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Arquivos em Odontologia

versão impressa ISSN 1516-0939

Arq. Odontol. vol.52 no.3 Belo Horizonte Jul./Set. 2016

 

 

 

Levantamento de marcas de mordidas humanas em vítimas de violência periciadas no Instituto Médico Legal de Feira de Santana-BA, entre 2007 e 2014

 

Bites brand survey on human violence victims examined in the Legal Medical Institute of Feira de Santana-BA, between 2007 and 2014

 

 

Haylla Priscilla de Lima AmorimI; Bárbara Maria Santos MeloI; Jamilly de Oliveira MusseII; Mona Lisa Cordeiro Asselta da SilvaIII; Maria Conceição Oliveira CostaIV; Jeidson Antônio Morais MarquesV

 

I Graduanda em Odontologia, Departamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, BA, Brasil
II Mestre e Doutora em Ciências Odontológicas, Área de Concentração: Odontologia Social (USP); Perita Odontolegista no Departamento de Polícia Técnica da Bahia/IML. Professora do Departamento de Saúde/UEFS

III Especialista em Odontologia Legal, Feira de Santana, BA, Brasil
IV Profª Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS, Pós-doutorado -Université du Québec à Montreal/UQAM e Coordenadora do NNEPA/PPGSC/UEFS; Feira de Santana, Bahia, Brasil
V Mestre e Doutor em Ciências Odontológicas, Área de Concentração: Odontologia Social (USP); Professor do Departamento de Saúde/UEFS

Correspondência para:

 

 


 

RESUMO

Objetivo: Descrever a prevalência de marcas de mordidas em vítimas de violência periciadas no Instituto Médico Legal de Feira de Santana no período de 2007 até 2014, levando em consideração a análise do perfil sociodemográfico das vítimas, a relação destas com os supostos agressores, bem como fatores inerentes às particularidades da violência, características da mordida e região do corpo atingida. Métodos: Estudo de casuística, de caráter exploratório com base em dados secundários, produzidos a partir das perícias realizadas por peritos odontolegistas registradas em laudos arquivados no Instituto Médico Legal (IML), no período de 2007 à 2014. Resultados: Os resultados apontam um maior índice de vítimas do sexo feminino (78,1%), entre 20-60 anos (53,1%), faiodermas, estudantes (28,6%) e naturais de Feira de Santana (56,2%). A região de cabeça e pescoço (29,2%) e membros superiores (29,2%) tiveram destaque nas agressões e a maioria das vítimas apresentaram mais de uma lesão, apresentando-se clinicamente como escoriações (34,2%) e equimoses (31,6%). Em nenhum dos casos houve tentativa de identificação do agressor pela mordida. Conclusão: Desse modo, conclui-se que a maior parte das vítimas de violência física que apresentaram lesão provocada por mordida humana era do sexo feminino, faioderma e adultos. Os supostos agressores na maioria dos casos tem ou tiverem um vínculo conjugal com a vítima. As marcas de mordidas foram predominantes na região de cabeça e pescoço e membros superiores. Como manifestação clínica destacou-se as escoriações e equimoses.

Descritores: Odontologia legal. Registro da relação maxilomandibular. Violência.


 

ABSTRACT

Aim: To describe the prevalence of bitemarks in victims of physical violence logged in forensics reports at the Legal Medical Institute (IML) of Feria de Santana, BA, Brazil, between 2007 and 2014, taking into account the analysis of the sociodemographic profile of the victims, their relationships with their aggressors, as well as factors inherent to the particularities of the violence, characteristics of the bite, and the region of the body that was affected. Methods: Exploratory study of the cause, based on secondary data, identified in forensics reports carried out by dental forensics experts, duly recorded in reports at the IML from 2007 to 2014. Results: The results point out a higher index of female victims (78.1%), between 20 and 60 years of age (53.1%), light-skinned black students (28.6%), and natives of the city of Feira de Santana (56.2%). The head and neck region (29.2%) and upper limbs (29.2%) were the most commonly attacked regions, and the majority of victims presented more than one lesion, appearing clinically as excoriations (34.2%) and ecchymosis (31.6%). None of the cases attempted to identify the aggressor through the bitemark. Conclusion: Therefore, it can be concluded that the majority of the victims of physical violence who presented lesions provoked by human bites were female, light-skinned back, adults. The supposed aggressors, in the majority of cases, have or had some form of marital relationship with the victim. Bitemarks were predominantly found in the head and neck region and upper limbs. Excoriations and ecchymosis stood out as the main clinical manifestations.

