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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.9 no.3 Recife Set. 2010

 

RELATO DE CASO CASE REPORT

 

Rânula mergulhante: relato de caso clínico

 

Plunging ranula: case report

 

 

Elen de Souza TolentinoI; Lívia de Souza TolentinoII; Lílian Cristina Vessoni IwakiIII; Gustavo Jacobucci FarahIII; Liogi Iwaki FilhoIII

IDoutoranda do Curso de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - FOB/USP
IIMestranda do Curso de Odontologia Integrada da Universidade Estadual de Maringá- UEM
IIIProfessores Doutores do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Rânulas são lesões resultantes do extravasamento de saliva da glândula sublingual, sendo usualmente unilaterais e relativamente incomuns. As rânulas bilaterais são raras. Duas variedades de rânula já foram descritas: a rânula oral ou superficial e a rânula mergulhante ou cervical. A patogênese exata dessas lesões ainda é incerta. O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso de rânula oral e mergulhante, presente, simultânea e ipsilateralmente, em uma criança. A possível patogênese e o tratamento cirúrgico do caso nele também são descritos.

Descritores: Rânula. Glândula Sublingual. Cirurgia Bucal


ABSTRACT

Ranulas arise as a result of extravasation of saliva from the sublingual gland. They are usually unilateral and relatively uncommon. Bilateral ranulas are quite rare. Two varieties of ranula have been reported: a superficial or oral ranula and a cervical or plunging ranula. The exact pathogenesis of ranula is still unknown. We report a case of an oral and a plunging ranula presenting synchronously and ipsilaterally in a child. The possible pathogenesis and surgical management of the patient are described. Ranulas arise as a result of saliva's extravasation from the sublingual gland. They are usually unilateral and relatively uncommon. Bilateral ranulas are quite rare. Two varieties of ranula have been reported: a superficial or oral ranula and a cervical or plunging ranula. The exact pathogenesis of ranula is still unknown. We report a case of an oral and a plunging ranula presenting synchronously and ipsilaterally in a child. The possible pathogenesis and surgical management of the patient were described.

Keywords: Ranula.Sublingual Gland. Oral Surgery


 

 

INTRODUÇÃO

Rânulas, termo usado para os mucoceles, que ocorrem no soalho da boca, são pseudocistos resultantes do extravasamento de mucina para os tecidos moles circunjacentes, após ruptura ou obstrução de um ou mais ductos excretores da glândula sublingual1. Apresentam-se como tumefações azuladas, flutuantes, com forma de cúpula, usualmente localizadas à linha média do soalho bucal2.

Uma variante clínica incomum, a rânula mergulhante ou rânula cervical, ocorre quando o extravasamento de mucina disseca o músculo milohioide e produz tumefação no pescoço. A tumefação concomitante no soalho da boca pode ou não estar presente2.

As formas de tratamento para as rânulas incluem marsupialização, excisão da lesão, excisão da glândula sublingual ou combinação de excisão da lesão e da glândula sublingual. Tratamentos que não incluem remoção da glândula envolvida, como incisão e drenagem, excisão apenas da rânula e marsupialização, parecem apresentar altos índices de recorrência3.

O objetivo deste trabalho é o de relatar um caso de rânula oral associada à rânula mergulhante em uma criança de 9 anos assim como discutir a patogênese da lesão e os métodos de tratamento para esses casos, visando alcançar a cura completa dos pacientes.

 

RELATO DE CASO

Paciente T.M.N., 9 anos, gênero feminino, leucoderma, compareceu à Clínica Odontológica da Universidade Estadual de Maringá (UEM), acompanhada da mãe. A queixa era de tumefação na região submandibular esquerda, com duração aproximada de 6 meses. A mãe relatou que acreditava inicialmente tratar-se de uma caxumba. A criança mostrava-se triste, desmotivada, com sono agitado e perda de peso, decorrente de sua condição estética, motivo de grande dificuldade em termos de relacionamento social. Ausência de problemas sistêmicos e antecedentes familiares.

