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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.9 no.4 Recife Dez. 2010

 

RELATO DE CASO CASE REPORT

 

Displasia Fibrosa Monostótica: um desafio terapêutico

 

Monostotic Fibrous Dysplasia: a therapeutic challenge

 

 

Carlos Alberto Medeiros MartinsI; Angelo Luiz FreddoII; Fernando Vacilotto GomesIII; Manoel Sant'Ana FilhoIV

ICirurgião-dentista. Especialista, Mestre e Doutorando em CTBMF pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS - Brasil
IICirurgião-Dentista, Especilaista, Mestre e Doutor em CTBMF, Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porte Alegre, RS, Brasil
IIICirurgião-dentista, especianlizando em CTBMF pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS
IV
Professor Titular de Patologia Bucal da FO-PUCRS e UFRGS; Professor do Curso de Especialização em CTBMF da FO-PUCRS.Doutor em Estomatologia pela FO-PUCRS, Porto Alegre, RS - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A displasia fibrosa monostótica é uma condição benigna que se caracteriza pela proliferação e substituição do tecido ósseo por tecido fibroso. Essa doença geralmente inicia-se na infância e progride até a puberdade e adolescência. Relata-se um caso de Displasia Fibrosa Monostótica em um paciente de 15 anos de idade, com aumento de volume assintomático no lado esquerdo do corpo da mandibular que foi tratado cirurgicamente. Por meio de revisão de literatura procurou-se estabelecer critérios de diagnóstico, planejamento e tratamento cirúrgico que norteassem a exérese da displasia fibrosa monostótica nos ossos maxilares.

Descritores: Displasia Fibrosa Monostótica; Mandíbula; Remodelação Óssea.


ABSTRACT

Monostotic Fibrous Dysplasia is a benign fibro-osseous developmental anomaly where only one bone is involved. This disease usually begins in childhood and pr ogresses throughout puberty and adolescence. The present case is a 15 years-old male patient. The patient was concerned about asymptomatic swelling in his left mandible body. The literature review was used to establish diagnostic criteria, planning and treatment in order to guide the monostotic fibrous dysplasia exeresis in the jaws.

Keywords: Fibrous Dysplasia, Monostotic; Mandible; Bone Remodeling.


 

 

INTRODUÇÃO

O primeiro autor a descrever a lesão hoje conhecida como displasia fibrosa foi Von Recklinghausen em 1891; mas foi Lichtenstein, em 1938, que introduziu o termo displasia óssea fibrosa na literatura mundial1.

A displasia fibrosa óssea (DF) é provavelmente uma mal-formação, de caráter benigno, do mesênquima ósseo, que tem seu processo de maturação estacionado no estágio fibroso do desenvolvimento esqueletogênico. É caracterizada pela presença de tecido conjuntivo fibroso com disposição variada junto a trabéculas ósseas imaturas, não lamelares. Esta condição apresenta três padrões clínicos distintos, porém, às vezes superpostos: a forma monostótica, com acometimento de um único osso: costelas, fêmur, tíbia, maxila, mandíbula; a forma poliostótica, quando o paciente apresenta lesões ósseas disseminadas pelo esqueleto; a Síndrome de McCune Albright, com padrão poliostótico associado a pigmentações cutâneas café-com-leite e disfunções endócrinas, especialmente desenvolvimento sexual precoce1.

A displasia fibrosa monostótica apresenta crescimento lento sendo que o paciente muitas vezes não consegue lembrar quando a lesão foi inicialmente percebida. O primeiro sinal clínico é o aumento de volume ou abaulamento dos maxilares, o que pode levar a assimetria facial . A expansão óssea geralmente é coberta por mucosa íntegra de coloração normal. Dificilmente o periósteo é rompido, sendo rara a presença de ulcerações, exceto quando o aumento de volume interfere na oclusão por trauma durante a mastigação2.

Do ponto de vista radiográfico, a displasia fibrosa monostótica dos maxilares é extremamente variável podendo apresentar-se radiolúcida uni ou multilocular , ou ainda com radiopacidade de pouca definição, com aspecto clássico de "vidro despolido "3. Outras características como a alteração da lâmina dura, o estreitamento do ligamento periodontal e o deslocamento superior do canal mandibular com inversão da sua curvatura na região do ângulo da mandíbula, seriam patognomônicos desta lesão4,5.

