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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.9 no.2 Recife Abr./Jun. 2010

 

ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICE

 

Fumo e álcool como fatores de risco para o câncer bucal

 

Tobacco and alcohol as risk factors for buccal cancer

 

 

Gildeon Lima SantosI; Valéria Souza FreitasII; Maria da Conceição AndradeIII; Márcio Campos OliveiraIV

ICirurgião Dentista
IIProf. Ms da disciplina Odontologia Preventiva e social IV do curso de Odontologia da Universidade Estadual de Feira de Santana e Doutoranda em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IIIDoutora em Patologia Oral e Profª. de Histologia e Embriologia da Universidade de Pernambuco (UPE)
IVDoutor em Patologia Oral, Prof. do Curso de Odontologia e do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Coordenador do Núcleo de Câncer Oral (NUCAO) – UEFS e Tutor do Programa de Educação Tutorial (PET) – Odontologia - UEFS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O câncer de boca é uma doença de múltiplas causas, em que o tabagismo e o etilismo são apontados como principais fatores etiológicos. O objetivo deste trabalho é o de avaliar a frequência de tais hábitos em pacientes com histórico de câncer na região de boca e orofaringe que foram acompanhados no Centro de Referência de Lesões Bucais (CRLB) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia no período de fevereiro a setembro de 2005. Metodologia: este trabalho consiste numa análise retrospectiva em que foram consultados os prontuários dos pacientes atendidos no período de fevereiro a setembro de 2005 e, naqueles que apresentaram histórico de câncer, tratado ou instalado, os dados foram colhidos. Resultados: mais de 60% dos homens eram etilistas e tabagistas. A proporção de mulheres que apresentaram a doença sem, contudo, haver associação com hábitos foi de mais de 30%, superando e muito a encontrada para os homens, que foi de 8,%. Conclusão: a maioria dos pacientes incluídos no estudo era do sexo masculino, fumantes e etilistas.

Descritores: Câncer de Boca. Fator de Risco. Prevenção.


ABSTRACT

Mouth's cancer has multiple etiologies where tobacco smoking and alcohol drinking are the main etiological factors. The objective of this work is to determine the frequency of these two habits in patients with history of cancer in the oral cavity and oropharinx. These patients had been receiving treatment within of the Reference Center of Oral Lesions at the State University of Feira de Santana, Bahia, Brazil during February to September, 2005. Method: A retrospective studies was conducted, using the medial records of the patients who had histories of mouth and oropharinx cancer and had been treated or were awaiting treatment. Results: more than 60% of the male patients were heavy drinkers and tobacco smokers. More than 30% of the women with cancer, neither smoked tobacco nor drank alcohol. Whereas, in men only 8% of the patients affected, did not smoke or drank alcohol. Conclusion: The majority of the patients were males, tobacco smokers and alcohol users.

Keywords: Mouth Cancer. Risk Factors. Prevention.


 

 

INTRODUÇÃO

Câncer é a terminologia dada a um conjunto de mais de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004)1.

O câncer oral é o 6º tipo de câncer mais comum em todo o mundo (HUMPHRIS et al. 2004)2, sendo no Brasil o 3º tipo mais comum entre os homens, e o 6º entre as mulheres (MINISTERIO DA SAÚDE, 2004)1. Em nível mundial o câncer oral é responsável por cerca de 5% dos casos notificados em homens e de cerca de 2% dos casos notificados em mulheres (RAHMAN et al, 2004)3 A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera esta doença a forma mais comum de neoplasia de cabeça e pescoço, com aproximadamente 390.000 novos casos a cada ano (TOPORCOV et al, 2004)4. O carcinoma de células escamosas da cavidade oral e orofaringe representa 2% de todos os casos de câncer registrados no mundo, e em 50% desses casos os pacientes vão a óbito devido a complicações da doença (GROSKY et al, 2004)5. São muitos os fatores relacionados com sua etiologia, porém o etilismo e o tabagismo são descritos como os maiores responsáveis pelo desenvolvimento do câncer de boca.

Segundo LLEWELLYN et al. (2004)6, o papel do álcool como fator de risco ainda não está bem esclarecido, contudo efeitos significativamente diferentes em relação aos sexos foi observado, e elevado risco foi apontado para mulheres que bebem com regularidade desde os 18 anos. Além disso, constataram também que, para os homens que começaram a fumar aos 16 anos o risco aumentava em 50%.

