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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.52 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2016

 

 

 

Acesso ao implante dentário osteointegrado no Sistema Único de Saúde (SUS): descrição do panorama nacional

 

Access to dental implant osseointegrated in the Unified Health System (SUS): description of the national panorama

 

 

Ana Maria Ribeiro de AlmeidaI; Glauco Silva Cerávolo Amaral GurgelII; Cecília Godoi CamposIII; Eliete Albano de Azevedo GuimarãesIV

 

I Mestre em Saúde Pública, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), referência técnica em Saúde Bucal na Superintendência Regional de Saúde (SRS), Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
II Especialista em Saúde Coletiva, Associação Brasileira de Odontologia (ABO-MG), Auditor do SUS na Superintendência Regional de Saúde (SRS) Divinópolis, Minas Gerais, Brasil

III Doutoranda em Saúde Coletiva pela CPqRR/ FIOCRUZ, Mestre em Ciências da Saúde pela EERP/USP. Coordenadora Regional de Atenção Primária na Superintendência Regional de Saúde (SRS) Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
IV Pós-doutora em Saúde Coletiva pela CPqRR/FIOCRUZ, Docente da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Divinópolis, Minas Gerais, Brasil

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Verificar o acesso ao implante dentário osteointegrado no Sistema Único de Saúde (SUS). Métodos: Estudo epidemiológico descritivo realizado a partir de dados secundários do DATASUS relativos à realização no SUS de implantes dentários osteointegrados, por região do Brasil, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2014. Para a análise descritiva dos dados foi realizada a distribuição de frequência em relação ao gênero, raça, faixa etária, local de atendimento e o cálculo dos indicadores - Número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes segundo região brasileira, Número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes no Brasil e Média de implantes por pacientes atendidos com necessidade de implante. Resultados: A região Sul foi responsável pela realização de maior número de implantes dentários no país (81,75%), o número de procedimentos realizados pela região Nordeste representou apenas 0,5% do total realizado no país, as regiões Centro-Oeste e Sudeste juntas realizaram menos de 20% do total. A região Norte ainda não realizou o procedimento. O gênero feminino (63%), a raça branca (49%) e a faixa etária de 20 a 59 anos (67,8%) tiveram maior acesso ao implante dentário osteointegrado no SUS. Os Centros de Especialidades Odontológicas foram responsáveis pela realização de 79,2% dos implantes dentários osteointegrados, e 11,5% foram realizados em hospitais. Em relação à população brasileira, o número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes foi 0,14. Conclusão: O acesso ao implante dentário osteointegrado no SUS representa um grande avanço em relação à integralidade da atenção à Saúde Bucal no Brasil, mas este ainda é incipiente e muito desigual entre as regiões brasileiras.

Descritores: Saúde bucal. Implantes dentários. Saúde pública.


 

ABSTRACT

Aim: To verify the access to osseointegrated dental implants in the Brazilian Unified Health System (SUS). Methods: This is a descriptive, epidemiological study, conducted by means of secondary data obtained from DATASUS, and is related to the carrying out of osseointegrated dental implants at SUS, defined by region in Brazil, from January 2011 to December 2014. For the descriptive analysis of the data, a frequency distribution was carried out according to gender, race, age group, location of procedure, and calculation of the indicators – number of osseointegrated dental implants per thousand inhabitants per region, number of osseointegrated dental implants per thousand inhabitants in Brazil, and average number of osseointegrated dental implants received by patients who truly needed dental implants. Results: The Southern region of Brazil was responsible for the largest number of dental implants in the country (81.75%); the number of procedures carried out in the Northeastern region of Brazil represented only 0.5% of all implants carried out in the country; the Southeastern and Midwestern regions of the country, together, carried out less than 20% of the total number of implants; while the Northern region has not yet performed any osseointegrated dental implants. Females (63%), whites (49%), and the 20-59 year-old age group (67.8%) had the most access to osseointegrated dental implants at SUS. Dental Specialty Clinics were responsible for 79.2% of the osseointegrated dental implants, while 11.5% were performed in hospitals. As regards the Brazilian population, the number of osseointegrated dental implants per thousand inhabitants was 0.14. Conclusion: Access to osseointegrated dental implants at SUS represents an enormous advance in the integrity of Oral Health Care in Brazil, but it is still in its early stages and is very unequal throughout Brazil.

