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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Clareamento interno: uma alternativa para discromia de dentes tratados endodonticamente

 

Intra coronal bleaching: an alternative to dyschromia of endodontically treated teeth

 

 

Renan Menezes CardosoI; Randerson Menezes CardosoII; Paulo Correia de Melo JúniorII; Paulo Fonseca Menezes FilhoIII

I Aluno do curso de graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco
II Especialista em Ortodontia pela Universidade de Pernambuco, Brasil e aluno do curso de Mestrado em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco
III Prof. Adjunto 1 da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Alterações cromáticas intrínsecas são comuns em elementos dentais tratados endodonticamente. Tal consequência compromete a harmonia facial, uma vez que transforma uma única estrutura em área de estresse visual. Assim, o clareamento endógeno surge como uma boa alternativa para reversibilidade cromática, pois se mostra uma técnica conservadora, rápida, segura e de baixo custo no restabelecimento estético do elemento dental. O presente trabalho tem por objetivo realizar uma breve revisão de literatura sobre clareamento endógeno bem como demonstrar, através de um caso clínico, uma sequência clínica utilizando cristal de ureia.

Descritores: Clareamento dental, Endodontia, Materiais dentários.


ABSTRACT

Intrinsic color changes are common in endodontically treated teeth. That consequence compromises the facial harmony, since converted a single structure in visual stress area. Thus the endogenous bleaching appears is a good alternative for reversibility color, because it shows itself as a conservative, fast, secure and low cost technique to the aesthetic restoration of the dental element. This study aims to conduct a brief review of the literature about Intra coronal bleaching, and demonstrate, through a case, a clinical series using urea crystal.

Keywords: Tooth heaching, Endodontics, Dental materials.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao viver em sociedade, padrões são instituídos com o objetivo de definir "o normal". Atualmente, a estética assumiu destaque na vida dos indivíduos, estabelecendo como aceitável socialmente, no que concerne ao sorriso, ter dentes claros. Assim, o clareamento dental assume papel relevante na realidade do cirurgião-dentista, principalmente em dentes tratados endodonticamente, uma vez que o escurecimento é comum.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Em meados do século XIX, o tratamento clareador surgiu da necessidade de procedimentos mais conservadores frente às alterações cromáticas dentais. Entretanto, a técnica endógena só se tornou realidade em 1961, devido a Spasser, o qual manteve, temporariamente, no interior da câmara pulpar, uma pasta constituída de perborato de sódio diluído em água. Já em 1965, Stewart instituiu a técnica termocatalítica, cujo processo envolvia uma pelota de algodão embebida em substância clareadora e um instrumento aquecido. Tal conduta, entretanto, caiu em desuso com o decorrer dos anos, uma vez constatados os efeitos deletérios do calor sobre o tecido periodontal1,2. Com a chegada dos anos 80, Howell sugeriu a utilização de ácido fosfórico em concentração de 30% para abertura dos túbulos dentinários, antes da inserção do agente clareador, com o intuito de otimizar os resultados. Em 2004, Wanderley et al. descreveram a utilização do cristal de ureia para o tratamento de alterações cromáticas de dentes não-vitais, relatando rápida reversão cromática3,4,5.

A utilização de substâncias clareadoras no interior da câmara pulpar mostra-se uma manobra conservadora frente a alterações cromáticas de dentes desvitalizados. O clareamento interno pode ser realizado através de três formas básicas - mediata, imediata ou mista, mas a associação de procedimentos não é incomum. Na primeira, o paciente permanece com o produto no interior da câmara pulpar – o curativo, por um período de três a sete dias, sendo necessária a troca até a obtenção da cor desejada. Na técnica imediata, o agente clareador é aplicado no interior da câmara pulpar e sobre a superfície vestibular do elemento, obtendo-se o resultado após a realização do protocolo clínico, seja ele fotoassistido ou não. Já no processo misto, une-se a técnica mediata à imediata. É de fundamental importância observar o comportamento do dente frente a tais procedimentos, uma vez que, constatada ausência de reversibilidade cromática, o profissional pode lançar mão de soluções restauradoras ou protéticas 4,6,7.