Em muitos países, o câncer labial é a forma mais comum do câncer oral, estando sua etiologia associada com exposição solar, sendo mais frequente em homens brancos e no lábio inferior (LUNA-ORTIZ et al. 2004)7. Moore et al. (1999)8 apontaram maior incidência entre pessoas que trabalham ao ar livre, sendo considerados grupos de risco agricultores, pescadores e lavradores. Os carcinomas da cavidade oral e orofaringe são raros em pacientes jovens, contudo Bill et al. (2001)9 trazem um relato de caso em que um paciente de 14 anos manifesta a doença.

O tratamento desse tumor depende, de um modo geral, da localização, do grau histológico, do estadiamento e das condições físicas do paciente (LOPES et al. 1998)10. As formas de tratamento, paliativo ou curativo, são distribuídas nas modalidades quimioterapia, radioterapia e cirurgia, podendo ser associadas (BARACH et al. 2004)11.

A prevenção da doença é reconhecidamente um fator importante na redução dos índices, contudo o nível de conhecimento da população ainda é muito baixo (HUMPHRIS et al, 2004)2. O diagnóstico precoce é importante para melhorar o padrão de sobrevida e preservar a função e a estética (LLEWELLYN et al. 2004)6.

Moore et al. (1999)8 encontraram um menor índice de câncer de boca entre membros de grupos religiosos, o que foi atribuído ao baixo consumo de álcool e fumo por estas pessoas. Toporcov et al. (2004)4, apontaram como principais fatores de proteção ao desenvolvimento da doença uma dieta rica em vegetais, frutas frescas, chás de ervas, maçã, manteiga ou margarina, leite e sucos. Humphris et al. (2004)2, em estudo com 944 pacientes, concluíram que a conscientização dos fumantes quanto aos riscos do fumo, no que tange ao desenvolvimento do câncer de boca, pode ser aumentada com a utilização de materiais informativos.

O objetivo deste trabalho é o de apresentar dados acerca dos hábitos pessoais e sua relação com o desenvolvimento do câncer de boca e orofaringe em pacientes oncológicos atendidos no Centro de Referência de Lesões Bucais da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), no período de fevereiro a setembro de 2005.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma revisão de prontuários dos pacientes atendidos no CRLB, no período de fevereiro a setembro de 2005. Foram selecionados os pertencentes aos pacientes que foram ou seriam submetidos ao tratamento do câncer de boca ou de orofaringe, somando um total de 21 pacientes acompanhados com histórico da doença durante esse período. Foram incluídos no estudo apenas os pacientes encaminhados dos centros de tratamento oncológico e que já estavam sendo submetidos ao tratamento e os casos com confirmação histológica e que iniciaram o tratamento odontológico prévio à terapia antineoplásica.

Os prontuários foram revisados por um único examinador que coletou informações a respeito de idade, sexo, ocupação e hábitos de alcoolismo e etilismo. Esses dados foram anotados em uma ficha desenvolvida pelo próprio examinador e, posteriormente, tabulados no programa Ofice Excel. Este trabalho de pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UEFS.

 

RESULTADOS

Dentre os 21 pacientes estudados, 9 (42,9%) eram do sexo feminino e 12 (57,1%), eram do sexo masculino. A idade entre as mulheres variou de 21 a 77 anos, sendo a média das idades de 50,1 anos, enquanto que para os homens, a idade variou entre 44 e 78 anos, sendo a idade média de 62,1 anos.

Foi observado na amostra em estudo que 16 (76,1%) possuíam experiência precedente com tabaco, e 13 (61,9%) possuíam experiência precedente com álcool (tabela 1).

 

 

Dentre as mulheres, 6 (66,6%) admitiram o uso do tabaco e 4 (44,4%), o uso do álcool. Dentre os homens, 10 (83,3%), admitiram experiência com o tabaco e 9 (75%), admitiram experiência com álcool.

Foi observado, contudo, que dentre os que admitiram possuir os hábitos mencionados, todos informaram tê-los abandonados (tabela 2). Com relação ao tabagismo, 10 informaram ter abandonado o hábito há menos de 10 anos, 5 há mais de 10 anos e 1 não soube informar. Quanto ao alcoolismo, 8 relataram ter abandonado o hábito há menos de 10 anos, 3 relataram ter abandonado há mais de 10 anos, e 2 não souberam informar.

 

 

O tabagismo associado ao etilismo foi relatado por 4 (44,4%) das mulheres; apenas o tabagismo foi relatado por 2 (22,2%) das mulheres nenhuma relatou o etilismo de forma isolada, e 3 (3,33%) não apresentavam associação com nenhum desses hábitos. Dentre os homens a associação entre álcool e fumo foi observada em 8 (66,6%) apenas o etilismo foi observado em 1 (8,3%) apenas o tabagismo foi observado em 2 (16,66%), e a não experiência com esses hábitos foi relatada por apenas 1 (8,3%) paciente (tabela 3).