Uniterms: Oral Health, Dental Implantation, Public Health.


 

INTRODUÇÃO

A saúde bucal no Brasil historicamente apresentou um sistema de prestação de serviços odontológicos deficiente, aliado a uma prática odontológica iatrogênico-mutiladora, contribuindo para a crescente perda de dentes1.

O ano de 2003 é o marco da construção da Política Nacional de Saúde Bucal no Brasil2, e a partir daí, verifica-se um aumento progressivo do acesso da população não só à atenção primária, mas também à atenção secundária, até então praticamente inexistente. Apenas 3,5% do total de procedimentos odontológicos realizados em 2003 foram de especialidades, evidenciando grande desproporção na oferta entre procedimentos odontológicos básicos e especializados, o que culminou com a instituição dos Centros de Especialidades Odontológicas3.

Os dados gerados pelo estudo epidemiológico nacional - Projeto SB Brasil 2003 forneceram subsídios importantes para a construção da Política Nacional de Saúde Bucal, proposta em março de 2004, que ficou conhecida como Brasil Sorridente4.

Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal 2010, também tiveram como objetivo proporcionar ao Sistema Único de Saúde (SUS) informações úteis ao planejamento de programas de prevenção e tratamento, tanto em nível nacional quanto nos âmbitos estadual e municipal5. Segundo os resultados do SB 2003 e 2010, em adultos e idosos, a perda dentária por cárie foi o problema mais prevalente 2,5.

Políticas direcionadas ao enfrentamento deste grande problema de saúde pública no Brasil tornaram-se essenciais, uma vez que as perdas dentárias podem afetar negativamente tanto a qualidade de vida das pessoas quanto à própria sociedade onde vivem. A falta dos dentes provoca dificuldade na fala, limitação da mastigação, causa constrangimento, diminuição da autoestima e promove exclusão social, além de aumentar a demanda para os serviços de saúde, que já não conseguem resolver o problema da demanda acumulada de tratamento odontológico reabilitador6.

Desta forma, devido à grande prevalência de perda de um ou mais elementos dentários e as consequências desses agravos que extrapolam a questão estética e considerando a grande transformação epidemiológica por que passa a saúde bucal, com o forte declínio das cáries, e com base nos princípios constitucionais de integralidade e equidade, tornouse necessário viabilizar a incorporação do implante dentário pelo sistema público de saúde7.

O SUS, a partir de 20 de dezembro de 2010, começou a financiar o implante dentário osteointegrado (incluindo a prótese sobre o implante) para qualquer usuário, podendo ser realizado nos Centros de Especialidades Odontológicas na atenção secundária e nos hospitais. Até então, o financiamento era somente para pacientes com anomalias crânio e bucomaxilofacial e realizado somente no âmbito hospitalar7.

O surgimento e aplicação dos princípios da osteointegração na Odontologia possibilitaram novos horizontes para a reabilitação oral de pacientes edêntulos parciais e totais, melhorando o desempenho estético-funcional de pacientes que, pela ausência ou pela distribuição desfavorável de elementos dentários, possuíam como única alternativa restauradora próteses parciais removíveis ou próteses totais. Além disso, no caso de edentulismo unitário, os implantes osteointegrados evitam o emprego de dentes remanescentes, muitas vezes hígidos, como suporte de restaurações protéticas, e a consequente remoção de tecido dentário sadio8.

Estudos no Brasil e em outros países mostram a superioridade dos implantes dentários osteointegrados em relação às próteses parciais removíveis, assim como das próteses sobre implante osteointegrados em relação às próteses totais convencionais no que se refere à estética, conforto, estabilidade, capacidade mastigatória e melhora da qualidade de vida do paciente9,10,11,12,13.

Assim, perante a disponibilidade de acesso ao implante dentário osteointegrado no sistema público de saúde brasileiro, o presente trabalho tem como objetivo verificar o acesso dos usuários do SUS ao implante dentário osteointegrado, uma vez que inexiste na literatura estudos sobre esta questão e que os resultados dos últimos levantamentos epidemiológicos nacionais realizados sinalizam grande demanda para este procedimento2,5.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo epidemiológico descritivo desenvolvido a partir de dados secundários extraídos do DATASUS relativos à realização, no SUS, de implantes dentários osteointegrados, por região brasileira, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2014. O critério temporal foi estabelecido com referência à portaria de financiamento do procedimento implante dentário osteointegrado que, apesar de ter sido publicada em dezembro de 2010, os lançamentos dos dados nos sistemas de informação do SUS começaram a ser lançados em 2011.

