-dentista no serviço público. O objetivo dos GD é embasar o pensar crítico e avaliar as perspectivas dos alunos em relação ao campo de estágio. Os GD são realizados, geralmente, após as reuniões de supervisão, no próprio local do estágio, podendo também, a critério do tutor, ser realizado na UFES.

Ao final do estágio, em sala de aula na Universidade, para toda a turma e com a participação de alguns preceptores, cada dupla de estagiários apresenta o projeto de intervenção de sua unidade e a vivência dentro do campo de estágio. Além disso, é necessária a entrega de um relatório final, em que os alunos têm a oportunidade de elaborarem uma autoavaliação das atividades realizadas, ficando livres para realizarem criticas positivas e/ou negativas, visando almejar melhorias para o estágio naquele cenário de prática.

O relatório final é um documento que deve conter os seguintes itens: rotina do estágio (não é um diário de campo e sim, um resumo das atividades desenvolvidas), problemas e desafios encontrados, aprendizado com o estágio, sugestões para o próximo semestre e considerações finais. O relatório não deve ser meramente descritivo, mas apresentar uma visão crítica dos aspectos abordados, já que desde o inicio do semestre, é cobrado dos estagiários uma postura crítica frente aos acontecimentos do estágio.

 

DISCUSSÃO

É bem estabelecido que os velhos modelos de ensino em saúde foram incapazes de responder adequadamente às necessidades apresentadas pela população15. Sendo assim, os princípios e diretrizes do SUS e a lógica das diretrizes curriculares convergiram para o olhar humanizado ao paciente e o enfrentamento dos problemas de saúde de acordo com as demandas sociais3,16.

Na formação da área da saúde, surge o conceito de aprender fazendo, o que reafirma a ideia de que o processo ensino-aprendizagem precisa estar vinculado aos cenários da prática e deve estar presente ao longo de toda carreira do profissional de saúde17. Nos cenários dos serviços de saúde os alunos desenvolvem vivências únicas, impossíveis de serem desenvolvidas nos limites de uma sala de aula. A realidade torna-se o objeto da aprendizagem, com a compreensão do significado das teorias aplicadas na prática16.

Embora haja o conhecimento da importância da integração ensino-serviço, inclusive com a implantação dos estágios supervisionados curriculares, pouco se sabe e está esclarecido sobre as possíveis atuações dos acadêmicos durante o período nos cenários de prática. Um dos pontos importantes a ser considerado é a diversidade de espaços de aprendizagem existentes no SUS para os estudantes de Odontologia, tais como: Unidades Básicas de Saúde ou de ESF, nos CEO, na comunidade e nos domicílios, permitindo ao aluno um melhor conhecimento da população que será atendida3,18. Sendo assim, as atuações devem oportunizar o trabalho em todos os espaços de atenção à saúde, agregando ao processo, além dos equipamentos de saúde, os equipamentos educacionais e comunitários18. Isso torna a parceria entre o SUS e o ensino da Odontologia fundamental para a formação generalista, humanística e reflexiva3.

Ainda se percebe uma grande expectativa e interesse dos acadêmicos na realização de procedimentos clínicos no consultório odontológico durante o período de estágio. A lógica de organização do serviço centrada na produtividade reforça a valorização do atendimento clínico, que, muitas vezes, facilita o processo de preceptoria15. Suas atividades dentro da ESF devem restringir-se a procedimentos da Atenção Básica preconizado pelo Ministério da Saúde, conforme portaria nº 673/GM19. Para Moimaz et al.11 as ações curativas também devem ser realizadas, mas um dos objetivos do estágio é capacitar e instrumentalizar o paciente como agente de sua própria saúde e deixar de ser um ator passivo dentro do processo saúde-doença, dadas através da ênfase nas ações educativas e preventivas, ficando procedimentos reabilitadores em segundo plano.

Para Carvalho et al.20 a técnica odontológica é importante, porém inviável de ser discutida isoladamente dentro do contexto das DCN e do SUS. Pois além de adquirir habilidade prática, verificase nos estágios supervisionados, a oportunidade aos acadêmicos de conhecimento das estruturas organizacional, administrativa, gerencial e funcional dos serviços públicos de saúde, compreensão das políticas públicas de saúde e do papel do profissional de saúde e o conhecimento dos parâmetros e instrumentos de planejamento utilizados nos projetos de saúde21.

Segundo Bulgarelli et al.3, o processo de trabalho dos acadêmicos no campo de estágio deveria abranger ações de acolhimento, clínica ampliada, trabalho em equipe, visitas domiciliares, territorialização, planejamento, dentre outras ações. Werneck9 complementa que é necessária a realização de reuniões, oficinas e seminários de trabalho ou de avaliação com os profissionais do serviço e usuários.

