SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.2 Recife Abr./Jun. 2011

 

RELATO DE CASO / CASE REPORT

 

Cisto linfoepitelial em língua: relato de caso

 

Limphoepithelial cyst on tongue: a case report

 

 

Igor Henrique M. SilvaI; Luiz Alcino GueirosII; Elaine Judite de A. CarvalhoIII; Stephen R. PorterIV; Jair Carneiro LeãoV

I CMSc, Aluno do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco
II PhD, Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva, Universidade Federal de Pernambuco
III PhD, Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva, Universidade Federal de Pernambuco
IV PhD, Oral Medicine, Division of Maxillofacial Diagnostic, Medical and Surgical Sciences, Eastman Dental Institute for Oral Health Care Sciences, UCL, University of London
V PhD, Departamento de Clínica e Odontologia Preventiva, Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O cisto linfoepitelial oral (CLEO) é uma lesão incomum da boca, que se desenvolve do tecido linfoide oral. Clinicamente apresenta-se como uma lesão nodular, que raramente apresenta mais de 1,5 cm em seu maior diâmetro. Possui coloração branco-amarelada, superfície regular, é mole à palpação e assintomático na maioria dos casos, embora possa apresentar tumefação e drenagem, se associado a episódios de trauma. A localização mais freqüente dessa lesão na cavidade oral é o assoalho de boca, seguido da superfície ventral e borda lateral de língua. O CLEO é encontrado em pacientes de várias faixas etárias, porém é mais comum em adultos jovens. Neste artigo, relatamos um caso de CLEO e revisamos a literatura sobre o tema.

Descritores: Cistos; Epitélio; Língua; Linfocitose.


ABSTRACT

The oral lymphoepithelial cyst (CLEO) is an uncommon injury in the oral cavity that develops oral lymphoid tissue. Clinically, it presents as a nodular lesion that rarely has more than 1.5 cm in its largest diameter. It has a whitish-yellow, soft on palpation and asymptomatic in most cases, and although there may be swelling and drainage are associated with episodes of trauma. The most frequent location of this lesion in the oral cavity is the mouth's floor followed by the ventral surface and lateral border of the tongue. The CLEO can be foundbe found in patients of diff erent ages but it is most common in young adults. In this paper, we report a case of oral lymphoepithelial cyst later, discussing the current literature regarding this lesion.

Keywords: Cysts; Epithelium; Tongue; Lymphocytosis.


 

 

INTRODUÇÃO

O cisto linfoepitelial oral (CLEO) é uma lesão incomum, que se apresenta como uma discreta elevação assintomática branco-amarelada raramente maior que 15 mm de diâmetro1,2. Acomete, principalmente, o assoalho da boca (65,3%) e a borda lateral posterior da língua, sendo esta responsável por cerca de 13,7% dos casos2,3,4. Sua ocorrência varia da segunda até a sétima década de vida, com uma ligeira predileção pelo sexo masculino5,6.

Histologicamente caracteriza-se por uma cavidade cística forrada por epitélio pavimentoso estratificado rodeado por tecido linfóide7. A patogênese do CLEO é incerta, porém alguns autores sugerem que este pode surgir de traumatismos locais, obstrução de ductos das glândulas salivares e das criptas amigdalianas5,8-11. O tratamento para o cisto linfoepitelial oral consiste na remoção cirúrgica conservadora, sendo raras as recidivas2,5. O objetivo deste trabalho é o de apresentar um caso clínico de cisto linfoepitelial localizado em região póstero-lateral de língua.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 45 anos, leucoderma, foi encaminhada ao serviço de Estomatologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com queixa de aumento de volume em borda lateral posterior da língua. A paciente negava consumo de álcool, tabaco ou qualquer outra droga lícita ou ilícita. Sua história médica não se mostrou relevante. O exame físico extra-oral não revelou alterações significativas, porém, na avaliação intra-oral, foi observada lesão nodular de coloração amarelada, localizada em borda lateral posterior esquerda de língua (Figura 1) e tempo de evolução desconhecido. O nódulo apresentava-se assintomático, séssil, com superfície lisa, consistência amolecida e media aproximadamente 5 mm em seu maior diâmetro. Com o diagnóstico clínico de cisto linfoepitelial e agregado linfoide hiperplásico, foi realizada biópsia excisional sob anestesia local. O material foi processado, e os cortes histológicos, corados em hematoxilina e eosina, revelaram cavidade patológica revestida de epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado, preenchida por queratina e linfócitos (Figuras 2 e 3). Na parede do cisto, observa-se a presença de tecido linfoide e centros germinativos (Figura 3). Baseado nos achados histológicos foi obtido o diagnóstico de cisto linfoepitelial oral. O paciente encontra-se em acompanhamento há 1 ano, sem sinais de recidivas.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Lesões amareladas da boca podem representar condições de etiologia distinta, como cisto linfoepitelial, agregado linfoide, grânulos de Fordyce, abscesso gengival, adenoma sebáceo e hiperplasia sebácea. Contudo, lesões nodulares assintomáticas e de coloração amarelada, localizadas em assoalho bucal e borda lateral da língua, sugerem fortemente o diagnóstico de cisto linfoepitelial3,4. Além das lesões orais, o cisto linfoepotelial pode ocorrer no pescoço, causando o cisto linfoepitelial cervical ou cisto da fenda branquial12.