O procedimento 04.14.02.042-1 – Implante Dentário Osteointegrado tem como instrumento de registro a Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo (APAC). Este instrumento, que é integrante do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), permite o registro do procedimento de forma individualizada e necessita de autorização prévia e que gera emissão de APAC7. O susbsistema APAC/ SUS se diferencia dos demais sistemas de informação em saúde pelo grau de detalhamento dos registros e pela forma de identificação do paciente, que inclui a obrigatoriedade do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)14.

As variáveis selecionadas para análise foram gênero, raça/cor, faixa etária e local de atendimento e além destas, foram analisados 3 indicadores:

Indicador 1 – Número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes segundo região brasileira no quadriênio 2011 a 2014. Cálculo do indicador: Total dos procedimentos "implantes dentários osteointegrados", código 04.14.02.042-1, lançados no DATASUS no período de 2011 a 2014 de cada região brasileira, dividido pela sua população15 e multiplicado por mil.

Indicador 2 – Número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes no Brasil no quadriênio 2011 a 2014. Cálculo do indicador: Total dos procedimentos "implantes dentários osteointegrados", código 04.14. 02.042-1 realizados no Brasil, lançados no DATASUS, no período de 2011 a 2014 dividido pela população brasileira15 e multiplicado por mil.

Indicador 3 - Média de implantes dentários osteointegrados por paciente atendido no quadriênio 2011 a 2014.

Cálculo do indicador:

Total dos procedimentos "implantes dentários osteointegrados", código 04.14.02.042-1 realizados no Brasil, lançados no DATASUS no período de 2011 a 2014 dividido pelo número de pacientes atendidos com necessidade de implante no período.

A análise descritiva dos dados foi realizada através da distribuição de frequência das variáveis pelo programa Tab para Windows (TABWIN). A região Norte não consta nas tabelas por não ter tido produção no período de estudo.

Como o estudo utiliza dados secundários de acesso público, não foi necessária a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

 

RESULTADOS

O estado do Paraná realizou 99% dos implantes dentários osteointegrados da Região Sul lançados no Sistema de Informação Ambulatorial do SUS no período avaliado, o que representou 81% dos implantes realizados no país. O montante realizado pela região Sul foi quase oito vezes maior do que o total realizado pela Região Sudeste (região que ficou em segundo lugar em relação ao total de procedimentos realizados no Brasil). A Região Sudeste realizou o correspondente a cerca de 11% do total realizado no país, sendo que o estado de São Paulo foi responsável por 90% do montante realizado na região. A Região Nordeste realizou apenas 0,5% do total realizado no país, cerca de 13 vezes menos que a Região Centro-Oeste, que foi a região que ficou com a segunda menor realização em termos de números brutos. O estado de Mato Grosso foi responsável por 98% do total realizado na região Centro-Oeste (Tabela 1).

 

 

 

Ao avaliar a produção segundo o gênero, por regiões brasileira, verificou-se que o gênero feminino teve maior acesso ao procedimento estudado em todas as regiões do país, e no Brasil o acesso do gênero feminino ficou em 63% contra 37% do gênero masculino (Tabela 2).

 

 

 

A soma do acesso de pacientes pretos e pardos ao implante dentário osteointegrado corresponde a 8,2% e a porcentagem de pacientes brancos que fizeram implante dentário pelo SUS foi de 49%. Os pacientes amarelos representaram apenas 0,8% do total de pessoas com acesso ao procedimento e não há nenhum registro em relação à realização do procedimento em índios.

No caso da região Centro Oeste, a soma do montante sem informação ao número de pacientes pretos e pardos que tiveram acesso ao implante dentário osteointegrado, é menor que o resultado alcançado pelos pacientes brancos, que, portanto, tiveram maior acesso (58,8%). Já na região Nordeste, brancos, pretos e amarelos tiveram relativamente resultado semelhante em relação ao acesso (entre 5 a 6%), os pardos tiveram o maior acesso (38,3%) e em 44% dos casos não há informação sobre a raça/cor dos pacientes.

