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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL /ORIGINAL ARTICLE

 

Burnout em estudantes de odontologia: coorte comparativa de dois modelos curricularesI

 

Burnout in dentistry students: a comparative cohort of two curricular models

 

 

Nelson Rubens Mendes LorettoII; Isabela Andrade de Figueirêdo MartinsIII; Mila Maria Freitas AbatayguaraIII

I Parte do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à FOP-UPE como pré-requisito à graduação
II Professor Adjunto Doutor de Orientação Profissional da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco
III Acadêmica do 9o período do curso de graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi o de investigar a ocorrência da Síndrome de Burnout em estudantes, durante o período da formação acadêmica, em uma faculdade de odontologia do sistema público do estado de Pernambuco, através de um estudo do tipo coorte prospectivo, analítico, realizado com 65 estudantes regularmente matriculados e ingressantes em 2007.2 e 2008.1 e submetidos a dois modelos curriculares distintos. Os dados foram obtidos através de um questionário sociodemográfico e do Maslach Burnout Inventory – Student Survey (MBI-SS). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Pernambuco por meio do Parecer 031/2009. Os resultados indicaram que 6,1% dos entrevistados estão com a síndrome, e 4,5% estão em situação de risco para a SB, mas a maioria dos alunos dos currículos antigo e novo encontra-se sem síndrome de Burnout. O modelo curricular se associou significativamente à exaustão emocional e a eficácia profissional, enquanto que o sexo associou-se significativamente à dimensão de exaustão emocional na amostra geral.

Descritores: Esgotamento profissional, Estudantes de Odontologia, Universidades, Escolas de Odontologia.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the occurrence of burnout syndrome among students during the academic training in a dental school of Pernambuco's public system through a prospective cohort study, analytical, accomplished with 65 enrolled students and freshmen at 2007.2 and 2008.1 and submitted to two diff erent curriculum models. Data were obtained from a sociodemographic questionnaire and the Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS). The project was approved by the Ethics Committee at the University of Pernambuco Opinion 031/2009. The results indicated that 6.1% of respondents are with the syndrome and 4.5% are at risk for SB but most students of the old and new curricula is without burnout. The model curriculum routed the period was significantly associated with emotional exhaustion and professional efficacy, whereas sex was significantly associated with the dimensions of emotional exhaustion in the overall sample.

Keywords: Students, Dental Burnout, Professional Universities, School dental.


 

 

INTRODUÇÃO

A atividade do estudante no ensino superior, ao contrário do que possa parecer, é permeada por conflitos, tensões, angústia e, muitas vezes, medo do futuro. Na área da saúde, particularmente, essa situação pode adquirir contornos dramáticos, haja vista que, neste cenário, entra um novo personagem – o paciente – com quem se deve ter muita responsabilidade, zelo e atenção.

A mudança da situação de aluno do ensino médio para aluno do ensino superior, depois da extenuante experiência do vestibular, produz um estado de alerta que se desvela nos primeiros semestres na universidade. Novos ambientes, novos amigos, novas responsabilidades, novos desafios vão se constituindo um cenário, no qual pode proliferar o medo, a angústia, a ansiedade, o temor pelos dias que virão. Some-se a tudo isso o momento ou a realidade vivida pelo acadêmico, seja nos aspectos econômico, social ou político.

Essas circunstâncias, por certo, produzem estresse, definido na literatura como um mecanismo necessário e benéfico, pois é ele que obriga o organismo a ficar em estado de alerta e sensível frente às dificuldades e situações de perigo. Levado ao extremo, o estresse produz uma síndrome denominada de Burnout, que, etimologicamente, significa (burn) queimar + (out) fora e representa um quadro composto por um sentimento de fracasso e exaustão causado por um excessivo desgaste de energia e recursos1.

O termo Síndrome de Burnout (SB) foi usado inicialmente por Brandley2 em 1969, embora tenha sido desenvolvido na década de 70, nos Estados Unidos da América (USA) por Freudenberguer, que observou que muitos voluntários, com os quais trabalhava, apresentavam um processo gradual de desgaste no humor e/ou desmotivação no trabalho. O processo geralmente durava um ano e era acompanhado de sintomas físicos e psíquicos que denotavam um particular estado de estar exausto3.

De acordo com Maslach; Jackson (1981)4, a SB acomete profissionais em relação direta com as pessoas e que estão expostos a um estresse crônico, no qual permanecem por um período de tempo, sendo, em geral, prolongado. Dessa forma, os profissionais assistenciais são os mais afetados devido ao fato de estarem em constante contato com pessoas que apresentam situações problemáticas e carregadas de emoção5. O seu desenvolvimento pode ocorrer de maneira aleatória, portanto sem seguir uma ordem ou etapa, exatamente por ser considerado uma síndrome6.