Uniterms: Forensic dentistry. Jaw relation record. Violence.


 

INTRODUÇÃO

A integridade anátomo-funcional do ser humano é assegurada pelo estado e o direito de ressarcimento por algum dano gerado que atente a essa integridade pessoal é protegido. Para que a justiça possa utilizar os dispositivos legais, é necessário que qualquer ofensa à saúde do indivíduo seja definida através de perícias, sejam elas médicas ou odontológicas, dependendo da origem do dano1.

O cenário atual mostra o crescimento da violência, fazendo com que os crimes se tornem cada vez mais sofisticados, exigindo assim técnicas periciais mais desenvolvidas. O perito deve ter o entendimento de que a identificação odonto e médicolegal é baseada em um conjunto de dados coletados, para que o somatório de pontos coincidentes sirva de sustentáculo técnico inquestionável, auxiliando a justiça na elucidação de casos 2,3.

Em se tratando da perícia odontológica, os odontolegistas possuem um conhecimento especializado, estando aptos a esclarecer as mais diversas questões, sejam no âmbito criminal, administrativo e civil. Na área criminal, a odontologia legal pode atuar na identificação do vivo, no cadáver e em perícias antropológicas. A sua atuação também pode se dar na estimativa de idade, estatura, raça, dano estético e funcional, determinação de embriaguez alcoólica e identificação de marcas e lesões produzidas por mordidas humanas 4,1.

A American Board of Forensic Odontology (ABFO) define marca de mordida como uma marca de agressão, circular ou oval consistindo em dois arcos em forma de U, opostos e simétricos, separados em suas bases por espaços; na sua periferia podem existir abrasões, contusões e/ou lacerações que refletem o tamanho, forma e localização das superfícies de contato da dentição humana5.

As marcas de mordidas são frequentemente empregadas nas agressões sexuais, atingindo órgão genitais, mas também durante a luta, em situação de ataque e defesa nas diversas formas de crimes e são capazes de auxiliar ou até mesmo determinar em qual circunstância de ataque ou de defesa se encontrava a vítima e o autor das agressões físicas6.

As lesões causadas por marcas de mordidas aparecem basicamente de duas formas: quando é produzida de forma devagar, apresenta área equimótica no centro da lesão procedente da sucção ou da pressão da língua, sendo mais comum em ataques sexuais. A outra forma é a marca deixada pelos dentes e é mais frequente em situações de ataque e defesa, com maiores ocorrências em casos de violência infantil e homicídios7.

Através de observações e análises, as marcas de mordidas podem se tornar uma prova de grande importância médico-judiciária em alguns casos de delitos, apontando ou excluindo suspeitos de culpabilidade. As marcas ou impressões produzidas pelos dentes ou outros elementos duros da boca sobre um suporte, possuem características individuais que podem ser utilizadas na identificação do agressor, partindo do pressuposto que não é possível existir duas pessoas com padrões dentários iguais8.

Neste sentido, o perito odontolegal deve estar atento às características incomuns na marca de mordida, como lacerações que podem ocorrer de acordo com as singularidades na forma das unidades dentárias ou restaurações, espaçamento entre os dentes sugestivos de perda dentária, apinhamento, mau posicionamento de dentes, largura e comprimento dos arcos dentários1.

A análise de marca de mordidas se divide em três etapas: descrição detalhada da marca de mordida (seja em objeto, pele ou alimento) e conjunto de evidências da vítima e do suspeito. As características das marcas de mordidas são obtidas a partir de dados demográficos, localização, cor, tamanho, forma e tipo da lesão causada. O registro de informações que devem ser coletadas da vítima inclui exame extra e intra-oral, registros fotográficos, coleta de saliva (DNA), moldagem dos arcos dentários e registro da mordida em cera. O registro de dados do suspeito inclui exames e registros fotográficos, descrição de forma minuciosa de todas as particularidades intraorais, moldagem dos arcos dentários, coleta de saliva (DNA) e registro da mordida em placa de cera 9,10,1.