Na região Sudeste, as pacientes brancos apresentaram acesso consideravelmente maior ao dentário osteointegrado (73%) quando comparado à soma da porcentagem de todas as outras raças e dos casos sem informação que atingem apenas 26,7%. Na região Sul, também a raça branca teve acesso maior que o das outras raças, porém o número de casos sem informação supera a soma de todas as raças.

No Brasil, os casos sem informação relativos à raça correspondem à 42% dos dados. Observam-se incompletudes em todas as regiões apresentadas na Tabela 2, sendo que as regiões com maior porcentagem de dados incompletos são as regiões Nordeste com porcentagem superior a 40% e Sul, com porcentagem acima de 50%. As regiões Centro-Oeste e Sudeste apresentaram porcentagens abaixo de 15%.

Em relação à faixa etária, verificou-se que o acesso ao implante dentário osteointegrado foi maior em pacientes de 20 à 59 anos (67,8%). Nos pacientes com 60 anos ou mais o acesso foi menor (28,1%) e na faixa etária de 0 a 19 anos, o acesso foi de apenas 4,1% (Tabela 2).

Em relação ao local de atendimento, constatouse que na região Centro-Oeste e Sul, a maioria dos atendimentos foram realizados em nível ambulatorial, nos Centros de Especialidades Odontológicas – CEO (84,9% e 93,5% respectivamente). Já na região Nordeste, a maioria dos atendimentos foi feito em nível hospitalar (84%). Na região Sudeste, em 32,6% dos registros não consta local de atendimento (Tabela 2).

Verificou-se também que apenas 23 CEO em todo o país realizaram implante dentário osteointegrado: 11 CEO do Paraná, 1 CEO do Mato Grosso, 1 CEO em Alagoas, 1 CEO na Bahia, 1 CEO no Ceará, 3 CEO no Rio de Janeiro e 5 CEO no estado de São Paulo. Os demais estados que realizaram o procedimento no período analisado (Minas Gerais, Pernambuco, Piaui, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) só realizaram implante dentário em hospitais.

Em relação à população brasileira, o número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes no quadriênio 2011 a 2014 foi 0,14 . Ao calcular o indicador por regiões no mesmo período, observou-se que o número de implantes dentários osteointegrados por mil habitantes, na Região Sul foi 0,80; na Região Centro-Oeste 0,13; na Região Sudeste 0,036 , e na Região Nordeste 0,003. (Tabela 3).

 

 

 

A média de implantes por pacientes no Brasil foi de 3,3 implantes dentários osteointegrados por paciente (Tabela 4). Nas regiões Centro-oeste e Sul foram realizados cerca de 5 implantes por paciente, já nas demais regiões o resultado foi inferior a dois implantes por paciente.

 

 

 

DISCUSSÃO

A política de acesso para o paciente do SUS ao implante dentário osteointegrado é relativamente recente, tendo sua produção começado há 5 anos, quando da publicação da portaria governamental aprovando e financiando o procedimento tanto no âmbito hospitalar quanto ambulatorial7.

Ao verificar a realização do implante dentário osteointegrado no Brasil, constatou-se que houve um aumento considerável de 2011 a 2014, o que parece demonstrar uma tendência de consolidação da política que visa promover seu acesso à população brasileira. Entretanto, considerando que apenas um estado (Paraná) foi responsável por grande parte da realização de implantes dentários, que uma região brasileira não realizou o procedimento no período (Região Norte) e que a região Nordeste realizou um número muito reduzido do procedimento, verifica-se que o acesso está muito irregular e desigual no país. Portanto, as desigualdades regionais estão fortemente presentes em relação ao acesso ao implante dentário osteointegrado, com o acesso inversamente proporcional à demanda das regiões brasileiras, uma vez que segundo dados do SB 2010, as regiões Norte e Nordeste apresentaram maior número de perdas dentárias, em relação às regiões Sul e Sudeste5.

Ainda segundo o SB 2010, a Região Norte apresenta maior proporção de indivíduos que nunca foram ao dentista, maior intervalo de tempo deste a última consulta e maior proporção de consultas devido à dor do que no Sul e no Sudeste16, o que demonstra a falta de acesso da população aos serviços odontológicos nesta região.