O aspecto multidimensional do Burnout foi desenvolvido no Maslach Burnout Inventory (MBI), preconizado pelas psicólogas americanas Cristina Maslach e Susan Jackson da Universidade da Califórnia e da Universidade de Nova York, respectivamente, que o caracterizaram como uma reação à tensão emocional crônica, por lidar excessivamente com pessoas. A tríade inclui as seguintes dimensões, relacionadas, mas independentes entre si4:

a) Exaustão emocional - caracterizada por falta de energia e entusiasmo, por sensação de esgotamento de recursos à qual pode somar-se o sentimento de frustração e tensão nos trabalhadores, por perceberem que já não têm condições de despender mais energia para o atendimento de seu cliente ou demais pessoas, como faziam antes;
b) Despersonalização - caracterizada pelo desenvolvimento de uma insensibilidade emocional, que faz com que o profissional trate os clientes, colegas e a organização de maneira desumanizada. É uma dimensão característica do burnout e um elemento, que a distingue do estresse7.
c) Diminuição da realização pessoal no trabalho - caracterizada por uma tendência do trabalhador a autoavaliar-se de forma negativa, tornando-se infeliz e insatisfeito com seu desenvolvimento profissional, com consequente declínio no seu sentimento de competência e êxito bem como de sua capacidade de interagir com os demais.

Carlotto; Palazzo (2006)8 afirmaram que é importante analisar o resultado quanto à dimensão despersonalização, pois esse é o elemento essencial da síndrome de Burnout, enquanto exaustão emocional e diminuição da realização pessoal no trabalho podem estar associadas a outros tipos de síndromes. Nesse sentido, o profissional acaba desenvolvendo atitudes insensíveis em relação às pessoas no trabalho, criando uma barreira para não permitir a repercussão dos problemas alheios em sua vida. O profissional com Burnout acaba ignorando o sentimento de outras pessoas, agindo, até mesmo, com cinismo e rigidez6.

As primeiras pesquisas sobre a Síndrome de Burnout (SB) são resultado de um trabalho sobre o estudo das emoções e maneiras de lidar com elas, desenvolvido com profissionais que, pela natureza de sua atividade, necessitavam manter contato direto com outras pessoas (trabalhadores da área da saúde, de serviços sociais e de educação), uma vez que se percebia a manifestação de estresse emocional e sintomas físicos em tais profissionais9. O ambiente de competição encontrado entre alunos, professores e supervisores no ensino superior gera conflitos entre eles, conflitos esses que podem levar ao estresse e à exaustão emocional10. Assim, o início de Burnout pode se dar já durante a fase acadêmica, no período de preparação para o trabalho11. Estudos têm demonstrado que o Burnout pode começar durante o período de formação e prosseguir durante a vida profissional.

Borges; Carlotto (2004)12 investigaram a Síndrome de Burnout em estudantes de um curso técnico de enfermagem. Os resultados do MBI - SS mostraram que a dimensão Exaustão Emocional apresentou índice médio de 2,81, indicando a existência de desgaste emocional pelos alunos "algumas vezes ao mês". Na Descrença, o índice médio obtido foi de 1,73, indicando sentimento de pouca confiança no ensino "uma vez por mês". Com relação ao sentimento de Eficácia Profissional, o índice obtido pelo grupo foi de 5,33, demonstrando que o ensino vinha sendo percebido como útil para a formação profissional, praticamente "todos os dias".

Martinez; Pinto (2005)13 investigaram a ocorrência do Burnout em 1988, em estudantes de algumas universidades espanholas e portuguesas, dos quais 31,2% eram espanhóis, e 68,8% portugueses cujos resultados indicaram níveis médios de Exaustão Emocional e Realização Profissional (2,83 e 3,90 respectivamente) e nível baixo de Descrença (1,56) .

Carlotto; Nakamura; Câmara (2006)14 investigaram a SB em 514 estudantes de todos os cursos da área da saúde (Psicologia, Enfermagem, Medicina, Odontologia, Biomedicina, Fonoaudiologia, Farmácia e Fisioterapia) em uma universidade da região metropolitana de Porto Alegre e observaram índice de Exaustão Emocional igual 2,88; de Descrença igual a 1,40 e de Eficácia Profissional igual a 4,90 e, portanto, não apontaram a presença da SB nos estudantes.

