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Odontologia Clínico-Científica (Online)

versão On-line ISSN 1677-3888

Odontol. Clín.-Cient. (Online) vol.10 no.4 Recife Out./Dez. 2011

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Mortes por causas externas de agricultores em municípios de pequeno porte da Paraíba

 

The profile of farmers deaths from external causes in small municipalities of Paraíba

 

 

Eliane Helena Alvim de Souza I; Pierre Andrade Pereira de Oliveira II; Michelle Isola Gomes III; Maria do Socorro Dantas de Araújo IV; Élvio Luís Ramos Vieira V; Maria da Conceição Andrade de Oliveira V; Arnaldo de França Caldas Júnior VI

 

I Professora Doutora da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco. FOP/UPE
II Doutor pelo Programa de Odontologia da Universidade de Pernambuco. UPE/FOP
III Perita Oficial Odonto Legal do Instituto de Polícia Científica do Estado da Paraíba
IV Diretora do Núcleo de Medicina e Odontologia Legal da Paraíba (NUMOL)
V Doutorando do Programa de Odontologia da Universidade de Pernambuco. UPE/FOP
VI Professor Doutor da Universidade Federal de Pernambuco. UFPE

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetivo: Verificar o perfil de mortes por causas externas dos agricultores em municípios de pequeno porte da Paraíba e suas repercussões no complexo maxilofacial. Metodologia: Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo e analítico do tipo transversal. Foram analisados 319 laudos cadavéricos de agricultores vítimas de morte violenta, com necrópsia realizada no Núcleo de Medicina e Odontologia Legal de Guarabira, entre janeiro de 2003 a dezembro de 2007. A análise dos dados foi realizada, utilizando-se de técnicas de estatística descritiva e inferencial com margem de erro do teste de 5,0%. Resultados: Dos agricultores que foram a óbito por causas externas, 90,9% eram do sexo masculino, 35,7%, com idade superior a 45 anos, e 46,4%, alfabetizados. As principais causas de morte foram a asfixia com 28,8%, seguida dos acidentes de trânsito com 23,5%. Em 53,6% das vítimas, foram identificadas lesões no complexo maxilofacial. Das regiões mais acometidas, a frontal apresenta destaque com 28,71%. Foi estatisticamente significante a relação entre o instrumento causador da morte e o local de ocorrência do fato, as lesões no complexo maxilofacial, a escolaridade e a faixa etária. Conclusões: Asfixia por afogamento foi a principal causa de morte.

Descritores: Causas externas; Lesões Maxilofaciais; Odontologia.


ABSTRACT

The objective was to assess the profile of farmers deaths from external causes of farmers in small municipalities of Paraíba. Methods: This is a descriptive and analytical, cross-sectional study. It was conducted at the Department of Legal Medicine and Dentistry of Guarabira, which covers 32 small towns. All reports of cadaveric examinations (319) between 2003 and 2007 which described the profession as farmer were included in the research. Descriptive and inferential statistical techniques were applied. Results: In the sample 90.9% were male, 95.6% mixed race, 35.7% aged over 45 years and 46.4% literate. The leading causes of death were asphyxia 28.8%, followed by traffic accidents with 23.5%, firearms 17.6% and bladed weapons 13.8%. Conclusions: The relationship between the instrument causing the death and the place of occurrence of the fact, the repercussion of lesions on the maxillofacial region, education and age of the victim was statistically significant. For farmers in small towns of Paraíba the leading cause of death is asphyxia.

Keywords: External causes; Maxillofacial Injuries; Dentistry.


 

 

INTRODUÇÃO

O termo causas externas é empregado, pela área de saúde, para se referir à mortalidade por: (a) homicídios e suicídios, agressões físicas e psicológicas; (b) acidentes de trânsito, transporte, quedas, afogamentos e outros; (c) lesões e traumas provocados, também, por esses eventos.

A violência, entretanto, é concebida como fenômeno social provocador da morte, no qual existe uma relação com as questões sociais que ocorrem nas inter-relações humanas e nas suas criações - Estado, organizações sociais e instituições1. A violência, por sua vez, é entendida como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação2.

