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Stomatos

versão impressa ISSN 1519-4442

Stomatos vol.16 no.30 Canoas Jan./Jun. 2010

 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Linfangioma de cavidade bucal: relato de caso clínico

 

Lymphangioma of the oral cavity: Case report

 

 

Humberto Thomazi GassenI; Luis Felipe Sá CayeII; Gisele RovaniIII; Soluete Oliveira da SilvaIII; Aurelício Novaes Silva-JúniorIV; Sergio Augusto Quevedo Miguens-JrIV; Pedro Antônio Gonzáles HernándezIV

IProfessor do curso de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil
IIAluno do curso de mestrado em Prótese Dentária pela Universidade Luterana do Brasil
IIIProfessora das disciplinas de Patologia bucal e Diagnóstico Oral da Universidade de Passo Fundo
IVProfessor do curso de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os linfangiomas são lesões hamartomatosas dos vasos linfáticos. Representam proliferações benignas que envolvem o sistema linfático tendo uma predileção pela cabeça, pescoço e cavidade bucal. O prognóstico para os linfangiomas localizados na língua é bom para a maior parte dos pacientes, embora as lesões volumosas possam provocar obstrução das vias aéreas. O objetivo deste estudo é relatar dois casos clínicos de linfangioma localizados na língua, bem como revisar a literatura pertinente enfocando os aspectos clínicos e possibilidades terapêuticas.

Palavras-chave: Linfangioma. Hamartoma, Sistema Linfático.


ABSTRACT

The lymphangiomas are hamarthomatous lesions of the limphatic vases. There are benign proliferations that envolve the lymphatic system has a predilection for the head, neck and oral cavity. They represent benign proliferations that involve the lymphatic system, has a predilection for the head, neck and oral cavity. The prognostic for the linfangiomas located in the tongue is good for the most of the patients, although the voluminous lesions can cause obstruction of the aerial ways and consequently the death. The purpose of this study is to report two clinical cases of the lymphangioma located on the tongue, as well as to revise the pertinent literature focusing the clinical aspects and therapeutic possibilities.

Keywords: Lymphangioma. Hamartoma. Lymphatic System.


 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento dos linfangiomas tem sido descrito como resultado do sequestro de porções da origem linfática embriogênica primitiva. Estas áreas de sequestro nunca encontram uma anastomose eficiente com os canais linfáticos maiores, ocasionando num bloqueio em áreas localizadas nos vasos linfáticos (Balakrishnan, Bailey, 1991).

Os linfangiomas provavelmente representam proliferações benignas envolvendo o sistema linfático (Smith et al., 1996). São considerados mais como lesões congênitas do que como neoplasmas (Regezi, Sciubba, 1991). São lesões hamartomatosas dos vasos linfáticos onde aproximadamente 75% dos linfangiomas ocorrem na região da cabeça e do pescoço (Neville et al., 2004). Muitos linfangiomas estão presentes no nascimento e aproximadamente 80% a 90% desenvolvem-se por volta dos dois anos de idade (Fung et al., 1998; Osborne et al., 1991; Neville et al., 2004), sendo a ocorrência em adultos pouco frequente (Wiggs, Sismanis, 1994).

O pescoço é o sítio mais comumente envolvido (Wiggs, Sismanis, 1994), sendo o terço posterior acometido com maior frequência que o anterior (Schefter et al., 1985; Neville et al., 2004). Quando ocorrem neste local são denominados higroma cístico, higroma cervical e linfangioma cavernoso, os quais causam tumefação difusa nos tecidos moles, podendo ameaçar a vida do paciente por envolver estruturas vitais no pescoço (Regezi, Sciubba, 1991). Em alguns casos, os linfangiomas cervicais estendem-se para o mediastino ou para a cavidade bucal (Neville et al., 2004).

Dentre os defeitos vasculares linfáticos bucais, aqueles localizados na língua são os mais comuns, resultando ocasionalmente em macroglossia. Estas lesões estão frequentemente localizadas nos dois terços anteriores podendo atingir grandes extensões e o aumento de volume destas lesões pode ser precipitado por trauma ou inflamação associada à infecção do trato respiratório superior (Osborne et al., 1991; Mikhail et al., 1995), presumivelmente devido a um aumento na produção de linfa e bloqueio da drenagem linfática (Neville et al., 2004). Nas inflamações crônicas decorrentes de infecções, as papilas linguais aumentam de volume conferindo à língua uma aparência granular. Na presença de linfangiomas, a superfície da língua torna-se leitosa com vesículas claras distribuídas em profundidade azul-avermelhada e sangramento vascular. A ruptura ocasional dos capilares nos espaços linfáticos pode ocasionar uma mudança de cor dos linfangiomas para o azul-escuro. Com o aumento do volume da língua, a boca não pode ser fechada, o que leva à sialorreia e ocorrência de ulceração. Segundo Jian (2005), deformidades como mordida aberta e prognatismo mandibular podem ser observados. Quando localizados nos lábios, os linfangiomas podem causar macroqueilia.

