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Stomatos

versão impressa ISSN 1519-4442

Stomatos vol.16 no.31 Canoas Jun./Dez. 2010

 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Laser de baixa potência no tratamento da síndrome da ardência bucal: relato de caso clínico

 

Low-level laser in the treatment of the burning mouth syndrome: a clinical report

 

 

Thays Almeida AlfayaI; Patrícia Nivoloni TannureII; Roberta BarcelosIII; Marília Heffer CantisanoIV; Cresus Vinicius Depes GouvêaV

IAluna do curso de especialização em Estomatologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
IIMestre e Doutoranda em Odontologia (Odontopediatria) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
IIIProfessora Adjunto da Universidade Federal Fluminense (FOUFF/PUNF)
IVProfessora Adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
VProfessor Titular da Universidade Federal Fluminense (FOUFF/Niterói)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Síndrome da Ardência Bucal é uma afecção intra-oral dolorosa complexa caracterizada pela sensação de queimação da mucosa bucal. Este trabalho objetiva apresentar o relato de uma paciente, sexo feminino, 87 anos de idade, leucoderma que compareceu ao o serviço de Estomatologia de Universidade pública de ensino superior em Odontologia do Rio de Janeiro – RJ com a queixa de queimação em língua há um ano sem nenhum fator iniciador, porém com aumento da intensidade ao consumir alimentos ácidos e ao longo do dia. Na anamnese referiu não apresentar desordens metabólicas ou fazer uso de medicamentos e no exame físico não foram observadas alterações orais que justificassem o quadro de ardência. A hipótese diagnóstica foi de síndrome da ardência bucal, confirmada através da ausência de achados clínicos e de alterações nos exames sorológicos solicitados. A conduta consistiu em aplicações de laser de baixa potência de forma pontual e em varredura na língua durante dois meses (15 sessões), período em houve estabilização do quadro, e remissão significativa do sintoma (escala visual analógica inicial = 8 e final = 2). Desta forma, o laserterapia mostrou-se uma alternativa terapêutica eficaz no tratamento deste caso de Síndrome da Ardência Bucal e ressalta-se a importância da exclusão de outras morbidades antes de concluir o diagnóstico desta entidade.

Palavras-chave: Síndrome da Ardência Bucal, Manifestações Bucais, Terapia a Laser de Baixa Intensidade


ABSTRACT

The Burning Mouth Syndrome is complex and painful intra-oral affection characterised by burning sensation of oral mucosa. This study is aimed at reporting a case of a 87-year-old Caucasian female patient who attended the stomatology service, at a public university in Rio de Janeiro, complaining that her tongue was "burning" for more than one year despite the absence of a cause, although such a sensation worsened during consumption of acid food as well as over the day. In the anamnesis, she reported no metabolic disorders or use of medications, and no oral alteration explaining such burning symptoms was observed on clinical examination. The diagnostic hypothesis was burning mouth syndrome, which was confirmed because of the absence of both clinical findings and serological changes in the exams. The procedure consisted of applying low-level laser on the tongue in punctual and scanning modes during two months (15 sessions), period in which the clinical picture become stable and significant remission of the symptom was observed (initial and final analogical visual scales = 8 and 2, respectively). In this way, laser therapy was shown to be an efficient therapeutic alternative in the treatment of the present case of Burning Mouth Syndrome, thus emphasising the importance of ruling out other morbidities prior to considering the diagnosis of this condition.

Key-words: Burning Mouth Syndrome, Oral Manifestations, Laser Therapy, Low-Level


 

 

INTRODUÇÃO

A Síndrome da Ardência Bucal é uma afecção intra-oral dolorosa e complexa (Drage, Rogers, 2003; Siqueira, Siqueira, 2006; Siqueira, Siqueira, 2009) caracterizada pela sensação de queimação da mucosa bucal (Siqueira, Siqueira, 2006; Nery et al., 2004), na região de língua, palato, gengiva e mucosa jugal (Siqueira, Siqueira, 2006), sem que uma causa física possa ser detectada (Nery et al., 2004; Miziara et al., 2009; Neville et al., 2009). Afeta de 2 a 3% da população com predominância pelo gênero feminino no período da menopausa (Siqueira, Siqueira, 2006; Neville et al., 2009). O paladar alterado ou diminuído pode acompanhar esta morbidade (Neville et al., 2009). A intensidade dos sintomas pode aumentar ao longo do dia (Neville et al., 2009) e torna-se exacerbado pela dieta alimentar – alimentos condimentados, ácidos (Brugnera-Júnior et al., 2004) e líquidos quentes (Neville et al., 2009) – e pode ser acompanhada de outros sintomas como xerostomia e disgeusia (Cibirka et al., 1997; Patton et al., 2007).

Apresenta etiologia incerta (Nery et al., 2004; Patton et al., 2007; Brufau-Redondo et al., 2008), podendo haver fatores somáticos e neuropáticos envolvidos (Siqueira, Siqueira, 2006), assim como os psicogênicos, como ansiedade e depressão (Nery et al., 2004). O diagnóstico é realizado pela exclusão de outras morbidades (Drage, Rogers, 2003; Brufau-Redondo et al., 2008) que poderiam causar o mesmo sintoma e deve ser baseado na Classificação da Sociedade Internacional de Cefaléia (2004). Os seguintes critérios devem ser considerados durante o diagnóstico: (A) dor na boca presente diariamente e persistindo a maior parte do dia; (B) a mucosa oral com aparência normal; (C) exclusão de doenças locais e sistêmicas. Secura subjetiva da boca, parestesias e alteração no paladar podem ser sintomas associados (The International Classification of Headache Disorders: 2nd edition, 2004).