As formas específicas de violência estão presentes, em maior ou menor intensidade, em todas as regiões do país e nos diversos grupos sociais3. Perpassam as várias fases da vida e se instauram nas mais variadas relações humanas. Juntos, os diversos tipos de violência constituem uma rede intricada e complexa, na qual todos, cada um a seu modo, são vítimas e autores a um só tempo4,5.

O custo humano de dor e sofrimento, naturalmente, não pode ser calculado e é, na verdade, quase invisível. Embora a tecnologia tenha tornado certos tipos de violência – terrorismo, guerras, rebeliões e tumultos civis – diariamente visíveis para as audiências televisivas, um número maior de atos violentos ocorre sem ser visto nos lares, locais de trabalho e mesmo em instituições sociais e médicas destinadas ao cuidado do público. Muitas das vítimas são jovens, fracas ou doentes para se protegerem. Outras, por convenções ou pressões sociais, são forçadas a guardar silêncio sobre suas experiências6.

O Brasil é rico em diversidade. Várias realidades são encontradas espalhadas pelas inúmeras regiões e municípios do país. A cultura local, as relações sociais, as organizações familiares, os locais de moradia, a profissão, a escolaridade, a faixa etária, entre outras variáveis, criam aspectos modificadores e diferenciados na distribuição das diversas formas de violência no país. Um dos fatores que pode ser abordado é o porte municipal. Cidades do interior, com pequena densidade demográfica, terminam por criar situações diferenciadas das grandes capitais e regiões metropolitanas, apresentando uma forma de violência modificada e motivada por outros aspectos.

Em 2000, do total de 5.561 municípios brasileiros, em 1.802 não ocorreu nenhum acidente de trânsito fatal; em 2.633 deles, não houve sequer um homicídio, e, em 3.382, não foi notificada qualquer morte por suicídio. Essa diferenciação interna é uma peculiaridade, que passa despercebida do público em geral. Quando se fala de violência, a população está acostumada a ter notícia do que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo, passando a imaginar que o mesmo ocorre no país inteiro e de forma homogênea1.

Os municípios de pequeno porte comportam uma vasta área de zona rural, e seus moradores têm como principal ocupação a agricultura. Esse quadro gera diferentes formas de relações sociais e exposição a riscos de violência diferenciada, seja pela necessidade de constante movimentação entre campo e cidade, pelo acesso a armas brancas como instrumento de trabalho e o maior contato com rios, lagos, lagoas, açudes e mar.

Este estudo objetivou levantar o perfil das mortes por causas externas em agricultores de municípios de pequeno porte no Estado da Paraíba e suas repercussões no complexo maxilofacial.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo quantitativo, descritivo e analítico, com um desenho do tipo transversal. O universo de análise consistiu dos laudos cadavéricos encaminhados para o Núcleo de Medicina e Odontologia Legal de Guarabira (NUMOL), situado na cidade de Guarabira/PB.

A amostragem utilizada foi do tipo censitária, no qual foram avaliados 319 laudos necroscópicos de óbitos de agricultores ocorridos em municípios de pequeno porte do interior da Paraíba. Fizeram parte da pesquisa agricultores vítimas de morte violenta, registrados no NUMOL - Guarabira, no período compreendido entre janeiro de 2003 a dezembro de 2007.

A análise dos dados foi realizada, utilizando-se de técnicas de estatística descritiva (Distribuições absoluta e percentual) e de estatística inferencial (Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher), com margem de erro do teste de 5,0%.

Essa pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário de João Pessoa e aprovada de acordo com o que foi estabelecido pela Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Foram cumpridos os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki e o atendimento a legislações específicas brasileiras. Os autores informam a não existência de conflitos de interesse.

 

RESULTADOS

Dos agricultores que foram a óbito por causas externas, a sua grande maioria era do sexo masculino, faiodermas, com idade superior a 45 anos e alfabetizados (Tabela 1). O principal local de ocorrência do fato foi na zona rural, em dias de semana, tendo como principal causa as asfixias, seguidas dos acidentes de trânsito, das armas de fogo e das armas brancas. Na maioria das vítimas, foram identificadas lesões no complexo maxilofacial (Tabela 2).

Quanto aos tipos de asfixia, o afogamento foi o principal responsável por essas mortes com 57,3%, seguidas do enforcamento com 26,1%.