 

 

DISCUSSÃO

Llewellyn et al. (2004)6, em um estudo com uma amostra de 116 pacientes com câncer de boca, e um grupo controle composto por 207 pacientes, chegaram à conclusão de que apesar do aspecto multifatorial da doença, o fumo e o álcool são os fatores de maior potencial carcinogênico. Esses autores observaram que 47% das mulheres e 48% dos homens acometidos eram fumantes antes do diagnóstico. Em nosso estudo, apesar da diferença quantitativa na amostra analisada, observamos que 83% dos homens e 66% das mulheres possuíam uma história pregressa de tabagismo.

Assim como Grosky et al. (2004)5, observamos uma maior proporção de homens com a doença, 57% da nossa amostra. Devido a questões sociais, os homens estão mais envolvidos com os fatores de risco, como o álcool e o fumo, do que as mulheres, justificando-se, assim, a maior proporção de homens acometidos pela doença. Em alguns estudos como o realizado por Moore et al. (1999)8, com populações nas quais o consumo de bebidas alcoólicas e o hábito de fumar são de uma forma geral baixos os índices de câncer de boca entre homens e mulheres são equivalentes.

Dentre os pacientes acompanhados com histórico de câncer de boca e orofaringe atendidos no CRLB, no período de fevereiro a setembro de 2005, pôde-se observar a presença do hábito do tabagismo e, principalmente, a associação entre fumo e álcool. Nossos achados estão de acordo com o que foi observado por Llewellyn et al. (2004)6, os quais observaram que 63% das mulheres e 78% dos homens eram fumantes ou ex-fumantes no momento do diagnóstico. Além disso, constataram também que para os homens que começaram a fumar aos 16 anos o risco aumentava em 50%, sendo, portanto, estes os maiores fatores de risco ao desenvolvimento desses tipos de neoplasias.

Dois importantes fatores no caso dos pacientes que abandonaram os hábitos prejudiciais são os tipos de consumo que faziam e o período de abandono dos hábitos. Grosky et al. (2004)5, estudando um grupo de 322 pacientes com a doença, puderam observar que 235 eram fumantes no momento do diagnóstico, dos quais seis eram usuários de cachimbo, e os demais eram, de cigarro. Dentre estes, 78% fumavam mais de 20 cigarros por dia. Quanto ao consumo de álcool, de um total de 140 pacientes que admitiram consumir bebidas alcoólicas, 75% admitiram ingerir mais de quatro doses por dia. Em nossa amostra, a maior parcela dos pacientes (62,5%) era considerada fumante, pois abandonou o hábito há menos de 10 anos, e 61,53% haviam abandonado o hábito de ingerir bebidas alcoólicas também há menos de 10 anos. Em sua maioria os pacientes abandonaram o hábito por circunstâncias da descoberta da doença.

Mediante as dimensões desse problema de saúde pública e frente aos seus efeitos devastadores, faz-se necessária uma campanha de prevenção para a minimização dos fatores de risco assim como medidas para a detecção precoce do câncer de boca. A forma mais efetiva para se alcançar tal objetivo é através da educação da população, pois conforme afirma Almeida et al. (2005)12, acreditamos que a educação tem papel fundamental na construção da cidadania, tendo em vista que uma pessoa educada zela pelo seu bem-estar e transmite seus conhecimentos. Autores como Almeida et al. (2005)11, vêm desenvolvendo campanhas de popularização do autoexame de boca, tornando-o de conhecimento de diversos profissionais da área da saúde para assim poder ser divulgado a parcelas cada vez maiores da população.

Isso implicará aumento do diagnóstico precoce da doença, tornando o tratamento mais efetivo, minimizando os efeitos colaterais, preservando função, estética e mantendo a qualidade de vida dos pacientes, além do que tornará o tratamento menos oneroso tanto para os pacientes, quanto para os órgãos públicos competentes.

 

CONCLUSÃO

Mediante o que foi apresentado e discutido, pode-se concluir que:

A maioria dos pacientes atendidos no CRLB com histórico de câncer de boca e orofaringe é do sexo masculino.

A maioria apresentava um histórico de tabagismo e/ou etilismo.

Há um maior número de mulheres com histórico da doença sem experiência com o fumo e/ou álcool.

 

REFERÊNCIAS

01. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Nacional de Câncer. Falando sobre câncer e seus fatores de risco. 2. ed. Rio de Janeiro, 1997.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Márcio Campos Oliveira
Rua i, 25 – Cidade Nova – Feira de Santana – Bahia
44032-770 (75) 3224-8350/3224-1285
E-mail: marciopatologiaoral@gmail.com

Recebido para publicação: 06/02/09
Aceito para publicação: 10/05/09