Apesar do preparo na academia, a experiência ao estudante só se concretiza quando vivida e articulada com outros saberes3. Sendo assim, o espaço de interseção entre serviço e formação é rico em possibilidades para a produção de novos conhecimentos e também para a aquisição de condutas interprofissionais na produção do cuidado16. O reconhecimento da importância da vivência com trabalhadores do SUS, na lógica do trabalho multiprofissional, faz com que o estudante vivencie discussões e desenvolva algo bom para o usuário3,15. Sendo todas as profissões de saúde igualmente importantes, onde nenhuma deve sobrepor a outra15.

Inclusive para o estudante de Odontologia, o estágio tornou-se um momento oportuno e único para trabalhar o trabalho em equipe. Primeiramente, dentro do contexto da Equipe de Saúde Bucal (ESB), composta por cirurgiões-dentistas, Auxiliares de Saúde Bucal (ASB) e Técnicos de Saúde Bucal (TSB). Além de vivenciar a ESF, conhecendo o papel e atuação das diversas profissões da saúde de nível superior e técnico, incluindo os ACS. No campo de estágio, então é possível verificar como é importante o trabalho da ACS no conhecimento da população, na marcação de consultas, ou na verificação da necessidade de visita domiciliar do enfermeiro ou médico.

Sendo a integração ensino-serviço compreendida como trabalho coletivo, pactuado e integrado entre gestores da educação e da saúde, compreendendo docentes, alunos e trabalhadores dos serviços de saúde16, o planejamento e orientação teórica das atividades a serem realizadas durante o período de estágio deve ser realizado previamente às atividades de campo, sendo um rico momento de aprendizado e atuação do estagiário. Para isto, é necessário a participação de todos os atores dessa integração, para oportunizar a manifestação das diversas opiniões, no intuito de construir um diálogo franco, com objetivos que almejam para transformar a formação profissional17,22 e gerar benefícios aos serviços. Assim, cada sujeito envolvido tem um importante papel e distinta responsabilidade neste processo16.

O envio direto dos alunos aos cenários de prática, com atividades não planejadas e sem diálogo prévio com o serviço torna-se um prejuízo à dinâmica das atividades22. Todas as propostas planejadas e desenvolvidas no EEMPS II têm por objetivo a melhoria da saúde bucal da população adscrita. Entretanto, ainda existem algumas dificuldades de envolver todos os atores relacionados com a integração ensino-serviço, em especial, os usuários. A qualificação dessa articulação, com a participação de todos os sujeitos envolvidos, é um dos principais desafios a serem superados. Esse fato vem sido pautado nas discussões da equipe de tutores e coordenação do estágio para viabilizar que as próximas ações e projetos sejam discutidos com toda a equipe de saúde e gestores, contando também com a participação dos usuários.

Nessa perspectiva, assim como realizado no estágio da UFES, Gil et al.23 revelam como estratégia metodológica no campo de estágio, um planejamento inicial através da realização pelos alunos de entrevistas com a equipe de saúde e lideranças da comunidade, para poder identificar os problemas mais comuns à população, e a partir disso, haver a elaboração de propostas e realização de atividades possíveis de intervenção para o enfrentamento dos problemas. Estas novas práticas, incluem uma nova concepção no planejamento e construção de conteúdos e objetivos educacionais17.

Embora alguns alunos sintam-se satisfeitos com aulas expositivas, utilizando recursos educativos modernos e conteúdos selecionados pelo professor24, um estudo na Universidade Estadual de Feira de Santana25 mostrou que os acadêmicos durante o estágio supervisionado, compreendem a importância dos conceitos em saúde coletiva e tentam aplicá-los na prática, e não apenas para conseguir a aprovação nas disciplinas. Neste contexto, nas aulas ministradas durante o estágio há o estímulo, por parte dos professores, em resgatar os conhecimentos prévios dos alunos, seguindo uma atuação mais dialógica, ou seja, ativa na abordagem dos assuntos, tentando sempre correlacionar à prática que irão vivenciar. Lima et al.17 mostraram que os acadêmicos consideraram adequada a abordagem teórica sobre o SUS e o ESF, no sentido de prepara-los para a realidade social que vivenciariam, e os alunos que não acham adequado, citaram que além das dificuldades individuais próprias, o período do conteúdo teórico ser ministrado muito antes do período de estágio.

