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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.52 no.2 Belo Horizonte Abr./Jun. 2016

 

 

 

Relação entre lesões em mucosa oral de idosos e exclusão socioespacial urbana em Piracicaba, SP: uma nova abordagem diagnóstica complementar em saúde bucal coletiva

 

Relationship between oral mucosal lesions in the elderly and urban sociospatial exclusion in Piracicaba, Brazil: a new complementary diagnostic approach in public health dentistry

 

 

Andréa Moscardini da CostaI; Emílio Prado da FonsecaII; Dirce Aparecida Valério da FonsecaIII; Marcos Cesar FerreiraIV; Maria da Luz Rosário de SousaV

 

I Doutora, Departamento de Gerontologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil
II Mestre, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil

III Mestre, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil
IV Doutor, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil
V Professora Titular, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: analisar o padrão de distribuição espacial dos casos de lesões de mucosa oral (LMO) segundo a exclusão socioespacial em idosos residentes na área urbana de Piracicaba, SP. Métodos: amostra não probabilística por conveniência de 1.848 idosos avaliados em 30 bairros de Piracicaba, SP. A metodologia empregada nesta pesquisa baseia-se em estudo ecológico de análise espacial de casos de LMO avaliados durante a campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal realizada em 2012. A exclusão social foi medida por meio do Índice de Exclusão Social (IEX); foram analisadas a taxa média de prevalência anual e a intensidade e significância dos aglomerados segundo a exclusão socioespacial, utilizando-se o Índice Global de Moran e o Índice LISAMap. Resultados: a prevalência de LMO em idosos piracicabanos foi de 8,00% e a taxa de LMO média anual atingiu 1,20 casos/bairro, sendo que, os bairros Jardim Planalto (5,00) e Jardim São Francisco (9,00) registraram as maiores taxas; o Índice Global de Moran foi de -0,238, o que sugere a existência de correlação espacial inversa; houve formação de agrupamentos em bairros localizados nas regiões Central, Leste e Oeste. Conclusão: na área urbana de Piracicaba foi observada relação entre o padrão socioespacial da população e a prevalência de LMO no ano de 2012, com formação de agrupamentos onde devem ser priorizados esforços de políticas públicas de saúde bucal para idosos.

Descritores: Assistência odontológica para idosos. Análise espacial.


 

ABSTRACT

Aim: To analyze the spatial distribution pattern of cases of oral mucosa lesions (OML) according to the sociospatial exclusion of elderly residents in the urban area of Piracicaba, SP, Brazil. Methods: This study consisted of a convenience nonprobability sample with 1,848 elders evaluated in 30 Piracicaba neighborhoods. The methodology used in this research is based on the ecological study of spatial analyses of cases of OML evaluated during the campaign for the prevention and early diagnosis of oral cancer conducted in 2012. Social exclusion was measured by the Social Exclusion Index (SEI). This study analyzed the average annual prevalence and the intensity and significance of urban agglomerations according to social exclusion, using Moran's Global Index and LISAMap. Results: The prevalence of OML in the elderly in Piracicaba was 8.00%, whereas the annual average for OML reached 1.20 cases/ neighborhood, given that the neighborhoods of Jardim Planalto (5.00) and Jardim Sao Francisco (9.00) registered the highest rates. Moran's Global Index was -0.238, suggesting the existence of an inverse spatial correlation. Clustering was also observed in neighborhoods located in the Central, East, and West regions of the city. Conclusion: In 2012, in the urban area of Piracicaba, a correlation was found between the sociospatial standard and the prevalence of OML, with the formation of clusters, which should be given priority by public policy efforts towards oral health for senior citizens.

Uniterms: Dental care for aged. Spatial analysis.


