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Stomatos

versão impressa ISSN 1519-4442

Stomatos vol.17 no.32 Canoas Jan./Jun. 2011

 

ARTIGOS CIENTÍFICOS

 

Avaliação da topografia superficial de cerâmicas submetidas a diferentes tratamentos de superfície

 

Evaluation of surface topography of ceramics under different surface treatments

 

 

Juliane Butze1; Maurem Leitão Marcondes2; Luiz Henrique Burnett Júnior3; Ana Maria Spohr4

1Graduanda do Curso de Odontologia (PUCRS).
2Mestre e Doutoranda em Dentística (PUCRS).
3Doutor em Dentística (USP-SP). Professor Adjunto do Curso de Odontologia (PUCRS).
4Doutora em Materiais Dentários (UNICAMP). Professora Adjunta do Curso de Odontologia (PUCRS).

Corresponding Author:

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a topografia da superfície das cerâmicas Noritake, IPS e.max e Cercon quando empregado o jateamento com óxido de alumínio ou o condicionamento com ácido fluorídrico. Foram confeccionadas seis amostras de cada cerâmica (10mm x 10mm x 0,5mm), sendo divididas em três grupos: Grupo 1: sem tratamento de superfície (controle); Grupo 2: jateamento com óxido de alumínio de 50 μm;; Grupo 3: ácido fluorídrico a 10%. As amostras foram metalizadas e observadas em microscópio eletrônico de varredura. O ácido fluorídrico a 10% aumentou a irregularidade superficial das cerâmicas Noritake e IPS e.max, mas não alterou a topografia superficial da cerâmica Cercon. O jateamento com óxido de alumínio aumentou a irregularidade superficial das cerâmicas Noritake, IPS e.max e Cercon. Concluiu-se que o ácido fluorídrico foi efetivo somente para as cerâmicas Noritake e IPS e.max, e o jateamento foi efetivo para as três cerâmicas.

Palavras-chave: cerâmica, ácido fluorídrico, jateamento.


ABSTRACT

The purpose of this study was to evaluate the surface topography of Noritake, IPS e.max and Cercon ceramics after treatment with either airborne aluminum oxide particle abrasion or hydrofluoric acid etching. Six specimens of each ceramic (10mm x 10mm x 0,5mm) were fabricated and randomly divided into three groups: Group 1: without surface treatment (control); Group 2: airborne particle abrasion with 50-μm aluminum oxide; Group 3: 10% hydrofluoric acid etching. The specimens were gold coated and examined using scanning electron microscopy. The 10% hydrofluoric acid increased the surface irregularities of Noritake and IPS e.max ceramics, but did not change the surface topography of Cercon ceramic. Airborne particle abrasion with aluminum oxide increased the surface irregularities of Noritake, IPS e.max and Cercon ceramics. It was concluded that hydrofluoric acid was effective only for Noritake and IPS e.max ceramics, and airborne particle abrasion was effective for the three ceramics.

Keywords: ceramic, hydrofluoric acid, airborne particle abrasion.


 

 

INTRODUÇÃO

As cerâmicas odontológicas são consideradas materiais restauradores altamente estéticos pelo fato de simularem as características estéticas da dentição natural. Outras características desejáveis incluem estabilidade química, biocompatibilidade, alta resistência à compressão e coeficiente de expansão térmico similar ao da estrutura dentária. Apesar de todas as vantagens, as cerâmicas são frágeis sob tensão (McLean, Hughes, 1965; Jones, 1985; Van Noort, 1994). Essa baixa resistência à tração é atribuída à presença e propagação de microfendas presentes na superfície do material, tornando a cerâmica mais suscetível à fratura durante o procedimento de cimentação e sob força oclusal (McLean, Hughes, 1965; Jones, 1985; Van Noort, 1994). Como alternativa, foi desenvolvida a restauração metalocerâmica, que combina a resistência do metal com a estética da cerâmica (Brecker, 1965; Dunworth, 1958). No entanto, o núcleo metálico reduz a translucidez da restauração, podendo comprometer a estética.

McLean e Hughes (1965) desenvolveram a primeira cerâmica reforçada em 1965 através da mudança na composição da fase cristalina com a adição de cristais de alumínio. Subsequentemente, a introdução de cerâmicas com diferentes composições, combinadas com o uso de novas técnicas laboratoriais, resultaram em melhorias nas propriedades mecânicas e aumentou a resistência dessas restaurações, permitindo a confecção de próteses unitárias e próteses fixas sem infraestrutura metálica (Hondrum, 1992).