A comparação de marcas de mordida pode ser realizada através dos métodos da análise métrica ou da superposição de imagens. O primeiro consiste na mensuração de particularidades dentárias como o comprimento, largura e a profundidade das marcas de cada dente específico; o tamanho e a forma da lesão e outras dimensões como o espaço entre as marcas dos dentes, distância intercanina; ausência de dentes; dentes mal posicionados, registrando e calculando todas essas informações. No segundo método, o principal instrumento é a sobreposição das imagens entre a mordida e o arco dentário suspeito, verificando os pontos que coincidem e os que divergem.

A sobreposição pode ser feita de forma manual ou através de imagens digitais. A metodologia do modo manual utiliza uma folha de acetato transparente posicionada sobre o modelo de gesso do arco do suspeito, possibilitando copiar as superfícies incisais e posteriormente sobrepostas às impressões dentárias (mordida). As técnicas digitais são feitas através das imagens scaneadas ou fotografias digitais, podendo ser manipuladas através do programa Adobe Photoshop 11,12,13.

Além desses métodos clássicos, existem recursos tecnológicos que podem auxiliar os peritos na investigação de crimes. Nessa perspectiva, a engenharia reversa e a prototipagem rápida se apresentam como uma boa alternativa para a reprodução de objetos mordidos encontrados no local do crime em que não é viável a reprodução pelos métodos tradicionais14. A prototipagem rápida é uma tecnologia que surgiu recentemente, que possibilita obter um modelo físico com as mesmas características geométricas do virtual, possibilitando a manipulação deste para muitos fins. Os modelos obtidos são baseados nas imagens tomográficas digitalizadas, tridimensionalmente, a partir do objeto em estudo. As técnicas da prototipagem rápida são feitas com base no princípio de criação de um modelo 3D camada por camada, não o limitando geometricamente no momento da construção. O produto final é uma cópia em escala real da região anatômica ou do objeto escolhido 14,15,16.

O processo de identificação da marca de mordida é complexo e requer bom conhecimento e experiência por parte do perito odontolegal. Tornando a participação de um cirurgião-dentista essencial no processo de identificação dessas marcas17.

O presente trabalho teve como objetivo descrever a prevalência de marcas de mordidas em vítimas de violência periciadas no Instituto Médico Legal de Feira de Santana no período de 2007 até 2014, levando em consideração a análise do perfil sociodemográfico das vítimas, a relação destas com os agressores, bem como fatores inerentes às particularidades da violência, características da mordida e região do corpo atingida.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo de casuística, de caráter exploratório com base em dados secundários, produzidos a partir das perícias realizadas por peritos odontolegistas registradas em laudos arquivados no Instituto Médico Legal (IML), no período de 2007 à 2014.

O estudo foi realizado no município de Feira de Santana, segundo maior do Estado da Bahia/Brasil, considerado um dos mais importantes entroncamentos rodoviários do Norte e Nordeste do Brasil, com cerca de 612.000 habitantes (IBGE, 2014). A população do presente estudo foi composta por vítimas de violência que apresentaram marcas de mordidas durante o exame de lesão corporal, incluindo crianças, adolescentes, adultos e idosos de ambos os sexos.

Os dados foram sumarizados em um formulário elaborado para esta pesquisa, englobando as seguintes variáveis: sociodemográficas (idade, sexo, naturalidade, raça, profissão); vínculo da vítima com o agressor (pai, mãe, padrasto, madrasta, irmão, familiar, cônjuge, não especificado, outros); data do exame pericial; tipo de violência sofrida (física, sexual e outra); localização da mordida (cabeça e face, pescoço, membro superior direito, membro superior esquerdo, membro inferior direito, membro inferior esquerdo, tórax, abdômen, costas, outra parte); característica da mordida (equimose, contusão, hematoma, ferida mista, escoriação, outra); número de mordidas por vítima; presença de outras lesões além da marca de mordida; identificação do agressor pela marca de mordida.

Os dados foram submetidos a análise descritiva para obtenção de frequências simples e relativas. Para as análises bivariadas utilizaram-se os testes do Quiquadrado de Pearson e Exato de Fischer. A Razão de Prevalência (RP) foi calculada com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). O nível de confiança adotado foi de 5%. O programa estatístico utilizado foi o software Epi Info (Centers for Disease Control and Prevention, CDC, Atlanta, USA).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana sob o Protocolo 092/2010 (CAAE 0090.0.059.000-10).