Ao exame físico extrabucal, notou-se a presença de assimetria facial, decorrente de aumento volumétrico assintomático na região submandibular do lado esquerdo, sem alteração na coloração do tecido cutâneo circunjacente, flutuante à palpação e ligeiramente crepitante (Figura 1).

 

 

O exame intrabucal revelou tumefação na região de soalho bucal esquerdo, de coloração azulada, translúcida, indolor, de textura lisa, flutuante e com aproximadamente 4 cm de diâmetro (Figura 2). A mobilidade da língua estava preservada.

 

 

Observou-se ainda que, quando era realizada palpação na região extrabucal, havia um aumento da tumefação intrabucal, mostrando que havia associação entre estas regiões.

A primeira conduta foi a realização de punção aspirativa na tumefação extrabucal, onde foi coletado um material visco-seroso, de coloração levemente amarelada, compatível com material amiloide (amilase salivar) (Figura 3). Com base nos aspectos clínicos, na história atual da doença e na punção aspirativa, a hipótese diagnóstica foi de rânula mergulhante.

 

 

O plano de tratamento consistiu em excisão da rânula e da glândula sublingual esquerda por acesso intrabucal. A paciente foi submetida à cirurgia, sob anestesia geral, em que a lesão intrabucal foi incisada e removida, seguida da excisão da glândula sublingual envolvida. A região de soalho bucal não foi suturada, sendo, apenas, tamponada com gaze furacinada (Figura 4). Após 7 dias, a região de soalho encontrava-se totalmente reparada, e a paciente demonstrava restabelecimento da simetria facial.

 

 

O exame microscópico da peça removida revelou mucosa bucal revestida de epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado hiperplásico. Profundamente, cavidade cística virtual parcialmente revestida de epitélio pseudoestratificado ciliado. Notou-se, ainda, nas áreas de perda de revestimento epitelial, extravasamento de muco relacionado a moderado infiltrado inflamatório mononuclear. Essas características associadas aos achados clínicos confirmaram o diagnóstico.

A paciente está em proservação há 5 anos, sem nenhum indicativo de recidiva.

 

DISCUSSÃO

O termo "rânula" é derivado do latim rana, que significa "rã" e descreve uma tumefação azulada e translúcida no soalho bucal, dita como tendo aspecto de rã4. O extravasamento de muco pode ocorrer ao longo do lobo profundo da glândula submandibular, saindo posteriormente entre os músculos hioglosso e milohioide ou diretamente através da deiscência no músculo milohioide5. Também é sugerido que trauma local dos ductos salivares ou variações anatômicas da glândula sublingual podem estar envolvidos na ocorrência da rânula mergulhante5.

Engel et al. (1987)6 reportaram que uma herniação no músculo milohioide foi encontrada em 45 de 100 cadáveres estudados. A mais comum estrutura herniada é a glândula sublingual, seguida da glândula submandibular, do tecido adiposo e do colesteatoma. É sugerido que a extensão cervical ou submandibular da rânula possa ser facilitada pela herniação no milohioide6.

O diagnóstico diferencial da rânula mergulhante inclui cisto da fenda branquial, cisto dermoide lateral, cisto epidermoide, higroma cístico, laringocele, malformação arteriovenosa, lipoma e neoplasias7. Como testes diagnósticos específicos para essa patologia não são conhecidos, o diagnóstico da rânula mergulhante é baseado na história detalhada, no exame físico e, se necessário, exames de imagem, como tomografia computadorizada e ultrassonografia. Se ainda persistir dúvida no diagnóstico, a punção aspirativa da região pode confirmar a natureza salivar do cisto, com material coletado, contendo altos níveis de amilase e proteína1. No presente caso, a punção da região mostrou que a cavidade cística continha, em seu interior, material de consistência visco-serosa, rico em amilase salivar, confirmando o diagnóstico.

O tratamento preconizado para as rânulas é a cirurgia, incluindo a excisão apenas da rânula, marsupialização ou remoção da rânula e da glândula sublingual simultaneamente6. Este último parece ser o método mais confiável para esses casos, com baixos índices de recidiva5.

