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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Reparo dos tecidos periodontais após cirurgia ressectiva: relato de caso clínico

 

Repair of periodontal tissues following ressective surgery: a case report

 

 

Márcio Cavassana CostaI; Marcela Mayana Pereira FrancoI; Antonio Luiz Amaral PereiraII; Fernanda Ferreira LopesII; Cláudia Maria Coelho AlvesIII; Adriana de Fátima Vasconcelos Pereira IV

I Cirurgiões-Dentistas graduados pela Universidade Federal do Maranhão
II Doutores em Patologia Bucal, Professores Adjuntos, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís – MA, Brasil
III Doutora em Odontologia, área de Dentística, Professora Adjunto, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís – MA, Brasil
IV Doutora em Odontologia, área de Materiais Dentários, Mestre em Periodontia, Professora Adjunto, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís – MA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Procurou-se demonstrar o restabelecimento do espaço biológico por meio de cirurgia periodontal e observar as alterações dimensionais durante o processo de reparo do tecido gengival e ósseo por um período de seis meses. As medidas de margem gengival, nível de inserção relativo, junção mucogengival e término cervical foram obtidas antes da cirurgia retalho de espessura total associada com osteotomia e osteoplastia, e repetidas durante todo o período de reavaliação. As radiografias foram realizadas para verificar a formação da lâmina dura durante esse período. Os resultados revelaram: 1) junção mucogengival sem maiores alterações aos 6 meses; 2) houve alteração no nível de inserção relativo em média de 0,5 mm; 3) migração coronária da margem gengival a partir do 2º mês e estabilização no 4º mês; 4) estabilização da papila, quanto à forma e à dobra a partir do 6º mês e quanto ao aspecto, a partir do 4º mês; 5) lâmina dura visível nas cristas ósseas aos 6 meses. Concluiu-se que houve reparo do tecido gengival e ósseo, possibilitando a realização de procedimento protético para a devolução da estética e função, bem como da manutenção da saúde periodontal.

Descritores: Periodonto, Cirurgia bucal, Periodontia.


ABSTRACT

The aim of this study was to demonstrate the reestablishment of the biological width with periodontal surgery and follow up the positional changes of the gingival and bone tissues after a six-month healing period. The measures of gingival margin, level of relative attachment, mucogingival junction, cervical preparation cavity were obtained before full-thickness flap with osteotomy and osteoplasty, and repeated in the postoperative. Radiographs were made to verify the formation of lamina dura at that period of evaluation. The results have showed: 1) mucogingival junction without major changes after 6 months, 2) mean of level of relative attachment 0,5 mm; 3) coronary migration of gingival margin at the 2-month and stabilization at the 4-month periods; 4) stabilization of the papilla according to the shape and to the fold after 6 months and to the appearance in 4 months, 5) visible lamina dura was observed at proximal alveolar crests at the 6-month period. It can conclude that there was repair of gingival and bone tissues, thus enabling the placement of accurate prosthetic procedure in order to provide aesthetics, function, and the maintenance of periodontal health.

Keywords: Periodontium, Surgery oral, Periodontics.


 

 

INTRODUÇÃO

Quando tentativas clínicas são realizadas para restaurar um dente com cárie, fratura, perfuração endodôntica, reabsorção radicular ou término cervical localizado subgengivalmente, estas podem resultar em inflamação gengival, aumento da profundidade clínica de sondagem, perda de inserção e reabsorção óssea alveolar e/ou hiperplasia gengival1,2.

Isso pode ser justificado pelo fato de que os tecidos periodontais precisam de uma área para acomodar sobre a superfície dental as estruturas que compõem o espaço biológico: sulco gengival, o epitélio juncional e as fibras do tecido conjuntivo gengival1,3.

Na pesquisa desenvolvida por Gargiulo et al.4 determinou- se que em média a profundidade do sulco gengival era de 0,69, epitélio juncional 0,97 (com variação de 0,71 até 1,35 mm) e a inserção das fibras gengivais 1,07 (de 1,06 a 1,07 mm) da superfície radicular, obtendo-se um valor de aproximadamente 3,0 mm, modificando de dente para dente, e até mesmo entre faces do mesmo dente. Em relação à distância média da margem gengival ao topo da crista óssea, um biométrico realizado por outro pesquisador afirmou que foi de 2,75 de um total que variou entre 2,16 a 3,34 mm5.