Em relação à variável gênero, verificou-se que o maior acesso do gênero feminino ao procedimento, corrobora resultados de estudos publicados sobre acesso à atenção à Saúde Bucal. Há uma maior prevalência de perdas dentárias no gênero feminino, tanto em adolescentes como em adultos, constatação já presente nos estudos anteriores ao ano de 200017. Os resultados do inquérito nacional de 2010 apresentam maiores magnitudes da razão das perdas entre gêneros, indicando aumento da desigualdade entre homens e mulheres18. Corroborando os estudos acima, o presente estudo aponta para o maior acesso do gênero feminino ao implante dentário osteointegrado, coerente com índices epidemiológicos que demonstram maior demanda do gênero feminino para o procedimento em relação ao gênero masculino.

A incompletude dos dados, em relação à variável raça, identificada no presente estudo corrobora com os resultados de estudo que analisou a completude do campo raça/ cor em oito sistemas/ módulos de informação em saúde. Segundo este estudo, ainda existe um longo caminho a se percorrer em relação ao preenchimento do campo raça/cor nos grandes sistemas nacionais de informação em saúde19.

Em relação à cor/raça, os resultados sinalizam desigualdade de acesso ao implante dentário osteointegrado. Apesar dos dados do SB 2010 demonstrarem que tanto em adolescentes quanto em adultos, pretos e pardos estão entre os segmentos com maiores perdas dentárias20, o acesso de pardos, pretos, e amarelos ao implante dentário foi inferior à raça branca. Em relação à saúde bucal, desigualdades em relação à cor/raça na distribuição das cáries dentais e doença periodontal têm sido relatadas no Brasil e estes estudos documentaram piores condições de saúde bucal em pardos e pretos, algumas vezes classificados como um único grupo21. Iniquidades raciais em saúde bucal no Brasil foram também detectadas em estudo no qual todos os indicadores analisados (cárie, perda dentária, dor e necessidade de prótese) mostraram maior vulnerabilidade da população negra (pretos e pardos) em relação aos brancos20.

Na região Nordeste, o acesso de pacientes pardos foi maior do que a soma dos outros pacientes. Considerando-se que o número dos acessos sem informação de raça nesta região equivale a 44% do total, não se pode prever se os 36 casos sem informação distribuíram-se uniformemente entre as raças, ou não, e, portanto, não se pode precisar se foram os pacientes pardos que tiveram maior acesso ao implante. Porém, isto não terá um peso maior no resultado do acesso da população brasileira como um todo, pois a região Nordeste foi responsável por menos de 1% do total de implantes dentários osteointegrados realizados no país pelo sistema público de saúde.

O acesso ao implante dentário osteointegrado na região Sudeste apresentou desigualdade marcante em relação à raça, principalmente se considerarmos que pretos e pardos representam quase metade da população da região Sudeste, conforme censo IBGE 201015, e tiveram um acesso quatro vezes menor. Estudo sobre as desigualdades em Saúde Bucal entre adolescentes brasileiros constatou que na Região Sudeste os piores resultados de Saúde Bucal são de adolescentes pretos e pardos21.

A porcentagem de pacientes brancos que fizeram implantes dentários osteointegrados no SUS atingiu quase a metade dos casos de todo o país, e a soma do acesso de pacientes pretos e pardos foi seis vezes menor que a dos brancos no período avaliado. A região Sul, responsável pela realização da maior parte dos implantes dentários osteointegrados no país, apresentou alta porcentagem de casos sem informação sobre a raça dos pacientes. Considerando que segundo o IBGE15 grande parte da população desta região é da raça branca (80% da população), grande é a probabilidade de que parte destes casos sem informação seja desta raça. Desta forma, pode-se afirmar que o acesso ao implante dentário osteointegrado no Brasil pelos pacientes brancos foi superior a todas as outras raças.

Recomenda-se, portanto, que o acesso ao implante dentário osteointegrado no SUS seja organizado segundo critérios de risco, considerando as vulnerabilidades e necessidades da população, ratificando assim o princípio da equidade que faz parte do ideário do SUS e que visa diminuir a desigualdade. Em relação à faixa etária, constatou-se que o acesso ao implante dentário osteointegrado está coerente, uma vez que a faixa etária com maior acesso (20 a 59 anos) representa 56% da população, contra 11% da população com 60 anos ou mais15.