Dos tipos de lesões apresentadas no complexo maxilofacial dos agricultores, foram encontradas escoriações em 29,09%, feridas contusas, em 20,31%, fraturas, em 16,19%, equimoses, em 11,68% e orifício de entrada de projétil de arma de fogo (OE PAF), em 9,45%. Verifica-se que as regiões mais acometidas foram a frontal com 28,71%, seguidas da região lábio/bucal (13,94%), orbitária (13,68%), zigomática (13,46%), nasal (12,46%) e mentoniana com 8,18%.

Foi estatisticamente significante a relação entre o instrumento causador da morte e a repercussão de lesões no complexo maxilofacial. Das vítimas de acidente de trânsito, a maioria apresentou lesões no complexo, seguidas das que foram atingidas por arma de fogo. As asfixias e mortes por arma branca apresentaram menores percentuais (Tabela 3).

A relação entre escolaridade e o instrumento causador da morte dos agricultores também se mostrou significante. Os alfabetizados apresentaram uma maior tendência de serem vítimas de acidente de trânsito e arma de fogo, enquanto os não alfabetizados, de serem vítimas de arma branca (Tabela 4)

Verifica-se que as armas brancas e os acidentes de trânsito foram responsáveis por um maior número de óbitos na faixa etária até 29 anos; as asfixias, na faixa etária de 30 a 44 anos, e as armas de fogo, nas vítimas com idade superior a 45 anos, sendo uma relação estatisticamente significante (p=0,001).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A violência é concebida como fenômeno social, e sua distribuição e suas formas podem variar nos diferentes grupos da população, sendo modificada também nas diferentes realidades de aglomeração populacional, podendo existir uma violência distinta em municípios de pequeno porte, comparados àqueles de maior porte e às regiões metropolitanas 1.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística7, em 2007, o total de mortos por causas externas no Brasil representa em torno de 8% de todos os óbitos, ressalvando que destes, 82,4% eram do sexo masculino. Esse dado revela a existência de uma maior exposição do homem, pelo fator cultural, a diversos fatores de risco que as mulheres costumam evitar. Comparando os dados do IBGE com este estudo, podemos verificar que, no grupo de agricultores, também é o sexo masculino o mais afetado pelas mortes por causas externas.

Segundo o relatório Saúde Brasil 2006 8, a faixa etária de 15 a 29 anos é responsável por 58,5% dos óbitos por causas externas. Entretanto, no grupo de agricultores, a faixa etária mais afetada compreendeu aqueles que possuíam mais de 45 anos, revelando uma das características modificadoras da violência nesse subgrupo da população. Os jovens filhos de agricultores, por estarem na zona rural, têm menos acesso aos fatores motivadores da violência das grandes metrópoles, podendo existir um maior controle e dependência da família devido ao isolamento geográfico.

Com relação à escolaridade, independentemente da região do país, os homicídios concentram-se nos municípios com menor percentual de analfabetismo8. Entre os agricultores vitimados por causas externas, podemos observar que 31% não eram alfabetizados, verificando-se maior prevalência de mortes por armas brancas nesse grupo. Já os alfabetizados tenderam a morrer por acidente de trânsito e arma de fogo mais do que os não alfabetizados. Essa tendência pode ser explicada pelo fato de os alfabetizados terem mais acesso aos meios de transporte automotivos tanto pela melhor condição socioeconômica quanto pela obrigatoriedade de escolaridade para se adquirir a Carteira Nacional de Habilitação.

Genericamente, as principais causas de morte no Brasil se concentram nos acidentes de trânsito e homicídios por arma de fogo; isso revela uma peculiaridade de mortes nesse subgrupo da população, que, por ter mais acesso a rios, açudes e lagos, tende a se expor mais nesses ambientes, sendo comum o uso destes como forma de lazer, principalmente nos finais de semana, como revelou este estudo no qual 43,9% dos óbitos aconteceram no sábado ou domingo, tendo como principal causa as asfixias por afogamento.