Não somente a resistência intrínseca da cerâmica é importante para o sucesso clínico da restauração, mas também o procedimento de cimentação. As restaurações
de cerâmica reforçada podem ser cimentadas com fosfato de zinco, ionômero de vidro, ou cimentos resinosos. Quando cimentos de fosfato de zinco ou ionômero de vidro são usados, certa retenção mecânica entre a restauração e o preparo faz-se necessário. Cimentos à base de água trabalham, sobre tudo, sob força friccional. Por outro lado, quando a retenção mecânica está comprometida, materiais adesivos para cimentação são recomendados (Anusavice, 1996; Borges et al., 2003).

No caso da cimentação adesiva, é recomendado algum tratamento da superfície interna da restauração para otimizar a união micromecânica entre a cerâmica e a resina. Para a cerâmica feldspática, tanto o condicionamento com ácido fluorídrico como o jateamento com partículas de óxido de alumínio são efetivos (Kato et al., 1996; Sem et al., 2000). No entanto, estudos prévios mostraram que, dependendo da composição da cerâmica, o condicionamento com ácido fluorídrico, assim como o jateamento com óxido de alumínio, não são efetivos (Borges et al., 2003; Kern, Thompson, 1995; Ozcan et al., 2001).

O objetivo deste estudo foi avaliar a topografia da superfície de três diferentes cerâmicas quando empregado o condicionamento com ácido fluorídrico ou o jateamento com óxido de alumínio.

 

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão Científica e de Ética da Faculdade de Odontologia da PUCRS sob o protocolo de número 0080/08.

Foram empregados, neste estudo, os materiais descritos no Quadro 1.

 

 

 

Para cada cerâmica, foram obtidas seis amostras com aproximadamente 10mm de comprimento, 10mm de profundidade e 0,5mm de espessura. Estas amostras foram confeccionadas de acordo com as recomendações dos fabricantes e em laboratórios de prótese dentária que trabalham com as respectivas cerâmicas. Uma das superfícies da amostra foi manualmente polida com lixas de carbeto de silício nas granulações de 600, 1000 e 12000, sendo então divididas, aleatoriamente, em três grupos:

Grupo 1: as amostras não receberam tratamento superficial, servindo este grupo como controle.

Grupo 2: as amostras foram jateadas com partículas de óxido de alumínio de 50 μm com pressão de 4 bars, durante 5 segundos, a uma distância de aproximadamente 5mm da superfície da cerâmica, seguido de lavagem com jato de ar e água por 30 segundos.

Grupo 3: na superfície das amostras foi aplicado o ácido fluorídrico a 10%, durante 2 minutos, para a cerâmica Noritake e Cercon, e, durante 20 segundos, para a cerâmica IPS e.max. O ácido foi lavado com jatos de ar e água por 30 segundos, seguido de secagem com jato de ar.

As amostras foram lavadas em água destilada sob ultra-som por 10 minutos, seguido de secagem com jato de ar.

Cada amostra foi posicionada sob stubs metálicos com auxílio de fita de carbono e mantida em dissecador por uma semana. Decorrido este período, as amostras foram metalizadas com uma fina camada de liga ouro-paládio sob alto vácuo (Balzers- sputer coater, Alemanha) e levadas para observação em microscópio eletrônico de varredura (Philips XL 30, Philips Electronic Instruments Inc., Mahwah, NJ, EUA) em aumentos de 3.000 vezes para avaliação da superfície da cerâmica.

Foram observadas as imagens obtidas de cada amostra evidenciando a topografia superficial, sendo, então, realizada uma análise descritiva e qualitativa das características de cada superfície.

 

RESULTADOS

Para a cerâmica feldspática Noritake, observou-se que o jateamento da superfície com partículas de óxido de alumínio (Figura 2), assim como o condicionamento com ácido fluorídrico (Figura 3), causou um aumento da rugosidade superficial da cerâmica em comparação com o grupo controle (Figura 1). Com o jateamento houve a formação de irregularidades em forma de cunha, e com o ácido fluorídrico ocorreu a formação dos característicos “favos-de-mel”.

 

 

 

 

 

 

 

Para a cerâmica IPS e.max, o condicionamento com jateamento (Figura 5), assim como com o ácido fluorídrico (Figura 6), também alteraram a superfície da cerâmica em relação ao grupo controle (Figura 4). O jateamento causou irregularidades em forma de cunha, e o ácido fluorídrico expôs os cristais de di-silicato de lítio, os quais podem ser observados em maior aumento (Figura 7).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a cerâmica Cercon, o jateamento com óxido de alumínio (Figura 9) aumentou a rugosidade superficial da cerâmica em comparação ao grupo controle (Figura 8). No entanto, o condicionamento com ácido fluorídrico (Figura 10) não modificou a topografia superficial.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A retenção micromecânica da superfície da cerâmica é muito importante para a união com o material resinoso. A resina sem carga e o cimento resinoso são aplicados na superfície da cerâmica tratada. A penetração e a polimerização in situ da resina na cerâmica é responsável pela união do cimento resinoso à restauração de cerâmica (Ozcan et al., 2001; Awliya et al., 1998).

