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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.4 Recife Out./Dez. 2011

 

ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE

 

Associação entre doença periodontal e alterações cardiovasculares: revisão dos achados atuais

 

Association between periodontal disease and cardiovascular disorders: review of current findings

 

 

Denise Regina Pontes Vieira I; Gabrielle Ribeiro Lima I; Anna Clara Fontes Vieira I; Fernanda Ferreira Lopes II; Maria Carmen Fontoura Nogueira da Cruz II

 

I Universidade Federal do Maranhão - UFMA, mestranda do programa de Pós-Graduação em Odontologia – Mestrado em Odontologia
II Universidade Federal do Maranhão - UFMA, professora adjunta do curso de Odontologia. Doutora em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Inflamação crônica de qualquer fonte está associada a risco cardiovascular aumentado, e doença periodontal é uma possível desencadeadora de inflamação crônica. A associação entre doença periodontal e alterações cardiovasculares é biologicamente plausível. Desse modo, este trabalho tem como objetivo realizar revisão da literatura atual no intuito de investigar se há associação entre doenças cardiovasculares e doença periodontal, verificando se esta se constitui em um fator de risco para as doenças cardiovasculares. Uma relação causal direta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas ainda não está estabelecida. Diversos estudos apoiam dois mecanismos biologicamente plausíveis: 1) periodontite severa a moderada aumenta o nível de inflamação sistêmica, e isso tem sido mostrado através de medições da proteína C-reativa e outros biomarcadores; 2) na periodontite não-tratada, espécies bacterianas comumente encontradas nas bolsas periodontais também têm sido encontradas nas placas de ateroma. Existem muitas controvérsias sobre essa questão, principalmente quanto à causa e a mecanismos fisiopatológicos que expliquem essa associação. Sendo assim, mais estudos são necessários para que se possa afirmar, com exatidão, se a doença periodontal é ou não fator de risco para as alterações cardiovasculares.

Descritores: Doença periodontal; Doenças cardiovasculares; Fatores de risco.


ABSTRACT

Chronic inflammation from any source is associated with increased cardiovascular risk, and periodontal disease is a possible trigger of chronic inflammation. The association between periodontal disease and cardiovascular disorders is biologically plausible. Thus, this paper aims to review the current literature in order to investigate if there is an association between cardiovascular disease and periodontal disease, verifying if that it constitutes a risk factor for cardiovascular disease. A direct causal relationship between periodontitis and atherosclerotic cardiovascular changes has not been established yet. Several studies support two biologically plausible mechanisms: 1) moderate to severe periodontitis increases the level of systemic inflammation and it has been shown by measurements of C-reactive protein and other biomarkers; 2) in untreated periodontitis, bacterial species commonly found in periodontal pockets have also been found in atherosclerotic plaques. There is much controversy on this issue, especially regarding the cause and pathophysiological mechanisms that explain this association. Thus, further studies are required before to say with accuracy whether periodontal disease is or is not a risk factor for cardiovascular disorders.

Keywords: Periodontal disease; Cardiovascular disease; Risk factors.


 

 

INTRODUÇÃO

Em todo o mundo, as doenças cardiovasculares são a primeira causa de morte e projeta-se que elas continuem sendo, estimando-se que, no ano de 2015, 20 milhões de pessoas morrerão de doenças cardiovasculares. Estas incluem doença cardíaca coronariana, doença cerebrovascular, aumento da pressão arterial, doença arterial periférica, dentre outras. Os ataques cardíacos são causados, principalmente, por um bloqueio que impede o sangue de fluir para o coração ou para o cérebro. A causa mais comum é a formação de depósitos de gordura nas paredes internas dos vasos sanguíneos que suprem o coração ou o cérebro. Os vasos se tornam mais estreitos e menos flexíveis, o que é conhecido como aterosclerose. É uma doença sistêmica, sendo a inflamação um importante fator de risco adicional1-3.

Periodontite, doença inflamatória crônica, localizada e induzida por bactérias, destrói o tecido conjuntivo e osso que suporta o dente. A inflamação crônica de qualquer fonte está associada com risco cardiovascular aumentado, e a periodontite é um possível desencadeador de inflamação crônica 4,5 .