Os acidentes de trânsito apareceram como a segunda causa de morte dos agricultores, representando 23,5% dos óbitos; destes, 38,7% foram acidentes de moto, 28%, atropelamentos, e 14,7%, acidentes de carro. O relatório Saúde Brasil 20068 concluiu que as regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste foram as que apresentaram os maiores riscos de morte por motos. Com relação ao porte de municípios, os maiores riscos de morte foram registrados nos municípios de pequeno porte (< 100 mil habitantes). Nestes, muitos deles com grandes áreas rurais, as motos vêm se constituindo em uma alternativa para o transporte público e como um substituto para os meios de transporte tradicionais de tração animal.

O uso das motos nos municípios de pequeno porte está cada vez mais difundido, principalmente pelo seu baixo custo, comparado ao uso de carros, aumentando, assim, o acesso a grupos com menor concentração de renda que necessitam de um transporte de maior agilidade, principalmente no deslocamento da zona rural para a urbana. A falta de fiscalização nesses municípios promove o uso indiscriminado desse meio de locomoção por condutores não habilitados que não respeitam o limite de pessoas transportadas e que não têm a responsabilidade em relação ao uso do capacete, resultando em uma maior exposição dos condutores e acompanhantes a acidentes com maior gravidade, principalmente com as repercussões de lesões no complexo maxilofacial.

Dessa forma, das vítimas fatais da população estudada, 53,6% tiveram repercussões no complexo maxilofacial. O principal responsável por essas repercussões foram os acidentes de trânsito, que, por sua característica traumática, geram várias lesões em diversas regiões nesse complexo.

As causas externas têm sido uma das principais causas de morte da população brasileira. É importante descrever seus aspectos peculiares nos diversos nichos da sociedade. Como este estudo revelou, o grupo de agricultores de municípios de pequeno porte da Paraíba é afetado por diferentes causas externas, sendo mais vitimado por asfixias e acidentes de trânsito, diferenciando do principal tipo de mortes violentas que ocorrem nos municípios de maior porte e nas regiões metropolitanas. A faixa etária dos agricultores que foram a óbito por causas externas é deslocada para o grupo que possui mais de 45 anos em contraponto aos municípios de maior porte onde os mais afetados estão na faixa de até 29 anos.

Ao se considerarem esses aspectos, é necessário se fazer uma reflexão quanto às formas de abordagem em relação ao controle das causas externas. A violência vai acontecer de forma diferenciada, nos diversos grupos da sociedade, e as políticas públicas não devem ser únicas e direcionadas a um único foco. Elas devem se adaptar aos diferentes grupos da população e a suas realidades, na busca de minimizar os fatores de risco, promovendo e protegendo a vida do cidadão.

 

CONCLUSÕES

As asfixias foram as principais causas de morte de agricultores por causas externas ocorridas em municípios de pequeno porte da Paraíba. As lesões com repercussões no segmento maxilofacial foram prevalentes. Indivíduos do sexo masculino, faiodermas, alfabetizados e na faixa etária acima dos 45 anos foram os mais afetados. Pôde-se verificar relação estatisticamente significante entre o instrumento causador da morte, a faixa etária, a escolaridade das vítimas e as lesões com repercussões no complexo maxilofacial.

 

REFERÊNCIAS

1. Minayo MCS. Seis características das mortes violentas no Brasil. Rev. bras. estud. popul., 2009, 26 (1): 135-40.         [ Links ]

2. OMS. Organização Mundial da Saúde. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra, 2002.

3. DADOS/RADIS. Mortalidade por causas externas no Brasil., 3(8):1, 1985.

4. Boulding E. Las mujeres y la violência social. In: La Violencia y sus Causas. Paris. Unesco: 265-79 1981.

5. Domenach JM. La violencia. In: La Violencia y sus Causas Paris. Unesco: 33-45 1981.

6. Dahlberg LL. Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc. saúde coletiva. 2006, 11 (sup l): 1163-78.

7. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostras de domicílios. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2007.

8. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2006: uma análise da desigualdade em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

 

 

Endereço para correspondência:
Eliane Helena Alvim de Souza
Rua da Harmonia, 80 - Casa Amarela
Recife/PE CEP: 52051-390
E-mail: elianehasouza@hotmail.com

 

Recebido para publicação: 04/08/11
Aceito para publicação: 27/10/11