As alterações cromáticas intrínsecas são ocasionadas por uma pluralidade de fatores, os quais devem ser evidenciados durante exame clínico, a fim de se obter maior previsibilidade dos resultados. Didaticamente, podem-se classificar tais determinantes em fatores locais e sistêmicos. Os locais são oriundos de hemorragias pulpares traumáticas, materiais restauradores, como o amálgama ou obturadores do conduto radicular presente na câmara pulpar, remanescentes pulpares presentes pós-tratamento endodôntico e compostos à base de eugenol e iodofórmio; por outro lado, relativo aos fatores sistêmicos, ressalta-se porfiria congênita, hepatite neonatal, amelogênese e dentinogênese imperfeitas, fluorose, derivados da tetraciclina, escurecimento fisiológico e hipoplasia de esmalte 4,8.

O princípio do tratamento clareador baseia-se na utilização de substâncias que possuem elevado potencial de liberação de oxigênio. A química do processo ocorre através de uma reação de oxidação, cujo alvo são macromoléculas estáveis incorporadas à estrutura dental, que se fragmentam e migram para o meio externo através de difusão. A eficácia do processo reside em fatores pertinentes ao elemento dental, como etiologia, profundidade, localização e tempo do escurecimento, pois quanto maior o período, mais incerta é a reversão como também ao produto, uma vez que o potencial oxidante está diretamente relacionado à concentração e ao tempo de permanência do agente na câmara pulpar. Em um estudo realizado por LIMA em 2006, avaliou-se a velocidade e efetividade de clareamento em dentes desvitais com utilização de peróxido de carbamida 37%, peróxido de hidrogênio 35%, perborato de sódio diluído em água destilada e cristal de ureia. Os resultados obtidos revelam que o grupo pertencente ao cristal de ureia apresentou maior velocidade de clareamento dos elementos dentais em um acompanhamento de 15 dias; já entre os grupos compostos pelos peróxidos e perborato de sódio, não se constatou diferença significativa 9,10,11.

Não importa o profissional ter uma correta conduta clínica no que concerne ao diagnóstico, à escolha e inserção do produto, se não atentar para a confecção de um tampão biológico. Tal procedimento tem por finalidade impedir a difusão da substância clareadora para as regiões laterais do periodonto, prevenindo reações inflamatórias, que poderão culminar em reabsorções radiculares externas. Para a confecção dessa barreira, preconiza-se a desobturação rotatória de três milímetros do conduto radicular, aquém do limite amelocementário, e a inserção do material selador. Em estudo sobre avaliação da eficácia de materiais para confecção do tampão cervical, Gomes et al., em 2007, concluíram que os melhores desempenhos foram obtidos com o cimento de hidróxido de cálcio fotopolimerizável (Biocal) e cimentos de ionômero de vidro fotoativados (Vitrofill LC, DFL) e autoativados (RIVA, SDI), sendo observado o maior nível de infiltração do traçador dentinário com o cimento de fosfato de zinco 11,12.

Para a realização do curativo de demora, faz-se necessária a colocação de um material restaurador temporário, o qual objetiva impedir a entrada de fluidos e microorganismos no interior da câmara pulpar bem como a saída do agente oxidante para o meio oral, o que comprometeria o resultado e a duração do tratamento. O material provisório deve proporcionar um selamento marginal satisfatório frente às mudanças orais de pH, temperatura e cargas mecânicas, além de resistir à pressão dos gases produzidos no interior da câmara pelos peróxidos e pelo perborato. Em estudos de avaliação da capacidade de selamento de alguns materiais temporários, como o realizado por VALERA em 2007, concluiu-se que os menores índices de infiltração, sem diferença estatística, foram obtidos nos grupos compostos por Vidrion R, Resina composta TPH SPECTRUM e Cimpat; já em estudo realizado, FACHIN em 2006, o Bioplic obteve resultado denominado "excelente", sendo o Cotosol, Cavit e Tempore conceituados "satisfatórios". Nos dois estudos abordados, constatou-se que o IRM obteve o pior desempenho, fato que corrobora os estudos de Grecca e Teixeira de 2001 e Shinohara de 20013, 14,15.

Atualmente, fala-se muito na importância de se ter um sorriso harmônico e dentes claros, mas, como todo procedimento, o clareamento endógeno possui riscos. Uma das principais consequências é a reabsorção radicular externa, fruto do extravasamento de peróxido de hidrogênio para o periodonto lateral, ocasionando redução de pH local, o qual poderá desencadear o processo reabsortivo através de atividade osteoclástica. Em um estudo sobre a variação do pH de algumas substâncias utilizadas em clareamento endógeno, realizado por RIEHL em 2001, pode-se concluir que soluções à base de perborato de sódio apresentaram inicialmente pH neutro ou alcalino, que, no decorrer das medições, elevou-se; já na utilização do peróxido de hidrogênio, constatou-se pH ácido que se intensificou com o decorrer do tempo. Outros possíveis efeitos indesejados, como: redução da resistência à fratura, redução da microdureza dentinária e aumento da permeabilidade dental, apresentam relação com a sobre-exposição dentária a estas substâncias. Tais alterações ocorrem ao se ultrapassar o ponto de saturação dental devido à utilização em elevadas concentrações e/ou por longos períodos, acarretando não mais degradação dos pigmentos e, sim, de proteínas da matriz orgânica11,16,17.