Está bem estabelecido que patógenos periodontais podem ocasionar infecções sistêmicas severas. Desse modo, as bactérias são capazes de causar doenças em locais distantes. A possível associação entre saúde bucal (especialmente doença periodontal) e alterações cardiovasculares vem sendo, atualmente, objeto de vários estudos clínicos e laboratoriais. Uma importante hipótese em cardiologia tem sido a de que infecções crônicas podem contribuir para a aterogênese. Estudos epidemiológicos, associando inflamação sistêmica com aterosclerose e eventos cardiovasculares, têm mostrado consistente relação entre os níveis de marcadores inflamatórios sistêmicos com infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral não-hemorrágico. Essa associação é biologicamente plausível, e maior ênfase tem sido dada à consistência dos achados 6,7.

Tendo em vista esses aspectos, este trabalho tem como objetivo realizar revisão de literatura, a fim de investigar a associação entre doenças cardiovasculares e doença periodontal, verificando, dessa forma, se a doença periodontal constitui- se em fator de risco para as doenças cardiovasculares.

MECANISMOS DE AÇÃO

Uma relação causal direta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas ainda não está estabelecida. Diversos estudos, no entanto, apoiam 2 mecanismos biologicamente plausíveis: 1) periodontite severa a moderada aumenta o nível de inflamação sistêmica, e isso tem sido mostrado por meio de medições da proteína C-reativa e outros biomarcadores; 2) na periodontite não-tratada, espécies bacterianas comumente encontradas nas bolsas periodontais também têm sido encontradas nas placas de ateroma. Uma relação indireta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas se daria por meio de vários fatores de risco que comumente ocorrem nas duas doenças. São eles: fumo, diabetes mellitus, obesidade, inatividade física, história familiar das duas alterações, idade avançada e sexo. Esses fatores atuariam como confundidores8.

Efetivamente, apesar de estar bem documentada a associação estatística entre as duas patologias, ainda não está determinado, com exatidão, o mecanismo biológico que as relaciona. Estão em curso linhas de investigação que tentam encontrar essa pretensa relação9,10.

Ação direta dos microrganismos

Autores que defendem essa ligação baseiam-se, sobretudo, na detecção de material genético de bactérias periodontais em placas de ateroma. De grande relevância para as alterações cardiovasculares é a evidência da presença de DNA de patógenos periodontais em placas ateroscleróticas de indivíduos com periodontite 9,7.

Resposta imunológica do organismo

Existe a hipótese de serem os fenômenos imunológicos a estabelecerem a ponte entre infecções periodontais e ocorrência de fenômenos tromboembólicos. Efetivamente, havendo uma infecção crônica na cavidade oral, são constantemente lançados, na circulação, produtos bacterianos, como é o caso das endotoxinas. Estas estimulam o sistema imune no sentido da liberação de uma série de citoquinas inflamatórias, que, por sua vez, vão influenciar a formação de ateromas9.

Indivíduos com periodontite apresentam mudanças nos parâmetros de inflamação sistêmica: não apenas pacientes com periodontite têm inflamação periodontal local aumentada mas também têm maior inflamação na circulação sanguínea. Quando comparados com indivíduos sadios periodontalmente, pacientes com periodontite têm maior número de granulócitos circulantes ou maior concentração de marcadores da fase aguda, como a proteína C-reativa7.

Embora a hipótese da inflamação forneça uma explicação plausível e atrativa para a relação periodontite/aterosclerose, mais estudos são necessários para definir os mecanismos que ligam essas duas doenças. Algumas questões deverão ser respondidas em pesquisas futuras, como: A periodontite é um fator de risco independente para doença cardiovascular aterosclerótica? Se sim, qual o mecanismo de relação e em qual estágio da aterogênese isso é importante?8.

Proteína C-Reativa (PCR)

A intensidade e a persistência da reação inflamatória associada à doença periodontal puderam ser avaliadas em pacientes com diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC) por meio da dosagem sérica de marcadores inflamatórios, como proteína C-reativa (PCR), interleucinas e anticorpos direcionados a conhecidos patógenos da mucosa oral. Em recente estudo, demonstrou-se que, apesar de não haver diferença estatisticamente significante nos níveis de PCR entre pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) e diferentes estados de saúde periodontal, aqueles pacientes que possuem alto grau de doença periodontal apresentaram queda dos níveis de PCR de forma mais lenta, quando comparados aos pacientes com melhor saúde periodontal11,12.