As características microscópicas do cisto linfoepitelial oral são similares ao cisto linfoepitelial cervical ou cisto da fenda branquial12. Esta semelhança pode ser explicada pela etiologia deste último, que está associada a alterações nos linfonodos cervicais durante a embriogênese13. Microscopicamente o CLEO mostra-se como uma cavidade cística revestida por epitélio pavimentoso estratificado, sem projeções para o conjuntivo, preenchida por material homogêneo pálido, macrófagos espumosos e células epiteliais desgarradas. Na parede cística, observam-se centros germinativos e um denso infiltrado de células linfocíticas, além de tecido conjuntivo fibroso14-16. Desse modo, a análise histopatológica dos cortes histológicos corados em HE (Figuras 2 e 3) do caso relatado revela características clássicas de um cisto linfoepitelial oral.

A patogênese do cisto linfoepitelial é incerta. Acredita-se que este pode surgir da proliferação de nódulos linfáticos no interior de glândulas salivares maiores ou menores, associada à obstrução ductal provocada pela proliferação de tecido linfoide9,10,17. As lesões orais podem ser causadas pela implantação de focos ectópicos de tecido linfoide, que podem proliferar e promover encarceramento mediante traumatismos. Ainda, sugere-se que a obstrução das criptas tonsilares ocorreria pelo acúmulo de material purulento ou de revestimento epitelial10,17. Um notável aumento na incidência de cistos linfoepiteliais das glândulas salivares maiores foi documentado em pacientes HIV positivos6 bem como sua associação na cavidade oral com o cisto epidermoide5 e a glossite migratória benigna18. No momento da realização do exame clínico, não havia evidências clínicas da presença de glossite e cisto epidermoide na cavidade oral da paciente5,18.

Cerca de 5% dos pacientes HIV positivos podem apresentar um aumento de volume assintomático das parótidas como consequência de uma condição conhecida por síndrome da linfocitose infiltrativa difusa19,20. Trata-se de uma condição imunologicamente mediada, caracterizada pela proliferação de tecido linfóide com aumento do número de linfócitos T CD8,21-23. Embora diversos autores relatem e expliquem o surgimento de cistos linfoepiteliais intra-parotídeos 24-27, pouco tem sido descrito com relação ao CLEO associada ao vírus HIV e a outras glândulas salivares.

 

CONCLUSÃO

Baseando-se nas características clínicas e histopatológicas do caso em questão, conclui-se que se tratava de um cisto linfoepitelial oral com uma apresentação clínica bem característica e achados histopatológicos evidentes , tendo sido tratado cirurgicamente com sucesso, sem apresentar recidivas.

 

REFERÊNCIAS

1. Seifert G. Lymphoid lesions of the oral cavity. Pathol Res Pract. 1980;167(2-4):179-203. Review.         [ Links ]

2. Flaitz CM, Davis SE. Oral and maxillofacial case of the month: oral lymphoepithelial cyst. Tex Dent J. 2004; 121(7):624-31.

3. Antoniades D, Epitavianos A, Zaraboukas T. Lymphoepithelial cysts of the oral cavity:literature review and report of four cases,one case with coexistence of epidermal cyst. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004;98(2):209.

4. López-Jornet P. Oral Lymphoepithelial cyst. Ann Dermatol Venereol. 2007 Jun-Jul;134(6):75-88.

5. Epitavianos A, Zaraboukas T, Antoniades D. Coexistence of lymphoepithelial and epidermoid cysts on the floor of the mouth: report of a case. Oral Dis. 2005;11:330-3.