No período de 2001 a 2011 verificou-se um crescimento de 224% das ações especializadas em Saúde Bucal, com plena ascensão a partir de 2005, coincidindo com o período de credenciamento dos Centros de Especialidades Odontológicas a partir de 200422. Desde sua criação , há uma expansão crescente no número de CEO no Brasil, entretanto, persiste um padrão de concentração nas regiões Nordeste e Sudeste. Em 2013, haviam 890 CEO, sendo 352 no Nordeste, 317 no Sudeste, 105 no Sul, 63 no Centro-Oeste e 53 no Norte23.

Em relação ao local de atendimento, verificouse que grande parte dos implantes dentários foi realizada nos Centros de Especialidades Odontológicas, o que pode sugerir uma consolidação da política de acesso ao procedimento nos CEO. Entretanto, o número de Centros de Especialidades Odontológicas por região não está relacionado ao número de implantes realizados, uma vez que a região Nordeste, uma das regiões com maior número de CEO23, foi responsável pelo menor número de implantes realizados no SUS. O estado do Paraná foi responsável por grande parte da produção dos implantes dentários osteointegrados e foi o único estado da região Sul que realizou implantes dentários no CEO.

A Região Sudeste apresentou uma grande porcentagem de falta de informação em relação ao local de atendimento. Estudos mostram que os problemas de dados incompletos são comuns a quase todos os sistemas de informação, ocasionando, em algumas situações, limitações no uso dessas informações para a tomada de decisões24.

Considerando o resultado dos indicadores número de implantes dentários osteintegrados per capita em relação no Brasil e por regiões brasileiras, verificou-se que os resultados foram bastante heterogêneos. A região Sul, que é uma das regiões brasileiras com menor número de perdas dentárias5 , realizou cerca de 6 vezes mais o procedimento que a média nacional e que a Região Centro-Oeste, 22 vezes mais que a região Sudeste e cerca 267 vezes mais que a Região Nordeste, uma das regiões com maior número de perdas dentárias5.

Em relação à média de implantes dentários osteointegrados por paciente segundo região brasileira realizados no quadriênio 2011 a 2014, embora não haja estudos sobre o planejamento do número de implantes por paciente no serviço público, regiões com maior número de implantes por paciente podem significar um planejamento maior em relação às necessidades de cada paciente, facilitando assim, a resolução das necessidades individuais.

Embora a incompletude dos dados em relação à raça/cor e ao local de atendimento possa ser considerada como limitação do estudo, principalmente em relação aos resultados nas regiões brasileiras, ela não afetou a definição do acesso da população brasileira em relação à raça/cor, e nem em relação ao local de atendimento considerando o país como um todo. O pouco tempo de vigência da política de acesso ao procedimento também pode ser considerado como uma limitação do estudo. Entretanto, os resultados foram úteis para verificar a tendência do acesso e sinalizar a necessidade de estudos direcionados ao levantamento dos fatores dificultadores e facilitadores do acesso da população ao implante dentário osteointegrado no SUS.

 

CONCLUSÃO

O acesso ao implante dentário osteointegrado no SUS representa um grande avanço em relação à integralidade da atenção à Saúde Bucal no Brasil. No entanto, o acesso a este procedimento ainda é incipiente e muito desigual entre as regiões do país, em relação à raça/cor e ao local de atendimento. O sexo feminino, a raça branca e a faixa etária de 20 a 59 anos tiveram maior acesso ao implante dentário osteointegrado no SUS e a maior parte de implantes dentários osteointegrados foram realizados nos Centros de Especialidades Odontológicas, embora a grande maioria dos CEO, no país, ainda não execute o procedimento. As regiões com maior porcentagem de implantes dentários realizados nos CEO foram a região Sul e a região Centro-Oeste, sendo que estas regiões também apresentaram o maior número de implantes por paciente. A região Sul foi responsável pela realização de grande parte dos implantes dentários osteointegrados lançados no sistema de informação do SUS no país, a região Norte ainda não realizou o procedimento, a região Nordeste teve uma produção muito baixa e as regiões Centro-Oeste e Sudeste juntas foram responsáveis por menos de 20% do total realizado, no Brasil, no período avaliado.

 

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