O sucesso do tratamento reside na sua correta indicação e condução, logo é essencial um criterioso exame clínico, a fim de se obter o real estado de saúde periapical, periodontal e gengival como também a etiologia do escurecimento dental, para que seja eliminada qualquer falsa expectativa do paciente sobre possíveis resultados. Situações de dentes com superfície vestibular amplamente restaurada ou cariada, presença de trincas dentárias, restaurações deficientes e canais mal obturados contraindicam o clareamento de dentes não-vitais4,8,9.

Antes de se realizar o clareamento intracoronário, é necessário que o paciente seja esclarecido sobre as limitações do procedimento e sobre sua responsabilidade em relação a sua durabilidade. Elementos dentários intensamente escurecidos há diversos anos possuem pequena chance de sucesso de reversibilidade de cor, sendo necessária, em algumas situações, a proposição de alternativas protéticas ou restauradoras. Segundo a literatura, a proservação do elemento deve ocorrer por um período de sete anos, com reavaliações anuais através de inspeção clínica e radiográfica 4,9,18,19.

 

RELATO DE CASO

A paciente de 28 anos compareceu para consulta com queixa estética. Após anamnese e inspeção, foi constatado o escurecimento do elemento 11, o qual possui histórico de trauma. Ao exame físico e radiográfico, não foi observada qualquer alteração que contraindicasse o tratamento estético, sendo confirmada ausência de sintomatologia dolorosa, qualidade do tratamento endodôntico e higidez periodontal. Assim, o plano de tratamento foi traçado de acordo com os desejos, expectativas e limitações da paciente, sendo proposto um clareamento interno com cristal de ureia.

Inicialmente, foi realizada a profilaxia com pedra-pome diluída em água, e o registro da cor, com a escala Vitta (Figura 1). Após a observação da cor, foi realizada a remoção da resina e exposição da câmara pulpar (Figura 2). Para a confecção do tampão cervical, foi mensurada a distância da borda incisal ao início do conduto radicular (altura do colo cervical anatômico) com o auxílio de uma lima endodôntica (K#40). Observada a distância de 10mm, posicionou-se o stop de silicone na broca Gattes-Gliden em 12,0 mm, sendo realizada a desobturação rotatória de 2,0 mm (Figura 3). O material escolhido para confecção do tampão foi o hidróxido de cálcio fotopolimerizável (Biocal/Biodinâmica), o qual foi inserido com sua própria seringa e fotopolimerizado no espaço desobturado (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Posteriormente à confecção do tampão, procedeu-se à aplicação de ácido fosfórico a 37% na câmara pulpar por 15 segundos, lavagem e secagem desta com pelota de algodão estéril, para subsequente inserção do agente clareador (cristal de ureia) com o auxílio de um porta amálgama plástico (Figura 6). O material selador temporário utilizado foi o "Coltosol". A troca do clareador foi repetida por cinco semanas. A câmara foi neutralizada com pasta de hidróxido de cálcio, a fim de eliminar a ação residual do agente. Passado esse período, tal etapa perdurou por uma semana, pois este é o período médio para eliminação do oxigênio residual. Em seguida, realizou-se a restauração do elemento com resina composta fotopolimerizável. Pode-se observar, comparando- se as Figuras 7 e 8, que o elemento dental iniciou o tratamento em uma coloração C4 e atingiu uma coloração C2 (Figuras 7 e 8).

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

Com os avanços da Odontologia Estética, o clareamento endógeno revela-se uma alternativa segura e de menor custo para o restabelecimento da harmonia cromática de elementos desvitais. É fundamental que o profissional utilize um protocolo clínico, embasado no conhecimento científico, a fim de se obter maior controle sobre os riscos e uma maior previsibilidade dos resultados.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Renan Menezes Cardoso
Rua Antonio Novaes, 51/ 902 Graças
CEP: 52050-280 - Recife - PE

 

Recebido para publicação: 29/06/09
Aceito para publicação: 30/09/09