Sá (2008)15 investigou a ocorrência da Síndrome de Burnout em 123 alunos do ciclo profissional do curso de graduação da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, utilizando o MBI-SS e um questionário socioacadêmico, e os resultados mostraram que os valores médios das dimensões da síndrome foram de 4,31 para a Exaustão Emocional; 1,87 para a Despersonalização; e 4,89 para a Eficácia Profissional.

Santos; Sá (2008)16 investigaram a ocorrência da SB entre 204 alunos do ciclo básico dos cursos da área da Saúde – Enfermagem (68), Medicina (73) e Odontologia (63) - da Universidade de Pernambuco utilizando, também, o MBI-SS e observaram que 82,3% da amostra não apresentavam a SB; 5,9% estavam em situação de risco, e 11,8% apresentavam a síndrome. Esses valores para os alunos do curso de Odontologia foram, respectivamente, 85,7% (54 alunos); 3,2% (2 alunos) e 11,1% (7 alunos). Os valores médios das dimensões da síndrome na amostra total foram de 3,99 para a Exaustão Emocional; 1,86 para a Despersonalização e 4,50 para a Eficácia Profissional, sendo que, para os alunos de Odontologia, esses valores foram, respectivamente, 4,03, 1,92 e 4,4316.

A partir de alguns dados da literatura, podemos sumarizar os achados no quadro a seguir:

 

 

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, analítico e descritivo, do tipo coorte prospectivo, iniciado em 2007 e 2008, com os alunos ingressantes no curso de graduação de uma Faculdade de Odontologia do sistema público de ensino superior de Pernambuco, submetidos a dois modelos curriculares distintos, haja visto que a instituição, a partir de 2008, passou a utilizar um modelo curricular, consoante as Diretrizes Curriculares Nacionais de Odontologia.

A amostra foi constituída de 36 alunos do currículo antigo (CA) e 29 alunos do currículo novo (CN) submetidos, ao final de cada semestre letivo, à aplicação de dois questionários: um sociodemográfico e outro que é o Maslach Burnout Inventory - Students Survey (MBI-SS), especialmente desenvolvido para a pesquisa da SB entre estudantes17. O MBI-SS consiste de 15 questões que se subdividem em três subescalas: Exaustão Emocional (EE) com 5 itens; Descrença (DE) com 4 itens e Efi- cácia Profissional (EP) com 6 itens. Todos os itens são avaliados em escala Likert de 7 pontos, distribuída em 0= nunca; 1= uma vez ao ano ou menos; 2= uma vez ao mês ou menos; 3= algumas vezes no mês; 4= uma vez por semana; 5= algumas vezes por semana; e 6= diariamente.

O questionário sociodemográfico contemplou as variáveis sexo, idade, com quem reside e quem financia seus estudos.

Para que haja a SB, é necessário que os valores de exaustão emocional e despersonalização sejam altos e os da eficácia profissional sejam baixos.

Dessa forma, foi criada a seguinte classificação da ocorrência:

 

 

 

A situação de risco envolveu todas as demais combinações não previstas na classificação acima.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Pernambuco de acordo com o Parecer nº 031/2009.

 

RESULTADOS

Considerando a amostra total (65 alunos), o sexo se distribui entre 69,2% para o feminino e 30,8% para o masculino, sendo que a maior concentração de mulheres está no CN, com quase 80%. A idade média do grupo amostral foi de 20,61 anos (dp=1,856). A maioria absoluta dos pesquisados reside com a família (84,6|%) que também é a responsável pelo financiamento dos estudos (98,5%).

Segundo dados da Tabela 1, o número de alunos com a síndrome no modelo curricular novo é maior do que no modelo antigo, apesar de o número de participantes no modelo novo ser menor do que no antigo.

A tabela revela que o período cursado não é preditor da síndrome, haja vista que o teste de associação não indicou essa relação (Tabela 2).

Ao se considerarem separadamente os modelos curriculares e se realizar o teste de associação entre as dimensões da síndrome e o período cursado, observou-se, no modelo curricular novo, que tanto a exaustão emocional quanto a eficácia profissional se associam ao período cursado (Tabela 3). A associação entre as dimensões da SB e o modelo curricular revelou-se estatisticamente significativa para a exaustão emocional e a descrença (Tabela 4). Considerando a amostra geral pesquisada, o sexo associou- se significativamente à exaustão emocional, sendo as mulheres mais propensas à síndrome (Tabela 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Para que ocorra a síndrome de Burnout, é necessária a combinação de altos níveis de exaustão emocional e descrença com baixo nível de eficácia profissional. Entretanto, é válido considerar as dimensões da SB de forma isolada, de modo a entender os mecanismos que levam alguém a desenvolver o burnout.