 

RESULTADOS

Segundo registros do Instituto Médico Legal (IML) de Feira de Santana, no período de 2007 a 2014, foram realizadas 1.045 perícias em casos de violência, dos quais 32 apresentaram lesões provocadas por mordida humana, todos notificados como violência física nos laudos estudados.

Dos oito anos do período estudado, desde a criação do cargo de odontolegista nos IMLs da Bahia, em 2007, os anos de 2011 e 2012 concentraram 45,7% das perícias realizadas. Vale ressaltar que dos casos de perícias de marcas de mordidas, observou-se também neste período a maior concentração (71,9%) (Gráfico 1).

 

 

 

A idade da população variou de 0 a 60 anos e o grupo II (20-60 anos) foi o mais acometido por atos violentos (53,1%). Em relação ao sexo das vítimas, o feminino apresentou maior prevalência de mordidas (78,1%) que o sexo masculino (21,9%). O fenótipo cor de pele faioderma predominou, presente em 73,3% dos casos.

A maioria das vítimas tem procedência de Feira de Santana (56,2%), enquanto as demais são naturais de outras cidades da Bahia (Coração de Maria, Governador Mangabeira, Itajuípe, Vitória da Conquista, Santanópolis, Baixa Grande, São Sebastião do Passé, Riachão do Jacuípe, Camamu, São Gonçalo dos Campos, Serra Preta), com exceção a Bela Cruz no Ceará e Boituva em São Paulo. A ocupação predominante foi estudante (28,6%), seguida de lavrador (14,3%), empregada doméstica (14,3%) e autônomo (10,7%) (Tabela 1).

 

 

 

Os dados referentes ao vínculo da vítima com o suposto agressor foram registrados em apenas 50% dos 32 laudos estudados, sendo que 21,9% dos supostos agressores eram ex-namorado/ex-companheiro, 9,4% namorado/companheiro, 6,2% familiar, 3,1% padrasto, 3,1% pai e 6,2% outros agressores (Gráfico 2).

 

 

 

As regiões mais acometidas por marca de mordida foram cabeça e pescoço (29,2%) e membros superiores (29,2%). No momento da perícia, a maior parte das vítimas apresentou mais de uma marca (78,1%). Quanto a presença de outras lesões além da marca de mordida, os índices foram equilibrados, visto que 50% apresentaram outras lesões e 50% somente a marca de mordida. As descrições clínicas mais frequentes foram escoriação (34,2%), equimose (31,6%) e ferida mista (26,3%) (Tabela 2).

 

 

 

Quando realizada a associação entre à localização da mordida em região de cabeça e pescoço e as características das vítimas observou-se que 28,6% das vítimas do sexo masculino e 40% do feminino apresentaram marcas de mordidas nessa região. A análise em relação à faixa etária mostrou que em 40% dos casos eram crianças e adolescentes (0-19 anos) e 35,3% adultos e idosos. Em 36% das ocorrências que tiveram essa região do corpo afetada, a vítima apresentou apenas uma lesão, enquanto 42,9% das mesmas tiveram duas lesões ou mais. Não houve diferença entre a mordida ser o único tipo de lesão quando comparada com a localização da mordida em região de cabeça e pescoço (Tabela 3).

 

 

 

O estudo mostrou que em nenhum dos casos periciados houve tentativa de identificação do agressor através da marca de mordida.

 

DISCUSSÃO

A violência atualmente configura-se como um dos maiores problemas de agravo à saúde no mundo. Isto se deve a sua magnitude e impacto causado na qualidade de vida das pessoas, que faz com que esta se torne uma das temáticas centrais da saúde pública19.

Inúmeras são as situações de violência que podem ser consideradas crime de lesão corporal previsto no artigo 129 do Código Penal Brasileiro. Nesse sentido, o Exame pericial é o principal método utilizado para avaliar danos causados em vítimas de violência. Esse exame é realizado normalmente em um Instituto Médico Legal por um perito oficial, portador de diploma de grau superior. O IML é um órgão do Estado, ligado à Secretaria de Estado de Segurança Pública que presta serviços científicos e que busca quantificar e esclarecer danos in vivo e post mortem. O IML de Feira de Santana atende a toda região do Recôncavo Baiano e atualmente conta com cinco peritos odontolegais.

Considerando a situação da violência no município de Feira de Santana, este estudo mostra parte da realidade vivenciada na região, visto que o Instituto Médico Legal (IML) é o órgão que recebe supostas vítimas e que os dados analisados correspondem apenas àqueles examinados pelo perito odontolegal e que apresentaram marca de mordida como lesão.

