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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE

 

Diagnóstico precoce de ateromas por meio de exames radiográficos rotineiros em odontologia: considerações atuais

 

Early diagnosis of atheromas by routine dentistry radiographic examinations: recent considerations and findings

 

 

Renata Quirino de Almeida-BarrosI; Salomão Cury-Rad OkaI; Tatiana Stuart Vieira HolmesI; Alessandro Leite CavalcantiII; Patrícia Meira BentoII; Gustavo Pina GodoyII

I Mestrandos em Odontologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
II Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UEPB

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O acidente vascular cerebral (AVC) tem-se destacado como uma síndrome frequente nas sociedades ocidentais, onde 50% das mortes entre idosos estão associadas a esta condição. A presença de ateromas carotídeos contribui para seus altos índices de prevalência, e o seu diagnóstico precoce pode contribuir significativamente para a redução dos AVCs. A rotina odontológica atual necessita, cada vez mais, de exames de imagem, tais como radiografias panorâmicas e exames tomográficos de face, que podem mostrar, mesmo não intencionalmente, a presença de ateromas carotídeos. Assim, foi realizada uma revisão não sistemática de artigos nas línguas portuguesa e inglesa nas bases de dados PubMed, BBO, LILACS, MEDLINE e SciELO, publicados no período de 1994 a 2009, utilizando, para as buscas, os unitermos "Panorâmica" (Panoramic), "Ateroma" (Atheroma) e "AVC" (Stroke). Nessa revisão, enfatiza-se que as radiografias panorâmicas e as tomografias solicitadas pelo cirurgião-dentista rotineiramente podem delatar precocemente a presença de ateromas carotídeos, que pode ajudar a prevenir ou tratar precocemente arteriopatias graves quando são assintomáticas. Assim, a divulgação entre os cirurgiões dentistas da possibilidade de diagnóstico precoce de ateromas por meio de exames de imagem odontológicos rotineiros emerge juntamente com a prática de uma odontologia holística.

Descritores: Acidente cerebral vascular, Radiografia panorâmica, Radiografia dentária, Doenças arteriais carótidas, Radiografia.


ABSTRACT

Strokes are frequent syndromes in occidental society, where 50% of deaths among older people are stroke associated. Presence of carotidic atheromas increases its prevalence index. Otherwise, early diagnosis of atheromas can significantly contribute to reduction of strokes. Modern dentistry routine needs more and more image examination such as panoramic radiographs and facial tomographic examination, that can show, even unwanted, presence of carotidic atheroma. Thus it was realized a non systematic review in Portuguese and English languages in PubMed, BBO, LILACS, MEDLINE and SciELO database, searching articles published between 1994 and 2009, using as keywords "Atheroma", "Stroke" and "Panoramic". On this review, authors emphasize that panoramic radiographs and tomographs daily solicited by dentist can accuse early presence of carotidic atheromas. So, this exams can help to prevent or treat early serious arteryopaties in moments of absence of symptomatology. Then, divulgation among dentists of possibility of early atheromas' diagnosis by routine dentistry image examination and comes together to holistic dentistry.

Keywords: Atheroma, Stroke, Radiography, Panoramic radiography, Dental carotid artery diseaser, Radiography.


 

 

INTRODUÇÃO

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma síndrome neurológica frequente em adultos, sendo uma das maiores causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Nas sociedades ocidentais, constituem a causa de 50% de todas as mortes, ocupando posição de destaque entre a população idosa1,2.

Além de elevada mortalidade, 60% dos pacientes que sobrevivem apresentam sequelas, causando limitação da atividade física e intelectual a longo prazo e elevado custo social. Esses dados demonstram o enorme impacto desta doença na sociedade3,4,5.

Estudos epidemiológicos têm revelado diversos e importantes fatores de risco, tais como hipertensão, consumo do tabaco, abuso do álcool, diabetes mellitus, alta taxa de colesterol, obesidade, vida sedentária, entre outros6.

A maioria dos AVC não cardiogênicos, comumente chamados de derrames, ocorre como resultado de uma aterosclerose envolvendo as artérias carótidas comum, interna e externa, devido à formação de ateromas7.

O ateroma consiste de depósitos focais de gordura, colesterol primário, na camada íntima das artérias, podendo propiciar uma resposta inflamatória, resultando em proliferação fibroblástica e incrustação de sais de cálcio, produzindo graus variáveis de calcificação distrófica. As artérias frequentemente afetadas são a aorta, as coronárias e as artérias cerebrais, incluindo a carótida8.