O estudo de Yoshimura et al. (1995)8 comparou os 3 métodos mencionados para tratamento de rânulas. Dos 27 pacientes estudados, 24 possuíam rânulas orais e 4 rânulas mergulhantes. Quatro pacientes foram submetidos apenas à excisão da rânula, 16, à marsupialização, e 7, à excisão da rânula e da glândula sublingual. Os resultados demonstraram uma recorrência no grupo submetido à excisão apenas da rânula e 6 recorrências no grupo submetido à marsupialização. O grupo no qual foi realizada excisão da rânula e da glândula sublingual não apresentou nenhuma recorrência8.

Segundo estes autores8, do ponto de vista anatômico, a marsupialização permite que as margens da ferida fiquem em contato, devido ao espaço limitado e movimentos da língua e soalho, acarretando fechamento da ferida (uma vez que o tecido do soalho é facilmente e rapidamente reparado) e novo acúmulo de saliva no local; a remoção apenas da lesão pode acarretar trauma à glândula sublingual; procedimentos de incisão e drenagem proporcionam fácil fechamento da porção incisada, podendo acarretar recidiva. Dessa maneira, este trabalho7 concluiu que o melhor método de tratamento para as rânulas é a excisão da lesão e da glândula envolvida, procedimento que foi adotado no presente caso, em que, por meio de acesso intrabucal, as porções da lesão em soalho e espaço submandibular foram removidas junto à glândula sublingual. A técnica utilizada também proporcionou uma rápida e completa cicatrização assim como preservação das estruturas adjacentes e ausência de sequelas cirúrgicas.

Qualquer tratamento invasivo tem potencial de traumatizar os ductos e o parênquima da glândula salivar, exceto nos casos de remoção da glândula. Dessa maneira, a nossa opção de tratamento para este caso foi viabilizada pelos baixos índices de recorrência já bem documentados na literatura em relação à técnica utilizada e pela ausência de danos ao parênquima glandular ou às estruturas adjacentes, evitando sequelas pós-cirúrgicas e possibilitando cura completa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A remoção da lesão juntamente com a glândula sublingual realizada neste caso corrobora a maioria dos autores que acreditam ser esta a técnica mais segura para evitar a recidiva da rânula mergulhante apresentando prognóstico excelente.

 

REFERÊNCIAS

1. Lin YH, Kao CH. Synchronous contralateral oral and cervical ranula. Otolaryngol Head Neck Surg 2001; 125(4):420-421.         [ Links ]

2. Neville BW, Damm DD, Allen CM. Patologia Oral & Maxilofacial. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2004.         [ Links ]

3. ZhaoYF, Jia J, Jia YL. Complications Associated With Surgical Management of Ranulas. J Oral Maxillofac Surg 2005;63:51-54.         [ Links ]

4. Haberal I, Göçmen H, Samim E. Surgical management of pediatric rânula. Int J Ped Otorhinolaryngol 2004;68:161-163.         [ Links ]

5. Ichimura K, Ohta Y, Tayama N. Surgical management of the plunging ranula: a review of seven cases. J Laryngol Otol 1996;110:554-6.         [ Links ]

6. Engel JD, Harn SD, Cohen DM. Mylohyoid herniation: gross and histologic evaluation with clinical correlation. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1987;63:55-9.         [ Links ]

7. Barnard NA. Plunging ranula: a bilateral presentation. Br J Oral Maxillofac Surg 1991;29:112-3.         [ Links ]

8. Yoshimura Y, Obara S, Kondoh T, et al. A comparison of three methods used for treatment of ranula. Oral MaxilLofac Surg 1995;53:280-282.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Elen de Souza Tolentino
Rua Campos Sales, 255/602
Zona 07 - Maringá-PR
CEP: 87020-080
elen_tolentino@hotmail.com

Recebido para publicação: 18/06/09
Aceito para publicação: 16/09/09