 

INTRODUÇÃO

Envelhecer, muitas vezes, implica em aumentar o risco de exclusão social por efeitos acumulativos de educação, renda e saúde ao longo da vida, e, por características da vida atual, tal como o local de moradia1. Segundo a Organização Mundial da Saúde2 (OMS) a exclusão social compreende vários aspectos, tais como: inclusão, aceitação e acesso aos recursos. A restrição à participação pode não ser conseqüência apenas de doenças e incapacidades, mas também, de diferentes elementos de origem ambiental, social e cultural.

Em relação aos idosos a exclusão social relaciona-se ao fenômeno de descontinuidade estrutural, determinado pela incapacidade da sociedade em assegurar papéis sociais que permitam aos seus membros mais velhos, saudáveis e ativos, continuarem engajados socialmente ou terem acesso às oportunidades e gratificações sociais disponíveis para os outros estratos etários3.

Fatores individuais, coletivos, históricos e ambientais das experiências de crescimento, desenvolvimento e envelhecimento, podem gerar possibilidades de adoecimento e dificuldades de acesso aos recursos de saúde disponíveis.

Atualmente, os sistemas de informação geográfica (SIG) têm permitido a integração de bancos de dados socioeconômicos, de saúde e ambientais em bases espaciais. Permite assim, o melhor entendimento do contexto geográfico em que se verificam fatores determinantes dos agravos à saúde, dentre eles, a saúde bucal do idoso4-5. O que favorece, inclusive, o planejamento do atendimento destes pacientes. Embora haja alta prevalência de edentulismo6 em idosos, estes costumam avaliar bem sua saúde bucal7. Entretanto, estudos alertam para o impacto que lesões em mucosa oral (LMO) podem causar nesta faixa etária.

O objetivo desta pesquisa é avaliar, por meio de análise espacial em SIG, a distribuição de LMO na população idosa de Piracicaba, SP, no ano de 2012, e sua relação com a exclusão socioespacial. A hipótese formulada neste trabalho estabelece que houve relação entre prevalência de lesões em mucosa oral e grau de exclusão social do bairro em que o idoso reside.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, descritivo de correlação com análise de dados secundários com amostra não-probabilística. Para o presente estudo foi utilizado o Índice de Exclusão Social (IEX) dos bairros da área urbana de Piracicaba, SP, cujo banco de dados foi fornecido pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba8 (IPPLAP). Quanto à variável de saúde bucal dos idosos, os dados foram provenientes de exames clínicos realizados durante a Campanha de Prevenção e Diagnóstico Precoce do Câncer Bucal realizada em 2012. Esta ocorreu juntamente à Campanha de Vacinação contra Influenza, que teve grande adesão de idosos9.

A coleta dos dados foi realizada por todos os 50 cirurgiões-dentistas da rede pública do município de Piracicaba, que passaram por prévia calibração referente ao exame bucal para diagnóstico de lesões e do câncer bucal. Os participantes desta pesquisa foram cidadãos de 60 anos ou mais, que procuraram uma dentre as 23 Unidades Básicas de Saúde (UBS), as 34 Unidades de Saúde da Família (USF) ou os dois Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) do município em 2012, para se vacinarem. Como mencionado acima, paralelamente à Campanha de Vacinação, estes idosos foram convidados a participar da Campanha de Prevenção e Diagnóstico Precoce do Câncer Bucal. Os critérios para a inclusão na pesquisa foram: idade de 60 anos ou mais e aceitação do convite para participar da campanha e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

A população de idosos residentes nos bairros abrangidos pelo presente estudo foi 18.350 pessoas8 aproximadamente e, o total de idosos que participaram da campanha contra influenza foi de 14.610. Segundo estes dados, houve uma taxa de adesão da população idosa à campanha de vacinação de 79,6%. Porém, o número de idosos vacinados que também aceitaram participar dos exames bucais constantes da campanha de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca foi 1.848. Portanto, ocorreu a adesão de apenas 12,6% da população idosa que foi vacinada, variando, segundo o bairro de residência, de 2,5% (Centro) a 56% (Jardim Esplanada)10.