Diante de um problema de tal magnitude, todas as medidas de prevenção e detecção precoce dos pacientes com risco representam ações significativas para diminuir a prevalência desta enfermidade6,9.

Em 1981, foi observado que é possível identificar, em pacientes assintomáticos, através de radiografias panorâmicas, as placas de ateroma calcificadas no nível da bifurcação da artéria carótida. Identificar estes pacientes com ateromas ocultos é de importância vital, porque deve diminuir o risco de o paciente desenvolver o derrame10,2,11.

Esses ateromas radiograficamente se apresentam como única ou múltiplas radiopacidades nodulares discretas ou como linhas verticais, localizadas adjacentes ou logo abaixo do espaço intervertebral entre C3 e C412,9.

Nesta revisão de literatura, serão abordados alguns trabalhos representativos publicados, destacando-se a importância de utilização da radiografia panorâmica na identificação dos pacientes susceptíveis ao AVC.

 

METODOLOGIA

Através das bases de dados PubMed, BBO, LILACS, MEDLINE e SciELO, foram buscados artigos na literatura em saúde nos idiomas inglês e português, publicados no período de 1994 a 2009, utilizando-se, para as buscas, os unitermos "Panorâmica" (Panoramic), "Ateroma" (Atheroma) e "AVC" (Stroke).

Foram incluídos os artigos gratuitos que abordavam os achados imaginológicos de ateromas em radiografias panorâmicas ou exames tomográficos de rotina em odontologia. Também foram incluídos estudos que abordassem a possibilidade de prevenção de AVCs e outras doenças cardiovasculares por meio do diagnóstico precoce de ateromas, através de exames de imagem odontológicos. Artigos de acesso restrito, ou não gratuitos, não foram incluídos assim como relatos de casos simples e sem contribuições significantes para a discussão sobre o potencial preventivo do diagnóstico precoce de ateromas carotídeos por meio de exames de imagem da rotina odontológica.

 

REVISÃO DE LITERATURA

Um número significativo de cirurgiões dentistas utiliza a radiografia panorâmica na sua prática, uma vez que, neste exame, é possível visualizar todo o complexo maxilo-mandibular e estruturas adjacentes1.

As placas arterioscleróticas contêm estruturas calcificadas, que são densas e radiopacas, e podem ser detectadas em radiografias planas. Essas estruturas são acumuladas na bifurcação das artérias carótidas interna e externa e localizam-se no campo de visualização da radiografia panorâmica1,13.

Friedlander e Land em 1981 publicaram, pela primeira vez, sobre a possibilidade de identificar essas placas calcificadas através de radiografia panorâmica. Desde então, outros pesquisadores vêm estudando esta possibilidade como meio de detecção dos pacientes de risco ao AVC5.

Radiograficamente o ateroma é definido como uma massa radiopaca adjacente à coluna cervical e ao osso hioide, logo abaixo do espaço intervertebral entre a terceira (C3) e a quarta (C4) vértebra cervical e 1,5 – 2,5cm inferior posterior ao ângulo da mandíbula. É visualizada como uma radiopacidade nodular ou em linhas verticais identificadas inferiormente ao ângulo da mandíbula12,5.

Destaca-se que as placas arterioscleróticas não são a única causa de calcificação no tecido mole, visualizada próxima às vértebras cervicais em radiografias panorâmicas. Sua localização e imagem radiográfica podem ser semelhantes a entidades anatômicas, como o processo estiloide, osso hioide e epiglote, e patológicas, como sialólitos, flebólitos e linfonodos calcificados14,15.

Pacientes com doenças sistêmicas, como: Diabetes tipo 2, com transplante renal, submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço, doenças cardíacas, tabagistas, etilistas e obesos têm maior probabilidade de iniciar um AVC16.

A maioria (75%) dos AVCs são de natureza isquêmica, e dois terços destes estão associados ao desenvolvimento de ateromas na bifurcação da carótida17. Sendo assim, pacientes com placas arterioscleróticas, visualizadas na panorâmica, devem ser submetidos a uma avaliação cerebrovascular e cardiovascular cuidadosa18.

 

DISCUSSÃO

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) constituem a terceira causa de morte nos países industrializados, perdendo apenas para a cardiopatia isquêmica e o câncer. Trata-se de um importante problema de Saúde pública não somente por sua elevada incidência mas também pelo alto custo gerado da reabilitação física e psicológica destes pacientes5.