Os laboratórios protéticos geralmente utilizam o jateamento com partículas de óxido de alumínio de 100 μm para remover os restos de material refratário que é utilizado durante o processo de confecção da peça em cerâmica. Portanto, quando o profissional recebe a restauração em cerâmica, a superfície interna da mesma tende a apresentar algum padrão de irregularidade em virtude deste jateamento (Borges et al., 2003). Para eliminar estas possíveis irregularidades e obter uma superfície lisa, foi realizado polimento da superfície a ser analisada com lixas de carbeto de silício, sendo que esta serviu como controle e padrão de comparação para se observar o quanto os tratamentos de superfície são efetivos sobre a cerâmica. No presente estudo, jateamento adicional com partículas de óxido de alumínio de 50 μm foi realizado, sendo este um tratamento mecânico da superfície de materiais com objetivo de promover alteração topográfica e melhorar a união micro-mecânica com os materiais de cimentação.

Tanto para a cerâmica Noritake como para a IPS e.max, o jateamento alterou a superfície, formando depressões em forma de cunha. Para a cerâmica Cercon, o jateamento também causou irregularidades, porém essas foram mais rasas em comparação com as cerâmicas Noritake e IPS e.max. Isto pode ser devido ao alto conteúdo de zircônica da cerâmica Cercon, o que torna essa superfície mais dura e mais resistente aos impactos das partículas de óxido de alumínio. Resultados semelhantes foram encontrados para as cerâmicas In-Ceram Alumina e Procera em relação ao jateamento com óxido de alumínio (Kern, Thompson, 1995; Awliya et al., 1998).

O ácido fluorídrico a 10% mudou a superfície da cerâmica feldspática Noritake, criando topografia irregular. Isto ocorreu porque o ácido fluorídrico reage com a sílica presente na cerâmica feldspática, formando os hexafluorsilicatos (Thurmond et al., 1994; Chen et al., 1998). Esses hexafluorsilicatos são removidos durante a lavagem com água, formando as irregularidades parecidas com os favos-de­mel, sendo esta topografia bastante micro­retentiva (Chen et al., 1998).

Quando a cerâmica IPS e.max foi tratada com ácido fluorídrico, os cristais de di-silicato de lítio foram expostos. De acordo com Höland et al. (2000) a principal fase cristalina dessa cerâmica é formada pelos cristais alongados de di-silicato de lítio. Uma segunda fase é composta pelos cristais de ortofosfato de lítio, e uma matriz vítrea envolve estas duas fases cristalinas. O ácido fluorídrico é capaz de remover a matriz vítrea e os cristais de ortofosfato de lítio, obtendo-se então irregularidades entre os cristais de disilicato de lítio. Esta cerâmica foi condicionada pelo tempo de 20 segundos, de acordo com as recomendações do fabricante, sendo este o tempo necessário para remoção da matriz vítrea e exposição dos cristais.

O ácido fluorídrico não mudou a superfície da cerâmica Cercon. Isto ocorreu porque esta cerâmica contém alto conteúdo de zircônia, não contendo matriz vítrea. Portanto, o ácido fluorídrico não tem efeito sobre a superfície desta cerâmica, pois a matriz vítrea, que contém sílica, é a única fase capaz de ser condicionada pelo ácido.

Este estudo mostrou que a eficiência do tratamento de superfície depende da composição da cerâmica. O condicionamento com ácido fluorídrico e o jateamento com óxido de alumínio formaram padrões de irregularidades diferentes. No caso da cerâmica feldspática Noritake, o ácido fluorídrico causou uma topografia superficial mais favorável para a união micromecânica, sendo comprovado pelos maiores valores de resistência de união entre a cerâmica e o agente de cimentação (Shahverdi et al., 1998). O mesmo aconteceu com a cerâmica IPS e.max, sendo que o ácido fluorídrico é mais eficiente na promoção do aumento da união entre a cerâmica e o material de cimentação em comparação com o jateamento (Spohr et al., 2003). Em relação à cerâmica Cercon, apenas o jateamento com óxido de alumínio favoreceu ao aumento da irregularidade superficial.

 

CONCLUSÕES

O ácido fluorídrico a 10% aumentou a irregularidade superficial das cerâmicas Noritake e IPS e.max, não sendo efetivo sobre a cerâmica Cercon.

O jateamento com óxido de alumínio aumentou a irregularidade superficial das cerâmicas Noritake, IPS e.max e Cercon.

 

REFERÊNCIAS

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Van Noort R. Introduction to dental materials. St. Louis: Mosby; 1994. p.201–14.

 

 

Corresponding Author:
Maurem Leitão Marcondes
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