Como outras possibilidades de atuações dentro do campo de estágio, Stanga et al.26 ressaltam a utilização de GD pela leitura de artigos lidos, como metodologia no Projeto Vivências Interdisciplinares e Multidisciplinares da Universidade Comunitária da região de Chapecó, oportunizando maior associação da teoria com a prática, ampliando o conhecimento principalmente acerca de princípios, diretrizes e organização do SUS. Gil et al.23 mostraram também o mapa conceitual, podendo ser elaborado pelo grupo de instrutores para orientar o desenvolvimento do modulo de atuação dos acadêmicos. No contexto da realidade do EEMPS II, a metodologia é utilizada em diversos momentos, a fim de conceituação de temas, aplicabilidade de conceitos, além de planejamento, inclusive executado pelos próprios alunos.

Werneck27 relata pela experiência com alunos do Estágio Supervisionado em Odontologia da Faculdade de Odontologia da UFMG sobre o uso de diário de campo, que tem o objetivo de propiciar o acompanhamento reflexivo do aluno do primeiro ao último dia do seu estágio, que mostra um choque, uma inquietação, um descobrimento e a mudança de visão do ensino, pelos alunos, quando comparado com o modelo tradicional de ensino, pois agora, participam de um processo dinâmico de ensinar e aprender.

Com objetivo similar, existe no EEMPS II a confecção de um relatório final pela dupla de estagiários, em que devem relatar as atividades e os sentimentos vivenciados durante o contato com a realidade local. O relatório dá possibilidade aos professores de conhecer as expectativas dos alunos e os reais ganhos das diversas atuações, na formação acadêmica e/ou de vida. O relatório também permite o registro das limitações e dificuldades encontradas durante as atuações dos acadêmicos dentro do campo de estágio, o que possibilita o enfrentamento e superação pelas duplas de estagiários subsequentes no local. As dificuldades do estágio mais citadas pelos estagiários incluem recusa de participação dos usuários nas atividades propostas, seja por falta de tempo ou interesse, período curto de estágio para conclusão do projeto de intervenção, falta de recursos para atividades mais elaboradas, dentre outros fatores que acabam na prática, limitando os objetivos previamente planejados.

Outro método avaliativo no estágio poderia ser a utilização de portfólio, metodologia ativa descrita na literatura28 e planejada para ser inserida no EEMPS II a partir do semestre letivo 2016/1.

As atividades que oportunizam dar voz aos acadêmicos estão de acordo com Neco et al.29, pois defendem que a concretização da integração ensinoserviço além da melhoria dos serviços de saúde, almeja também através das novidades oferecidas por estudantes e professores, oferecer aos estudantes a oportunidade de verificar como o sistema de saúde funciona, permitindo-lhes a reflexão sobre os aspectos bons e ruins desses serviços, buscando uma formação profissional crítica e transformadora da realidade em que atua.

Como toda atividade inovadora, a relação entre professores, SUS e estágio é recente, e está em permanentemente evolução3 e por isto, apresentam ainda limitações. Os desafios específicos encontrados na implantação do EEMPS II da UFES são diversos, mas vêm sendo superados, a cada semestre. Uma das principais limitações seria a utilização, como campo de estágio, de municípios somente da Grande Vitória, o que se dá principalmente pela não concordância de alguns professores e membros do Colegiado de Curso de Odontologia em realizar o estágio em municípios mais distantes, com realidades diferentes da área urbana. Os professores alegam falta de segurança no trajeto, além de falta de controle dos alunos quando pernoitam em outro município. Outro fator que colabora com a situação seria a dificuldade de transporte regular de alunos e professores entre a UFES e os municípios mais distantes.

Uma dificuldade inicial já superada foi a resistência por parte de alguns alunos em se inserir de forma "obrigatória" (curricular) em unidades do SUS, alegando falta de interesse para atuar no serviço público como futuro profissional, falta de segurança, dificuldade de deslocamento, entre outras. Entretanto, a experiência relatada pelos estagiários das primeiras turmas vem demonstrando aos alunos das turmas subsequentes, a importância do estágio na formação acadêmica e profissional. Infelizmente, esse ganho de qualidade na formação profissional não é compreendido por alguns professores do curso, que tem a opinião que os alunos finalistas teriam um maior aprendizado e melhor formação, se estivessem nas clinicas integradas intramuros.