 

 

 

Presença de lesões em mucosa oral

O exame clínico intra-oral foi realizado metodicamente e de modo completo seguindo os protocolos da OMS11. Observou-se o vermelhão dos lábios (boca aberta e fechada), lábio superior e inferior (mucosa e fundo de sulco), comissura labial (à direita e à esquerda), rebordo alveolar/gengiva (superior e inferior nas faces vestibular, palatina e lingual), língua (dorso, ventre e bordas), assoalho bucal, palato duro e mole à procura de LMO, que foram codificadas da seguinte forma: Ausência de lesão - código 0 (zero); lesões fundamentais: mancha/ mácula; placa; erosão; úlcera; vesícula; bolha; tumor; pápula e nódulo - código 1; eritroplasia, leucoplasias, eritroleucoplasia e queilite actínica - denominadas lesões com potencial de malignização - código 2; incluiu-se também no código 2 o câncer propriamente dito. Pacientes que apresentaram lesões com códigos 1 e/ou 2 foram encaminhados ao CEO do município de Piracicaba.

Índice de Exclusão Social (IEX)

O objetivo da aplicação do IEX e da produção do Mapa da Exclusão Social de Piracicaba foi quantificar alguns atributos de desigualdades, medindo-se as discrepâncias a partir das distâncias sociais entre as condições de vida reveladas pelos dados utilizados na construção dos indicadores de exclusão/inclusão social, definidos para cada um dos bairros do município. O IEX aplicado neste estudo é composto por quatro indicadores: qualidade de vida, autonomia, desenvolvimento humano e equidade. O procedimento utilizado para o cálculo dos componentes do IEX pode ser verificado em IPPLAP8.

A representação da relação exclusão-inclusão, dos quatro indicadores do IEX, é feita por meio da associação de escalas que qualificam as diferentes medidas obtidas em relação a um referencial de inclusão, referencial este representado pelo "zero", que estabeleceu o limiar entre a exclusão (índices variando de -1 a 0) e a inclusão (índices variando de 0 a +1). Desse modo, quanto mais próximo do ponto "-1", mais excluído, e quanto mais próximo do ponto +1, mais incluído8.

O IEX varia entre 1,0 e -1,0. Esta amplitude de valores é classificada em cinco categorias numeradas de 1 a 5, onde a categoria 1 representa a inclusão máxima10.

 

 

 

Coleta de dados

Para a coleta dos dados de LMO, foi realizado o procedimento de exame clínico recomendado pelo Ministério da Saúde (MS)12: o cirurgião-dentista primeiro realizou o exame clínico extra-bucal (exame da face, regiões submandibular e submentoniana e articulação têmporomandibular) e intra-bucal (exame de lábios, bochecha, língua e palato), incluindo visualização e palpação, de forma a detectar anormalidades. No exame foram considerados alguns tipos de lesões que podem ser lesões fundamentais, com potencial de malignização ou o câncer bucal.

O exame bucal foi realizado sob iluminação natural, com o uso de espelhos bucais e espátulas de madeira, como preconizado pela OMS13, e pela Secretaria de Saúde de São Paulo. Foram registrados o nome e o telefone do paciente, avaliação e a presença de LMO. Estes dados foram anotados em planilha pela auxiliar de consultório odontológico da rede pública.

Análise de dados

Para este estudo, os dados referentes às UBSs, USFs e CEO, fornecidos pela Secretaria de Saúde do Município de Piracicaba, foram agrupados por bairros a que as unidades de saúde pertenciam. Desta forma, alguns bairros não foram avaliados neste estudo, pois não possuíam unidade de saúde dentro de seus limites territoriais. Por outro lado, alguns bairros possuíam duas ou mais unidades de saúde em seu território e, nestes casos, os dados foram somados e considerados como uma única unidade. Portanto, nosso estudo abrangeu 30 dos 62 bairros da cidade. Os bairros avaliados podem ser visualizados na Figura 1.