Quanto ao tratamento, a displasia fibrosa dos maxilares tem seu crescimento estacionado ou diminuído após o início da puberdade e , sendo assim, nas lesões pequenas , realiza-se apenas biópsia de confirmação e acompanhamento periódico6,7. Nas lesões grandes, com deformidade estética ou funcional, pode-se instituir tratamento cirúrgico pela realização de plastia óssea, após a estabilização do crescimento da lesão8. O tratamento da deformidade, na grande maioria dos casos, resume-se a uma cirurgia remodeladora (osteoplastia ou ostectomia corretiva), após a autolimitação da lesão entre os 23 e 30 anos de idade do paciente. Desde o momento do diagnóstico da lesão , até a intervenção cirúrgica, o paciente deve ser acompanhado trimestralmente, indicando-lhe que se comunique de imediato com o profissional se notar alguma variação no crescimento e evolução da lesão , entre as consultas de acompanhamento. Em casos excepcionais, quando a lesão apresenta um padrão de crescimento rápido e muito agressivo, com comprometimento de órgãos e estruturas anatômicas, deve-se realizar uma cirurgia ressectiva, para evitar comprometimento irreversível destas estruturas . Não é recomendado tratamento cirúrgico em etapa pré-puberal já que se acompanha de recrudescimento das lesões com um comportamento imprevisível9.

O objetivo do presente estudo é relatar um caso clínico de displasia fibrosa monostótica e discutir critérios objetivos e reprodutíveis para a abordagem terapêutica.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino , 15 anos de idade , exibia assimetria facial com expansão das corticais ósseas vestibular e lingual , de consistência endurecida, localizada na altura de pré-molares e molares mandibulares do lado esquerdo. A mucosa apresentava-se íntegra, coloração normal, com diminuição da profundidade do sulco vestibular pelo aumento de volume na área envolvida. Os dentes da região não possuíam mobilidade, eram hígidos e respondiam positivamente ao teste térmico de vitalidade pulpar. Ao exame histopatológico havia sido estabelecido o diagnóstico de displasia fibrosa; o paciente encontrava-se em controle clínico e radiográfico havia dois anos.

Em virtude da faixa etária do paciente, qualquer intervenção cirúrgica para este caso é contra-indicada, orientando-se ao paciente e a seus familiares de que a retomada do crescimento da lesão é mais comum em jovens. Entretanto, o paciente relatou que no último ano houve aumento do volume da lesão e insistiu na dificuldade de relacionamento devido a assimetria facial, o que interferia na sua vida social (Figura 1).

 

 

Ao exame físico havia parestesia nas regiões de inervação do nervo mentoniano. A radiografia panorâmica revelou uma lesão radiolúcida multilocular com radiopacidade em diferentes graus com aspecto de "vidro despolido". As margens da lesão eram imprecisas (Figura 2). O exame tomográfico nos cortes axial e 3D revelou lesão intra-óssea com expansão assimétrica da cortical lateral e medial lado esquerdo do corpo mandibular, sem evidência de per furação das corticais ósseas e sem comprometimento do canal mandibular (Figuras 3).

 

 

 

 

A mensuração da área de displasia fibrosa a ser removida, foi obtida por meio da medida do diâmetro e espessura da lesão na tomografia computadorizada (TC), através de cortes nos planos axial e coronal com filtros específicos para osso e tecidos moles. A espessura da lesão no sentido vestíbulo-lingual foi obtida através da medida da distância entre as corticais lingual e vestibular. A mensuração na região de canino (porção mais medial da lesão) correspondeu a 1,5 cm; 3,4 cm na região de 1º e 2º molar (porção mais central da lesão) e 2,3 cm na região correspondente ao ângulo mandibular.

O paciente foi submetido ao procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, com incisão intra-sulcular, que se estendia da borda anterior do ramo mandibular por distal do terceiro molar até a mesial do incisivo central do lado oposto, com incisão relaxante nesta área. Após a incisão, fez-se o descolamento do retalho mucoperiostal expondo a área onde se localizava a lesão. Em seguida, as medidas obtidas através da TC foram transferidas para o trans-operatório, sem sucesso, em virtude da lesão não apresentar limites definidos. Além disso, corria-se o risco de remover tecido lesionado além ou aquém do planejado em determinados pontos, podendo resultar em déficit funcional ou estético ao paciente. A maneira mais segura e com maior chance de sucesso seria guiar-se pela anatomia contígua da região obtendo maior segurança no momento da ressecção da lesão. Com broca cirúrgica esférica delimitou-se a área a ser osteotomizada com pequenas trepanações, unindo-as posteriormente tanto nos sentidos longitudinal quanto transversal, facilitando-se a remoção da lesão em pequenos fragmentos. Posicionou-se o cinzel paralelo ao corpo da mandíbula em uma posição entre a lesão e o osso sadio , removendo-a em um volume adequado, sem riscos de causar mutilações (Figuras 4). Na parte final do procedimento cirúrgico, as superfícies ósseas foram regularizadas com osteótomo e fresa cirúrgica.