O que precisa estar claro é que inevitavelmente para o alcance de todas essas novas abordagens de ensino, são necessárias mudanças na formação dos docentes, devendo-se estes, ser críticos e reflexivos, sintonizados não só no conhecimento científico e tecnológico, mas também na pedagogia e na política em que a Odontologia está inserida, pois assumem responsabilidade na formação ética, social e política dos profissionais de Odontologia3,20. Nesse sentido, uma formação docente diferenciada nos atuais cursos de mestrado e doutorado do Brasil, que englobasse as competências e habilidades exigidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de Odontologia e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, bem como as demandas atuais do mercado de trabalho, mormente no SUS. Tal conteúdo seria fundamental para o entendimento e até mesmo, para a "sobrevivência" dos estágios extra-muros nos diversos cursos de Odontologia do país, onde muitas vezes, o estágio no SUS ainda é considerado por alguns docentes de outras áreas, como "perda de tempo".

Moimaz et al.30 reforçam a importância do estágio na formação profissional e apontam desafios que podem ser vivenciados e devem ser considerados na implantação do estágio: desenvolvimento de ações intersetoriais e nas estratégias de programação (diagnóstico epidemiológico e avaliação das ações), infraestrutura e falta de estabelecimento de objetivos exequíveis aos serviços de saúde. Mas, deve-se entender que nenhuma limitação impede ganhos reais, pois os espaços de diálogo entre a educação e o trabalho na saúde são lugares privilegiados para o desenvolvimento da percepção dos alunos sobre suas futuras escolhas profissionais16.

Neco et al.29 complementam que para alcançar os objetivos da integração ensino-serviço é necessário a continuação e maior aproximação dos atores envolvidos, pois é verificado uma melhoria de ambos como produto dessa união. No EEMPS II, tem se observado em alguns locais de estágio, uma maior motivação da ESB para a realização das atividades educativas e preventivas, que antes da inserção dos estagiários, não eram priorizadas em função da grande demanda de tempo dispensado para as atividades clínicas. Por parte da maioria dos alunos, o estágio representa uma experiência muito positiva no que diz respeito à aprendizagem, tomada de decisão, comunicação e liderança, conforme descrito também por Benito et al.10. Outras competências apresentadas pelos mesmos autores como administração, gerenciamento e educação permanente ainda precisam ser mais bem contextualizadas no estágio10.

Acredita-se que os estágios no SUS são oportunidades que acrescentam experiência profissional e de vida ao estudante de Odontologia, mesmo sendo um momento de insegurança e medo para aplicar os conhecimentos adquiridos durante a graduação, mas que ao longo do estágio, os alunos ficam satisfeitos porque foram úteis para a população3. E isto converge ao achado de Lima et al.17 onde os alunos após participarem de um estágio na ESF sentiam-se preparados para atuar no setor público e privado. O fato é que a vivência durante o Curso de graduação em ambientes do SUS potencializa ao estudante, após sua formatura, se inserir como um profissional mais bem preparado para os desafios do mundo do trabalho. Por meio das atividades propostas, o EEMPS II vem proporcionando ao aluno o desenvolvimento mais apurado do senso crítico, a compreensão dos processos de trabalhos e das dimensões do cuidado em saúde bucal e o conhecimento, de fato, da realidade social, econômica, cultural e demográfica do local de inserção, principalmente porque, neste período, é possível correlacionar toda a teoria estudada com a prática vivenciada, fomentada com frequência pelos tutores. A literatura apresenta que os estagiários passam a conhecer diferentes processos de trabalho e perceber outras oportunidades para direcionar suas escolhas profissionais3,11.

Em seu estudo com ex-alunos, Moimaz et al.11 concluíram que as atividades extramurais vêm desempenhando adequadamente o seu papel da formação profissional dos recém-formados, pois realizam mesma qualidade ao serviço, são inseridos realidade local, são sensibilizados para as necessidades de atendimento e capacita-os para o trabalho dentro dos princípios e doutrina do SUS.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência exitosa vivenciada durante o período de existência do EEMPM II revela que existem diversas possibilidades de atuações para acadêmico de Odontologia no SUS. O que deve estar claro é que estas atuações não são simples, estáticas e sempre efetivas, pois na prática, verificam-se comportamentos distintos de uma mesma atividade realizada em realidades diferentes, inclusive dentro de um mesmo município. Sendo assim, para alcançar os objetivos propostos pelo estágio supervisionado, todas essas múltiplas possibilidades de atuações devem ser previamente planejadas. Para isso, é necessário o compromisso e responsabilidade de todos os membros envolvidos nessa forma de integração ensino-serviço, tanto os participantes do serviço, através de gestores e profissionais, quanto à universidade, também através de gestores, professores e alunos. Somente nessa perspectiva é possível haver benefícios reais para formação profissional dos acadêmicos condizente a realidade social onde está inserido, incluindo estar melhor preparado para trabalhar no setor público, quanto para o serviço, qualificando-o a fim de atingir ganhos aos usuários, fruto de todos esses esforços.

 

REFERÊNCIAS

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