Os resultados deste estudo, quando comparados com os demais autores (Quadro 1), mostram que:

1)Exaustão emocional no currículo novo4,13 foi maior que os valores de todos os autores, à exceção de Sá15 (2008) e Martins18 (2009);
2)Descrença no currículo novo foi maior que os valores de todos os autores do quadro 1, exceto Lima; Buunk; Araújo19 (2007); e
3) Eficácia Profissional no currículo novo foi inferior a Borges; Carlotto12 (2004), Carlotto; Nakamura; Câmara14 (2006), Lima; Buunk; Araújo19 (2007), Sá15 (2008), Santos; Sá16 (2008) e superior somente a Martinez; Pinto13 (2005); Barboza; Beresin20( 2007) e Martins18 (2009).

Embora a estatística inferencial não tenha apontado nenhuma associação estatística significativa entre a SB, o modelo curricular e o período investigado, observou-se que, no currículo antigo (Tabela 1), enquanto, no 1º período, havia três alunos em situação de risco da SB, no período seguinte (2º), destes três, um já passou a apresentar a Síndrome, enquanto dois permaneceram na situação de risco. Ao passarem para o 3º período, o número daqueles com a SB elevou-se para três, e surgiu mais um aluno em situação de risco. Isso pode ser explicado pelos seguintes motivos:

1º) O 1º período caracteriza-se por uma mudança muito forte na rotina do aluno, que, recém-saído da escola (ensino médio), passa a ter uma convivência diária num locus absolutamente fora de sua rotina de vida, que é o campus universitário onde se encontra o ciclo básico dos cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem, o ciclo profissional dos cursos de Medicina e Enfermagem e o curso integral de Educação Física e de Ciências Biológicas;
2º) No 1º período, o aluno enfrentará o cadáver desconhecido nas aulas práticas de anatomia, fará experimentos em animais de laboratório e encontrará, diariamente, doentes e doenças, dor e sofrimento, angústia e desespero em diferentes gradações, impondo um choque psicológico natural;
3º) Aumento das responsabilidades no curso, o enfrentamento de novos desafios, a aproximação com a realidade do ciclo profissional, dentre outras explicações.

Quando o aluno alcança o ciclo profissional, observa-se que do 4º até o 6º período permanece o mesmo número de alunos com SB (dois), e a diferença entre os períodos desse ciclo está na condição de risco, que era de um no 5º período e de dois no sexto período. Parece que, à medida que o aluno avança na formação, aumenta o risco de desenvolver a SB.

No currículo novo, o número de alunos com SB variou de quatro para cinco entre o 1º e o 2º período. No 3º período, época que corresponde ao ingresso no ciclo profissional, esse número foi fortemente reduzido para apenas um aluno, que corresponde a 80% do número de alunos com SB no 2º período. O número de alunos volta a se elevar no 4º período, mas no 5º período, nenhum aluno estava com a SB. Os alunos do 3º período sofrem nova mudança, quando, saindo de um local para outro, distante 20 km, mudam de campus.

A estatística inferencial também não indicou haver associação entre as dimensões da SB e o período cursado (Tabela 2). A dimensão que mais se aproximou do valor crítico da associação significativa foi a exaustão emocional (p=0,063), explicada pelos fatores de estresse e caracterizada por falta de energia e entusiasmo, por sensação de esgotamento de recursos à qual pode somar-se o sentimento de frustração e tensão nos alunos, por perceberem que já não têm condições de despender mais energia para o atendimento de suas demandas, como faziam antes.

É importante reiterar que, para que haja SB, é necessário que os valores de exaustão emocional e despersonalização sejam altos, e os de realização profissional sejam baixos. Isso caracteriza a Síndrome. Tanto Volpato; Gomes; Silva et al.7 (2003) quanto Carlotto; Palazzo8 (2006) alertaram para a importância da Despersonalização (Descrença) na etiologia da SB. Europeus e americanos denominam-na de cinismo em face do distanciamento que o ser humano desenvolve em relação às outras pessoas nos seus afazeres.

Para Carlotto; Palazzo8 (2006), é importante analisar o resultado quanto à dimensão despersonalização, pois este é elemento essencial da síndrome de Burnout, enquanto exaustão emocional e diminuição da realização pessoal no trabalho podem estar associadas a outros tipos de síndromes. Nesse sentido, o profissional acaba desenvolvendo atitudes insensíveis em relação às pessoas no trabalho, criando uma barreira para não permitir a repercussão dos problemas alheios em sua vida. O profissional com Burnout acaba ignorando o sentimento de outras pessoas, agindo, até mesmo, com cinismo e rigidez.