Em um estudo realizado por Souza (2015)22 em Feira de Santana, que analisou a notificação de todos os tipos de violência, verificou-se que, no município, a violência física predominou sobre os demais tipos, respondendo por 63,4% das ocorrências. Esse alto índice está refletido nos casos analisados pelo presente estudo, nos quais a violência física foi unânime. A caracterização desse tipo de agressão é facilitada pelas lesões provocadas e as marcas visíveis deixadas no corpo das vítimas, o que não ocorre, por exemplo, em casos de violência psicológica.

O biênio 2011/2012 registrou um aumento substancial, sobre os dois anos anteriores (2009/2010), do número de perícias realizadas (mais 114%), bem como da quantidade de casos com presença de marcas de mordidas (mais 667%). A dimensão desses acréscimos pode estar conectada à tendência de alta em Feira de Santana, no período de 2011 a 2013, dos indicadores de crimes violentos frequentemente associados à ocorrência de marcas de mordidas: crimes contra a vida (Homicídio doloso, Tentativa de homicídio e Lesão corporal seguida de morte) e contra a liberdade sexual (Estupro) 23,24,25,26

Nesta pesquisa, o grupo II (20-60 anos) foi o mais acometido por atos violentos. (53,1%). Diversos autores indicam que a idade adulta é a que mais sofre com efeitos da violência concordando com a presente pesquisa 27,28,29. Entretanto, um estudo realizado por Garbin et al. (2006), concluiu que as maiores vítimas de violência doméstica eram crianças e adolescentes, com idade entre 0 e 15 anos (51,5%) 30.

Alguns autores afirmam que as variáveis sexo e idade da vítima pode afetar a localização e a quantidade de mordidas31. No presente trabalho, o sexo feminino foi o mais acometido por marcas de mordida neste estudo, corroborando um estudo realizado por Queiroz em 2010, a partir de dados de relatórios do IML de São Paulo, segundo o qual, dos 37 casos analisados que envolviam marcas de mordida, em 24 deles as vítimas eram do sexo feminino, contra 11 do sexo masculino, e 2 casos em que o sexo não foi especificado6.

Ainda no campo das características sociodemográficas, foi verificada a predominância do fenótipo cor de pele faioderma, representando 73,3% dos casos, em consonância com o estudo realizado por Pimenta et al. (2013), em que a maioria dos indivíduos submetidos à perícia odontolegal eram faiodermos, com valores relativos acima de 60%32. As vítimas de violência física em todas as faixas-etárias geralmente apresentam cor de pele faioderma (parda) ou melanoderma (preta) o que nos faz entender que esse fenômeno tem preferência em relação a raça/cor de pele.

Das vítimas de violência periciadas no IML de Feira de Santana, 56,2% tinham origem no próprio município. O número expressivo de vítimas de outros municípios e até estados presentes na presente pesquisa pode estar relacionado à malha rodoviária privilegiada de Feira de Santana, que a posiciona como uma importante via de fluxo para populações de diversas regiões do país ou ainda pelo IML da cidade ser referência para o atendimento de algumas cidades circunvizinhas.

Na investigação da ocupação das vítimas observou-se a predominância de estudante (28,6%); seguida de lavrador (14,3%) e empregada doméstica (14,3%), ratificando estudos de violência contra a mulher, onde estudante e empregada doméstica aparecem entre ocupações de destaque 33,34. A participação relativa da categoria lavrador pode estar ligada à importância do setor primário na matriz econômica na região de Feira de Santana.

Apenas 50% dos laudos estudados continham o vínculo da vítima com o agressor, cujo levantamento é atribuição das Delegacias de Polícia e não dos IMLs. Nos registros encontrados, a maior parte dos acusados das agressões tinha ou teve vínculo conjugal com as vítimas, sendo 21,9% ex-namorados/excompanheiros e 9,4% namorados/companheiros, em consonância com outra pesquisa realizada no IML de Feira de Santana32 e principalmente com pesquisas que abordam a violência doméstica contra a mulher33,34, evidenciando que a violência em relações conjugais é um problema socialmente relevante. Vale ressaltar que em todos os casos, as marcas de mordidas não foram utilizadas como recurso de investigação do agressor, uma vez que os investigados assumiram a autoria das mesmas, sendo desnecessária a comparação do padrão produzido com dentição de um suspeito, análise geralmente realizada pelos odontólogos forenses, como enfatizado por Verma et al. (2013)35.