De um modo geral, o conhecimento das medidas do espaço biológico está relacionado principalmente ao ato cirúrgico com finalidade de aumento de coroa clínica. A relação entre técnica e essa área anatômica do periodonto é tão estreita que o nome mais correto para a cirurgia poderia ser restabelecimento do espaço biológico3,6. Dentro desse contexto, várias técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas para o tratamento da doença periodontal e adaptadas para o restabelecimento das distâncias biológicas, entre elas: retalhos periodontais associados ou não com osteotomia e inter-relação entre os procedimentos cirúrgicos periodontais e a ortodontia por meio da extrusão dental1,7-9.

Outro aspecto relevante a ser observado é o processo de cicatrização por meio de reparo tecidual após a cirurgia com o intuito de restablelecer o espaço biológico. De acordo com a literatura pesquisada, não há evidências sobre o período exato de tempo em que ocorre a estabilização da margem gengival e do nível ósseo, sendo divergente nos poucos estudos clínicos longitudinais sobre o assunto4,10-12. Dessa forma, o propósito do presente trabalho foi avaliar clínica e radiograficamente a alteração dimensional dos tecidos periodontais em um período de seis meses após cirurgia ressectiva de aumento de coroa clínica.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo masculino, 38 anos, procurou atendimento na Clínica de Graduação, da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O paciente encontrava-se saudável sistemicamente e, ao exame clínico, não apresentou profundidades de sondagem maiores que 4 mm. Havia uma fratura dentária envolvendo as faces mesial, distal e palatina do dente 15 indicando invasão das distâncias biológicas (Figura 1). Ao exame radiográfico, foi verificado tratamento endodôntico satisfatório e ausência de defeitos ósseos (Figura 2). Decidiu-se que, para a realização de um procedimento protético satisfatório, uma cirurgia periodontal com finalidade de aumento de coroa clínica era necessária. E, para tanto, o paciente assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

 

 

 

 

Após o paciente receber orientação de higiene bucal e ser submetido às sessões de raspagem e alisamento radicular, uma placa oclusal (guia oclusal) foi confeccionada em resina acrílica quimicamente ativada JET® (Clássico, Campo Limpo Paulista-SP, Brasil). Quatro sulcos verticais foram acrescentados na direção ocluso-apical correspondentes às faces mesial (M), distal (D), vestibular (V) e lingual (L). O objetivo foi encontrar o ponto preciso para a sonda periodontal milimetrada tipo Williams (Trinity®, São Paulo - SP, Brasil), na qual foi adaptado um cursor endodôntico (Indústria de Produtos Odontológicos Ltda, Londrina – PR, Brasil).

As medidas clínicas foram obtidas antes da cirurgia e avaliadas por 6 meses, segundo metodologia adaptada de estudo prévio11:

- margem gengival – distância da superfície oclusal da placa até a margem gengival nas faces M, D, V e L.
- nível de inserção relativo - distância da superfície oclusal da placa até o fundo do sulco gengival clínico nas faces M, D, V e L.
- término cervical - distância da superfície oclusal da placa até o término cervical do preparo nas faces M, D, V e L.
- nível ósseo - distância da superfície oclusal da placa até a crista óssea alveolar nas faces M, D, V e L. Os valores observados em milímetros para esses parâmetros clínicos foram inicialmente:

 

 

 

Não houve valores de término cevical para a face vestibular, visto que a fratura coronária atingia apenas as três outras faces do dente.

Realizou-se a cirurgia retalho de espessura total com osteotomia e osteoplastia, deixando-se 3 mm entre término cervical e crista óssea alveolar. Após 15 dias, confeccionou-se uma restauração provisória de resina acrílica quimicamente ativada JET® (Clássico, Campo Limpo Paulista-SP, Brasil) que foi reembasada mês a mês e, somente, após 180 dias foi realizada uma coroa metalocerâmica (Figura 3).

As alterações dimensionais dos tecidos periodontais foram acompanhadas, em especial, das papilas dentárias durante o período de cicatrização por 6 meses (Figura 4). Foram utilizados os seguintes códigos de descrição: quanto à forma - 0 (vértice da papila com forma côncava) e 1 (vértice da papila com forma plana e convexa); quanto à dobra - 0 (ausência) e 1 (presença); e, quanto ao aspecto - 0 (ausência de aspecto de casca de laranja) e 1 (presença de aspecto de casca de laranja). As imagens radiográficas revelaram sugestivamente a presença da lâmina dura no período do experimento (Figura 5).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A longevidade dos procedimentos restauradores e protéticos depende de planejamento preciso pelo profissional norteado pelo paradigma de promoção de saúde e consciente da importância da compatibilidade entre a restauração ou prótese e tecidos adjacentes10,11. Nesse contexto, a invasão do espaço biológico pode desencadear uma resposta inflamatória com consequente formação de bolsa periodontal e, ainda, reabsorção óssea e/ou hiperplasia gengival1,9.