 

 

 

As variáveis passaram por análise univariada através do programa SPSS 17.0 (Statistical Package for the Social Science, Chicago, USA).

A variável presença de LMO foi considerada como dependente e passou pelo teste de aderência de Kolmogorov Smirnov em que foi verificada sua distribuição não-paramétrica. Em seguida foi realizada a Análise de Correlação entre a presença de LMO e a variável IEX. Posteriormente foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Kendall (p≤0,05) para avaliar correlação com exclusão social.

A variável LMO, classificada de forma dicotômica (0 = ausência, 1 ou 2 = presença) foi utilizada na forma de contagem dos casos existentes em cada bairro, e para a avaliação do grau de correlação com o respectivo IEX de cada bairro. Os dados referentes à LMO tipo 1 e tipo 2 (código 1 e 2) foram agrupados como "presença de lesão"; o somatório destes códigos foi totalizado por bairro. Em seguida foi estimada a taxa de LMO em idosos de Piracicaba, SP por bairro da cidade, utilizando-se a seguinte equação:

 

 

 

As taxas obtidas foram classificadas em cinco categorias, sendo que, a categoria 1 representou a taxa zero (0) e a categoria 5 representou a maior taxa encontrada. Para a visualização dos resultados foi construído o mapa temático de correlação entre IEX e a taxa de LMO, utilizando-se o software TerraView Política SocialTM 1.4.6 14.

Para avaliar a autocorrelação espacial entre o IEX e a taxa de LMO foi construída primeiramente uma matriz de proximidade (ou vizinhança). Em seguida foi adotado o seguinte critério para construção da matriz: por contiguidade e sem peso15 e calculado o índice Global de Moran (G). Para analisar o padrão da distribuição espacial e a intensidade dos aglomerados (cluster, aleatório ou disperso) segundo bairros, foi utilizado o índice Local de Moran (L) (que varia de -1 a 1). Em ambos os índices foi considerado o nível de significância de p≤0,05. A determinação da ocorrência de clusters foi demonstrada pelo LisaMap, com a aplicação do teste da hipótese nula de ausência de autocorrelação espacial15. Para validação do índice G, foi realizado o teste de permutação aleatória.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Odontologia de Piracicaba- UNICAMP sob protocolo n.017/2007.

 

RESULTADOS

Nosso estudo avaliou 1.848 idosos de Piracicaba no ano de 2012, pertencentes a 30 bairros do município. Os dados avaliados mostraram que 8,00% apresentaram LMO. Na Tabela 2, pode-se observar que as maiores porcentagens de ocorrência se concentraram em bairros situados nas regiões Oeste e Leste, que são: Jardim Planalto (n=14) e Jardim São Francisco (n=18). A taxa de LMO anual média para idosos de Piracicaba foi de 1,20 casos/bairro (Tabela 1). Os bairros que registraram as maiores taxas de prevalência foram: Jardim São Francisco (9,00 casos/bairro), Jardim Planalto (5,51 casos/bairro), ou seja, as maiores taxas de LMO estão associadas aos bairros com altos índices de exclusão.

Houve correlação significativa entre a variável de saúde bucal "lesão em mucosa oral" e a variável de determinação social "índice de exclusão social" sendo que o valor de p=0,05 e r=0,323 (correlação regular), segundo Tabela 2.

Na Figura 2, que representa a variação espacial da correlação entre o índice de exclusão social e a taxa de lesões em mucosa oral, pode-se verificar que as maiores taxas ocorreram nos bairros mais periféricos e com piores índices de exclusão social. Os bairros mais centralizados apresentaram menores taxas e melhores condições sociais, sendo esta correlação significativa (p=0,05). A correlação bivariada pode ser melhor visualizada na Figura 2.

 

 

 

 

 

 

 

Na análise espacial bivariada o valor encontrado para o índice Global de Moran (G) foi de -0,238 (p<0,04), ou seja, existe correlação espacial significativa negativa, indicando que, quanto maiores as taxas de LMO, piores os índices de exclusão social dos bairros.