 

 

A ferida operatória foi suturada com fio de sutura vicryl 4.0. O aspecto clínico extrabucal imediato demonstrou o restabelecimento da harmonia facial (Figura 5). Um curativo compressivo pós-operatório foi realizado com o objetivo de se evitar grandes hematomas que poderiam levar a expansão do osso residual. O pós-operatório transcorreu sem complicações, sendo prescrito amoxicilina 500mg, a cada oito horas por sete dias e celecoxib 200 mg uma vez ao dia por cinco dias.

 

 

O exame histológico mostrou tecido ósseo normal contíguo ao osso displásico sob estroma de tecido conjuntivo fibroso. Observam-se, também, irregularidades das trabéculas ósseas com tecido ósseo assumindo padrão que lembra caracteres chineses em conjuntivo ricamente celularizado, com atividade osteoblástica, compatível com a Displasia Fibrosa Monostótica (Figura 6).

 

 

DISCUSSÃO

Na literatura há um protocolo definido para o tratamento da displasia fibrosa monostótica, entretanto, critérios que venham a facilitar o procedimento cirúrgico proporcionando maior segurança durante o ato operatório ainda não foram estabelecidos. Tais critérios estão relacionados especialmente ao momento mais oportuno de se realizar a cirurgia e à dificuldade com que o cirurgião depara-se no momento de estabelecer os limites da lesão, incorrendo muitas vezes em cirurgias radicais, o que promove déficits funcionais e estéticos ao paciente.

Cada caso deve ser analisado de forma individual, com cautela no momento da decisão do tratamento a ser instituído. Não se deve atrelar o momento cirúrgico ao término da maturidade esquelética, pois apesar de a literatura descrever que o risco de crescimento da lesão muitas vezes é eminente quando submetemos o paciente a um procedimento cirúrgico na fase pré-puberal, não podemos deixar que somente esse critério norteie nossa conduta terapêutica7,8,10,11. A inter-relação profissional-paciente é importante e nunca deve ser esquecida. No caso relatado, o paciente apresentava defeito estético excessivo (desfigurante) e com padrão de crescimento rápido e agressivo, causando mudanças no seu convívio social, fato que indicava a terapia cirúrgica.

Recomenda-se o uso da cirurgia remodeladora (osteoplastia ou ostectomia corretiva) antes do início da fase adulta com três objetivos: restauração da função; prevenção de complicações como compressão de estruturas nobres, e em casos em que o defeito estético é excessivo podendo trazer mudanças no perfil psicológico do paciente9.

Diverge-se de Samman et al. 6 e Yamashiro e Komori7 que preconizam biópsia para confirmação do diagnóstico nas lesões pequenas. Termos genéricos, como pequeno, não devem ser utilizados. Se a lesão é pequena, deve ser removida totalmente, não se indicando a biópsia incisional prévia para confirmação da lesão. Além disso, é possível estabelecer o diagnóstico baseado na história clínica e nos exames radiográficos que apresentam um aspecto clássico de "vidro despolido". Outras características radiográficas como alteração da lâmina dura, estreitamento do ligamento periodontal e deslocamento superior do canal mandibular , com inversão da sua curvatura na região de ângulo da mandíbula, são patognomônicos da displasia fibrosa monostótica nos auxiliando no diagnóstico final4,5.

Quanto ao planejamento cirúrgico acredita-se que a utilização da TC seja indispensável, aumentando a fidelidade anatômica e melhorando a visualização das estruturas afetadas10,12. O critério que orientou a quantidade de tecido displásico a ser eliminado, foi a anatomia mandibular normal contígua da região afetada, como também, o contorno anatômico normal do lado contralateral.

A partir da definição de um plano de clivagem entre a lesão e o osso sadio , deve-se remover a lesão na sua totalidade, sempre respeitando a anatomia da região. Se o paciente necessitar ser submetido a novos procedimentos cirúrgicos devido à recorrência da lesão, esta poderá ser tratada de forma menos agressiva.

A tentativa de mensurar a lesão tem pouca aplicação prática. O critério que define o quanto de tecido afetado deve ser removido tem como referência a anatomia contígua da região.

 

REFERENCIAS

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Endereço para correspondência
Angelo Luiz Freddo
Rua Amélia Teles 167/401 – Bairro Petrópolis
Porto Alegre, RS – Brasil
CEP: 90640-070
E-mail: angelofreddo@gmail.com

Recebido para publicação: 08/04/10
Aceito para publicação: 07/05/10