Clinicamente os linfangiomas apresentam-se como tumefações indolores e nodulares comumente localizados superficialmente e mostrando uma superfície pedregosa que se assemelha a um grupo de vesículas translucentes ou como uma massa submucosa, quando localizados mais profundamente (Regezi, Sciubba, 1991; Neville et al., 2004). A cor varia de uma tonalidade mais clara (leitosa-transluscente) que o tecido circunjacente ao vermelho-azulado, quando formados por capilares. A hemorragia secundária para o interior dos vasos linfáticos pode fazer com que algumas destas vesículas se tornem arroxeadas (Neville et al., 2004).

Microscopicamente, os linfangiomas apresentam vasos linfáticos dilatados, de paredes delgadas e diferentes tamanhos, que são revestidos por endotélio achatado, sem a presença de cápsula. Na investigação imunológica dessas afecções a imuno-histoquímica pode evidenciar no endotélio presente expressão variável de FVIII-rAg, CD31 e CD34 (Balakrishnan, Bailey 1991, Hellman et al., 1993).

Histologicamente os linfangiomas têm sido subdivididos em simples, cavernosos e císticos. O linfangioma simples ou linfangioma capilar é formado por espaços linfáticos constituídos de uma fina parede capilar, enquanto o cavernoso apresenta grandes espaços linfáticos. O linfangioma cístico ou higroma cístico contém grandes áreas císticas podendo medir vários centímetros de diâmetro, podendo mostrar-se unilocular ou multilocular (Ricciardelle, Richardson, 1991). Para Neville et al., (2004), este sistema de classificação é arbitrário, porque os diferentes tipos de espaços linfáticos frequentemente são encontrados numa mesma lesão.

Na cavidade bucal, os linfangiomas cavernosos são mais frequentes, onde o tecido conjuntivo denso circunjacente e os músculos esqueléticos limitam a expansão dos vasos. Já os linfangiomas císticos são frequentes no pescoço e região axilar, regiões nas quais o tecido conjuntivo frouxo adjacente permite a maior expansão dos vasos (Neville et al., 2004).

O diagnóstico diferencial deve incluir o carcinoma de células basais e tumor de glândulas salivares com degeneração cística. Estas lesões podem ser diferenciadas pelas características celulares neoplásicas encontradas na biópsia aspirativa (Mandel, 2004). Os linfangiomas que ocorrem na região cervical também demandam diferenciação com cisto tireoglosso, rânula mergulhante e as linfadenopatias. Também, podem assemelhar-se ao hemangioma quando há um componente capilar significativo e, quando a lesão for pequena, pode ser confundida com mucocele (Regezi, Sciubba, 1991).

Dentre os métodos diagnósticos por imagens, a ecografia é o melhor exame para diferenciar uma massa sólida de uma massa cística, enquanto que a tomografia computadorizada e as imagens por ressonância magnética podem determinar com clareza a extensão da lesão antes da cirurgia (Mandel, 2004). A ecografia com Doppler é um recurso de exame que pode diferenciar os componentes presentes no interior da lesão e suas origens se linfática e/ou vascular sanguínea (Bataille, Boon, 2006).

Várias modalidades de tratamento têm sido propostas para a resolução das lesões linfangiomatosas da cavidade bucal. Estes tratamentos são indicados especialmente para portadores adultos e cujas lesões não regridam espontaneamente. Excisão cirúrgica, terapia por radiação, crioterapia, administração de esteroides e agentes esclerosantes, interferon ou bleomicina, embolização, ligação, e cirurgia a laser também têm sido utilizados para o tratamento destas lesões (Balakrishnan, Bailey 1991, Hellman et al., 1993).

A aspiração das lesões é efetiva temporariamente e pode prover infecção (Emery et al., 1984, Ricciardelli, Richardson, 1991) e a radiação não tem demonstrado valor terapêutico significativo (Goshen, Ophir 1993).

Os agentes esclerosantes têm sido usados com algum sucesso. Esclerose com OK- 432 e injeção com Bleomycin® têm sido indicadas para linfangiomas de parótida para evitar injúrias no nervo facial (Mikhail et al., 1995) e também para redução dos linfangiomas aí localizadas.

No estudo feito por Ogita et al. (1994) na qual analisaram os resultados do tratamento de linfangiomas com o uso do agente esclerosante OK-432 (uma mistura liofilizada incubada de Streptococcus pyogenes e penicilina G potássica encontraram que uma redução total ou parcial ocorreu em 67% dos 46 casos estudados.