6. Gallagher G, Kabani S, Noonan V. Oral lymphoepithelial cyst. J Mass Dent Soc. 2006;54:52.

7. Ahn SK, Won JH, Lee SH, Choi EH, Choi SI. Lymphoepithelial cyst associated with epithelial inclusion cyst. Am J Dermatopathol. 1996 Aug;18(4):424-6.

8. Buchner A, Hansen LS. Lymphoepithelial cysts of the oral cavity. A clinicopathologic study of thirty-eight cases.Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1980; 50: 441–449.

9. Mandel L, Reich R. HIV parotid gland lymphoepithelial cysts. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1992;74:273-8.

10. Mayer M, Haddad J. Human immunodeficiency virus infection presenting with lymphoepithelial cysts in a six year-old child. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1996;105:242-4.

11. Cataldo E, Santis HR. A clinico-pathologic presentation. Lymphoepithelial cyst. J Mass Dent Soc. 1985;34:56.

12. Glosser JW, Pires CAS, Feinberg SE. Branchial cleft or cervical lymphoepithelial cysts: Etiology and management. JADA. 2003; 134: 81-86.

13. Chandler JR, Mitchell B. Branchial cleft cysts, sinuses and fistulas. Otolaryngol Clin North Am. 1981;14:175-86.

14. Tunkel DE, Loury MC, Fox CH, Goins MA, Johns ME. Bilateral parotid enlargement in HIV-seropositive patients. Laryngoscope. 1989;99:590-5.

15. Finfer MD, Schinella RA, Rothstein SG, Persky MS. Cystic parotid lesions in patients at risk for the acquired immunodeficiency syndrome. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:1290-4.

16. Holliday RA, Cohen WA, Schinella RA. Benign lymphoepithelial parotid cysts and hyperplastic cervical adenopathy in AIDS-risk patients: a new CT appearance. Radiology. 1988;168:439-41.

17. Shugar J, Som P, Jacobson A, Ryan J, Bernard P, Wickman S. Multicentric parotid cysts and cervical adenopathy in AIDS patients: a newly recognized entity: CT and MR manifestations. Laryngoscope. 1988;98:772-5.

18. Pereira KMA, Nonaka CFW, Santos PPA, Medeiros AMC, Galvão HC. Coexistência incomum de cisto linfoepitelial oral e glossite migratória benigna. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(2):318.

19. Itescu S, Brancato LJ, Buxbaum J, et al.A diff use infiltrative CD8 lymphocytosis syndrome in human immunodeficiency virus (HIV) infection: a host immune response associated with HLA-DR5. Ann Intern Med. 1990;112:3-10.

20. Itescu S, Winchester R. Diff use infiltrative lymphocytosis syndrome: a disorder occurring in human immunodeficiency virus-1 infection that may present as a sicca syndrome. Rheum Dis Clin North Am. 1992;18:683-97.

21. Itescu S, Dalton J, Zhang H-Z, Winchester R. Tissue infiltration in a CD8 lymphocytosis syndrome associated with human immunodeficiency virus-1 infection has the phenotypic appearance of an antigenically driven response. J Clin Invest. 1993;91:2216-25.

22. Mandel L, Kim D, Uy C. Parotid gland swelling in HIV diff use infiltrative CD8 lymphocytosis syndrome. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1998;85:565-8.

23. Schrot RJ, Adelman HM, Linden CN, Wallach PM. Cystic parotid gland enlargement in HIV disease: the diff use infiltrative lymphocytosis syndrome. JAMA. 1997;278:166-7.

24. Labouyrie E, Merlio JPH, Beylot-Barry M, et al. Human immunodeficiency virus type 1 replication within cystic lymphoepithelial lesion of the salivary gland. Am J Clin Pathol. 1993;100:41-6.

25. Morris MR, Moore DW, Shearer GL. Bilateral multiple benign lymphoepithelial cysts of the parotid gland. Otolaryngol Head Neck Surg. 1987;97:87-90.

26. Mandel L, Hong J. HIV-associated parotid lymphoepithelial cysts. JADA. 1999;130: 23-28.

27. Schiodt M, Greenspan D, Daniels TE, et al. Parotid gland enlargement with xerostomia associated labial sialadenitis in HIV-infected patients. J Autoimmun. 1989;2:415-25.

 

 

Endereço para correspondência:
Jair Carneiro Leão, PhD
Programa de Pós-graduação em Odontologia Universidade Federal de Pernambuco
Av. Prof. Moraes Rego, 1235 Recife - PE/Brasil
CEP: 50670-901
E-mail: jleao@ufpe.br

 

Recebido para publicação: 27/04/10
Aceito para publicação: 02/06/10