O cirurgião-dentista, como profissional da saúde, deve conhecer esta situação e contribuir, dentro de suas possibilidades, com a detecção precoce dos pacientes com risco de sofrer um AVC6,2,9.

Desde os anos oitenta, vários autores descrevem a possibilidade de se detectarem placas de ateromas calcificados, localizadas na bifurcação da artéria carótida através de radiografias panorâmicas7,9.

O ateroma calcificado da artéria carótida e sua identifi- cação em radiografias panorâmicas têm sido estudados como fator que pode predizer acidentes vasculares cerebrais16,19.

Deste modo, as possibilidades do cirurgião dentista se ampliaram muito neste campo. Este novo uso das panorâmicas, sem dúvida, deve superar ainda certos obstáculos antes de poder estabelecer-se como uma nova medida de se triarem pacientes com risco de sofrer um AVC. Tendo em vista que a correta identificação dessas calcificações na radiografia panorâmica não é uma tarefa fácil, mesmo quando a radiografia é analisada por um profissional acostumado a manusear este método de diagnóstico, deve-se levar em consideração as variações anatômicas que possam existir na zona cervical9.

Apesar disso, durante uma revisão sistemática, Mupparapu e Kim (2007) encontraram dados que fomentam a hipótese de que a associação entre ateromas calcificados da artéria carótida e o risco aumentado de derrames são incompletos e inconclusivos, de modo que, baseado nas atuais evidências, não se podem estabelecer diretrizes clínicas para a predição de riscos usando radiografias panorâmicas19.

Os ateromas calcificados da carótida são, pois, lesões hemodinamicamente significativas (isto é, aquelas que causam oclusão luminal de mais de 50% do vaso, com consequente risco de derrame aumentado), e sua prevalência raramente tem sido avaliada2,19.

Faz-se necessária, pois, a valorização do verdadeiro significado clínico do prognóstico da calcificação das placas ateromatosas bem como sua utilidade como fator preditivo do surgimento de quadros de AVC. Por outro lado, é muito importante o diagnóstico diferencial desses achados imaginológicos com outras estruturas calcificadas que podem aparecer nas panorâmicas9.

No intuito de estabelecer o real significado da calcificação carotídea, ou seja, a relação dos depósitos de cálcio nas placas ateroscleróticas com o desenvolvimento de doença cerebrovascular, diversos estudos têm sido realizados no mundo todo.

Friedlander et al.2 analisaram radiografias panorâmicas de 1548 pacientes em tratamento odontológico, de 50 anos ou mais neurologicamente assintomáticos. Aqueles com ateromas presumíveis foram submetidos a exame de Doppler ultrassonográfico com o intuito de confirmação do diagnóstico e para determinação do grau de estenose. Estes resultados demonstram que um subgrupo de pacientes (15 de 65 pacientes – 23%) com ateroma oculto descoberto em radiografia panorâmica tiveram níveis significativos de estenose (≥ 50 por cento) na artéria carótida interna.

Assim, os cirurgiões-dentistas devem referenciar todos os pacientes com ateromas identificáveis radiograficamente para um médico, para confirmação diagnóstica e determinação da magnitude da doença, pois intervenções antiaterogênicas têm sido demonstradas para prevenção de derrames, que constituem a terceira causa de morte nos países industrializados2,15.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As radiografias panorâmicas e as tomografias solicitadas pelo cirurgião-dentista rotineiramente podem delatar precocemente a presença de ateromas carotídeos, o que pode ajudar a prevenir ou a tratar precocemente arteriopatias graves em momentos de ausência de sintomatologia.

A divulgação entre os cirurgiões dentistas da possibilidade de diagnóstico precoce de ateromas por meio de exames de imagem odontológicos rotineiros emerge juntamente com a prática de uma odontologia holística em que a boca encontra- se indissociada do organismo do paciente.

 

REFERÊNCIAS

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18. Friedlander AH, Friedlander IK. Identification of stroke prone patients by panoramic radiography. Aust Dent J. 1998 Feb;43(1):51-4.

19. Mupparapu M, Kim, IH. Calcified carotid artery atheroma and stroke: A systematic review. J Am Dent Assoc. 2007 Apr;138(4):483-92.

 

 

Endereço para correspondência:
Renata Quirino de Almeida-Barros
Rua Rodrigues Alves, 1125/304 - Bela Vista
Campina Grande – PB CEP 58428-795
E-mail: renata.qa@gmail.com

 

Recebido para publicação: 18/08/10
Aceito para publicação: 22/11/10