Hiperlipidemia

Acredita-se que a periodontite possa estar associada com a hiperlipidemia. A lipoproteína associada à fosfolipase A2 (Lp-PLA2) é uma enzima que se tem mostrado como sendo fator de risco para as doenças cardiovasculares e que está envolvida na degradação de mediadores da inflamação. Um estudo de caso-controle feito por Lösche et al.13 mostrou que a periodontite está associada à elevação de triglicerídeos e colesterol total no plasma, e o tratamento da periodontite reduziu significativamente a atividade sérica da fosfolipase A2 (Lp-PLA2) que se acredita ser um fator de risco cardiovascular independente.

Indivíduos saudáveis com periodontite, comparados com grupos-controle de características semelhantes, apresentaram níveis significativamente maiores de triglicerídeos séricos, colesterol total e LDLs. A hiperlipidemia induzida pela periodontite parece estar associada à liberação de citoquinas em resposta à infecção por gram-negativos, nomeadamente a IL-1 e o TNF-a. Ambas as citoquinas podem alterar o metabolismo lipídico e produzir hiperlipidemia9.

Genética

Outra teoria sugere que existe um mecanismo genético comum que estabelece a ligação entre periodontite e aterosclerose. É evidente que a expressão da doença periodontal não depende, apenas, do fator etiológico bacteriano, o que explica por que pacientes com pouca placa bacteriana podem ter formas graves da doença e vice-versa. Efetivamente, alguns pacientes apresentam uma resposta aumentada às infecções, fato que parece estar relacionado com diferenças na resposta inflamatória/imunológica, especificamente na capacidade de segregação de monócitos9.

Recentemente novos achados têm-se reportado ao genoma humano e a sua influência nas doenças coronarianas. Pesquisa confirmou uma associação conhecida de duas regiões no cromossomo humano 9p21.3 com doença coronariana e mostrou forte associação adicional desses loci com o risco de periodontite agressiva. Estudos genéticos têm identificado uma região do genoma humano perto dos genes CDKN2A e CDKN2B, como tendo influência nas doenças coronarianas. Foi mostrado que essa região genética também está associada com um risco substancial aumentado de periodontite agressiva14.

Doença periodontal X Alterações Cardiovasculares

O tratamento periodontal parece atenuar a inflamação sistêmica e disfunção endotelial (primeiro passo no processo que leva à aterosclerose). Estudos mostram que há uma relação dose-dependente: melhores desfechos do tratamento periodontal parecem estar associados com mudanças mais significativas nos parâmetros sistêmicos7.

Sugere-se que o tratamento da doença periodontal pode reduzir o risco cardiovascular, porém poucas evidências defendem que isso possa reduzir os eventos cardiovasculares. Contudo, parece racional sugerir que a boa saúde oral pode contribuir positivamente para a saúde geral e que saúde oral deficiente pode ser vista como um marcador de estilo de vida não saudável15.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se a existência de vários estudos que investigam a possível associação entre alterações cardiovasculares e periodontite. Apesar de os resultados apontarem para uma associação positiva entre ambas, existe muita controvérsia principalmente quanto à causa e aos mecanismos fisiopatológicos que justifiquem essa associação. Alguns dos quais sugerem associação positiva, enquanto outros apontam para a não existência dessa associação. As diferentes metodologias empregadas podem justificar os diferentes resultados encontrados na literatura.

Algumas pesquisas sugerem ainda que o tratamento periodontal parece atenuar inflamação sistêmica e disfunção endotelial, que é o primeiro passo no processo que leva à aterosclerose. No entanto, parece ser consenso que a saúde oral pode contribuir positivamente para a saúde geral.

Enfatiza-se que mais estudos são necessários para que se possa afirmar, com exatidão, se a doença periodontal se constitui ou não em um fator de risco para alterações cardiovasculares.

 

REFERÊNCIAS

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15. Davis M. Periodontal disease - another cardiovascular risk factor to consider? Brazilian Journal of Cardiology, 2009; 16: 11–12.

 

 

Endereço para correspondência:
Maria Carmen Fontoura Nogueira da Cruz
Av. dos Portugueses - Campus do Bacanga, s/n
Prédio de Odontologia, Programa de Pós–Graduação São Luís/MA
CEP: 65000-000
E-mail: ma.carmen@uol.com.br

 

Recebido para publicação: 04/01/10
Encaminhado para reformulação: 18/08/10
Aceito para publicação: 27/01/11