É importante também observar o período exato de tempo em que ocorre a estabilização da margem gengival, em particular, da papila interdental e do nível ósseo após cirurgia periodontal. No caso clínico relatado, após um período máximo de 6 meses, foi observada migração apical do sítio vestibular e coronal no sítio mesial. A migração coronária da margem gengival ocorreu a partir do 2º mês, mas sua estabilização só ocorreu na face mesial no 3º mês e a partir do 4º mês nas faces distal, vestibular e palatina.

Essa migração foi discreta e demonstrou uma média de 0,5 mm em cada face. Isso pode ser explicado pelo fenômeno clínico creeping attachment, que se caracteriza pela migração do tecido gengival marginal pós-operatório em direção coronal, cobrindo parcial ou totalmente a porção da raiz exposta. Essa migração ocorre continuamente por longos períodos pós-operatórios até que um nível marginal consistente seja alcançado13. Dessa forma, é fundamental obter a estabilidade da margem gengival após cirurgia periodontal1, pois essa modificação de posição dos tecidos interfere na execução de procedimentos restauradores ou protéticos13.

Os escores de atribuição quanto à forma, aspecto e dobra foram avaliados durante a formação das papilas. Notou-se uma papila com aspecto de casca de laranja bem característico no 4º mês, bem como forma côncava e sem dobra a partir do 6º mês de pós-operatório. Esses achados são similares àquelas de Ingber et al.14 que avaliaram a completa cicatrização da papila também em um período de 6 meses após cirurgia retalho de espessura total.

No que concerne ao nível de inserção relativo, os valores observados não se apresentaram com grandes variações ao longo do período de avaliação. As faces palatina e distal obtiveram as maiores alterações, em média 0,5 mm, principalmente pela migração coronária da margem gengival nessas regiões. Todavia, Deas et al.10 observaram que ao longo de 12 meses não houve alterações teciduais significativas ao comparar as fases pré e pós-operatória. Já a presença da papila em um período de 1, 3 e 6 meses, após cirurgia retalho total estava relacionada a uma tendência à reparação tecidual na forma côncava14.

Para o nível ósseo, foi verificada a formação de lâmina dura ao final de 6 meses. Entretanto, há um relato de que esta só estava completamente visível na crista óssea aos 12 meses10.

Observa-se que a reconstrução das estruturas dentais perdidas deve respeitar princípios mecânicos, favorecendo retenção suficiente; e biológicos, preservando as estruturas de sustentação do dente, além de restabelecer a função mastigatória e estética de acordo com as condições individuais15.

A partir desse caso clínico, pode-se inferir que a estabilidade dimensional dos tecidos periodontais supra-ósseos se iniciou aos 3 meses e teve sua completa cicatrização aos 6 meses, após cirurgia ressectiva de aumento de coroa clínica, em todos os parâmetros observados. Por tratar-se de um único caso desenvolvido e, considerando as suas limitações, há necessidade de novos casos a serem estudados, por exemplo, com uma amostra mais significativa, bem como um maior período de tempo para avaliação dos itens a fim de corroborar com os achados iniciais. No entanto, os resultados encontrados são respaldados na literatura pesquisada1,13,14.

Acredita-se que o conhecimento das estruturas que integram o espaço biológico e a não invasão dessa área podem evitar uma resposta inflamatória, proporcionando efeitos adversos aos tecidos periodontais e, por conseguinte, são cruciais para a longevidade dos procedimentos restauradores e/ ou protéticos e a manutenção da saúde periodontal.

 

CONCLUSÃO

Torna-se lícito concluir que:

• A estabilização da margem gengival se deu nas faces vestibular e mesial a partir do 3º mês e nas faces distal e palatina somente no 4º mês;
• Os valores médios para nível de inserção relativo mostraram variações nas faces palatina e distal, em média de 0,5mm ao longo de 6 meses;
• Houve estabilização da papila, quanto à forma e à dobra a partir do 6o mês e quanto ao aspecto, a partir do 4º mês;
• A lâmina dura estava visível ao final de 6 meses.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Renan Menezes Cardoso
Rua Antonio Novaes, 51/ 902 Graças
CEP: 52050-280 - Recife - PE

 

Recebido para publicação: 10/02/10
Encaminhado para reformulação: 16/06/10
Aceito para publicação: 05/08/10