Pode-se verificar pelo diagrama de espalhamento de Moran (Figura 3) que esta relação inversa se confirma, pois, a maior concentração dos pontos encontra-se na região de Q4, significando valores negativos, médias positivas, fato que explica o exposto acima citado.

 

 

 

O LisaMap ilustra os seguintes bairros das regiões Central, Leste e Oeste da cidade, com dependência espacial significante: Monte Alegre, São Francisco, São Dimas, Vila Independência, Vila Cristina e Novo Horizonte (Figura 4). Não foi observada autocorrelação espacial significativa nos demais bairros.

 

 

 

DISCUSSÃO

Apesar da importância deste tema para o planejamento em saúde bucal coletiva, e da recomendação da OMS para a realização de levantamentos epidemiológicos sobre LMO11, a literatura geralmente relata a ocorrência de distribuição destas lesões16. No presente estudo avançamos em busca de correlações com exclusão social, face aos poucos dados brasileiros confrontando exclusão social com a saúde bucal do idoso. Este é um dos primeiros estudos, senão o único, a avaliar relações entre lesões bucais de idosos com a área de exclusão onde vivem e utilizar ferramentas de geoprocessamento para análise dos resultados.

O presente estudo revelou que há maior prevalência de lesões nos idosos moradores de áreas com pior exclusão social. Quanto à prevalência de 8,0% de lesões bucais, no presente estudo de 2012, foi semelhante ao encontrado no mesmo município no período compreendido entre 2007 e 2011 que variou de 7,1% a 13,4%17, porém foi menor que a porcentagem de 21,6% observada em outra cidade de médio porte do sudeste brasileiro, Montes Claros, MG18 e que a da Turquia (40,6%)19. As maiores taxas de lesões foram observadas no Jardim Planalto e Jardim São Francisco (5,00 e 9,00 casos/bairro), bairros com maior exclusão social.

O índice de Moran Global (G) demonstrou uma dependência espacial entre os bairros para a ocorrência de lesões, sendo esta relação inversa, ou seja, quanto mais alta a taxa de lesão pior o índice de exclusão social do bairro avaliado. Este fato pode estar relacionado ao diagnóstico tardio, ou seja, ao fato de que esses idosos não têm o hábito de consultar o cirurgião-dentista para tratamento regular. Em sua maioria, procuram por atendimento exclusivamente de emergência, como observado por Fonseca e colaboradores20 que verificaram que os residentes em áreas de maior exclusão social apresentaram 4,15 vezes mais chance de procurar o serviço de pronto atendimento odontológico (p<0,05) do que aqueles residentes em áreas menos excluídas.

Apesar das LMO terem frequência abaixo da encontrada na literatura, e que a maior parte dos idosos piracicabanos (97,6%) já terem ouvido falar em câncer bucal9, este conhecimento não se traduz em atitudes como a execução do autoexame da boca9, e adesão à Campanha de prevenção ao câncer bucal o que leva ao diagnóstico tardio das lesões em mucosa.

Os idosos residentes em áreas de exclusão, por apresentarem possivelmente menor renda, têm maior prevalência de LMO, provavelmente devido à falta de acesso e de atenção à saúde bucal e geral durante a vida. Além disso, os idosos costumam avaliar positivamente sua saúde bucal16, o que pode ocultar essas LMO.

A boa autopercepção de saúde bucal, mesmo na presença de exclusão, pode ser explicada por mecanismos de autorregulação cognitivo-emocionais, que podem desfavorecer a adesão a tratamentos de saúde e a hábitos de saúde, entre eles a alimentação saudável e prática de atividade física21-22-23.

Somando-se a isso, as incapacidades e déficits físicos e cognitivos associados ao envelhecimento, dificuldades de acesso e mobilidade, podem determinar a baixa procura por serviços odontológicos24, como ocorre em Piracicaba20. E ainda, os idosos do município de Piracicaba apresentaram baixa freqüência de visitas ao dentista9. Fato este alarmante devido a possível ocorrência de lesões bucais.