Já o prognóstico é considerado variável, uma vez que determinados pacientes podem apresentar a remissão da sintomatologia, enquanto outros mantêm os sintomas pelo resto da vida (Neville et al., 2009). O tratamento consiste na terapêutica com a finalidade de exclusão de outras morbidades como infecções fúngicas, bacterianas e inflamatórias, quadro de desnutrição e para isso utiliza-se de fármacos como, antifúngicos, antihistamínicos, antibacterianos, reposição vitamínica, mineral (Siqueira, Siqueira, 2006). Analgésicos, benzodiapínicos, antidepressivos tricílicos podem ser utilizados no controle da dor e em quadros de ansiedade (Siqueira, Siqueira, 2006).

Terapias alternativas, como o uso do laser de baixa potência, têm sido preconizadas (Brugnera-Júnior et al., 2004; Catão, 2004), devido aos resultados satisfatórios observados em estudos clínicos em que não houve resolução do quadro com outras terapias. A aplicação do laser de baixa potência tem mostrado efeitos de bioestimulação, analgesia, ação antiinflamatória, e antiedematosa (Catão, 2004), causando mudanças de caráter metabólico, energético e funcional, favorecendo um aumento da resistência e vitalidade celular e como conseqüência comum o possível retorno a normalidade (Catão, 2004). Seu sucesso terapêutico se deve a correta indicação, dosimetria empregada e dos cuidados prévios no sítio de aplicação (Brugnera-Júnior et al., 2004).

Dessa maneira, este trabalho objetiva apresentar o relato do caso de uma paciente portadora de Síndrome da Ardência Bucal em que se utilizou como conduta a laserterapia de baixa potência, A terapia com laser apresentou resultados positivos com a significante redução da sintomatologia e melhora da qualidade de vida da paciente.

 

RELATO DO CASO CLÍNICO

Paciente de 87 anos, sexo feminino, leucoderma, compareceu a Clínica de Estomatoloiga de intsituição pública de ensino superior com a queixa de queimação em língua há um ano, associada a presença de xerostomia. A paciente não relatou associação há um fator iniciador porém, sentia um aumento da intensidade da queimação ao consumir alimentos ácidos e ao longo do dia.

Na anamnese referiu não apresentar desordens metabólicas ou fazer uso de medicamentos. Ao exame físico observou-se língua saburrosa e atrofia das papilas filiformes, sem alterações em outros sítios da cavidade oral. A paciente era usuária de prótese total superior e inferior há 40 anos, tendo a atual 5 anos e mostrava-se em boas condições e adaptada. Mensurou-se a intensidade da dor pela escala visual analógica (0-10) (Pimenta, 2001; Teixeira, Yeng, 2007), e a mesma referiu apresentar um quadro de ardência compatível com 8 na consulta inicial.

Diante da ausência de alterações orais, a hipótese diagnóstica inicial foi de síndrome da ardência bucal, confirmada através de exames laboratoriais (hemograma completo + VHS; glicemia de jejum; creatinina; uréia; dosagem de T3, T4, TSH, estrogênio, progesterona e testosterona; fator reumatóide, Anti-Ro/SSA, Anti-La/SSB). Os resultados mostraram-se dentro da normalidade, compatíveis com a idade/sexo, e foram utilizados a fim de descartar desordens como anemia, diabetes, distúrbios hormonais e doenças auto-imunes. A abordagem terapêutica consistiu em:

a. Orientação sobre os possíveis fatores de desencadeantes, como os presentes na dieta alimentar. Recomendou-se a ingestão de pelo menos dois litros de água/dia e a realização da higiene bucal periódica

b. Aplicação de Laser de baixa potência – realizou-se aplicações de forma pontual no ápice lingual (cada área recebeu uma aplicação de laser a cada sessão) e em varredura (em toda a extensão lingual). As aplicações eram precedidas por uma cuidadosa limpeza da região que era mantida seca. Foram realizadas quinze sessões com dosagens variando entre 80-100 J/cm², irradiância de 100mW/cm2 e potência de 30W. O aparelho de laser infravermelho utilizado foi da marca DMC, modelo Ultra Blue IV, e de 830nm de comprimento de onda. As aplicações foram realizadas duas vezes por semana com intervalo de 72 horas entre cada aplicação.

c. Tratamento multidisciplinar: a paciente foi encorajada a iniciar tratamento no setor de Psicologia.

A paciente era reavaliada clinicamente e, a cada semana, respondia a escala visual analógica como parâmetro quantitativo comparativo da sensação ardência. Após dois meses de tratamento, a paciente referia-se ao índice 2, apresentava estabilização do quadro, alívio da sensação de xerostomia (atribuída a orientação da ingestão de líquido). Relatou ainda uma melhora significativa na qualidade de vida já que podia alimentar-se sem desconforto. A mesma continua em acompanhamento no setor da Estomatologia, sendo reavaliada a cada quinze dias.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O laser de baixa potência mostrou-se uma alternativa terapêutica eficaz no caso descrito de SAB, o que pode estar relacionado a uma produção aumentada de β-endorfinas, controle da produção de prostaglandina e biostimulação das fibras musculares.

Nenhum tratamento para a SAB é considerado curativo. Destaca-se, dessa maneira, o papel do profissional da área da saúde no entendimento e acolhimento do paciente, com apoio e atenção durante as consultas, influenciando a regressão do quadro.

O paciente deve ser orientado sobre os possíveis tratamentos, sua finalidade e os resultados esperados. O cirurgião-dentista muitas vezes é o responsável fundamental na melhora dos sintomas da SAB. Para isso, uma anamnese bem cuidadosa deve ser realizada, bem como a escolha de uma adequada conduta, e na maioria das vezes, o encaminhamento destes pacientes a outros profissionais a fim de alcançar uma melhora no quadro.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
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