Com relação à localização das lesões, a região de cabeça e pescoço (29,2%) e membros superiores (29,2%) foram as partes do corpo mais acometidas pelas agressões. Esses resultados correspondem aos descritos na literatura por Garbin e Garbin (2006) e Marques (2007)26,7, e se contrapõem ao encontrado por Freeman et al. (2005), que avaliando 778 mordidas, observaram uma prevalência maior dessas lesões no braço, seguido da mama31.

A "preferência" do agressor pela região de cabeça e pescoço, no presente estudo, reflete a humilhação que o agente imprime quando atinge o rosto de outrem36,37,38,39. Jong (2000) relata que a intenção do agressor é tornar visível a lesão e com isso prejudicar um atributo considerado de alto valor social que é a beleza do ser humano40. O grande número de agressões nas mãos e braços pode representar um comportamento defensivo por parte da vítima que tentou se proteger, usando esses membros como anteparo28,41.

Quanto ao número de marcas de mordida por indivíduo periciado, observou-se duas ou mais marcas na maioria deles (78,1%). Estudo realizado por Costa (2011), dirigido ao abuso de crianças e jovens, apresenta resultados divergentes34. Nele, em 82% dos casos as vítimas apresentaram uma única marca.

Em termos de tipologia de lesão, nesse estudo escoriação e equimose foram as descrições clínicas mais frequentes, seguida de ferida mista. Essas injúrias são sinais característicos que devem levantar suspeitas do perito odontolegal quando apresentadas em formato elíptico ou ovoide. A forma circular ou elíptica da marca de mordida humana, resultante da oclusão dos arcos superior e inferior, com frequência pode ser acompanhada por equimose puntiforme de sucção ou por escoriações superficiais. Essas marcas tipicamente deixam uma área central de equimose causada por dois prováveis fenômenos: pressão positiva decorrente da oclusão dentária no fechamento dos maxilares, provocando o rompimento de pequenas artérias; ou pressão negativa causada pelo ato de sucção e movimentos da língua36.

A associação entre as características das vítimas e a presença de marcas de mordida na região de cabeça e pescoço permite afirmar que a maioria das vítimas atingidas foi do sexo feminino (31,2%), apresentaram apenas uma marca de mordida (28,9%), não havendo diferença relevante na distribuição desse evento por faixa etária. Berrios e Grady (1991) mostraram que 68% das mulheres que foram agredidas por seus parceiros íntimos sofreram lesões de cabeça e pescoço, incluindo contusão, lacerações e fraturas37. Estudo realizado por Le et al. (2001) aprofunda essa conclusão apontando a face como local preferencial das lesões, alcançando 81% das vítimas de violência doméstica38.

Assim, afirma-se a abrangência e pertinência da atuação da Odontologia Legal no diagnóstico e classificação dos danos causados por mordidas para a prevenção e combate desse tipo de agressão, e o suporte científico e metodológico necessários à excelência da prática pericial.

 

CONCLUSÃO

Com relação às características sociodemográficas das vítimas que apresentaram marcas de mordida podemos observar que (78,1%) pertenciam ao sexo feminino; (53,1%) estavam na faixa-etária ≥20 anos; (73,3%) eram faiodermas; (56,2%) naturais da cidade de Feira de Santana; e a profissão mais prevalente foi a de estudante e domestica com (28,6%) e (14,7%) respectivamente.

Se tratando das características da mordidas foi observado que as regiões de cabeça e pescoço seguida dos membros superiores foram as mais prevalentes, ambas com (29,2%); (78,1%) dos vitimados apresentaram duas ou mais mordidas, não havendo diferença entre as vítimas que obtiveram apenas as mordidas como lesão e as que apresentaram mordida com outros tipos de lesão em conjunto; e a mordida teve equimose em (31,6%) das vítimas.

Quando buscada a associação entre características da vítima e da mordida com a região de cabeça e pescoço foi encontrado que o sexo feminino e os adolescentes foram mais acometidos e que as vítimas que apresentaram duas ou mais lesões foi mordida com maior frequência na região de cabeça e pescoço. Não houve diferença entre as vítimas que tiveram a mordida como única lesão.

 

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