Além disso, Moskona e colaboradores25 sugeriram que os idosos (população com alto percentual de edentulismo e uso e necessidade de próteses dentárias)26 são relutantes em consertar ou substituir próteses dentárias. Estas próteses frequentemente estão mal adaptadas e, por isso, podem irritar a mucosa oral provocando lesões27. Acrescente-se também o fato dos altos custos dos serviços odontológicos que, muitas vezes, inviabilizam os tratamentos dentários para grande parte dos idosos, principalmente aqueles mais excluídos.

Baran e colaboradores28 observaram uma relação indireta entre higiene oral deficitária e LMO, como estomatite e/ou úlcera traumática, com nível educacional. Concluíram que o baixo nível educacional (presente em residentes de regiões com pior exclusão social) estava significativamente associado aos maus hábitos de higiene oral que podem ser fator predisponente para a formação de LMO. Acrescentese a isto, o fato dos idosos terem reduzidas a força de preensão e destreza manual que podem dificultar a empunhadura de escova de dentes bem como instalação e remoção de próteses dentária o que favorece o trauma da mucosa oral originando LMO 29.

Fonseca e colaboradores20 correlacionaram a utilização de serviços de pronto atendimento odontológicos com o índice de exclusão social de Piracicaba, SP e verificaram que somente 4,4% desses atendimentos foram realizados para pessoas de 60 anos ou mais e que os residentes em regiões de maior exclusão social procuram mais o serviço.

A exclusão social compreende vários fatores que em paralelo podem explicar o padrão de distribuição espacial de doenças30, no caso do presente trabalho as das lesões em mucosa oral em Piracicaba.

A técnica de estatística espacial aplicada neste trabalho mostrou-se útil na determinação de áreas de maior ocorrência de LMO, indicando que a autocorrelação espacial se manifesta na direção Leste e Oeste coerentemente com o padrão de exclusão social dos bairros de piracicabanos. Os resultados deste estudo também permitem afirmar que há formação de clusters de ocorrência de LMO no município, como as regiões: Central, Leste e Oeste.

Uma limitação deste trabalho foi o uso de dados de 30 dos 62 bairros do município, ou seja, somente aqueles que possuíam Unidades Básicas de Saúde dentro de seus limites territoriais e que desta forma participaram da campanha de diagnóstico precoce do câncer bucal no ano de 2012. Assim, a amostra não foi representativa do município, pois foi baixa a adesão dos idosos à campanha, porém possibilitou a apresentação de uma abordagem inédita de planejamento para a saúde bucal dos idosos, baseada em 1.848 voluntários.

Dados oficiais revelam que o município tem alto Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)31, poucos idosos residindo em regiões de alta exclusão social8 e baixa dependência aos serviços do SUS20-32-33-34. Desta forma, o presente estudo foi importante para apontar uma situação de risco para os bairros como: Jardim São Jorge, Mario Dedini e São Francisco.

O estudo destas características de saúde bucal da população idosa, em interação com as condições sociais, pode auxiliar no planejamento de ações de atenção à saúde bucal do idoso. Pode igualmente subsidiar políticas de saúde bucal e prevenção para a população de crianças, jovens e adultos, uma vez que o envelhecimento é um processo de curso de vida.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que as maiores taxas de lesões em mucosa oral ocorreram com maior frequência em bairros que possuíam piores índices de exclusão social de Piracicaba, caracterizando-se assim, como uma relação socioespacial.

 

AGRADECIMENTOS

Aos idosos participantes da campanha, aos funcionários da unidade de saúde da Vila Rezende e à secretária Eliana. Ao IPPLAP. Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Vetorazzi. Érika Nakai, Stella Vidal de Sousa Tôrres, Pablo Gomes Ferreira e à CAPES.

 

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Correspondência para:

e-mail:
dea_moscardini@yahoo.com.br
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