Embora os hemangiomas regridam ou desapareçam com o uso de injeção de agentes esclerosantes, muitos cirurgiões atestam que os linfangiomas não respondem a esta terapêutica. A razão disso não está esclarecida, porém, é possível que diferenças na camada endotelial ou nos componentes da parede vascular possam ser contribuitórias (Brennan et al., 1997).

Imediatamente subjacente ao endotélio dos canais linfáticos e vasculares está a zona da membrana basal, uma fina camada eletro-densa ao microscópio eletrônico e constituída de colágeno tipo IV (Leblond, Inoue 1989). Nos espécimes estudados através da imunohistoquímica e microscopia eletrônica mostraram que a membrana basal do vaso linfático não era contínua. Em contraste, os canais vasculares do hemangioma cavernoso são completamente envolvidos por uma camada de colágeno tipo IV. Estas descontinuidades podem parcialmente explicar porque os agentes esclerosantes não são efetivos no tratamento dos linfangiomas. Por outro lado, a descontinuidade da membrana basal permitiu aos agentes esclerosantes permear os tecidos conjuntivos adjacentes, diluindo a concentração desses, tornando-os menos eficazes (Brennan et al., 1997).

A remoção cirúrgica dos linfangiomas é a melhor forma de tratamento, mas a remoção total da lesão nem sempre é possível devido, em muitos casos, a lesão envolver estruturas vitais na sua extensão (Cotran, 1994). Muitos linfangiomas são parcialmente circunscritos o que facilita a remoção cirúrgica. Entretanto, são frequentes as recorrências pós-cirúrgicas (10% a 38%) como resultado da remoção incompleta do tumor (Ricciardelli, Richardson 1991; Fung et al., 1998).

O objetivo com o presente trabalho é descrever dois casos clínicos de linfangioma da cavidade bucal localizados em região de língua.

 

RELATO DE CASOS

Caso clínico 1

Paciente do gênero masculino, 27 anos de idade, leucoderma, procurou tratamento para extensa tumefação assintomática localizada no dorso lingual. Relatou que desde seu nascimento submeteu-se à diversas cirurgias para remoção de lesões na língua e pescoço diagnosticadas como higroma cístico.

O exame físico extrabucal mostrou assimetria cervical e facial, e cicatrizes no pescoço, região cervical esquerda correspondente às cirurgias prévias relatadas (Figura 1a). No exame físico intrabucal observou-se aumento de volume nodular, séssil, lobulado, de superfície vesicular de cor rosa pálida e consistência firme no bordo lateral esquerdo, superfície ventral e dorsal da língua, com aproximadamente 50 mm x 30 mm de diâmetro (Figuras 1b e 1c). O diagnóstico clínico foi de linfangioma recorrente, considerando-se sua história pregressa.

 

 

Caso clínico 2

Paciente do gênero feminino, 22 anos de idade, leucoderma, procurou atendimento odontológico queixando-se de aumento de volume no dorso da língua. A lesão apresentava-se assintomática e, segundo o paciente, havia surgido após forte mordida no local há aproximadamente 12 anos.

O exame físico extrabucal não mostrou alterações faciais. No exame físico intrabucal, observou-se aumento de volume nodular no dorso da língua anteriormente ao V lingual, medindo aproximadamente 15 mm de diâmetro, de coloração rósea, base séssil, de superfície vesicular e firme à palpação (Figura 2a). O diagnóstico clínico presuntivo consistiu nas hipóteses de linfangioma e leiomioma.

 


 

A paciente foi submetida à biópsia excisional e o exame anatomo-patológico revelou uma proliferação de vasos linfáticos de pequeno e médio calibre, contendo linfa no seu interior (Figuras 2b, 2c e 2d). O reparo tecidual transcorreu normalmente e a paciente permanece em acompanhamento clínico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O prognóstico é favorável para a maioria dos pacientes portadores de linfangiomas, embora as grandes lesões localizadas no pescoço ou na base de língua possam determinar obstrução das vias aéreas. Na maior parte dos casos, linfangiomas pequenos não causam incapacidade física, estética e funcional. No entanto, estas lesões devem ser tratadas, pois, tendem a evoluir.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha. Entretanto, as lesões podem mostrar recidivas após sua remoção, cuja tendência parece crescer com o aumento da idade do paciente. Enfatiza-se, portanto, o diagnóstico e o tratamento precoce, pois, minimizam as complicações decorrentes destas lesões, em relação à adaptação funcional e estética do indivíduo.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
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Recebido em: 02/12/2008
Aprovado em: 01/03/2010