Por outro lado, os valores médios da realização profissional foram elevados. Considerando que o valor máximo permitido nessa dimensão é 6, o menor valor médio encontrado foi de 4,19 (2º período), e o maior valor médio foi de 4,39 (1º período), é possível afirmar que, no modelo curricular antigo, os alunos investigados estão com uma realização profissional alta (4,32) equivalente a 73,16% do valor máximo permitido. Isso pode ser explicado pelo sentimento de reconhecimento que o acadêmico tem ao ingressar em curso da área da Saúde, mormente pelo esforço despendido no vestibular; por conviver, no início do curso, com outros acadêmicos da área; por situar-se espacialmente num ambiente hospitalar; por transitar, devidamente paramentado, entre doentes e acompanhantes, entre outras motivações. Sem dúvida, esse elevado valor médio da realização profissional evita o desenvolvimento da síndrome, apesar do valor médio da exaustão emocional.

A mesma estatística inferencial revelou que há forte associação estatística entre a exaustão emocional, realização profissional e o período no modelo curricular novo (Tabela 3). Os valores médios da exaustão emocional, comparados com os do modelo curricular antigo, revelam que, no modelo curricular novo, em todos os períodos, eles são superiores com uma distribuição que vai de um valor médio alto nos dois primeiros períodos do curso, recua no início do ciclo profissional e volta a subir nos demais períodos desse ciclo. Contudo, sabendo-se que, no 5º período, iniciam-se as atividades clínicas com paciente, na Clínica de Atenção Básica I, era de se esperar que essa exaustão aumentasse. Também é notado que a realização profissional nesse modelo curricular começa com valor médio bem inferior ao do modelo antigo e que sobe até o 3º período para depois recuar nos períodos seguintes. Embora eles nessa fase já estejam no ciclo profissional, as novas matérias profissionalizantes e a presença do paciente parecem não despertar uma realização mais alta.

Existe associação estatística entre as médias da exaustão emocional (p=0,001) e da despersonalização (p=0,040) com o modelo curricular, com valores mais elevados entre os acadêmicos cursantes do currículo novo. O que faz com que acadêmicos desse modelo curricular estejam mais susceptíveis à SB? Será pelo fato de chegarem ao ciclo profissional mais jovem? O modelo curricular novo oferece como vantagens em relação ao modelo antigo uma carga horária total de curso menor e o espaço verde para que o acadêmico tenha tempo para estudar e dedicar-se a outras tarefas. Por outro lado, tem como desvantagens um número maior de disciplinas por semestre e o fato de trazer para o ciclo profissional acadêmicos mais jovens.

Por fim, foi observado que o sexo associa-se à exaustão emocional, e as mulheres são mais vulneráveis a essa circunstância (Tabela 5). Com relação à EE, compreende-se que é da natureza feminina o maior zelo e o maior cuidado bem como uma dedicação mais acentuada nas tarefas, especialmente naquelas que envolvem outros seres humanos.

 

CONCLUSÃO

É a partir da interação que o indivíduo estabelece com o seu trabalho, da sua vivência na construção da sua trajetória laboral que as variáveis de trabalho podem se configurar como fonte de gratificação ou como fonte de estresse. Nesse contexto, insere-se não apenas o cirurgião-dentista mas também as categorias auxiliares da Odontologia e, mais recentemente, os estudantes da profissão odontológica. Vindos de uma experiência concorrencial fortíssima, representada pelo vestibular, o acadêmico de Odontologia ingressa no curso com os olhos voltados para o mercado de trabalho, de olho no futuro. Esse estudo que prosseguirá até os grupos pesquisados concluírem a graduação revelou, até esse estágio, que a maioria dos alunos dos currículos antigo e novo encontra-se sem síndrome de Burnout, mas, ao considerar, de forma isolada, as dimensões da SB, permitiu identificar associações entre exaustão emocional e modelo curricular e sexo; descrença e modelo curricular e eficácia profissional e período cursado no modelo curricular novo. Considerando que, à medida que o curso avança, aumentam as responsabilidades profissionais, espera-se que as recompensas presentes na eficácia profissional evitem o aparecimento da SB.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Nelson Rubens Mendes Loretto
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CEP: 55641-970
E-mail: ana.costa2@yahoo.com.br

 

Recebido para publicação: 22/11/10
Encaminhado para reformulação: 28/01/11
Aceito para publicação: 14/03/11